O "FARDO" DE VIVER

Capítulo 01: Cotidiano

O que faz um homem ter desejo por outro homem? O que faz uma pessoa passar por tantas provações, tantos desafios somente para ter ao lado alguém que goste? A nossa sociedade é muito cruel, muito retrograda no aspecto de aceitamento de uma forma diferente de amar, para eles amar alguém do mesmo gênero é um absurdo! Uma violação ao código moral e dos bons costumes além de ser uma afronta a Deus... Sempre me perguntei se Deus concorda com o que as pessoas insinuam que ele acha

- Cristiano, meu filho! Levanta logo dessa cama e vai para a escola! – Exclamou minha mãe em um tom autoritário
- Já estou indo mãe – Respondi fechando o notebook– Quantas vezes tenho que dizer a ela que já estou na faculdade – Completei em um ar de reprovação.

A mesa de jantar sempre era ornada com um grande vaso de rosas brancas, minha mãe dizia que estas flores traziam calma para o ambiente. Da cozinha sem perder a elegância minha mãe surgia trazendo... ou melhor equilibrando três pratos de torradas com queijo frescal, um em cada mão e o outro entre a dobradura do braço esquerdo.

- Mãe – Repreendi com um ar de admiração – Deixe-me ajudá-la, uma hora ainda vai acabar quebrando toda a sua valiosa prataria.
- Como sempre sendo muito gentil filho – Entregou o prato da mão direita – Porém sabe como é, se eu não arrumar o café ninguém come nessa casa – Argumentava colocando o prato da mão esquerda na mesa – E ainda tenho que chamar seu irmão! Aquele menino não levanta nem por reza forte – Finalizou ajustando o ultimo prato.

- Até parece que não conhece o Rodolpho, dorme tarde acorda tarde, mas não o julgo ele tem um trabalho diferente no final das contas.
- Trabalho? – Rebateu ela em tom de ironia – Pelo menos ao meu ver aquilo nunca será um trabalho, sempre imaginei ele sendo um bom médico ou um excelente engenheiro e não aquilo que ele está fazendo.
- Não vou entrar nessa discussão de novo com a senhora, sabe o que penso disso tudo – Disse enquanto peguei a mochila no aparador ao lado da mesa – Vou indo para a faculdade, hoje tenho seis horários então só volto mais tarde.

Como de costume despedi de minha mãe com um leve e amoroso beijo no rosto seguido de um belo sorriso da parte dela que me observou sair pela porta. Meu bairro era como aqueles vistos em filmes de romance americano: Rodeado por árvores grandes e robustas com casas sem muros altos já que as mesmas se localizavam dentro de um condomínio fechado, a vizinhança era majoritariamente mais velha com aqueles sorrisos de orelha a orelha me cumprimentando enquanto seguia meu caminho a passos largos indo se encontro ao ônibus.

O trajeto não era longo, o suficiente para refletir um pouco sobre a vida e ver algumas pessoas discutirem sobre a política atual ou reclamarem de seus habituais emprego. Minha faculdade não era a mais requintada do estado ou a mais moderna, mas foi a que escolhi para cursar cinema, desde pequeno era fascinado com essa arte, lembro-me como se fosse ontem quando assisti Jurassik Park e fiquei de boca aberta com aqueles animais colossais aparecendo em tela, naquele exato momento eu sabia o que eu queria ser: Um grande diretor de cinema.

Meu bloco era o C, um lugar com cheiro de construção já que a faculdade vivia em um clico vicioso de ampliação e reforma; no final de um longo corredor com ventiladores de teto que por sinal não funcionavam direito estava a minha sala: Terceiro período de cinema 3A Noturno, me sentia muito orgulhoso de ser dessa turma mesmo possuindo algumas desavenças.

Tudo estava correndo normalmente o professor Ernesto de Roteiro II contava sobre um dos inúmeros festivais de cinema amador que havia participado, onde tinha feito um curta em que havia um plot twist atrás do outro; Ele tinha um jeito encantador de contar sobre suas aventuras pois ele nos prendia em sua falação por horas sem parecer uma espécie de tortura milenar chinesa, sem dúvidas ele era o melhor professor do período.

Em meio a grande história batidas seguidas vindas da porta se ecoam pela velha sala fazendo ele voltar ao mundo real.

- Ora bolas na melhor parte me interrompem – Dispara abrindo um grande sorriso – O que querem jovens? – Pergunta ele com a mão na cabeça.
- Viemos dar um recado – Responde uma voz grossa – Podemos entrar?
- Claro fiquem à vontade – Diz realizando uma reverência.

Nunca fui de observar os recados que as turmas de outros cursos passavam, na maioria das vezes era divulgação de festas para angariar fundos para a formatura e festas nunca foi o meu forte, não que eu as odeie só que não é muito a minha praia. Entretanto, aquela voz que havia escutado me chamou a atenção, ela era grossa, firme ao mesmo tempo que era aveludada e serena então permaneci com os meus olhos no horizonte para ver o dono dela.
Seis pessoas adentraram a sala com a permissão do professor quatro mulheres e dois homens, todos vestiam uma camisa polo branca com a frase “ Edificar é fácil, difícil e deixar de pé” bem típica de engenharia civil, meio sem jeito uma das meninas tomou a palavra dizendo que haveria uma festa no final de semana em um rancho no final da cidade e que seria Top como ela disse. Enquanto ela dava mais especificações sobre a festa os outros começaram a distribuir os panfletos do evento, percebendo que somente ela iria falar minha curiosidade em ver o dono daquela incomum voz se esvaiu me fazendo abrir o caderno para rabiscar. Em círculos aleatórios um folder é colocado sobre a minha mesa.

- Opa você gosta de x-men, que legal cara – Quebrará o silencio colocando a mão em um dos chaveiros.

Meu coração nesse exato momento deu uma compassada mais forte, sem dúvidas era o dono da voz.

- Ah sim, você também gosta? – Respondi sem jeito.
- Claro, estou esperando ansiosamente o próximo filme – Disse ele andando para a mesa de trás – Não deixe de ir na festa ela vai ser topzeira.

Topzeira? Pensei encucado, o que diabos seria topzeira? Bem, deveria ser algo realmente fantástico, peguei aquele folder e o encarei por algum tempo enquanto o grupo terminava a distribuição e se direcionava para a saída da sala. Recado dado Ernesto pulou para o meio da sala continuando sua falação, contudo já não tinha mais minha atenção.

O proprietário da voz era um homem de 1.80 mais ou menos, como sempre fui muito ruim de medidas chuto uma margem de erro de cinco centímetros para mais, era bem branco e seus olhos eram de uma cor indefinida não era verde, nem azul, mas era claro. Seu corpo era definido ele aparentava ser bem vaidoso ao contrário de mim que repudiava academia, não chegava a ser bombado era mais o tipo de “olha para mim tenho braços fortinhos e barriga seca” eu sempre tive o habito de julgar as pessoas pela aparência, não podia fazer isso já que a minha era meio ”diferente” sem contar que é uma mania feia, porém eu não me castigava por isso.

A noite se encerrou com uma aula arrastada da Mafalda professora de Cinema Brasileiro II, não consigo achar um motivo sequer para a faculdade ter a contratado ela é o tipo de mulher de meia idade que já perdeu as esperanças de ser feliz e desconta essas frustrações em seus alunos com intermináveis seminários e extensos trabalhos dos mais variados temas.
O ônibus estava calmo, nos meus fones de ouvido uma leve música instrumental se ecoava em minha mente me fazendo viajar, ter as mais diversas alucinações. Num desses devaneios a imagem do jovem da voz invadiu minha cabeça, entretanto foi removida abruptamente por causa da freada do veículo.

- Chegamos jovem – Disse o cobrador em um tom calmo.
- Obrigado João, sabe que se não me avisar acabo parando só do outro lado da cidade – Brinquei descendo do ônibus.

Na parada tive uma grata surpresa, em minha espera estava meu melhor amigo chamado Tales um rapagão moreno claro dos olhos cor de mel e boca saliente que quando aberta revelava um sorriso de dar inveja nas pessoas porque era branco como a neve e transparente como a verdade. Seu corpo era o de um menino normal de 20 anos que comia besteira e não engordava, já seu estilo... Ele tentava ser como um integrante de boy bands, só que sem sucesso.

- Fala Cris! Como você está cara! – Exclamou ele me abraçando.
- Pensei que fosse chegar só na semana que vem – Respondi esboçando um grande sorriso no rosto.
- Eu tentei me dar bem naquela roça, mas não deu cara. O meu lance é tecnologia, é o caos dessa maldita vida moderna! – Argumentou pegando sua mochila da parada de ônibus – E as coisas como andam por aqui?
- Na mesma, muito trabalho de faculdade e procurar um estágio está me esgotando – Suspirei passando a mão nos cabelos.
- E o Fred? – Perguntou como quem não queria ter terminado a pergunta.

Ao ouvir esse nome meus pensamentos congelaram e meus passos se tornaram mais lentos. Fred havia sido meu namorado por longos 4 anos, com ele perdi minha virgindade, me revelei para minha família, dividi conquistas e vibrei com as dele, passeamos, trocamos sonhos e planejamos todo o nosso futuro com direito a filhos e um cachorro chamado Jujuba. Sem dúvidas ele teve o melhor de mim e o pior as vezes, afinal um relacionamento não sobrevivi somente de coisas boas.
Infelizmente a nossa história foi abortada por um acidente que estava prestes a completar dois anos. Era tarde de domingo onde ele veio me dizer que ia na casa de uns amigos que moravam na saída da cidade para jogar papo fora e tomar cerveja, eu olhei aqueles olhos brilhantes da cor de terra e brinquei “ Amigos sei... Você quer é ver seu amante” fazendo ele responder passando a mão no meu rosto “Eu já tenho um amante, você”.
Como de praxe me deu um beijo, brincou com a minha mãe e saiu em seu carro rumo a festança, horas haviam se passado e nenhuma notícia dele, liguei inúmeras vezes, mas nenhuma fora atendida eu já estava aflito minhas mãos tremiam como vara verde até que um barulho de telefone se ecoou pela sala de estar.

- Alô – Disse minha mãe.

Nada mais foi dito somente sons monossilábicos seguido de lágrimas percorrendo o rosto de minha mãe. Seu olhar veio de encontro ao meu e eu percebi na hora o que havia acontecido, me debulhei em lágrimas e gritos sofríveis. Nunca achei um percurso de vinte minutos tão grande em toda minha vida. O hospital estava cheio de gente, a família dele estava em peso chorando e gritando, sua mãe se arrastava no chão enquanto seu pai tentava lhe dar força.

A passos lentos fui me aproximando dela que ao me ver acabou de se descontrolar, seu abraço me passava todo a dor que ela estava sentindo naquele momento e eu não podia fazer nada para conforta-la além de abraça-la também. Um longo tempo depois ela foi me dizer como havia acontecido o acidente: Ele estava dirigindo corretamente quando repentinamente um caminhão desgovernado avançou a pista contraria se colidindo com o carro em que ele estava, o motorista estava drogado e foi levado imediatamente para a delegacia enquanto o carro ficou completamente destruído.

A última imagem que tenho dele é o mesmo me dando um joinha seguido de um beijo de dentro do caro, nem ao menos me despedir eu pude porque o velório foi de caixão fechado. Por longos meses minha vida havia acabado tudo me lembrava ele, o curso, as colchas de cama, meus perfumes e até mesmo a minha imagem destruída me lembrava ele. Emagreci demais e fui parar no hospital várias vezes.

Aos poucos sua ausência foi ficando maior e a dor menor, pude ir lentamente voltando a minha rotina normal, porém não era a mesma coisa porque toda a noite eu me deitava esperando sua mensagem de boa noite e acordava sem ela.

- No fim do mês faz dois anos – Respondi com voz de choro enquanto lágrimas dominavam meu rosto.
- Des... Desculpa cara – Estremeceu Tales me abraçando.

E assim todo o assunto morreu, voltei para casa com Tales e fomos para o quarto onde me deitei na cama e ele no colchão de visitas. A noite daquele dia foi longa. Acordei com os olhos inchados parecendo que havia apanhado na rua, desci as escadas como de costume e sentei na mesa para tomar café como de praxe.

- Como foi a noite filho? – Perguntou ela já sabendo a resposta – Tem dias que são mais difíceis que os outros não?
- Muito mãe, onde está o pai? – Desconversei.
- Ele foi no supermercado com seu irmão, aquela geladeira está parecendo uma boate só luz e fumaça – Indagou sorridente – O Tales dormiu aqui? Ouvi sua voz de madrugada.
- Dormiu sim, ele voltou mais cedo de viagem
- Fala galera bonita, adorada do garotão aqui! – Exclamou Tales quebrando a conversa apática – Fiquei sabendo de uma festa que vai ter nesse final de semana que olha.... Vai ser topzeira! A gente tem que ir
- “Topzeira?! Só eu que não conheço essa gíria mesmo” – Pensei comigo mesmo – Está se referindo a festa da engenharia civil?
- O que?! Cristiano sabendo de festa?! Vai chover – Debochou.
- Ontem um grupo foi na minha sala nos convidar, eles devem ser os organizadores da festa – Respondi com pouco interesse.
- Vai ter só bebida da boa e dj’s fodões! Temos que ir nessa festa cara! – Sugeriu Tales – Eu até pago para você ir comigo!
- Sabe que eu não gosto de festas, ainda mais universitárias – Disse reprovando a ideia.
- Nada disso Cris! – Ponderou minha mãe – Já faz quanto tempo que você não vai a uma festa seja ela um churrasco na casa de alguém? Deve ter uns dois anos! Está na hora de recomeçar – Completa com um tom amável.
- Sua mãe está mais do que certa maninho, e outra, não tem que varar a noite lá! Fica só um pouco, se não gostar você volta.
- Tudo bem, tudo bem eu vou com você, mas já aviso que não irei ficar muito tempo.
- Você é quem manda! – Comemorou colocando umas bisnaguinha inteira na boca.

O café durou cerca de meia hora regado de vários temas diferentes, na parte da tarde ajudei meu amigo a acabar de chegar em sua casa, porém recusei seu convite de entrar para jogar vide-game e comer alguma coisa. Voltando pelas largas ruas do bairro olhava as folhas caindo das imensas árvores enquanto alguns pássaros sobrevoavam o céu sem se preocupar com nada, a cada passo meu pensamento ficava mais e mais distante até que sem perceber estava sentado em um balanço que se encontrava em uma pracinha de recreação cheia de cores e coberta por areia.

- Vem Cris! Você é muito mole! – Exclamou Fred parando de correr.
- Sabe que eu sou... Digamos assim um pouco sedentário – Respondi ofegante.
- Sedentário e meio quer dizer – Rebateu soltando uma grande gargalhada – senta aqui, vamos descansar um pouco – Completou sentando em um balanço.
- O que nós iremos fazer hein? Eu sinto que a cada dia que passa a convivência com a minha família fica pior, mais complicada, não estou conseguindo ter tato suficiente para conversar sem desencadear uma briga – Disse em um tom entristecido.
- A gente sabia que não ia ser fácil né amor – Argumentou passando a mão esquerda sobre meu rosto – Nosso namoro já vai fazer um ano e meio e só faz dois meses que nós assumimos para as nossas famílias, é claro que ia ter um estranhamento, um choque já que as mesmas são muito conservadoras. O que não podemos é deixar a peteca cair, pensar que estamos fazendo algo errado porque não estamos.
- Eu sei que não, mas ver a minha família me olhando torto daquele jeito com um olhar de reprovação é muito doloroso, meu pai nem sequer olhar em meu rumo está olhando, minha mãe ainda troca meia dúzia de palavras já meu irmão acha graça de tudo.... Acho que ele sempre desconfiou no final das contas.
- Sei que é difícil e continuará difícil, com o tempo eles vão nos respeitar e nos tratar como sempre, mas a sociedade sempre irá descriminar a gente não importa o que nos tornarmos, o que fizermos ela olhará para nós como estranhos, mas iremos enfrenta-las juntos amor – Propagou seu discurso olhando em meus olhos – Eu juro te proteger, te amar e te respeitar por toda a minha vida, meu coração, meu corpo, minha vida pertence a você e não importa o que aconteça eu sempre estarei com você – Indagou me dando um suave selinho.

O vento que passava pela pracinha fazia as folhas mais frágeis de desprenderem das árvores fazendo as caírem em redemoinho sobre o balanço, meus cabelos que eram longos o suficiente para serem levados por essa força invisível tampavam meus olhos que visualizavam aquela gostosa lembrança.

- Como você faz falta por aqui amor....


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Ficha do conto

Foto Perfil Conto Erotico chris1006

Nome do conto:
O "FARDO" DE VIVER

Codigo do conto:
103615

Categoria:
Gays

Data da Publicação:
22/07/2017

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