Lembranças jamais morrem

(O que as flores não dizem).
Era uma fria manhã de final de outono quando saltei do carro caminhando em direção à entrada do antigo cemitério situado nos arredores de Berlim, um local esquecido por todos e temido por alguns, mas eu não estava incluído em nenhum desses grupos; sentindo o tempo pesando sobre meu corpo usei toda a minha energia até atingir o objetivo: um túmulo coroado por uma lápide de mármore branco em cujo centro via-se uma rosa entalhada com as pétalas em baixo relevo estavam cunhadas por óxido de ferro envelhecido; não havia nome nem datas apenas a rosa e mais nada; apenas eu sabia quem estava sepultado ali …, alguém muito especial para mim …, me pus de joelhos e orei com os olhos marejados pelas lembranças que surgiam em um repetido e inesquecível tormento …, mentalmente voltei no tempo.
Eu e Gustav éramos amigos desde a tenra infância e nossas famílias guardavam uma discreta proximidade; seus pais eram eruditos e musicistas com o pai ministrando aulas de composição e violoncelo na Universidade e a mãe ensinando pintura na Escola de Belas Artes; já meus pais eram funcionário públicos com uma vida regrada e pacata; enquanto Gustav se dedicava ao violino que ele manuseava com extrema habilidade eu preferia a prática esportiva variada ouvindo de meus instrutores que eu poderia ser uma promessa para as Olimpíadas; no nosso tempo livre nos divertíamos como todos os jovens da época indo ao teatro e também ao cinema e flertando com moçoilas que circulavam entre nossos amigos.
Tudo parecia perfeito em uma vida perfeita até quando os ventos amaldiçoados que sopravam de Munique avançando sobre Berlim e trazendo consigo um clamor vingativo; com a eleição do novo chanceler esse vento soprou com mais força e nos anos que se seguiram tudo ficou entre o cinza e o negro. Nessa época me tornei miliciano das tropas “SA”, alimentando um ódio que eu não era capaz de compreender e que exigia que andássemos nas sombras maquinando planos de ação que tinham data certa para acontecer.
Uma manhã, caminhando pela Alexanderplatz encontrei Gustav cujo sorriso cativante me deu um pouco de alento naqueles tempos funestos; fomos a uma cafeteria e conversamos bastante; contou que ele e seus pais sentiam saudades de minha companhia e confidenciou que pensava muito em nosso relacionamento preocupando-se com o que acontecia comigo; tive vontade de desabafar com ele, mas sabia que isso era perigoso para ambos e por essa razão desconversei várias vezes; passamos a tarde juntos e repentinamente fomos surpreendidos por uma chuva torrencial que nos fez correr em busca de abrigo; permanecemos algum tempo debaixo de uma marquise molhados e friorento; foi então que Gustav sugeriu que fossemos para sua casa onde poderíamos nos secar e também nos aquecer e mesmo relutante acabei cedendo.
Assim que entramos em sua casa e com sua habitual descontração Gustav começou a se despir pedindo que eu me incumbisse de acender a lareira; atônito com o que acontecia atendi ao seu pedido e quando me voltei dei com sua nudez inquietante; Gustav tinha a pele alva e glabra com seu ventre apolíneo e liso onde se destacava o membro de pequenas dimensões encolhido por conta do frio no ambiente; ele sorriu um tanto encabulado perguntando se eu também não iria me despir; engoli em seco, pois tinha receio de fazê-lo revelando a excitação que sua nudez despertara em mim o que criou um momento de hesitação em ambos; em um gesto impensado Gustav veio em minha direção abraçando-me ao mesmo tempo em que seus lábios se colavam aos meus encerrando um beijo lascivo.
No início esbocei uma gesto esquivo, porém o gosto de sua língua vasculhando minha boca causou um frenesi incontrolável que me fez capitular diante de um desejo inexplicavelmente recíproco. Sem que eu pudesse reagir, Gustav me ajudou a tirar as roupas e logo estávamos deitados sobre o tapete engalfinhados entre beijos e carícias; os beijos sucediam-se cada vez mais tempestuosos e inconsequentes entre dois seres entregues ao prazer.
Senti uma vibração alarmante quando ele tocou meu membro com suas mãos macias fazendo carícias e elogiando suas dimensões; subitamente ele escorregou pelo meu corpo aninhando-se entre minhas pernas segurando o mastro com as mãos ao mesmo tempo em que o aproximava de sua boca; as primeiras lambidas que iam das bolas até a glande provocavam indizíveis arrepios percorrendo minha pele e quando no momento seguinte ele o abocanhou fazendo com que desaparecesse dentro de sua boca fui tomado por uma inebriante sensação de prazer que era o resultado de pressentir o calor de sua boca enluvando meu membro. Gustav alternava enfáticas chupadas e lambidas deixando-me a mercê de seu doce domínio e fazendo que eu desfrutasse de uma experiência sensorial única e inesquecível.
E tudo ficou ainda mais insólito quando ele girou seu corpo sobre o meu oferecendo não apenas seu membro rijo como também o rego de suas nádegas que ocultavam o minúsculo selo anal impondo que eu o saboreasse tomado por um instinto atávico e inevitável; lambi suas bolas, mas não me contive em separar suas nádegas desfraldando o rego e expondo o pequeno orifício corrugado que parecia piscar impaciente; deslizei suavemente minha língua pelo vale detendo-me sobre o anelzinho dando pequenos cutucões com a ponta da língua e fazendo Gustav gemer abafado. Arrebatado pelo momento luxurioso me entreguei de corpo e alma sendo que em poucos minutos pus Gustav de quatro pincelando seu rego com a glande ouvindo seus gemidos e suspiros ansiosos.
A penetração pareceu dificultosa no início, porém após um esforço mais contundente restou exitosa e a sensação experimentada por mim foi simplesmente alucinante tal uma onda de prazer irradiando em meu corpo e reverberando no corpo de Gustav cujas reações corporais tornava tudo ainda mais excitante; copulamos por um bom tempo e parecíamos tomados por uma inexplicável harmonia física e emocional como se fossemos feitos um para o outro. E quando meu gozo sobreveio eclodiu de um modo intenso e delirante, ao mesmo tempo em que provocava o orgasmo de Gustav numa cumplicidade atordoante.
Ao nos desengatarmos suados e exaustos nos entreolhamos entre sorrisos e afagos carinhosos; deitados sobre o tapete fumamos um cigarro e nos beijamos vária vezes; quando perguntei sobre seus pais, Gustav me confidenciou que eles haviam viajado para a Polônia em busca de um exílio forçado diante da situação na Alemanha. “Só vou se você quiser! …, basta uma palavra e permanecerei aqui ao seu lado!”, respondeu ele quando eu quis saber se ele os acompanharia. Sem revelar minha atual situação como integrante das “SA”, afirmei que o mais seguro a fazer era ir ao encontro de seus pais. Gustav lamentou com os olhos marejados confessando todo o seu desejo por mim; foi preciso que eu insistisse para sua própria segurança.
Passamos a noite juntos e Gustav não demorou a me provocar para que desfrutássemos de novas sessões de luxúria entregando-se a mim de todas as formas possíveis. Nos despedimos pela manhã com a promessa dele de sair de Berlim o mais rápido possível. Nas semanas seguintes fomos arregimentados para a “Noite das Adagas Longas”, e depois dela minha posição nas fileiras de milícia ganharam notoriedade, pois afinal eu sempre detestei traidores de qualquer espécie. Entretanto tudo ficou nebuloso durante a “Noite dos Cristais Partidos”, na qual o ódio contra judeus foi finalmente destilado em toda a sua extensão. Eu pensava em Gustav e me sentia aliviado ao saber que ele não estava mais no meio daquela insanidade da qual eu fazia parte.
Lamentavelmente meu reencontro com Gustav foi uma experiência dilacerante para ambos; já integrando as “SS”, fui destacado para o Gueto de Varsóvia incumbido de providenciar seu esvaziamento com o envio de prisioneiros para o Campo de Auschwitz; ao vê-lo senti um aperto no coração; Gustav estava esquálido e pálido como se já tivesse experimentado o beijo da morte e ao me ver não conteve um sorriso que eu sinalizei para que evitasse para sua própria segurança. Com os vagões já apinhados de prisioneiros partimos em direção à fronteira polonesa, nosso destino final.
Assim que a composição estacionou para além dos portões do campo os vagões foram esvaziados com os prisioneiros formando longas filas para a triagem sob um frio pesado com ventos congelantes soprando sobre seus corpos frágeis fazendo-os tremelicarem involuntariamente; por mais de uma vez eu e Gustav nos entreolhamos e eu podia sentir sua súplica silenciosa. Com o passar do tempo fiz tudo que estivesse ao meu alcance para poupá-lo tanto das intempéries como também do ódio visceral do destacamento. E numa noite sem lua e silenciosa, retirei-o do alojamento e juntos entramos em uma viatura rumando para a fronteira com a Tchecoslováquia; lá entreguei a ele roupas limpas e documentos falsos com meu nome e sua foto orientando que rumasse para a Hungria e de lá fugisse para bem longe daquele inferno.
Antes de ir Gustav me abraçou implorando por um beijo que eclodiu em uma sucessão avassaladora de beijos e carícias que eu fui obrigado a interromper exigindo que ele partisse o mais rápido possível; pensei que jamais o veria novamente …, mas não foi bem assim. A guerra terminou com a Alemanha derrotada e dividida e um bando de homens sem futuro vagava pelos escombros do que já fora uma bela cidade; eu que não tinha mais identidade, usei de alguns contatos consegui documentos falsos fugindo primeiro para a Polônia, depois para a Hungria e fixando residência na Noruega onde me estabeleci como comerciante de peças e implementos para máquinas agrícolas e caminhões sempre usando minha falsa identidade.
O reencontro com Gustav aconteceu em Amsterdã, ironicamente numa visita guiada ao Museu de Anne Frank; assim que nos vimos sorrimos surpresos e ao mesmo tempo felizes; Gustav, que agora se chamava Hans era um sobrevivente ainda entusiasmado com a vida e seu sorriso iluminava minha alma; naquela noite fomos para o seu apartamento que ele dividia com dois gatos e um amontoado de livros e partituras. Nos despimos e fomos para a cama entre ansiados beijos e infinitas carícias; ele veio sobre mim esfregando seu membro flácido no meu cuja rigidez o excitava e entre mais beijos confidenciou o quanto sentira saudades de mim; foi uma noite memorável onde nos entregamos de corpo e alma em busca de plenitude; fodemos de frente um para o outro comigo por cima e depois de um bom tempo ele pediu para me cavalgar o que aquiesci sem hesitar até atingir o ápice ejaculando profusamente dentro de Gustav cujos gemidos eram entrecortados por juras de amor.
Foi um noite tão intensa que eu mesmo fiquei surpreso com meu desempenho já que há muito tempo não experimentava sensações tão alucinantes e deliciosas ao lado de alguém sempre especial para mim; pela manhã eu quis saber mais sobre a vida de Gustav, mas ele exibiu a parte interna do pulso onde se podia ver a tatuagem numerada. “Todo a minha dor e sofrimento estão como isto! Queimados e esquecidos no fundo de minha alma!”, ele disse com voz embargada e tom entrecortado; segurei seu queixo, sorri e beijei seus olhos. Ficamos juntos por algumas semanas até que os negócios exigiam a minha presença; pedi que ele fosse morar comigo na Noruega, mas Gustav declinou gentilmente afirmando que permaneceria sempre à minha espera.
Sempre que possível eu viajava para Amsterdã para encontrar com ele e passávamos dias e noites maravilhosos embora eu desconfiasse que ele me escondia alguma coisa …, algo inconfessável que eu supus ser um envolvimento com outro homem; descobri a verdade tarde demais …, quando ele foi internado …, com um câncer terminal …, e o outro homem era seu médico e confidente. Gustav partiu em uma manhã fria de outono e seu único pedido é que fosse enterrado sem nome e identificação; apenas eu compreendi a razão de seu pedido e para mim ele sempre seria Gustav não importando nada mais. Transladei seu corpo para Berlim, mandei esculpir a lápide e paguei para que o nome permanecesse incógnito; todos os anos venho até aqui e deixo duas rosas sobre o túmulo: uma branca para ele e uma vermelha para nós. Após algum tempo, me levantei e fitei a lápide ostentando uma expressão cortês e silenciosa. Fui embora com a certeza de que enquanto respirasse eu retornaria ao cemitério para prestar homenagens a quem me deu momentos de plena felicidade e que um dia não muito distante me juntaria a ele em algum lugar onde nada mais teria importância, apenas nós.
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Comentários


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engmen Comentou em 16/04/2024

Um conto que merece aplausos entusiasmados! Excelente!




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Ficha do conto

Foto Perfil trovão
bemamado

Nome do conto:
Lembranças jamais morrem

Codigo do conto:
212643

Categoria:
Gays

Data da Publicação:
14/04/2024

Quant.de Votos:
2

Quant.de Fotos:
2