E o vento levou (parte 2)

Continuando...
Depois de refeito, certifiquei-me de que não seria mais necessário ficar indo lá tirar sangue e me garantiram que não. Enfim, chegado o dia de visitar novamente o médico, levamos os exames e ele me disse o que eu tinha. Sim, eu tinha HIV. Ri de nervoso e ironia. Como seria isso possível? Eu, uma pessoa jovem, não levava uma vida promíscua e não me drogava. Discordei veementemente do médico e em seguida fui inundado por lágrimas. Minha irmã, que sempre foi histérica, chorava como se o mundo fosse acabar e Thomas, sempre racional, tentava conversar comigo e com o médico ao mesmo tempo. Eu estava tremendo e desejava ardentemente a presença da minha mãe naquele momento. Eu tinha CERTEZA de que ela resolveria todo aquele mal-entendido. Depois de várias lágrimas derramadas, argumentos expostos e dúvidas lançadas; ficou acertado de que Thomas faria um exame ( já que fomos obrigados a falar ao médico da nossa relação). Os dias que se seguiram foram os mais tensos da minha vida ( até aquele momento).Eu orava fervorosamente para que tudo aquilo fosse tudo não passasse de um pesadelo. Se aquilo fosse mesmo verdade, minha vida estaria acabada. Tentei me manter o mais racional possível mas era muito difícil. Minha irmã estava com cara de velório ( coisa que me deixava ainda pior). Resolvemos não falar nada para minha mãe até que tudo tivesse esclarecido ou, na pior das hipóteses, confirmado. Quando pediram-no para repetir o exame, minhas esperanças extinguiram-se. O médico no falou tudo que era preciso saber sobre nossa nova companheira. NINGUÉM era responsável pela minha existência nos dias que se seguiram, exceto ele. Conversávamos muitas horas sobre isso e ele SEMPRE se sentia culpado. Por ter me passado a doença, ele julgava-se indigno de mim. Eu discordava dessa sua teoria porque eu o amava, mas acho que a grande maioria das pessoas, ficaria com um ódio mortal de quem fizesse isso com elas. Sei que ele não sabia que possuía essa doença e que se soubesse, JAMAIS passaria pra mim deliberadamente. Thomas mudou radicalmente comigo e consigo mesmo. Ele me pediu várias vezes que o deixasse, que partisse, que o odiasse. Ouvir aquilo era pior do que ouvir o médico dizer que você tem HIV. Espero que nunca precisem passar por isso, mas quando ouve-se isso, sua visão escurece, seu estômago "afunda" num frio intenso, seu mundo cai....e todas as piores sensações do mundo.
Num dia, ele me disse: Você é doente. Como pode me amar depois do que lhe fiz? Eu lhe perguntei: O que você me fez?
Ele disse-me: Acabei com sua vida, seus sonhos, suas perspectivas...
Eu o abracei e disse que minha vida só estaria acabada a partir do momento em que ele me deixasse. Desde então, nossa relação melhorou, mas jamais voltou a ser como antes. Era uma cruz que ele carregava. Doia-me muito vê-lo daquele jeito. Só quem ama sabe. Ele não mais se permitia fazer planos comigo. Dizia que viveria pouco. Eu acreditava, de verdade, que com o tempo, ele voltaria a ser meu Thomas, o Thomas que eu amava e amo incondicionalmente. O dia de voltarmos se aproximava velozmente e, como sempre, trazia junto consigo uma depressão indizível.
Tentamos com todas as forças, vivermos aqueles nossos últimos dias juntos como se fossem os últimos. Visitamos o médico ( que mais tarde se tornou meu amigo) algumas vezes e eu e minha irmã partimos.
Meu corpo veio para o Brasil naquele dia, mas minha alma, minha vida, meu espírito e sobretudo meu coração, ficaram ali, com ele. Abracei-me a minha mãe como uma criança se agarra à sua mãe quando ela vai buscá-lo após o seu primeiro dia de aula. Contei-lhe toda a história e ela odiou-o a princípio, mas depois entendeu. Não tinha jeito mesmo... além disso, ela sabia que o nosso amor estava acima de quaisquer suspeitas. Thomas estava cada dia mais deprimido. Sentia vontade a cada instante do dia de estar com ele. Nos amávamos violentamente. Chegava doer....
Retomei minhas atividades e me ajudou, de certa forma, a melhorar meu estado de espírito. A falta que ele me fazia, me deixava mais doente do que a doença em si. Os medicamentos para esta doença miserável me deixavam anestesiados para a vida. Thomas os usava em menor quantidade porque seu estágio era menos evoluído que o meu, por algum motivo desconhecido.
Nosso relacionamento já não era o mesmo porque ele já não era o mesmo. Thomas emagrecia a cada dia e chorava sempre que conversávamos e me pedia perdão. Estava estressando-me com aquela situação. Preocupado com sua perda de peso, forçava-o a comer na frente da web cam para que eu tivesse certeza de que ele se alimentava. Meses se passaram até que finalmente parecíamos nos acostumar com nossa nova realidade. Num domingo, nos falamos pela manhã e eu disse que ia sair com minha irmã para o Shopping afim de vermos um filme ou ficarmos vendo roupas nas lojas´, mas que lá decidiríamos o que fazer. Foi um dia bastante legal, até então. Fiquei ansioso para falar logo com ele e trocarmos confidencias sobre nosso dia. Esperei-o naquele dia mas ele não ficou on-line. Liguei pra ele e não me atendeu. 2 dias depois, liguei para sua mãe e ela realmente não sabia dele. Entrei em desespero. Liguei,por fim, para Gerald ( um homem muito legal e amigo de Thomas que eu havia conhecido). Ele me disse que não o via fazia uma semana, mas que como estava morando em outra cidade, era normal. Depois de muito eu implorar, ele "prontificou-se" a ir até a sua casa. Esperei ansiosamente até obter noticias. Meu coração estava apertado. Quando ligou-me, eu já sabia. As notícias não eram boas. Ele havia encontrado Thomas desacordado, com seus remédios no chão, próximo a ele. Thomas estava sem vida. Eu desmaiei e quando acordei, minha mãe perguntava-me incessantemente o que havia acontecido. Incontrolavelmente, minhas lágrimas saiam de mim naquele dia. Quando contei-lhe, ela ficou desesperada ( talvez mais por mim do que por ele. Gerald me ligou mais tarde e me deixou a par de tudo que estava acontecendo. Ele já havia avisado a mãe de Thomas. Ele não sabia como proceder, quando seria o seu enterro ( a sensação que tive no dia, repete-se quando associo a palavra ENTERRO a ele.. mas hoje estou um pouco mais acostumado à dor)...
Implorei para conseguir ir de última hora para os Estados Unidos e Deus me ajudou. Eu consegui. Minha mãe estava comigo, ela era indispensável naquela hora. Sentia que meu corpo estava vivo, mas minha alma estava longe dali. Longe dele. Longe de TUDO!
Eu estava sem cor, sem vida. Murcho. Minha mãe foi inabalável. Gerald nos aguardava e ele foi um amigo e tanto naqueles dias. A mãe de Thomas, Vera, estava tão inconsolável quanto eu. Não conseguia compreendê-la muito bem, mas nossa dor entendiam-se perfeitamente.
Quando o vi, desmaiei outra vez. Eu queria que fosse qualquer outro no lugar dele...
Não queria deixá-lo, mas vê-lo daquele jeito me enfurecia. Sentia raiva principalmente da vida, por mais irônico que fosse. Fiquei olhando-o ir e "indo junto com ele"... O pior de tudo, foi quando mais tarde, li a sua agenda...
Seu nível de depressão era desumano! Por que ele nunca tinha me falado sobre seus pensamentos aflitivos? CERTAMENTE porque EU era o motivo da sua depressão. Thomas nunca tinha se perdoado por ter me contaminado, mesmo eu lhe dizendo que não importava e que a culpa não foi sua.
Ler aquilo apunhalou-me e eu desejei nunca o ter conhecido. Não por não o amar, mas amá-lo a ponto de preferir que ele seguisse sem nunca ter me visto. Isso teria evitado esse desfecho. Na última folha da sua agenda, tinha a seguinte mensagem: "Desculpe meu pequeno anjo. Você sempre será a minha cura, minha salvação. Desculpe por ter sido fraco. Perdoe-me por lhe deixar só. Só não aguentei ver-te tão acabado por minha causa. Seja feliz. Estarei lhe observando de longe."
As palavras destruíram-me quando as li. Os dias que se seguiram foram definitivamente os piores da minha vida.
Eu queria ficar com tudo que lhe pertencia, TUDO, mas infelizmente eu não poderia trazer tudo. Sua mãe estava muito mal também. Lembro-me que nos abraçávamos constantemente afim de amenizar a dor inamenizável (acho que inamenizável não existe, mas...).
Ainda fui capaz de fixar 3 semanas nos Estados Unidos, mas a dor não libertava. Sentir a dor era horrível, mas me "reconfortava" pois me lembrava nitidamente que ele foi real. Sentado na sua cama, que outrora fora nossa, fiquei ouvindo Teletema e logo depois MORE THAN WORDS... Adormeci abraçado em sua calça jeans preferida. Quando voltei para casa, trouxe comigo a sua calça, algumas cuecas, sua pasta preta e, alguns objetos pessoais,como por exemplo 5 cobertores que são inseparáveis (durmo e só consigo dormir com algum deles)...além da dor e das doces lembranças. Nunca mais fui feliz. Nunca mais serei feliz. Dediquei-me aos estudos e venci profissionalmente. Apesar disso, não vivo: Vegeto!
Tenho contato com Vera ( que hoje considero como uma mãe) e com Gerald, que é o meu melhor amigo.
Nunca mais consegui nem sequer beijar alguém. Sei que não era isso que ele queria,mas não consigo mudar minha natureza. Meu coração foi-se com ele. Não o culpo por ter aliviado o próprio sofrimento, culpo-me por ainda estar aqui sem ele. As lembranças dos doces momentos me sustentam, olhar nossas coisinhas me dão a força básica necessária para respirar. Sinto em cada brisa o seu cheiro, em cada toque no cobertor, seus cabelos sedosos...
Hoje em dia já me acostumei com o oco que abrange 99,9999% do meu coração, mas ainda assim é quase impossível viver. Falar dele todos os dias com mamãe e com a minha irmã é essencial. Ainda me pego pensando: Quando chegar em casa, falarei a Thomas determinada coisa que me aconteceu, mas daí me lembro que o Thomas não estará em casa, mas estará para sempre dentro de mim.

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Comentários


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loiroolhoazul Comentou em 30/11/2014

Esse conto é real? Se for, quero deixar aqui claro a minha solidariedade e condolências ao protagonista da história que é a prova escrita de um amor verdadeiro. Chorei muito lendo esses contos, ao contrário do que sempre faço aqui no site que é gozar. Eu me senti um pouco o protagonista da história em alguns momentos, pois passei por alguns momentos difíceis de minha vida e de perdas irreparáveis.

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dinte2000 Comentou em 29/11/2014

Muito triste, porem bonita estoria, votado.

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jcarlos21brs Comentou em 28/11/2014

Emoção pura em cada paragrafo e linha escrita! Se houverem mais textos desse mesmo enredo emotivo nao deixe de publicar. Abraco.

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Comentou em 28/11/2014

belo conto, apesar de triste.... dah vontade de ficar amigo do protagonista!!!




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Ficha do conto

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breno2014

Nome do conto:
E o vento levou (parte 2)

Codigo do conto:
56934

Categoria:
Gays

Data da Publicação:
28/11/2014

Quant.de Votos:
8

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