Entre galhos e pastagens vivíamos todos em uma quase paz e harmonia, índios no meio do mato como tia Josélia costumava dizer, éramos em 9 crianças brincando na fazenda Dona Cecília da minha avó de mesmo nome, Dona Cecília de Albuquerque e Paiva, eu, minha irmã gêmea Eliza e meu irmão mais velho Bernardo, minhas 3 primas Cecília, Tília e Emília, e meus 3 primos Jorge, Philipe e Adamastor. O importante é deixar claro que a infância não deveria acabar porque tudo se transforma numa loucura de fazer qualquer um enlouquecer. Gustavo é meu nome e sou um dos herdeiros da família Albuquerque e Paiva, mas me deixa apresentar essa pequena família, meus avós Cecília e Adamastor se conheceram em um casamento e de lá não se largaram mais, tiveram oito filhos, mas os três mais velhos morreram de uma febre forte ainda muito pequenos, depois nasceram Tio Augusto, Tia Brunna, Tia Pietra, Tia Josélia e o mais novo meu pai, Seu Breno. Tio Augusto se tornou advogado e logo se casou com Rosana e tiveram o Jorge e o Philipe, Tia Brunna casou-se com Ivan e tiveram como prole Cecília, Tília, Emília e Adamastor, ela é mais puxa-saco da minha avó, pois acha que a maior parte da fazenda vai para ela só por ter mais filhos. Triste é a história da Tia Pietra que se tornou viúva logo que se casou, após o marido Eriberto pegar Tuberculose, até hoje ela vive em seu próprio mundo aéreo, distante e não fala mais, também não saberia como seria para mim viver o que ela viveu. Tia Josélia é a pessoa mais desinquieta da família já viajou o mundo todo com o Tio Manuel eles não podem ter filhos por condição da minha tia ser estéreo e minha avó a exclui das atividades da família, porque para minha avó, continuar o legado da família é o mais importante e um dever dos filhos, mas pouco importa já que meu tio pode proporcionar tudo que ela deseja fazer. E por último e não menos importante meu pai, Breno, que minha avó faz questão de deixar bem claro que ele deu um mal passo ao casar-se com minha mãe, Renata, que é de origem humilde, contudo percebendo que não teria jeito aceitou, mas impôs uma condição de que minha mãe não continuaria a se relacionar com sua antiga família, na verdade ela ordenou que ela os esquecessem. Nunca cheguei a conhecê-los, e então veio Bernardo, minha irmã e eu. Enfim chegou a época do ano que eu mais gosto as férias, nas quais nós podemos desfrutar de todo esse mundão verde, amo andar de cavalo, engraçado que o Jorge foi ensinando a cada um por vez a arte de montar. Ele é o neto mais velho com seus 19 anos parece o paizão sempre tomando conta de nós, então sabe-se que a responsabilidade da fazenda D. Cecília será dele, uma liberdade para nós e um fardo para ele, se bem que não acho que será um fardo tão grande. Mas parece que a terra fala com ele, até com os cavalos conversa e eles realmente se entendem. Também amo o riacho, só que minha avó me proíbe de ir para lá, sou o neto mais novo com 15 anos, mas como caçula que sou não deixo de fazer minhas escapadas para o riacho. É simplesmente magnifico lá, tem uma gruta que guarda umas escrituras nas paredes, que parecem ser de muito tempo, a água é cristalina e com muitas pedras de pulo, que minha avó não me escute. Ela tem mais cuidado comigo do que com os outros, alguns até soltam frases de ciúmes pelo paparicado dela. Nem mesmo as minhas primas ou a minha irmã são tão vigiadas como eu era, de ter professor particular desde os meus 5 anos, a que eu mais gostei foi a Senhorita Laviny, uma moça pacífica, com seus dotes de beleza bem aparentes, prendada e quase perfeita até demais, que vivia a procura de marido rico e dava a desculpa de dar aulas particulares aos pirralhos nobres, mas não vou rechaçar a ela, foi uma ótima professora e conselheira. Apesar disso não tive a dádiva de ir à escola como os outros, até parece que na cidade tem algo que não posso me atrever a tocar ou ver, a não ser ir à igreja todo domingo, sou a companhia da minha avó, somos figurinhas carimbadas no álbum do Padre Anselmo, um homem quase no fim da vida, mas que não dá a administração da Igreja Madre de Deus a ninguém. Mas sei o porquê sempre estive na cola dela, sempre quis aprender como ser igual a ela, em partes, achava lindo o modo elegante que ela se vestia e se comportava, mas também não queria perder minha infância e minhas treliças também. E quando ficavam sabendo das minhas treliças, sempre era a minha mãe que passava o perrengue, as vezes me sentia culpado por isso e ainda me sinto, mas quando percebo lá estava eu fugindo de novo. Hoje é o dia do jantar em família, na verdade todos os jantares são em família, mas nessa data, 5 de julho, marca a data da morte do meu avô, que não cheguei a conhece-lo, mas tem um quadro enorme na sala, que não deixa ninguém esquecer, e nesse dia minha avó não sai do pé da lareira, onde fica o quadro, a não ser para o jantar. O quadro mostra um homem forte e imponente, um verdadeiro patriarca, um homem capaz de dar a vida por sua família e por seu país, elegível a todas as honras possíveis e mensuráveis como D. Cecília gostava de deixar bem explicito. Minha avó sempre foi uma mulher mais centrada e enraizada nos valores tradicionais da família, as vezes penso que minha avó já nasceu com aquele chale bordado a mão e com uma boa literatura do lado e me pego rindo, acho que meus pensamentos não puderam conter a gargalhada no meio da sala de jantar e ela sem entender, pergunta: - Gustavo de Albuquerque e Paiva... Em meus pensamentos senti um leve calafrio e aqueles olhares da família toda se voltaram para mim, numa mistura de medo e perversidade ... O que foi que já conversamos como se portar a mesa? Saibam que não pago a educação de todos para virarem vagabundos ou pés-descalços, pés-descalços era o apelido que minha doce avó se referia a família da minha mãe. E com todos em silêncio e deixando vossa autoridade falar, ela continua: - É dessa forma que você está criando ou vai criar meus netos Renata? Naquele momento me senti uma das piores coisas daquele lugar, como se meus pés não fossem mais sustentados pelo chão, nem o assento de linho da cadeira importada de Lisboa conseguiam me suportar, não conseguia olhar para o rosto de ninguém. Era o peso daquele nome que me atolava naquele lugar. Quando finalmente olhei para minha mãe ela estava em transe de pura vergonha e eu conseguia ver o ódio dela saltando de seus olhos, os do meu pai estavam congelados. E eu podia notar o sorriso de canto de lábios de tia Brunna e a frieza da minha avó que permaneceu com seu requinte de frieza enquanto cortava o bife de seu prato de lousa indiana, herança de família, mais uma para conta da minha tia. Ela até parece que ficava esperando que minha avó morresse, ou seja, para mandar em tudo, mas acho que minha avó já percebeu isso, porque quanto mais tia Brunna puxa seu saco ela a trata como um capacho. No momento seguinte tomei uma decisão que talvez mudaria minha vida por completo, sai daquela mesa aos prantos, desobedecendo mais uma regra da saudosa matriarca, quando alguém desejar lhe fazer passar vergonha haja com frieza e elegância é assim que um Albuquerque e Paiva enfrenta seus opositores e o resto é ralé. Minha tia Josélia me falou que ela nem sempre foi assim. Ela piorou muito depois da morte do meu avô quando ele foi para a guerra e deixou seis crianças para ela cuidar sozinha, uma empresa e uma fazenda. Mas sai dali com meu coração em frangalhos, despedaçado, ainda escutei alguns gritos, entretanto não afirmo que consegui distinguir de que eram. Eu via a porta da grande sala como a porta do paraíso, de um brilho tão magnético que parecia ser coberta de ouro. E ao sair à noite estava lá silenciosa e perigosa para qualquer descuido virar uma calamidade. Corri aos estábulos e peguei a Gaivota, minha égua preferida, e sai pela noite, cavalgando, pedindo, na verdade implorando que algo acontecesse para que aquilo acabasse. Enquanto galopava entre lágrimas e soluços eu podia ver no horizonte o sol indo embora e se esvaindo com seus últimos lampejos de luz no crepúsculo de uma noite que jamais iria passar despercebida na minha vida. Sem querer acabei chegando a aquela casa velha no final da fazenda que poucas pessoas sabiam, dizem que foi construída por um casal muito pobre, mas que quando a família do meu avô comprou as terras, os expulsaram de lá, contudo eles se suicidaram lá dentro da casa e amaldiçoaram quem tenta-se derrubar a casa e com o tempo ela foi esquecida até nós a encontrarmos. Acho que nem minha avó tinha tempo a dispor para saber da existência daquela casa, que por um acaso ela já haveria mandado derrubar ela não tem medo de maldições, acreditar nessas coisas é para pessoas que não tem o que fazer. E naquele lugar comecei a vislumbrar imagens, quase como espectros, de dois amantes tirando suas vidas, deixando naquele lugar o mais grotesco possível, nunca tínhamos ido lá a noite, sai sem nenhum agasalho e o frio do inverno já me fazia tremer os músculos e barulho da minha respiração e do meu choro se ouvia por todos os cômodos velhos e o eco causava arrepios em qualquer pessoa. Acho que minha intenção era essa mesma se esvair desse mundo para deixar de causar tanto martírio as pessoas que amo. E já encolhido e com todas as articulações doendo e tremendo pelo frio que chegara quando a noite já caminhava rumo na escuridão adentro, escuto passos no velho assoalho de madeira da casa, o rangido era tanto que parecia ser uma fera à espreita para me devorar, mas eu estava pronto, eu desejaria aquilo acontecer. Contudo meus pensamentos tiveram outra expectativa quando vi uma figura humana vindo em minha direção, ainda sem conseguir ver sua face esbravejei e o mandei ir embora, mas nada adiantou eu já estava sem forças pelo frio e aquelas mãos fortes já me conteve num abraço de conforto e consolador, me senti nas nuvens seu corpo era tão quente e tão macio que quase esqueci o frio. Em uma quebra de silêncio a figura fala:-Você não deveria ter feito isso saído assim, não entende como todos ficaram preocupados. Aquela voz tinha rosto e tinha nome e nesse momento o vi pelo relampejo do luar pela janela, era o Jorge, seus olhos castanho-claros me olhavam de uma maneira firme e de forma tão carinhosa, seu rosto parecia brilhar tão forte e sua boca quase tão perto da minha. Mas o que eu estou pensando? Como assim nunca havia sentido algo assim. E ele ao perceber meu corpo tremendo de frio, nos joga uma manta por cima de nós dois e me acalenta ali em seu colo, com seus braços fortes, que dessa vez consegui sentir cada um dos seus músculos contraídos erigidos juntos ao meu corpo. Por certo minha avó o mandou me procurar, era sempre ele que me achava quando eu dava minhas escapadas e que impedia minhas aventuras. Mas não o recusei nem esbocei nenhuma ação ao não ser chorar e tremer de frio numa mistura de raiva e desgosto. Ele sempre foi o líder do grupo, o mais forte e aquele que toma as decisões, as vezes mandão, mas desta vez não é o mais estranho quase impossível de acontecer, eu não queria sair de seus braços. E agora estávamos abraçados pelo frio no chão da velha casa mal-assombrada. Ele nem precisava dizer aquilo, mas já estava dizendo:-Nós precisamos voltar Gustavo! Mas eu o respondi com uma voz fraca e quase adormecendo: - Não quero voltar, pelo menos não agora. Jorge continua falando de maneira firme, mas com o jeitinho diferente que até agora não tinha o visto: - E o que você acha que devemos fazer, não posso voltar para lá sem você. Mas eu relutei e me silenciei, então ele falou novamente: - Como está tarde vamos ficar por aqui está noite, mas amanhã bem cedo vamos voltar e não adianta dizer não, porque eu te levo a força e de qualquer jeito. E aí novamente aparece mais uma vez o velho mandão. E dormimos lá abraçados por esta noite, tremendo os dois de frio, mas no meu pensamento apareciam tantas perguntas, muitas dúvidas, dessa nova sensação ao estar tão perto dele, do Jorge, por quem sempre tive uma relação distante e fria de um guarda-costas. Por isso acredito em maldições! Será que fui amaldiçoado por sentir esse calor no corpo essa sede por seus braços. E amanhã como será a minha recepção familiar? Mas agora só preciso saber que estou mais que bem.
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