Sem uma explicação lógica, o céu, antes azul e radiante, fechou-se em negras nuvens de chuva. Distante, era possível ouvir o rumor atordoados dos trovões. Então, o aguaceiro caiu abruptamente sem um preludio sequer, e, se não fosse a paragem de ônibus solitária na beira da estrada, ter-me-ia encharcado todo, até os ossos. “Eu deveria ter trago o meu guarda-chuva” pensei automaticamente, mas me censurei em seguida lembrando que não havia a menor previsão de temporal para aquela tarde quente de verão, quando saia sobre o sol de 35 graus para ir a faculdade. Mas agora estava eu ali, preso entre o “nada” e “lugar algum” até sabe deus quando. - Quer carona? Como que por envio divino, um carro familiar parou em frente do ponto de onibus e os vidros embaçados pelas cascatas de água, que turvavam a imagem do motorista, se abriu apenas um pouco, afim de se fazer ouvido melhor. Não foi preciso muita investigação para desvendar a silhueta familiar do “Seu Paulo”, o porteiro da faculdade. Um homem “maduro” na casa dos cinquenta e poucos anos mas grande e forte como um carvalho que havia visto muitos invernos. Era uma figura muito popular entre os estudantes. De fato, era mais um ponto de referência para todos que frequentassem o campus. Se quisesse saber de algo, qualquer coisa, nos simplesmente dizíamos: “Pergunte ao Seu Paulo”. Até onde eu sabia, ele era um ex-policial civil aposentado que agora fazia alguns serviços de escolta particular e nas noites vagas, ganhando uma grana extra fazendo segurança na guarita do portão da faculdade. Era o tipo de homem gentil e brincalhão, mas ainda assim, mantendo a forte presença de autoridade, mesmo não portando mais sua arma, fiel escudeira por mais de trinta anos. - Bora rapaz, vai ficar a noite toda esperando essa chuva passar? Sem pestanejar, corri até a porta do carro que se abriu como a boca de um monstro pré-histórico – um antigo chevette restaurado com muita dedicação e dinheiro, diga-se de passagem - e me aconcheguei no banco de couro que rangeu sobre o peso do meu corpo delgado. O interior dele era quente e aconchegante, cheirando a fumaça de cigarro e colônia amadeirada. - Nossa Seu Paulo, obrigado – Disse eu tentando secar os braços, inutilmente, na camisa ensopada. – E desculpe entrar no carro do senhor assim, do ponto até aqui, nessa chuva... - Bobagem rapaz. Tome, sempre tenho algumas tolhas no carro pra eventualidades como essas. Aceitei sem cerimonias a oferta e enrolei meu corpo tremulo na toalha seca. O carro ligou e voltou para a pista deserta, rumando em direção da cidade que ficava a não mais do que três quilômetros dali. - Sorte sua que eu passei e o vi parado ali – Disse ele acendendo um cigarro preço sob os pelos do bigode. – Você não se importa? - Não, de modo algum. – menti cordialmente. Era seu carro e eu não morreria por suportar um pouco de fumaça. Não fosse por ele eu ainda estaria tremendo de frio as margens da rodovia. - Chuva de verão. - O que? - Essa chuva é de verão. Uma das mais perigosas. Surge do nada e vare tudo que tem pela frente. Meus conhecimentos sobre tempestades eram escassos e por isso simplesmente meneei a cabeça. Mas de fato parecia que não teria mais fiz toda aquela água. Os limpadores dançavam sincronizadamente de um lado para o outro, empurrando os borbotões para fora da visão de Paulo. Atento a estrada alagada. Percorremos todos o trajeto em silencio, apreensivos e atentos ao som da chuva e o rugido dos trovões. A noite se aproximava e os clarões no céu cor de chumbo brilhavam como os golpes de um deus enfurecido. Logo na entrada da cidade a luz vermelha de um vagalume surgiu entre a cortina d’agua e o carro começou a parar. A luz caminhou e se aproximou do veículo. O vidro do motorista abaixou e pude ver o oficial de polícia abrigado sob uma capa, carregando uma lanterna. - Então Rubens, - Disse o policial aposentado – Não dá pra passar? - Não senhor. – disse o policial reconhecendo Paulo – Uma tromba d’agua caiu na cabeceira e fez o rio subir instantaneamente. Estamos esperando a defesa civil chegar, mas já tem uma porrada de homens ajudando os desabrigados. Está feia a coisa. - Entendi. Bem, mesmo assim obrigado Sargento. Boa noite e cuidado com a água. - Pode deixar Senhor, boa noite. O vidro do carro se fechou e Paulo parou para pensar um pouco, depois de alguns segundo deu partido do motor e deu meia volta. – Acho que não vamos a lugar nenhum hoje. Aquelas palavras me apavoraram um pouco. Primeiro, porque a minha casa ficava do outro lado do rio e, mesmo não morando em nenhuma área de risco, pensei na minha mãe, em como ela estaria apavorada pela chuva e pelo meu desaparecimento. Como que notando meu silencio atônito, Paulo disse que seria melhor voltarmos e pegar um atalho até a sua casa, chegando lá, eu poderia por minha roupa para secar e ligar para quem quisesse para ter notícias. Aquelas palavras aliviaram minha aflição. Não sabia eu que aquela chuva, a mais devastadora que a região viu em décadas, seria um pequeno detalhe até o fim daquela noite. *** Quando desliguei o telefone, meu coração se confundia entre um sentimento de vergonha e prazer. Minha mãe estava bem e, apesar da voz tremula pelo pavor do meu desaparecimento naquela noite tempestuosa, parecia se regozijar de prazer ao saber que estava são e salvo. Dois minutos depois do chuveiro do quarto silenciar, Paulo surgiu semi nú, enrolado numa toalha branca como nova. Seu corpo parecia maior agora. - Ligou para sua mãe? – perguntou ele monotonamente enquanto procurava algo na geladeira. - Sim, ela está bem. - Isso é bom. – disse ele caminhando na minha direção trazendo duas cervejas. Ofereceu-me uma mas recusei. Ainda não havia criado o habito de beber, ainda mais numa situação como aquela. – Tem certeza? Balancei a cabeça e ele a guardou de volta na geladeira. - Olha, assim que a chuva parar eu vou embora, não precisa se preocupar... - Não, você não vai. Uma fisgada gelada passou de uma ponta a outra da minha espinha ao ouvir a voz grave e seria de um homem que fumava dois maços de cigarro por dia e havia passado boa parte da vida prendendo vagabundos dizer “não, você não vai”. – Como assim eu não vou? – retruquei sentindo a voz falhar. Ele deixou a cerveja sobre o balcão da pia e se aproximou de mim. Sua toalha, não sei se por coincidência ou por intensão, se afrouxou e caiu sobre o são do piso de madeira, revelando a nudes do seu corpo gordo e forte. Seu cabelo, basto e cinzento, contrastava com os pelos do corpo e da barba, que ainda se apegava a negrura dos anos juvenis. Sua barriga era proeminente e alta, as pernas grossas e rígidas como troncos de arvores. Seu membro pendia adormecido entre as pernas envolto por uma coroa pubiana de pelos volumosos. Me encostei na parede fria e a pele nua das costas se arrepiou. Sua mão segurou a toalha que me envolvia – a mesma que me oferecera para me secar dentro do seu carro - e a arrancou num movimento selvagem, sem encontrar qualquer resistência – pobre de mim, que poderia eu fazer para deter um homem como aquele. O tipo que toma o que quiser, quando quer. – e me vi nu, como nunca na vida, na presença de outra pessoa. Seus braços envolveram os meus, tão pequenos e mirrados, e imaginei a forma de um urso sobre a figura abatida de um cervo. Ele me abraçou, e era tão firme e suave ao mesmo tempo, sua barba roçando meu queixo e pescoço, farejando o medo que transbordava de mim na forma de frêmitos nervosos. Eu não podia vê-lo, mas sabia que ele sorria próximo ao meu ouvido. Seu hálito cheirando a enxaguante bucal e lascívia. - Você vai embora? – perguntou ele com um tão cafajeste na voz. E como eu me odiaria depois por responder tão estupidamente passivo uma pergunta retorica. – Não. Logo depois, estávamos outra vez no quarto, Eu, sentindo entre as minhas nadegas a língua de Paulo, dançando nervosamente como se meu cú fosse uma boceta. Ele, arfando como um animal sanguinário, banqueteando-se da presa abatida. (continua?)
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