Asfalto - Capítulo 01

1.
“Divino Pai. Dirigimo-nos humildemente a sua imaculada presença, para suplicar o seu perdão por nossas falhas numerosas. Nossa carne decaída teima em pecar, mesmo tendo nossa mente ciente de Teus estatutos e leis imutáveis. Lava-nos com o sangue do teu filho e deixa nossas roupas alvas novamente. Neste tempo de grande tribulação onde o leão feroz tenta nos devorar, guarda-nos em teu baluarte justo e nos habilita a continuarmos levando o teu nome para toda tribo e nação. É o que te pedimos e agradecemos não por nós mesmos, mas em nome do teu filho amado Jesus Cristo. Amém!”
- Amém! – a congregação respondeu em coro, erguendo a cabeça inclinada e abrindo os olhos.
O pastor Oliveira encerrava o culto de domingo. Os irmãos iam em direção um aos outros como corvos no milho, dando fortes apertos de mãos, e abraços calorosos, respeitando é claro o limite imposto entre pessoas de sexo diferente. As conversas, e as experiências com novos estudantes da bíblia povoavam a balbúrdia pós-culto.
- Tive que usar de muita longanimidade quando ele me disse que Deus era um assassino de guerra – dizia uma mulher jovem, ruiva, alta, de corpo bem delineado, trajando um vestido rosa de seda na altura do joelho, e um sapato cor da pele que alongava mais ainda suas pernas brancas. Ela conversava com uma senhora de meia idade – Imagine só que tamanha blasfêmia!
- São os últimos dias irmã Fernanda, como já dizia Paulo – esclareceu a senhora para ruiva.
- É verdade irmã Josefa.
O pastor Oliveira, um homem alto e robusto de generosos bigodes e pele trigal, aproximou-se das irmãs interrompendo a conversa:
- Querida, você viu o Miguel?
- O vi seguindo juntamente com a Júlia até a saída.
No estacionamento da igreja, um rapaz vestido com roupas sociais de cabelos cor de mel concentrado com generosos cachos comportados por gel, conversava alegremente com uma jovem senhora de cabelos longos e negros, elegantíssima.
- Fiquei muito feliz de verdade por ter aceitado meu insistente convite – falava o jovem, movendo suavemente seus lábios carnudíssimos e vermelhos, que davam um tom especial ao seu rosto corado de contornos longilíneos. Os dentes escancaravam um alinhamento e brancura impecáveis; os olhos grandes e vivos encantavam com seu castanho dourado incomum.
- Sabe que só vim por sua causa não é Miguel? – esclarecia a mulher.
- Dona Júlia, eu sou peça insignificante nessa noite. Acabamos de repetir a comemoração da ultima ceia do Senhor Jesus Cristo.
- Nunca diga isso, que você é insignificante – Júlia segurou forte em seu ombro, encarando-o com seus olhos negríssimos, denotando certa indignação – Um jovem lindo, inteligente, delicado, sensível, gentil, complacente... Ah, o vocabulário dos adjetivos não é suficiente para você – Ela falava com muita convicção.
- Só tento aplacar um pouquinho a dor do mundo – Miguel falava com uma humildade comovente.
- Meu anjo, que jovem hoje em dia de 18 anos, ocuparia seu tempo livre prestando serviço voluntário na oncologia infantil? Tem noção do quanto você faz bem aquelas crianças? Se eu tiver de acreditar em Deus e em religião um dia, será por inspiração de pessoas como você. Pessoas não, anjos – Júlia falava com uma emoção que fazia o coração de Miguel sentir um alento materno.
- Obrigado! – o rapaz abriu um sorriso iluminado, abraçando ela com um pouco de pudor, por estar tão próximo de uma mulher.
O momento afetuoso dos dois é interrompido pelo celular de Júlia que vibra em sua bolsa. Ela desenlaça Miguel de seus braços e saca o aparelho de dentro da bolsa, fazendo uma expressão de curiosidade ao ver um número não identificado no visor do seu celular.
- Alô – ela disse, olhando para Miguel – Não, ele não está. É a esposa dele que está falando.
Ela fica em silêncio ouvindo a outra pessoa na linha. A cada segundo sua expressão se fecha, abandonando a paz que ela havia adquirido com a presença de Miguel.
- Eu vou avisar ao pai dele, e em meia hora estamos aí – ela desligou o celular e o enfiou de volta na bolsa com muita irritação – Inferno!
- Algum problema dona Júlia? – Miguel segurou em suas mãos, que tremiam de raiva.
- O problema Miguel, é que enquanto existem anjos como você, existem também demônios como o meu enteado. Esse rapaz não vai sossegar enquanto não destruir essa família de uma vez. – ela falava com a respiração pesada.
- Tenha calma, por favor – Miguel tentava atenuar o clima pesado.
- Eu preciso ir meu querido – ela disse, dando um beijinho na bochecha de seu amigo e entrando num carro cinza palace muito luxuoso. Saiu em disparada para casa, tentando ligar para o telefone residencial, já que ela estava com o celular de seu marido, pois o seu fora roubado.
Ninguém atendia em casa.
Júlia resolveu desligar o celular pelo perigo de falar ao volante. Acelerou, sabendo que já devia ter infringido centenas de leis, mas queria descontar toda a raiva no asfalto.
No caminho seus pensamentos retrocediam há três anos quando se casara com Luciano Veronese Jadão, o rico e famoso Neurocirurgião, que transformara o pequeno hospital que o avô deixara para o pai e assim para ele, em um império.
Julia o havia conhecido em um congresso de medicina em Miami. Luciano carregava uma viuvez de dois anos. Sua mulher morrera de um aneurisma cerebral, deixando órfão um filho de 18 anos, Conrado Lima Jadão.
Luciano e Júlia firmaram uma relação profissional que terminara no altar, ou melhor, no cartório, pois os dois não tinham religião e muito menos acreditavam na existência de uma persona divina. Júlia teve como ônus dessa união, o convívio com a rebeldia desenfreada de seu enteado, que fora potencializada com o novo casamento do pai, ao qual ele acusa de ser responsável pela morte de Clarice, sua mãe.
As recentes bodas de couro de Júlia, fora um desastres total. Conrado surgiu no meio dos convidados pelado, usando apenas um cinto de couro afivelado na cintura. Os veículos de fofoca da cidade se esbaldaram no escândalo Jadão.
O carro dela estacionou bruscamente em frente a casa, sem desligá-lo, ela saiu batendo forte com a porta, e pisando pesado em passos sôfregos em direção a porta principal da mansão. Um jardim imenso e iluminado ladeava a propriedade. Do lado direito, a gigante piscina refletia a exuberante casa.
- Seu filho foi preso de novo! – ela disse adentrando abruptamente no gabinete de Luciano, que lia um livro acompanhado de uma taça de vinho do Porto.
O doutor passou a mão no rosto demonstrando total exaustão.
- O que foi dessa vez?
- Apostando “racha” – ela respondeu como se as palavras viessem pela garganta como lâminas afiadas.
Sem dizer mais nada o casal Jadão saiu em direção ao carro da mulher, que seguiu para a delegacia cantando pneu no asfalto.
- Tenho muito respeito pelo senhor e sua família doutor, mas seu filho já está extrapolando todos os limites – dizia o delegado, contra argumentando o pedido de soltura de Luciano.
- Eu sei delegado Luís, mas não houve nenhum ferido.
- Até quando não haverá Luciano. Falo agora como o seu amigo, você precisa dar algum tipo de lição no Conrado. Parar com essas atitudes dele.
Luciano apenas ficou em silêncio. Ele era um homem muito bonito. Um quarentão com pinta de trinta. Cabelos loiros escorridos, olhos azuis, corpo másculo e viril, e uma voz William Bonner.
- Bem, pague a fiança e ele estará liberado, mas é bom que entenda: da próxima vez eu não serei complacente.
- Obrigado Luís – agradeceu Luciano, sendo encaminhado até a sala onde estava Conrado, depois de afiançar o delito.
Um jovem alto de regata branca colada no peito, camisa xadrez amarrada na cintura, uma bela calça jeans surrada e um tênis cano médio, estava largado sobre uma poltrona, ao lado de mais dois garotos e duas garotas.
- E aí, já pagou minha diversão de hoje, “papai” – Conrado se levantou encarando seu pai e sua madrasta que o olhavam com desprezo.
- Vamos logo de uma vez Conrado – ordenou secamente Luciano.
- E meus amigos? Se eles não forem liberados eu também não saio daqui.
- É isso aí meu parceirinho – disse um rapaz de cabelo moicano todo tatuado, sendo acompanhado pelo coro dos os outros três: uma garota loira de cabelo comprido, uma morena de cabelo curtíssimo, e um meio gordinho.
Luciano, engolindo raiva com se esta fosse vidro quebrado, voltou para pagar as fianças dos demais marginais, pois ele sabia que se fosse questionar, Conrado daria um show, e ele não estava disposto para um embate, pelo menos não ali.
Conrado era lindo, parecia muito com o pai. Cabelos e olhos da mesma cor do progenitor. O corpo do jovem era bem definido proporcionalmente, não fisiculturista, mas malhado no ponto certo. Seu rosto tinha traços fortes e ousados, de lábios levemente carnudos e queixo viril, que era marcado por uma rasa covinha ultra sexy.
Os três deixaram a delegacia em silêncio, mas em casa gritos e insultos ecoavam por toda a mansão, enchendo as portas de ouvidos curiosos dos empregados.
- O que você quer? Matar-nos? – gritou Júlia.
- Demorou pra perceber usurpadora – ele disse rindo ironicamente.
- Pois saiba que está se afundando no mesmo poço em que quer nos jogar! – rebateu Júlia.
- Ótimo! Acho que eu faço questão de viver nessa vida de merda? De olhar pra esse assassino e pra essa sua cara de puta de fim de ladeira!
Sua fala foi interrompida por um bofete violento que seu pai lhe dera.
- Cala essa sua merda de boca seu moleque inconsequente! Eu já estou cansado de você Conrado. Não é mais uma criança ou um adolescente! Quando você vai virar homem?
- Então por que não livra de mim, como fez com a minha mãe? Vamos! Acaba comigo como você fez com ela! Movimente seus instrumentos cirúrgicos amaldiçoados. – Conrado gritava com ódio e revolta. No fundo dos seus olhos o sofrimento explodia em carne viva.
- Não quero ver seu rosto mais essa noite. Saia da minha frente! – gritou Luciano, totalmente descompassado.
Conrado subiu pela grande escada quase correndo.
- Eu não sei mais o que fazer Júlia! – Luciano se jogou no sofá da sala, enquanto sua mulher preparava uma dose forte de uísque para os dois.
Numa virada só, o liquido saiu queimando suas gargantas, aliviando parte da tensão.
- Mas eu estive pensando no que o Luís disse – falou Júlia fazendo uma massagem nos ombros de seu marido – Você precisa dar uma lição no Conrado, mas tem que ser alguma coisa que o faça aprender algo.
- Como assim? Quer que eu o mande para um acampamento militar?
- Não seria uma má coisa – disse Júlia forçando sorrindo discretamente.
- Vou amadurecer essa ideia, mas agora eu preciso de você meu amor – Luciano puxou sua esposa para o colo, e se perdeu em sua boca macia e convidativa.
O casal Jadão achou perfeito o sofá confortável para uma renovação de energia, também conhecido como: fazer amor, sexo, transa.
No quarto, Conrado se deliciava assistindo a o vídeo que fizera do “racha” que provocara a sua prisão de algumas horas antes.
“Vamos acabar com esses otários!” Ele gritava na filmagem, encostando o rosto na lente, enquanto desdenhava dos adversários.
- Amanhã tem mais papai – ele soltou um sorriso escancarado, mudando logo de fisionomia quando seus olhos encontraram o retrato de uma mulher pendurado na parede.
Logo a noite virou dia, e sol parecia estar mais vivo do que nunca.
- A senhora Jadão demonstrou interesse pela Bíblia? Seria uma surpresa – perguntou seu o pastor Oliveira para seu filho Miguel. Haviam terminado o café da manhã. Fernanda a esposa, tirava a mesa, enquanto pai e filho conversavam.
- Ela esteve na Comemoração, isso é um começo – disse Miguel com uma voz suave como a brisa da noite.
- Não é do meu agrado essa sua proximidade com aquela família – declarou o pastor – O Marido e a esposa têm a mente cheia de filosofias humanas, desacreditando na Palavra e em seu Autor. O filho é um delinquente, arruaceiro, vândalo. Não há nada de proveito ali pra você Miguel.
- Eu sei – o jovem respondeu – Por isso obedeço a sua ordem e não frequento a casa dos Jadão, por mais que o senhor Luciano e dona Júlia me convidem. Mas por favor, não impeça de ir ao hospital.
- Tudo bem – respondeu o pastor com pouca vontade – Agora eu quero que você vá até a farmácia comprar esses remédios – ele entregou uma receita para o filho. – São para irmã Joana. Eu já acertei com a prima Maria.
Miguel saiu, depois de dar um beijo na testa no pastor. O dia estava realmente muito lindo. Ele caminhava pela calçada arborizada com uma leveza de bailarino, murmurando uma música da igreja. Ao se aproximar da farmácia, que estava localizada do outro lado da farmácia, Miguel parou um instante, enquanto o sinal fechava. Nesse instante um carro esporte luxuoso passou por ele, os vidros estavam abertos pela metade. Um rapaz lindíssimo estava no volante. Os dois ficaram se encarando, como se tentassem se reconhecerem. No carro havia outras pessoas, que foram totalmente ignorados pelos olhos do filho do pastor. O dia iluminado, aquele olhar profundo do motorista, fizeram com que Miguel sentisse pequenas descargas pelo corpo.
O carro se afastou, mas o motorista continuou encarando o pedestre pelo retrovisor.
- Algum problema Demolidor? – perguntou o cara de moicano no banco do carona.
- Problema? Claro que não Pezão – Conrado respondeu meio desconcertado, por ter olhado tanto tempo para aquele garoto de cabelos cacheados e lábios tão vermelhos.
- Você ficou tão sério de repente – observou um gordinho no banco de trás.
- Tudo certo. Agora para de em pensar em merda, e vamos logo botar esse bagulho pra frente.
O carro acelerou e sumiu em uma esquina.
A farmácia da prima do pai de Miguel estava com um movimento razoavelmente grande. Quando avistou o sobrinho esperando sua vez, tia Maria acenou para ele, sinalizando para que ele passasse a frente das pessoas.
- Não se preocupe tia, eu espero na fila – ele disse votando para o seu lugar.
- Esse meu sobrinho não existe – ela comentou em voz alta, recebendo muitos sorrisos aprovadores, principalmente de uma mulher grávida que estava na frente de Miguel.
Pouco antes da vez do rapaz, um grito ameaçador ecoa na farmácia.
- Todo mundo no chão é assalto!
As pessoas começaram a gritar desesperadas, principalmente a grávida que estava na frente de Miguel.
- Calma senhora, vai ficar tudo bem – disse Miguel, segurando ele, que estava nervosa e segurando a barriga, como um ato de proteger seu filho.
Os bandidos andavam em três, e tinham os rostos cobertos por meias. Um deles se dirigiu ao caixa, pondo uma arma na cabeça da tia de Miguel, enquanto outro recolhia os pertences dos clientes. A mulher grávida estava desesperada, chorando muito.
- Cala essa maldita boca, sua vadia! – gritou um dos bandidos – Quer que eu te faça pari aqui mesmo filha da puta.
- Ela está perdendo a criança – disse Miguel – Pelo amor de Deus, me deixem levá-la para o hospital?
Irritado com Miguel, o bandido que vigiava a porta o agarrou pelos cachos, pressionando suas costas contra seu peito, em posição de refém, pondo uma arma em sua cabeça.
- Quer partir mais cedo para o inferno seu viadinho de merda?
Miguel sentia a respiração quente do cara em seu pescoço, mas o medo não lhe torturava.
- Por favor, não a deixe perder a criança – Miguel mostrou suas mãos cheias de sangue para o bandido.
O homem ficou paralisado por alguns instantes com o pedido, sendo despertado pelos companheiros que gritavam pelo seu nome.
- A limpeza foi feita, vamos cair fora porra! – gritava um dos companheiros para o cara que prendia Miguel.
Sem dizer nada, ele solta Miguel e pega a mulher pelos braços, para surpresa de todo mundo.
- Que merda essa cara? Que tu tá fazendo? – perguntou o companheiro sem entender a atitude de misericórdia do outro.
A resposta não foi esperada, os outros dois fugiram, enquanto Miguel saia da farmácia desesperado a procura de um táxi, sendo acompanhado pelo ladrão que carregava a grávida. Felizmente encontrou um com facilidade, logo os três seguiam em disparada.
- Para o Hospital Jadão – disse a grávida com dificuldade devido às dores lancinantes.
Miguel apenas positivou para o taxista.
Em uma contração violenta, a mulher agarrou com força na meia que cobria o rosto do bandido arrancando ela fora. Miguel quase teve um susto quando viu o rosto. Era o mesmo cara que o encarou do carro. O belo rapaz, agora com o rosto exposto, ficou muito constrangido, mas a situação pedia que Miguel concentrasse suas atenções em que estava necessitado.
- Qual o seu nome? – o filho do pastor perguntou para grávida, segurando com força sua mão.
- Leonice – ela respondeu pesadamente.
- Leonice, nós vamos conseguir, você está me ouvindo? Deus está conosco, e ele vai nos guiar para a vitória, tá?
A mulher apenas concordou com a cabeça. Miguel começou a fazer uma oração em silêncio.
No hospital ela foi encaminhada para ala responsável, e recebeu todos os cuidados necessários. Miguel ficou de plantão, e quando deu por si, o bandido-herói, havia desaparecido. Avisou para o marido de Leonice, que logo chegou ao hospital. Miguel o pôs a par de tudo e se despediu desejando todas as bênçãos sobre a família.
- Conrado, que merda foi aquela que você fez ? Por que tu foi ouvir aquele viadinho, e dar um de herói pra socorrer aquela puta grávida? Tá querendo ferrar com a gente mermão?
Conrado apenas fitava Pezão, o do moicano, e Azeitona, o gordinho.


                                


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Ficha do conto

Foto Perfil Conto Erotico lord d.

Nome do conto:
Asfalto - Capítulo 01

Codigo do conto:
19336

Categoria:
Gays

Data da Publicação:
21/08/2012

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