O Filho da Patroa da Minha Mãe - O Vencedor - Capítulo 23



Não tenho nem a ousadia de pedir desculpas pelo tanto tempo em silêncio aqui. Também não me permito a pretensão de achar que você ainda está aí, que não se cansou de esperar, me xingando, que não se esqueceu da minha história afogada nas tantas outras que te encantam. Contudo, supondo que você ainda se lembre do endereço deste blog, sem mais nenhuma escusa, eu vou continuar.

Em 14 de março, minha angústia estava espalhada por todos os lados. Meu quarto, completamente fora de ordem, parecia colecionar folhas de fichário, meias sujas, cuecas reutilizadas, canecas de café ressequidas, copos encrustados, embalagens e pratos. Colônias de mofo. Tudo tão extraordinariamente espalhado que parecia até que cada coisa tivesse sido colocada onde estava com o zelo de um que faz uma obra de arte que quisesse dar conta de ser a perfeita definição da palavra bagunça. Meu cabelo se embolava sujo num coque preso num lápis, minha pele, engordurada, as unhas, enormes e sujas. Olheiras, mau hálito, cecê e carnes de dias presas entre os dentes.

Sônia havia ligado pra pedir que eu dissesse aos demais empregados que ela não voltaria em março e que, talvez, nem em abril e que eles podiam, com a exceção do jardineiro – ela fez questão de lembrar – continuar de férias até que ela retornasse. Nada disso era novo. Era comum que seus deslumbres e embriaguezes a mantivessem presa à Europa de tempos em tempos.   

E eu, que não queria ver ninguém, falar com ninguém, me permiti faltar às aulas por mais de uma semana e fingia que estavam indo bem, maravilhosamente bem, quando minha mãe ligava. Minha avó parecia estar melhor e tudo o que eu não queria, e nem podia (imagine eu contando tudo pra ela!) era trazer mais problemas pra cabeça da minha mãe, que, por sinal, ultimamente ficava silenciosa por alguns poucos, mas longos para telefonema, segundos de silêncios dos quais voltava reclamando de dor de cabeça.

“Não é nada.” Dizia. “É só essa rotina de hospital.”

“Aproveite que está indo tanto em um e vê um médico.”

“Não sei porquê? Sua tia tá agora mesmo abafando um chazinho de carqueja pra mim. Melhor do que qualquer médico, meu filho.”

Quanta hipocrisia. Lembro de ter pensando uma vez terminado o telefonema. Eu recomendando que ela buscasse um médico, quando bastava olhar em volta pra ver que quem precisava de um médico era eu. Não exatamente de um da mesma especialidade daquele de que precisava minha mãe, mas, de um jeito ou de outro, um que desses, também, que cuidam da cabeça da gente.

Era triste o meu estado e isso não era segredo pra mim. O que parecia segredo e ainda o parece, de certa foram, era que havia um modo de sair daquilo. Na verdade, saber que há um modo a gente sempre sabe. Afinal é o que as pessoas gostam de repetir como essas bonecas com botão, que falam, em se deparando com alguém que se encontra como eu me encontrava. O segredo mesmo consta em saber onde está a porta por qual sair, a esquina a qual dobrar pra rumar pra longe...

Eu, furtivamente, vinha ignorando as furtivas mensagens de Rodolfo. “Amigo, cadê você?”, “Abel, me responde!!!!” e “Tô preocupado, viado!!!”. No dia 13, no entanto, lhe respondi tarde da noite, culpado de tê-lo tragado pr’aquela minha cratera feia: “Tô vivo. Tô bem.” e voltei a ignora-lo e todas as milhões de mensagens que fizeram meu celular vibrar, como se contorcesse feito eu, pelo pouco tempo que durou o último filete de bateria a que se agarrava.

Deixei de ser logo em seguida. Abraçado pelo esquecimento do sono, quando a força qualquer se esgota, te permitindo a paz da inconsciência.

Meu estômago me pôs pra fora da cama aos roncos aborrecidos, vazio. De pé, eu conseguia sentir o fedor do meu próprio corpo subindo com as moléculas de ar que eu ia quebrando a caminho da cozinha; como se eu apodrecesse ainda vivo.

Vinha voltando do freezer com uma embalagem de alguma refeição congelada quando joguei a coisa pro alto porque Maurício estava do outro lado do vidro da porta dos fundos. Mas não era ele. Não podia ser. Antes, Rodolfo.

“Abre essa porta!” Ele ordenou, efusivamente, forçando a maçaneta.

“O que...?” Hesitei por um momento, atordoado e com vergonha, mas tirei a chave da caixinha de madeira sobre a ilha e fui abrir a porta. Corri ao congelado no chão e pro mais distante possível de Rodolfo. Não queria que ele me sentisse feder.

“O que tá acontecendo, Abel?”

Como podia? Eu me lembro de ter pensado na hora, antes de desabar em prantos, me abraçando ao frio da Lasanha Congelada Sadia. Aquele rosto tão recente, com olhos muito tristes, me encarando, encarnando a minha dor. Como podia? Vi meu estado refletido na tristeza de um rosto, que, havia pouco mais de um mês, eu nem sabia que existia, daí despenquei num choro profundo, copioso, aos soluços, de cara feia, muito feia. Soltei um grito longo, seco, voltado pra dentro e levai a mão à boca com os olhos ainda presos na misericórdia que encharcava os olhos de Rodolfo.

O meu amigo se apressou a me abraçar.

“Dói muito.” Eu solucei.

Rodolfo nada disse. Manteve-me abraçado. Intensificou a força do abraço, afagou na nuca; provavelmente já entregue aos meus terríveis odores, nobre e grandioso demais pra se dar a detalhes tão menores.

A não ser é claro quando se findou o abraço e o assunto se tornara importante haja a vista o deplorável de mim.

“A senhora precisa de banho. Água correndo. Sabão. Shampoo. Agora, meu anjo.”

Eu não tinha forças pra tomar banho, mas tinha menos forças ainda pra reagir a um imperativo tão contundente da realidade.

Esfreguei-me com luvas esfoliantes, precisava daquele afago de mim em mim mesmo. Senti como a me pôr pra funcionar ordenando às células mortas acumuladas que partissem e ordenando ao sangue que se circulasse mais rápido. Esfreguei o couro cabeludo, enxaguei, cinza-esverdeado, e repeti deixando a espuma agir nos fios. Atrás da orelha, ela própria, os cantos do nariz, dentro de umbigo, tudo era mau cheiro de dejeto vivo ainda. Passei as unhas à escovinha. A água me escorria empretecida para o ralo e de repente, eu me via num ritual, crente. Um ritual de libertação à água e sabão.

Quando da toalha, o peso da pele da pele parecia ter ido embora, sobrando força pra sustentar o que se insistia na alma.

Aliviado em poucos por cento, então a zero novamente a um relance inevitável dos olhos fundos no espelho. Não pelo estado cadavérico do rosto castigado. Pelo profundo abismo que se abria lá pra dentro dos olhos tristes.

Escovei os dentes. Fio dental exigia tamanho domínio próprio que eu não tinha.   

À porta do banheiro, o arroz refogando brindou-me as narinas e fez rugir o estômago sôfrego.

Reconheci na pia da cozinha a louça que em pouco tempo atulhava meu quarto. Envergonhado dos corais nos pratos, canecas e vasilhames, tentei em vão dissuadir Rodolfo a abandonar a tarefa sob promessa de executá-la mais tarde quando recobradas as forças mais profundas.

“Tomar no seu cu.” Ela respondeu, modesta e carinhosa.

Eu vestia um roupão e uma cueca limpa que sabia que tinha no fundo do armário, mas que jamais tivera me animado a buscar. A toalha amarrada à cabeça chupando a água dos cabelos.

“Senta aí. Tá quase pronto.”

O som da água evaporando no arroz me reconfortava, as borbulhar aromatizado de alho. A forme ardia ansiosa dentro de mim. A lasanha girava descompassada no micro-ondas. Rodolfo terminava a louça, bem terminava o que era possível, o que não precisava ficar de molho no Veja pra desencrostar.

A bicha me serviu arroz e dividiu a lasanha ao meio. Tirou da geladeira uma jarra de suco, a safada tinha feito até suco.

“O bebezinho vai comer tudinho.” Sempre tão doce fazendo graça diminuindo a grandeza do que fazia enquanto diminuía o tamanho da destruição que encontrava.

Rodolfo se serviu também e sentou-se comigo.

“Eu mandei um milhão de mensagens pro número que eu achei no celular da mãe dele, implorando pra ele falar comigo.”

“Shi.” Ordenou com a mão erguida. “Come. Pelo menos pra comer, deixa ele de lado.”

“A bonita tem exatamente oito dias pra levantar essa poeira e colocar esse sono em dia. Tirar essa olheira e botar uma roupa bem gatz pra rebolar esse edi no sábado pra comemorar seu aniversário.”

“Tu jura? Tô até lá já.”

“Ah, mas tá. Já fiz a lista amiga e convidei aquela sua colega veterana e mais umas pessoas que a senhora é meio desprovida de contatos.”

“Viado, nem viso.” Falei com a boca cheia de lasanha quente, os olhos lacrimejantes. Enchi a boca de suco. Além do mais, meu aniversário é no dia 20, querida. Tá um pouco mal informada.”

“Não. Não estou. É que na quinta não vai ter nada que preste. E não te dei escolha. Não sou psicóloga, não entendo de nada disso, mas não precisa estudar pra saber que a senhora tá na merda e que não vou deixar ficar assim por mais tempo. Nem sei se esse é o correto a fazer numa situação dessas, mas tudo o que sei é que: “When all else fails and you long to be something better than you are today, I know a place where you can get away...” Cantou.

“...it’s called dancefloor and here’s what it’s for...” Completei.

“So, come on! Vogue. Let you body move to the music.”* Ele arrematou como um advogado diante de uma causa ganha.

“Tem alguma coisa de sobremesa nessa casa rycah?” Eu ri.

“Deve ter.” Respondi.

Tinha sorvete e calda. Tomamos os dois litros ali mesmo.

Depois nos estiramos no sofá largando a louça. Antes que me desse conta, estava com a cabeça recostada no ombro do meu amigo que me presenteava de um fraterno cafuné.

“Precisa desembaraçar isso, hein. Onde tem as coisas?”

“Deixa eu que pego.”

Me sentei no chão entre as pernas de Rodolfo, no sofá, com o creme de pentear e a escova nas mãos. Ele começou o ato carinhoso de me recompor a humanidade dos fios neanderthalensis. Como minha mãe muitas vezes antes fizera.   

“Você mandou mensagem e ele não falou nada?”

“Falou.” Meu tronco contorcia a medida em que eu lembrava. ““Aí, na moral, tá feio.” Foi o que ele disse e me bloqueou.” Eu tornei a mão à boca como a tentar abafar meu desespero, mas quando atinei, ia cravando os dentes na pele indolor.

“Solta!” Ordenou Rodolfo absurdado.

Este capítulo continua no blog Conto Sigiloso ( o endereço se encontra no meu perfil aqui).


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Comentários


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guilmarajwinsk Comentou em 12/04/2020

Nunca esqueci esse conto ,sempre ia lá no seu blog ver se tinha postado.

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omegleboy Comentou em 12/04/2020

Não ligue pra esse Ignorante do "Machonatal" adoro seus contos exatamente como são. Estava com tanta saudades das sua história e continue seus contos com todos os detalhes!

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contosigiloso Comentou em 12/04/2020

Machonatal, obrigado pela sua opinião. Acho que posso fazer pouco a respeito. Não tenho como mudar os fatos pra deixar a coisa menos "massante". Eu posso, porém, cuidar da estilística. É vou pensar nisso. E você, talvez, pudesse pensar em pegar a coisa toda lá do começo. Isso poderia te ajudar a enxergar com outros olhos.

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contosigiloso Comentou em 12/04/2020

Mhaicon, obrigado pela persistência. Eu juro que concluo.

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mhaicon Comentou em 12/04/2020

Ainda bem que voltou...estava esperando tanto.estou sempre aqui esperando a continuação

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machonatal Comentou em 12/04/2020

Conto massante, perdi a paciência logo no início.




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Nome do conto:
O Filho da Patroa da Minha Mãe - O Vencedor - Capítulo 23

Codigo do conto:
154551

Categoria:
Gays

Data da Publicação:
12/04/2020

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