Eu gosto dela, estamos juntos a muito tempo, estamos noivos isso significa que vemos um futuro um com o outro, que somos importantes uma para o outro, eu vou falar com ela hoje, com certeza!
Hoje eu não vou ser o homem que ela está acostumada, vou mostrar uma faceta que ela desconhece, quero mostrar o que existe por trás das máscaras, quero ser incrivelmente honesto, quero que ela me conheça, que seja capaz de me amar depois disso, que me ouça e me entenda, que me aceite.
Chega um momento em que não é valido continuar sufocando, continuar evitando assuntos, eu esperei, eu fui bom para ela, e agora é minha vez, eu quero me expressar sem medo, se eu não puder confiar na pessoa que divide a cama comigo, na pessoa que eu escolhi, não poderei ser com mais ninguém.
Ela chega e me encontra de pé talvez um pouco tenso, ela me olha preocupada e eu peço que ela Me escute, peço que mantenha a mente aberta com o que vou lhe contar, respiro fundo e começo (Karen, eu te amo, eu escolhi estar com você, com o tempo eu fui te conhecendo e eu te aceitei do jeito que você é, com qualidades e defeitos e eu quero sentir que você também me aceita como eu sou, com minhas qualidades e defeitos, entende?)
Ela me encara em dúvida, ainda estava completamente perdida e eu vi que deveria ter coragem, eu precisava ser mais direito, já faz anos que eu dou sinais, que eu dou indiretas, isso nunca funcionou, não iria mudar agora, ainda de forma muito cuidadosa eu volto a dizer (Eu quero te contar sobre como eu me sinto, sobre algo que eu penso, algo que eu desejo a muito tempo e sempre tive receio de conversar com você, não sabia como iria encarar a ideia, o que pensaria a meu respeito).
Ela tenta me interromper e eu a impeço, eu preciso terminar, levei anos pra finalmente tomar coragem de ter essa conversa, então aconteça o que acontecer eu vou dizer tudo, então prossegui (Sou feliz com a nossa vida sexual, mas eu sempre quis uma coisa, eu não quero que veja isso com desrespeito, até porque eu te respeito demais, mas eu sempre desejei uma terceira pessoa, eu sempre pensei nisso, e sempre quis ter a oportunidade de dividir isso com você, essa sensação, essa vontade).
Ela empalideceu, eu a vi abrir a boca algumas vezes sem dizer nada, seu semblante se transforma rapidamente, ela diz (Eu nunca pensei que você era assim, nunca pensei que em algum momento me colocaria nessa posição, eu não acredito que está me perguntando isso, eu nunca aceitaria outra mulher em nossa cama, nunca, não me fale de respeito, só o fato de me dizer que pensa nisso já soa desrespeitoso, porque eu não sou o suficiente, porque você nunca está satisfeito com o que tem?).
Não posso negar que já havia tido aquele dialogo em minha mente muitas vezes, e rapidamente tentei explicar melhor (Não, calma, na realidade nunca pensei em colocar outra mulher em nossa cama, na realidade eu sempre quis que houvesse um outro homem, porque...)
Quando eu disse a palavra homem, ela deu um pulo da cadeira, me olhou horrorizada, como se eu tivesse dito a coisa mais absurda do mundo, ela começou a gesticular, até que começou a falar (O que você pensa que eu sou? Alguma vagabunda pra aceitar uma coisa como essa? Apenas uma verdadeira piranha pra aceitar uma proposta absurda dessa, qual é o seu problema, você é gay, onde você quer chegar com isso? Se eu soubesse dessa sua perversão doentia eu.... eu...)
Fiquei parado em silencio apenas encarando o show que Karen fazia, transformando uma conversa em uma discussão, eu estava vendo exatamente o que pensei que veria, uma mistura de incompreensão e desprezo, respirei fundo e disse de forma controlada e calma ( Eu não te acho uma vagabunda, de modo algum, eu estou tentando dividir isso com você, não disse que seria obrigada, só estamos conversando, cogitando, apenas isso, eu não sou gay, mas eu tenho vontade de ver, de assistir minha parceira com outro homem, eu sempre quis muito isso, eu sempre quis realizar isso, saber como eu me sentiria, mas no final das contas é só um pensamento, eu nunca faria nada contra a sua vontade, nada que fizesse com que você se sentisse mal).
Ela parecia achar tudo o que eu dizia um grande absurdo, parecia que cada palavra que eu dizia era encarada como uma grande ofensa, como uma agressão a sua honra e dignidade, ela continuou a me julgar de forma descuidada, até que eu a fitei e já sem paciência me permitir ser mais uma vez honesto (Karen, deixa de ser hipócrita, tudo o que você queria realizar na cama, eu não fiz? Certo, você é mais conservadora, mais o conceito é o mesmo, já se perguntou como eu me sentiria ou se eu realmente gostava de ser algemado? Acho isso uma palhaçada, mas eu fiz, quando você quis que eu te fodesse com o uniforme do trabalho, eu achei ridículo, mas eu fiz, e várias outras coisas, eu nunca te julguei, eu nunca recusei, nunca... eu não estou pedindo pra você fazer algo obrigada, eu estou falando algo que eu sempre desejei, só isso, nada mais, eu só pensei erradamente que poderia dividir isso com você, só isso)
Ela me encarou com aquela expressão ofendida, chateada e sem dizer nada, um silencio desconfortável se formou, ela me encarou com os olhos marejados e aquilo me fez recuar, o que eu havia feito? Qual era o meu problema? Será que esse meu desejo é tão repulsivo assim? Como eu não consigo enxergar a realidade como ela? E bem ali, sendo visto por aqueles olhos tristes e profundamente decepcionados eu me senti um merda.
Me rendi, me arrependi, abaixei a cabeça e disse (Me desculpe, eu fui longe demais, eu nunca quis magoar você, eu lamento) normalmente ela me vencia no cansaço, todas as vezes, eu sentia que não tinha muita energia pra gastar discutindo com ela e sempre deixava pra lá, porém naquele momento a sensação era outra, eu me senti errado, eu me senti um escroto e realmente enxerguei que foi uma loucura da minha parte sugerir algo assim para ela, provavelmente uma mulher que aceita se sujeitar a isso de fato seja uma prostituta, uma vagabunda é provável que somente dessa forma eu realize essa vontade, com uma puta, mas isso ia contra todo o contexto, destruía o significado que aquilo tinha para mim, era importante ter uma ligação forte com a mulher, vê-la sentir prazer, ser saciada por outro homem, e no fim vê-la se entregar para mim, sempre seria o escolhido, era como uma forma de entrega que estava acima de qualquer conceito padrão, eu queria ver o prazer que ela era capaz de sentir com quem quer que fosse e queria saber, eu queria ter certeza todas as vezes que ainda assim, ela me amaria no final, ela voltaria, me escolheria para estar ao seu lado, eu lhe ofereceria toda a liberdade do mundo e tudo que eu pediria em troca era a certeza de que ela sempre se lembraria do caminho de volta.
Fiquei ali parado por algum tempo, me perguntando se eu realmente havia cometido um grande erro, por um lado me incomodava tanto o fato de guardar esse segredo, era como se eu fingisse ser outra pessoa, eu ansiava por não fingir mais, por não esconder mais nada, eu acreditei que falar, colocar pra fora, tiraria um grande peso das minhas costas, que ao menos me sentiria aliviado, mas tudo foi um desastre, parece que essa parte de mim que eu ansiava tanto que a mulher que eu escolhi conhecesse, foi de fato vista por ela, mais com desprezo, talvez repulsa, eu era de fato uma pessoa repulsiva pelos meus gostos?
Ela interrompeu meus pensamentos, se aproximou de mim, segurou a minha mão e me mostrou nossa aliança e disse ( Eu gosto muito de você, mas quando você me pediu para te escolher, disse que estaríamos juntos, nós dois, e eu sempre acreditei que isso era o bastante, isso precisa bastar, porque caso contrário não daremos certo, eu nunca vou me sujeitar a fazer algo assim, eu tenho respeito e amor próprio isso não vai mudar, eu sugiro que agente procure ajuda, alguma terapia, algo que nos coloque em alinhamento novamente, que tire essas ideia loucas da sua cabeça).
Me limitei a concordar, ela me fez sentir que tinha razão, que eu estava completamente equivocado, que meu comportamento era repulsivo, porém ela ainda estava ali, ao menos isso, ela ainda estava ali...
Todo o ocorrido me vez fazer um verdadeiro inventário, eu me vejo refazendo perguntas como: O eu estou fazendo da minha vida? Porque não me sinto completo com o que já tenho? Onde eu estou errando? O que tem de errado comigo? Porque eu sou assim?
Eu não tenho mais respostas do que da última vez que me perguntei essas coisas e não sei dizer se isso faz de mim um completo incompetente por não saber viver a minha própria história, é lamentável apenas ser quando o que se é não é capaz de realizar nossas verdadeiras vontades, eu me vi ao longo do tempo ser capaz de abandonar muitos sonhos, muitas expectativas, eu amadureci, assumi minhas responsabilidade e segui em frente da melhor forma que consegui, porém isso sempre volta, eu sou capaz apenas de disfarçar, de omitir, mas cheguei à conclusão de que eu nunca serei capaz de tirar isso de mim, por que de alguma forma isso sou eu, é quem eu realmente sou, e eu preciso buscar a aceitação porque mesmo que isso me transforme em uma pessoa fraca, eu não me vejo sendo capaz de matar essa parte de mim.
Eu tinha que sair, precisa trabalhar e como um bom homem eu visto minhas mascaras, engulo a seco a tristeza, tomo minha dose de ilusão e saio.
É cansativo, degradante, triste e incrivelmente solitário, tenho bom relacionamento, sei estar entre as pessoas, porém elas veem uma parte de mim que é socialmente aceitável, eu me adaptei, eu me treinei para ser o que precisava ser, sou bom nisso, mas se isso me faz feliz? É claro que não.
A muito tempo esse meu desejo quase incontrolável me assombra, e eu já senti absolutamente tudo a respeito, eu já me senti um merda por desejar isso, já me senti um fracasso inúmeras vezes por tentar inutilmente me livrar dessa vontade, e tudo o que eu consegui com o passar dos anos foi trancar isso dentro de uma caixa blindada e imaginária a fim de esconder dos outros, e de mim mesmo, dizendo sempre que isso não é quem eu sou, eu passei a detestar o que isso representa, e ainda assim isso age como um tipo de ácido e lentamente essa ideia, vai corroendo minhas defesas e surgindo como uma ânsia, um vício, que literalmente me destrói e me faz cair novamente nessa espiral de culpa, fracasso, incompreensão, tristeza e solidão. Esse misto de sensações É simplesmente indescritível.
A sensação é a de que se eu não resistir, vou me tornar um imundo, um homem patético, fraco, talvez desprezível, eu agora tenho de fato a certeza de que nunca seria aceito, viraria piada na melhor das hipóteses, eu queria muito ser diferente, eu não quero ceder, eu não quero me tornar refém desse desejo...
Em meio aos meus pensamentos chego ao trabalho, tenho uma vida aparentemente normal, o problema são minhas vontades que estão passando bem longe de toda essa “normalidade”, mas tudo bem, eu me escondo, eu me transformo no que querem ver, ninguém me enxerga, ninguém me ouve, está tudo bem.
Me esforço para esquecer o fato, me concentrar no trabalho, encontrar uma forma de abafar isso novamente, tentar não arrumar problemas desnecessários, eu só quero ficar na boa, eu preciso sentir que estou no controle, preciso sentir que tudo isso pode ser concertado, que algum dia vai passar, que algum dia eu vou me curar disso.
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(Oi, estou interessada em me inscrever no programa Anônimos especificamente no grupo do livre ) Anônimos é um programa com diversas vertentes, o grande objetivo é conectar pessoas, por suas personalidades, sem que se tenha a interferência de status social, renda, aparência física etc... basicamente se busca um tipo de interação franca que é protegida pelo anonimato, pelo que dizem isso nos possibilita ser o que desejamos ser sem medo da reação das pessoas, sem medo de sermos rejeitados, é como um lugar neutro no mundo, onde podemos nos desprender de nossas vidas reais e simplesmente ser, ser o que somos, falar o queremos, o grande objetivo é o acolhimento mutuo, é o entendimento que não há o que temer, é simplesmente seguro, a proposta é colocar duas pessoas para conversar, elas nunca mais serão combinadas, nunca mais vão se falar, e independente do que tenham dito, revelado, essa informação será pedida no mar de informação que vai ser gerado, e todos os nossos segredos mais obscuros podem ser transformados em banalidades do cotidiano, talvez isso nos prove que todos temos um monstro dentro de nós, que todos vivemos com ele, e apenas ali poderíamos mostra-lo, deixar que ele se liberte, se mostre e que permitir isso não irá nos destruir.
Quando fiquei sabendo dessa iniciativa, demonstrei interesse no ato, acredito que todos desejamos uma fuga, um refúgio, alguém que nos escute, não nos julgue, que nos compreenda, que compartilhem de nossa dor, que queria ver o nosso melhor e que nos dê abertura para fazer o mesmo, que não se choque com nossa verdadeira face, que não nos rejeite, eu realmente anseio por aceitação genuína e altruísta.
Eu realmente quero sentir e acreditar que eu não tenho uma série de problemas, apenas conceitos diferentes, pouco convencionais, que não me definem a vida, que não são capazes de abafar todas as minhas qualidades, são características a serem aceitas e respeitadas, eu anseio provar isso a mim mesma, acreditar que isso pode ser possível, acreditar que isso não é quem eu sou e que ainda assim faz parte de mim.
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Estou em meu posto, sério e completamente perdido em meus pensamentos, com um desejo imenso de mandar tudo a merda, colocar um fim, parar de criar desculpas, justificativas, parar de mentir pra mim, para os outros, a vontade é de entrar em um ônibus e desaparecer, pegar um avião para o destino mais distante da terra, eu queria sumir; Estou cansado, irritado, coagido, extremamente oprimido pela minha própria realidade de vida.
Pessoas se aproximam, perguntam se eu estou bem, o que dizer? Claro estou ótimo!
A grande verdade é que ninguém se importa, as pessoas só desejam se ocupar, ninguém quer realmente te ouvir, te compreender, todos estão ocupados demais em se manter entretidos com suas porcarias inúteis a fim de esconder que a vida deles também é uma merda.
Bate o meu intervalo para o almoço, e nesse tempo livre me distraio com o celular, quando repentinamente vejo um anuncio a respeito de um programa chamado Anônimos, li a respeito e aquilo me chamou atenção, o conceito me era interessante, eu não acreditava muito que ele poderia de fato alcançar na realidade o que prometia, porém, a simples existência daquele programa me gerava grande curiosidade, porque não?
Eu realmente não tinha nada a perder, se a pessoa que me conhecia a anos não me aceitou, um completo estranho não o faria, mas ainda assim fui impelido a tentar. Verifiquei todos os grupos disponíveis e um deles me chamou muita atenção o grupo do livre, era um nome interessante, bem sugestivo, eu estava decidido, vou ver no que vai dar, e o melhor de tudo é anônimo, sem comprometimento, sem laços, sem ter de escolher palavras, sem ter de ser delicado, talvez fosse o local ideal para que eu deixe vir à tona tudo o que venho represando, vou acabar sendo o cara mais escroto de todo o programa mas se é pra ser eu, eu vou finalmente ser.
Naquele mesmo dia fiz minha inscrição.
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É hoje, pediram para que eu ficasse em uma sala pequena, sem nenhum estimulo, completamente branca, a minha frente havia um pequeno microfone, dessa forma aguardei por alguns minutos, até que repentinamente, ouvi uma voz masculina, (Olá, tudo bem?) me senti ansiosa com o início de uma conversa que ao que tudo indicava seria realmente diferenciada e logo respondi (Sim, tudo ótimo) inicialmente me pareceu uma conversa engessada e eu realmente acreditei que seria um grande fracasso, então como uma iniciativa de quem literalmente liga o foda-se comecei a falar ( O que você está buscando aqui?) a resposta foi rápida (Nada em especial, ainda estou decidindo) tão evasivo, já que seria difícil iniciar um diálogo desse forma lenta eu decidi iniciar, decidi jogar no ventilador, tentar choca-lo.
(Sabe, eu sou muito revoltada, tenho raiva da hipocrisia desse mundo, da forma com que estamos reféns do politicamente aceitável, eu odeio o fato de não me sentir livre, me sinto limitada, um pássaro em uma gaiola, tenho algumas vontades que eu sinto que eu nunca vou realizar na minha vida, mas ainda assim elas estão lá, eu me condeno, e acredito que qualquer um me condenaria) a resposta foi em um tom curioso (O que você esconde?) e eu simplesmente disse, eu nunca o veria, eu nunca o conheceria, eu nunca teria laços ou vínculos, nenhuma de minhas confissões seriam utilizadas contra mim no futuro.
(O meu maior desejo sexual é que eu possa fazer sexo com vários homens, porém não todos ao mesmo tempo, talvez três por vez, onde os outros me observam enquanto se masturbam aguardando sua vez, aguardando a oportunidade de finalmente me tocar, eu imagino que alguns não consigam se segurar apenas por me ver, eu imagino o peso do olhar deles, o desejo palpável que o momento poderia me oferecer, eu sinto que fazer isso faria eu me sentir completa, completamente no controle, sabe na minha opinião o sexo tem muito haver com dominação e poder, a forma como isso atua em mim, ver até onde as pessoas iriam, até onde eu poderia me satisfazer com elas, me rendendo um poder oferecido exatamente pelo desejo que estariam sentido por mim, como se quisessem me consumir completamente, como se tudo acabasse, como se nada mais importasse, eu me imagino em muitas situações semelhantes onde todos são completamente submissos, eu piso neles, eu bato neles, e faço com que se humilhem para me foder) eu mal acreditei que aquelas palavras saiam da minha boca, por um momento eu gelei completamente, ouviria uma gargalhada? Uma ofensa? Teria ele ficado assustado, chocado com minha confissão, me vendo como uma piranha imunda que não se respeita, eu espero por sua resposta (Porque não faz? O que está te impedindo?) caramba, o que está me impedindo? (Eu sou comprometida, e no meu relacionamento não tem espaço para isso, é algo que nunca seria aceito, é algo completamente fora de questão) houve um tempo de pausa, e uma pergunta (Você o trai?) rapidamente digo (Não, é um relacionamento sério, fechado) a conversa fluiu de um jeito fácil, absolutamente nada do que eu dizia o chocava, nada, tudo parecia banal, comum, aceitável ao ponto de eu me sentir de boa com tudo aquilo e olha que eu falei muita merda, eu realmente me esforcei em deixa-lo desconfortável, e nada, não havia julgamentos, xingamentos, na realidade o que havia era uma conexão, uma concordância espontânea, em seguida ele mesmo tomou a iniciativa de contar seu segredo (O meu caso não é muito diferente, sempre quis uma terceira pessoa na relação, sempre tive a maior vontade de assistir enquanto um homem fode a minha noiva, para mim é como algo que vai muito além da excitação, existe um contexto, um significado...)
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Eu contei.
Contei a uma estranha, aguardei em silêncio, estava pensativo, dizer aquilo em voz alta de novo, logo depois de uma breve pausa ela diz (Já tentou conversar abertamente?) fiquei surpreso ela não perguntou se eu era viado, apenas questionou com simplicidade, eu disse ( Fiz isso, foi um desastre, ela entendeu que eu estava comparando ela com uma vagabunda, me perguntou inclusive se eu era viado) ela ficou quieta por um tempo como que pensando no que queria me dizer e não demorou tanto ( Pode me explicar o contexto, o significado que isso tem pra você?)
Olha era a primeira vez que me perguntavam a respeito, eu via uma estranha demonstrando real interesse pela minha história, senti um calor no peito, algo que me lembrava muito alivio e contei de forma quase descontraída (Eu imaginava dividir minha vida com alguém que pudesse partilhar das minhas verdades, me conhecer, me aceitar, eu não peço nem para aceitar realizar tudo o que já pensei ou desejei, mas eu queria a liberdade de falar, de explicar, de justificar e talvez de realizar, a grande verdade é que ter um laço com a pessoa, sentir que eu a amo, sentir que ela me ama, observa-la com outro e ver que depois de tudo é comigo que está, que é para mim que ela volta, que eu sempre vou ser o escolhido dela, isso pra mim é entrega, é lealdade, fidelidade, eu não conheço uma forma mais profunda do que essa de mostrar como eu sou capaz de amar alguém, de me entregar)
Nossa falar aquilo foi incrivelmente libertador, fácil, simples ela diz (Nossa, isso chega a ser romântico, de uma forma diferencia e pouco convencional) e nós conversamos, por muito tempo, me vi falar de coisa banais, a conversa fluiu como as raízes de uma árvore, não havia um assunto especifico, um tópico, havia apenas o verdadeiro interesse de ouvir, de compreender, de opinar com total honestidade, éramos ácidos, sarcásticos, escrotos, frios e ninguém se magoou, nos libertamos bem ali, eu esqueci o peso, o estresse, a frustração, a vontade de sumir se foi, fizemos uma terapia de choque, bem ali, foi bizarra, muito bizarra.
Mas acabou, recebemos o aviso, 5 minutos e as luzes se apagariam, nunca mais nos falaríamos, essa ideia me assustou, encontrei compreensão, eu adorei me sentir ouvido, eu adorei ter alguém completamente interessado em mim, não sexualmente, era diferente, era uma coisa simplesmente única, falávamos de personalidade para personalidade, eu me encontrei, eu gostei do que vi, eu parei de me martirizar, de julgar tanto e naquele momento estava prestes a perder, a voltar do início, um verdadeiro intruso nesse mundo, um desajustado, caramba eu não queria que aquilo acontecesse, eu não queria perder essa mulher no mundo.
XXX
A conversa fluiu de forma incrivelmente fácil, muita coisa veio a superfície, muita coisa escondida no escuro de minha consciência, antes consideradas problemas gigantescos, insolucionáveis, impossíveis de serem compreendidos, que eu tentava apagar a todo custo, nada do que eu disse o assustou, ele não me ofendeu, não considerou minhas ideias como algo doentio, ele partilhou comigo seus segredos e eu compartilhei os meus e a sensação de falar isso em voz alta e de ter um retorno positivo, me surpreendeu, realmente eu estava muito impressionada, não imaginava que o programa seria tão assertivo.
Nossos monstros interiores foram libertados, colidiram, mas não se agrediram, não se destruíram, coexistiram de forma magnificam, e foram dominados, foram vistos, foram aceitos, compreendidos, e verificamos que nunca foram monstros, tratavam-se apenas de uma parte de nós, que a muito tempo havia sido maltratada, ferida, desprezada por nós mesmos, pelos que amávamos, ela vida em geral.
Ao receber o aviso que o tempo estava chegando ao fim, eu realmente senti uma tristeza enorme, abrir mão de algo assim seria algo que faria eu me arrepender, depois de um breve silêncio eu comentei (É, o tempo está acabando, eu gostei muito de te conhecer) ele diz (Eu digo o mesmo, olha existe alguma possibilidade de sermos amigos?) houve um momento, aquele momento em que se pensa nos prós e nos contras, ele sabia coisas sobre mim, muitas coisas, seria um risco traze-lo para a minha vida? Seria alguém de confiança? O tempo estava acabando... novamente o ouço (Pode me dizer o seu número de telefone?) Eu imaginei, será que é um psicopata? Alguém que vai me ligar a cada hora? Meus deus ... e apenas me ouvi dizer deixando de lado todas as considerações ( Eu vou confiar em você, 021 99988-4475) a última coisa que ouvi foi ele dizendo (Pode confiar) e a sessão foi interrompida.
Eu sai de lá pensativa, me sentia tão estranhamente leve, falar a respeito agiu como uma válvula de escape, muito mais eficiente do que esconder, omitir, eu estava surpresa com o resultado daquela sessão.
XXX
Eu não me senti um esquisito, me senti normal, me senti incrivelmente bem, tranquilo com tudo o que eu disse, me senti livre para me mostrar, e isso foi muito bom, realmente havia interesse em transformar aquilo em uma amizade, eu literalmente não tenho nada a perder, sendo quem fosse, como fosse, ainda sim valeria a pena, o que me atraia era a inteligência, o pensamento lógico, racional, a honestidade, a disponibilidade e a completa falta de preconceito.
Ao gravar o número dela em meu celular e buscar pelo aplicativo de mensagens parei um tanto quanto atônito, era uma mulher jovem, muito atraente, eu não a imaginava dessa forma, durante toda a nossa conversa o objetivo foi manter as aparências completamente de lado, mas ver com quem conversei, isso sim era estranho.
Depois de me acostumar com o fato dela ser bonita, inteligente, e completamente parecida comigo e vários sentidos, quase como uma versão feminina, eu mandei um oi.
XXX
Ele me mandou oficialmente um oi, e a conversa fluiu naturalmente, assuntos aleatórios, perguntas relevantes e respostas honestas, olhei sua foto, baixinho, cabeçudo, esquisito, falar com uma pessoa feia é tão fácil, o assunto flui com tanta naturalidade, sem qualquer tipo de tensão sexual produzida pela sexualidade, pela fantasia, criamos um excelente relacionamento passamos a nos falar todos os dias, praticamente o dia inteiro, a presença dele passou a ser uma companhia estável, confiável, confortável, eu podia dizer qualquer coisa, ele podia dizer qualquer coisa, não escondíamos nada, porque aquele era o nosso lugar seguro no mundo o nosso próprio clube no livre.
A parte bizarra foi quando houve uma troca de foto do aplicativo, reparei que a foto anterior era apenas péssima, a atual era próxima, nítida, e para minha surpresa, era um homem atraente, e isso foi desconcertante, a conversa de alguma forma foi alterada, a honestidade fria, cruel e sarcástica, foi substituída por algo mais cuidadoso, contido.
Eu realmente queria que meu amigo fosse feio, seria excelente, uma amizade eterna, inquebrável, incorruptível pela fraqueza humana, eu realmente acreditava que era uma pessoa nada atraente, e descobrir que eu estava errada acrescentava aquela amizade uma pitada de humor negro.
Eu tinha completo interesse por ele como pessoa, como personalidade, enxergava o melhor e o pior e o aceitava completamente, sem julgamentos, sem ofensas, éramos tão incrivelmente parecidos, quase que versões diferentes de uma mesma essência, uma essência desajustada, incomum e incrivelmente sexualizada, quem sabe extraterrenos abandonados na terra por não seguirmos ordens.
A partir daquele dia, o interesse, virou admiração, que gerou importância, que levou a relevância, que classificou como qualquer coisa que eu nunca diria ou admitira, um monstrinho devidamente contido.
Foi ai que de certa forma eu burlei nossas próprias regras, voltei a coagir, esconder, eis que o segredo adentrou os limites do nosso grupo do livre, o espaço seguro no mundo já não era detentor de toda a minha franqueza, deixei de ser completamente honesta.
E tudo o que criamos com o objetivo de colocar abaixo, os medos, os anseios, os defeitos, as fraquezas tudo o que quisemos transformar em banal, aceitável, simplesmente humano, toda a liberdade que foi criada, todo o propósito que tínhamos, foi irremediavelmente contaminado com minha indiscrição, eu estava fazendo novamente, estava fazendo agora com ele, mentindo, omitindo e sufocando.
Eu ignorei, como estava acostumada a fazer por toda a minha vida, e isso nem era difícil de fazer, eu era boa, tão boa que era capaz de acreditar em minhas próprias mentiras, dia após dia, ignorei e fingi que transformei em nada, e acreditei nisso, eu me justifiquei, eu voltei a ser a mesma de sempre, só não havia mais 100% de honestidade, não mais.
XXX
É uma amiga excelente, a vida ficou mais leve, vejo que não precisamos estar cercados de pessoas, uma pessoa basta, uma que nos aceite como somos, que nos compreenda, cara é incrivelmente libertador, aquele vazio do fundo da alma, aquela solidão esmagadora, tudo desaparece.
Me pergunto se gerou uma dependência, preciso mantê-la em minha vida, eu gosto da sensação de como é ter ela por perto, isso tornou-se significativo, ganhou importância, eu não quero perde-a, o simples fato de falar com ela me deixa em um estado tão grande de tranquilidade, de relaxamento, que até ignorei toda a palhaçada da minha noiva e agora agimos como se aquela conversa nunca tivesse acontecido, eu simplesmente não me importo mais, eu não me importo mais.
XXX
Foda-se
Eu finalmente tomei coragem de falar com meu marido, imaginei que poderia encontrar uma forma de falar, que não fosse ofensiva, mas que me permitisse chegar a um patamar maior de honestidade, talvez fosse isso que o nosso relacionamento pedia, um momento real de ousadia da minha parte, eu nunca saberia como ele se sentia a respeito se eu não falasse, se eu não perguntasse.
Olhei bem nos olhos do meu marido e contei como me sentia, o que eu queria, sobre os meus fetiches, ele me olhou dentro dos olhos, e ficou com raiva, agia como se eu o tivesse traído, como se eu tivesse cometido um grande erro, não quis me deixar acalma-lo, não me deixou dizer mais nada, me olhou com um semblante de raiva enquanto dizia ( Você é a porra de uma mulher casada, você tem que me respeitar, você fala como a porra de uma puta, esse tipo de coisa é algo que uma mulher que acha na rua faria, uma qualquer que agente come e dispensa, eu não aceito esse tipo de comportamento da minha esposa) eu tentei gesticular, contestar ele me impediu se aproximou de mim de forma agressiva, segurou meu braço com a mão esquerda e meu queixo com a direita, aproximou o rosto do meu e disse de forma ameaçadora e desproporcional ( Que isso nunca mais se repita, que você nunca comente isso com ninguém, que você nunca mais me falte com respeito dessa maneira) eu tentei me libertar de suas mãos, estava irada ele nunca havia me tratado dessa forma, não sou o tipo de mulher que se controla com força, ou ignorância, na realidade é isso que me revolta, que me faz ligar o foda-se, não abaixo a cabeça para ninguém, que me convença de forma racional, que me explique, eu sou capaz de ouvir, de entender, mas nunca me ameace, nunca me toque dessa forma, vai ser a primeira e a ultima vez, eu digo (Eu não sou nada disso, na realidade eu tenho liberdade para pensar da forma que quiser, não fiz nada de errado, eu não admito que me trate dessa forma) ele me solta e com o impulso que eu havia feito para me libertar eu acabo por cair no chão, eu o olho de baixo, humilhada, irada, o vejo me fitar com superioridade enquanto diz (Você é minha mulher eu vou falar e agir com você da forma que eu quiser).
Ele se retirou, e eu fiquei ali no chão por alguns minutos absorvendo tudo o que havia acontecido, eu chorei de raiva, chorei porque sentia ódio de mim, ódio dele, me senti enjoada com a forma como ele me tratou, como falou comigo, como me ofendeu, me perguntava o porque de ter uma atitude tão drástico por uma conversa, era só uma conversa, eu não tinha feito nada de errado.
Eu saio de casa, depois que sou deixada sozinha, arrumo uma pequena bolsa e rumo para uma casa da minha família que ficava próxima a praia, eu queria me afastar, queria pensar no que eu ia fazer da minha vida, eu não deixaria aquela situação barato, por mim havia acabado, havia acabado, quem faz isso uma vez toma gosto, vai fazer todas as vezes, eu sou muito mulher pra aceitar isso em minha vida.
XXX
Estou tentando falar com ela, mas ela não responde, tenho a sensação de que algo errado está acontecendo, criou-se uma rotinha, essa rotina nunca havia sido quebrada, algo estava errado.
Já no fim da tarde finalmente consigo ser atendido, a voz dela estava estranha, ela se esforçava para gerar certa normalidade, tentava passar a ideia de que tudo estava bem, como sempre, mas eu conhecia aquela voz, eu simplesmente a conhecia muito bem.
Invoco a lei máxima do clube do livre, sem mentiras, ouço um sorriso triste e uma resposta enigmática (a mentira está instalada em todos os lugares, não há como fugir disso, o problema do mundo são as pessoas, o problema das pessoas são as próprias pessoas) ela começa a chorar, eu nunca a ouvi chorar aquilo era estranho, anormal, bizarro e chocante.
Era a primeira coisa que acontecia, que ela fazia que havia sido capaz de me chocar, com calma fui descobrindo o que estava ocorrendo, ela acabou por contar tudo o que havia ocorrido, eu ouvia com um Q de revolta, eu a ouvia chorar de raiva, de tristeza, de constrangimento e isso doía, era inimaginável que alguém pudesse trata-la dessa forma.
Foi quando eu perguntei ( Onde você está? Se estiver em casa com ele, vou te tirar daí agora e vou comer esse filho da puta de porrada) ela ficou em silencio, me ouviu falar, xingar, só esperou até dizer (Estou na casa de praia, acabou, não vou voltar, acabou, acabou, eu quero acabar com toda essa merda, eu quero parar de me sentir assim, eu quero esquecer o que aconteceu, eu quero sumir) ela soluçava tanto, que eu fiquei verdadeiramente preocupado, usei todos os meus recursos e argumentos, eu queria a localização dela, nunca havíamos nos visto pessoalmente, o que tínhamos nos bastava, mas naquele momento, eu tinha a sensação de que se ela desligasse o telefone sem eu saber onde ela estava, sem eu dar um jeito de me certificar que ela estava bem, eu a perderia, algo importante se perderia naquele dia, depois de algo traumático como isso, algo com certeza de perderia, e ela era maravilhosa, perfeita do jeito que era, quem não era capaz de ver isso é que tinha problemas.
Não foi fácil, não mesmo mas consegui, ela estava tão exausta que acabou por ceder, me passou a localização, uma hora e meia de viagem de carro com o transito bom, peguei algumas coisas básicas arrumei uma mochila e fui em direção ao carro, sendo interceptado por Karem que apareceu repentinamente, me questionando, querendo saber onde estava indo, me fazendo mil perguntas com um tom autoritário, irritante, eu tentava pegar o que precisava sem dar tanta atenção a isso, me limitei a dizer (Preciso resolver um problema, tem uma pessoa que eu vou ajudar) ela me segurou querendo que eu a olhasse, enquanto falava (Quem? Onde você vai? Porque agora? Do nada? Me responde, você ta indo atrás de quem?) muitas perguntas, e eu me questionava se ela realmente queria saber, se realmente fazia sentido, ou se na realidade a mesma cena de sempre não se repetia, ela tentava me controlar, me dominar completamente, eu tinha liberdade de fazer o que ela queria, mas se era algo que não concordasse transformava minha vida em um inferno, foi ai que a minha ficha caiu, eram só palavras, nada mais do que isso, eu é que acreditei que essas palavras tinham a força para me limitar, me prender, me aprisionar nos moldes dela, e o entendimento disso me fez, finalmente me enxergar como um cara que não precisa se subjugar dessa forma, eu não preciso dessa porra, palavras não me prendem mais... abri o portão, entrei no carro, abaixei a janela ela estava do lado de fora batendo o pé de cara fechada, braços cruzados, muito contrariada com a falta de atenção que recebia e principalmente com a minha recusa em lhe obedecer, em ceder como em todas as vezes, essa filha da puta realmente me vê como um tipo de propriedade, me esculacha, não me entende, não me satisfaz, e acha que me manda? Ao abrir o vidro do carro a encaro de forma séria, seca, fria e digo (Pega suas coisas, sai da minha casa e vai tomar no seu cú).
Acelerei a deixando sem palavras, eu sentia como se houvessem tivesse tirado o pé o meu pescoço, como se tivesse me libertado de algemas, como se tivesse saído de uma prisão na qual não sei porque entrei, não sei porque fiquei, mas não tenho tempo nem energia pra chorar sobre o leite derramado, não agora e realidade isso não vai acontecer nunca.
XXX
Eu bloqueei meu marido, avisei minha irmã para que me ajudasse e fosse buscar minhas coisas, pedi para que mentisse sobre o meu paradeiro, se dependesse de mim, ele não me veria nunca mais.
O dia estava frio, cheguei de manhã a casa de praia, arrumei tudo, chorei muito, permiti que tudo viesse à tona, me expressei, fui a praia, coloquei a cadeira na areia e me pus a observar o mar, uma sensação de calma me tomou, de alivio, de desprendimento, eu não queria ser eu, eu não queria estar aqui, eu não queria ter de me esconder nunca mais, eu queria simplesmente morrer, deixar de existir, por um momento a ideia de me reinventar parecia tão complicada, difícil.
Fiquei lá sentada, enquanto sentia lágrimas grossas rolarem pelo meu rosto, eu sentia nojo na minha realidade, do ponto que eu cheguei, de como eu cooperei para que tudo chegasse a isso, estava tudo errado, minha vida estava toda errada, sempre esteve, eu chorei... só chorei até que fiquei muito exausta, me levantei e fui para o mar, mergulhei querendo ser limpa, purificada, minhas lagrimas se misturaram ao mar como uma oferenda de minha alma, como um pedido de paz, de ajuda, eu não queria mais nada aquilo, não queria mais ser uma mulher limitada.
O tempo passou e eu acabei voltando para casa e depois de um banho eu me deitei e acabei pegando no sono, um sono de desistência, de exaustão, algumas horas depois decidi finalmente atender ao telefone que não parava de tocar, era meu amigo havia ficado preocupado com meu sumiço, eu havia me esquecido dele.
Atendi querendo demonstrar o ânimo de sempre, mas eu mesma estava muito cansada para isso, não estava com paciência para tentar ser agradável, estava cansada de omitir, cansada de esconder as coisas que me incomodavam, não estava falando muito, apenas o básico, estava claramente dando a entender que queria encerra a ligação, que aquele não era um bom momento, diante da insistência, eu admito, fui vencida pelo cansaço, se aquele era o preço para ser deixada em paz, que seja, contei o que havia ocorrido, voltei aos mesmos sentimentos desagradáveis, iria finalizar a conversa, não queria ser grosseira com ele mas eu queria o meu momento sozinha porque no final eu só podia contar comigo mesma.
O cara é insuportavelmente, insistente, queria se certificar que eu estava bem, queria saber minha localização para o caso de alguma emergência, me permitir ser convencida, tudo para ser deixada em paz, logo depois voltei para a cama e tentei me acalmar, só esquecer, tudo, todos inclusive eu esqueceria a mim mesma se fosse possível.
Algum tempo depois eu me levanto, estou melhor, o corpo estava descansado e a mente também, eu estava mais disposta a organizar meus pensamentos, a encarar minha vida, minha atual realidade, seria uma mudança drástica mais necessária, ouso dizer que ainda é tardia.
Caminho até a cozinha e inicio a preparação de um chá, enquanto isso abro as portas da frente, que davam para uma varanda, era finalzinho de tarde, estava frio, nublado, assim que a bebida fica pronta eu a despejo na xicara, pego uma manta e me direciono para a varanda, me acomodo na cadeira larga, fico ali encolhida me esquentando, sentindo o calor da xicara, que me gerava uma sensação de conforto incomum.
Eu olhava para a vegetação existente naquele jardim bem cuidado e me deixava livre, totalmente livre para pensar, para me reorganizar, para me refazer, eu estava bem, estava pensando mais claramente, eu estava começando a entender, começando a acreditar de fato em tudo o que ocorreu e nas consequências geradas, e o sentimento não era mais de tristeza e sim de alivio, e outra coisa, algo estranho desconhecido e um pouco assustador, seria essa a sensação da liberdade?
Meu celular tocava novamente, insistente olho no visor, era meu amigo, permiti que um sorriso escapasse, havia sido tão grossa, atendi a ligação com uma voz praticamente normal (Oi, tudo bem?) ele responde de forma quase eufórica (Eu é que te pergunto, está tudo bem?) a preocupação dele me divertia, e eu disse em tom descontraído (Não se preocupe meu amigo, o pior já passou, está tudo no controle) ele ficou em silêncio por algum momento até que diz (Eu não sei se acredito na sua palavra neste momento, você pode estar tento um surto prestes a pular de um penhasco, me prove que você está de fato sã) eu ri daquela situação, como provaria isso? Então respondo (Estou em casa, tomando uma bela xicara de chá, completamente segura) novamente um segundo de silêncio, até que ele volta a dizer (Tem o suficiente para dois?) eu não entendi bem aquela pergunta, e logo questionei (Como assim, está pensando em despencar dai até aqui, apenas por uma xicara de chá?) e ele em meio a uma risada responde ( Mais é claro que não, agora tem o maior trânsito) eu concordei com sua afirmativa e ele complementa (Por isso que eu sai de casa antes do horário de pico, pode vir até o portão e me atender, ta frio aqui fora.) eu fiquei quieta, aquilo com certeza era uma de suas brincadeiras, aquela soou estranhamente cruel, mas fazia parte, éramos do grupo do livre, aqui não tinha espaço para esse tipo de sentimentalismo barato.
Meio sem querer muito acreditar, eu fiquei em silêncio e fui até o portão tentando não fazer barulho, ao chegar eu o abro com cuidado, ao observar de fato aquela figura ali em minha frente, me encarando tentando ao máximo demonstrar naturalidade, eu me ouço dizer ainda ao celular (Puta que pariu, você está mesmo aqui) eu não havia levado a sério, ele tinha vindo, que bizarro.
Eu fiquei parada o observando, com a maior cara de besta, até que ele me tirou desse estado dizendo (E ai? Vai me convidar pra entrar, vamos conversar aqui fora... o que vai ser? Eu preciso que você se comunique comigo, estou ficando constrangido e começando a me sentir um tanto quanto patético) eu terminei de abrir o portão, e abaixei o celular rapidamente, e fiz sinal para que entrasse, ele o fez e seguimos lado a lado em silêncio até a sala.
Eu me sentei o encarando, era algo não estranho, era fácil conversar com ele, mas eu não sabia o que estava acontecendo, estava chocada, ele se despencou até ali, a única coisa que eu de fato disse foi (Senta, fica a vontade, eu vou pegar uma xicara de chá pra você) eu sei que aquilo soou péssimo, mas eu só queria sair dali um pouco, situações como essa me desconcertam, eu costumo agir de forma calculada, não estava preparada pra isso.
XXX
Nossa, que clima estranho, pessoalmente ela parece não saber lidar comigo, não estou melhor do que ela, porém me encontro numa posição mais confortável, mais controlada, mas isso é algo que nunca deveria acontecer entre nós, isso é algo que ocorre com gente normal, nós não somos normais, nem um pouco.
Havia um sofá, eu fui a varanda peguei a cadeira que estava lá, coloquei de frente para o sofá e me acomodei, quando ela voltou, encontrou a cena montada, e eu pedi que se sentasse no sofá, bem de frente pra mim, ela o fez com semblante intrigado.
Quando ela estava diante de mim, eu estendi minha mão e disse (Muito prazer, oficialmente) ela sorriu repetiu meu ato, houve um silêncio mas ameno e por fim ela disse ( O que nós estamos fazendo? Sempre nos comunicamos tão bem, não deveria estar sendo estranho estamos aqui, você é a pessoa que mais me entende no mundo, e honestamente não haveria ninguém além de você para melhor entender tudo o que aconteceu, não existe ninguém melhor no mundo que saiba me fazer voltar ao prumo, porque você realmente sabe do que eu estou falando, sabe como me sinto, sabe o quanto foi difícil tomar a decisão de me libertar e com certeza você imagina como isso me assusta)
Eu sorri pra ela, sim eu a compreendia como ninguém, estendi minhas duas mãos para ela, as apoiei nos joelhos, ela sem titubear as segurou, não havia mas constrangimento, não éramos dois estranhos, eu lhe disse com um sorriso (Eu sei o que esta passando, compreendo que esse passo que foi dado no escuro, você saiu da sua zona de conforto, você abandonou tudo o que tinha de mais sólido, você se expôs e foi humilhada, mas você precisa entender que daqui pra frente tudo vai ser diferente, o mundo é seu, você vai poder decidir do que gosta, vai poder determinar como vai viver, você não está mais a sombra de ninguém, e eu vou estar contigo, vou participar dessa caminhada, estamos no mesmo barco, vamos descobrir uma realidade completamente nova e se ela se mostrar uma merda, se não for capaz de cumprir com as nossas expectativas, nós criaremos nossa própria realidade, é simples assim, ou dá certo, ou dá certo)
Ela me encarou e sorriu dizendo (Meu deus, eu agradeço o companheirismo, mas você sabe que não estamos no mesmo barco, quem largou a porra toda fui eu) eu cai na gargalhada, eu não havia dito a ela que também havia enfiado o pé na jaca, logo esclareci (Então, antes de vir pra cá, eu mandei minha noiva a merda, literalmente, foi umas das coisas mais loucas e mais incríveis que eu já fiz) ela me encarou pasma, e pra minha surpresa tudo o que fez foi cair na gargalhada, estendeu a xicara de chá para um brinde (Ao grupo do livre) eu repeti com um sorriso.
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É estamos no mesmo barco.
Eu olhei bem para cara dele e perguntei na maior cara de pau ( E agora o que fazemos com toda essa liberdade? O que vamos fazer essa noite Cérebro?) ele deu uma gargalhada maliciosa e disse (O que fazemos todos os dias, Pink. Tentar conquistar o mundo) Eu o encarei devolvendo a malícia e disse (E se hoje, só por hoje eu quiser conquistar apenas você?)
Parabéns, isso é uma história, e não um conto, vai ajudar muitas pessoas.