Era noite da sexta-feira que antecede ao Carnaval e eu havia decidido assistir ao show do cantor internacional Mano Chao, que aconteceria no Recife Antigo, a bela parte restaurada da cidade, próxima ao porto, e onde, na verdade, iniciou-se, no século XVI, o processo de edificação do que, mais tarde, tornou-se a capital de Pernambuco.
Devo dizer que já não sou mais tão jovem – 39 anos – , como não sou malhado ou bonito, mas, pelas minhas experiências de vida em família afro-descendente, bem estruturada, com estabilidade emocional e financeira bem definidas, aparento muita serenidade e beleza interior, realçadas por uma bem cuidada barba grisalha que me confere um certo ar de dignidade bastante evidente, que, logo, as pessoas notam e sobre isso comentam. Há quem me pergunte se eu sou professor ou psicólogo. Ou, pasmem!, padre.
Como o meu companheiro, de muitos anos de sólida e harmônica convivência, estava, desde o dia anterior, com parentes em cidade do interior, onde eu o encontraria, no sábado, para passarmos o tríduo momesco, no bucolismo do campo, eu fui sozinho ao Recife, de ônibus, num percurso de 50 minutos, para assistir ao propalado show do Mano Chao. Na volta, por questão de segurança, eu tomaria um táxi.
Decorridos dez minutos de viagem, o coletivo foi parado por uma viatura da polícia, para cumprir rotina de bloqueio e revista aos passageiros, dentro de uma política do Governo voltada à redução da criminalidade. Entraram dois soldados, um por cada porta, com suas negras e volumosas indumentárias, acentuadas pelo colete a prova de balas e acessórios outros dependurados na cintura e nas pernas, lembrando, de certo modo, uma personagem de filme de guerra contra bandidos de um futuro longínquo.
“Os homens de pé, com as mãos na cabeça”, foi a ordem gritada a plenos pulmões por aquele que parecia ser o comandante da guarnição. Éramos uns doze passageiros masculinos. Ao me revistar, um militar trigueiro, alto, aparentando ter uns 28 anos de idade, com um belo rosto emolmoldurado pelo capacete com a viseira levantada, senti que ele demorou mais do que o costumeiro apalpando minha genitália, com a mão esquerda em concha, que passou por trás dos meus glúteos, e após constatar em todo o meu corpo a inexistência de algum tipo de arma, voltou a sondar, com igual lascívia, a minha região pudenda. Essa operação, nas suas duas versões, durou cerca de uns 20 segundos, mas o suficiente para que eu sentisse um certo prazer inusitado, e que me fez desejar, intimamente, que se repetisse. Tive uma ereção imediatamente, e ele percebeu isso.
Continuando todos na postura determinada, retornou aquele que havia me revistado e falou, em baixa voz, ao meu ouvido que eu deveria desembarcar, enquanto o motorista recebia ordem de partir. Antes que eu pudesse esboçar alguma reação, ele explicou que se tratava de aferição dos documentos, procedimento que achei exagerado, visto que eu estava portando, além da carteira de identidade, a minha cédula funcional de gerente de um órgão do Governo Federal. Mas como eu sou daqueles que acha que com autoridade policial não se discute, desci calmamente e segui-o em direção da viatura, num trajeto de, aproximadamente, 30 metros. Eu estava indignado, vislumbrando a necessidade de pagar nova passagem e mais ainda pela possibilidade de perder parte da apresentação do Mano Chao.
No percurso, o soldado me fez parar e disse, em tom quase paternal: “não tenha medo, eu só quero pegar novamente naquilo que senti – e perguntou, com expressão divertida – é tudo seu, mesmo? Vejo que você é mais velho do que eu, e pode me ensinar um monte de coisas. Fique frio, se você quiser, a gente vai se divertir pacas – e ternamente impositivo – confie, certo?”. Eu estava aborrecido mas não pude renunciar à lisonja daquele homem de farda, que, minutos antes, havia se mostrado tão autoritário, arrogante, e, agora, tão frágil, humano, sensual. Paramos novamente a alguns passos do carro que servia de posto policial e ele falou que, se eu topasse, iríamos a certo lugar, em sua moto particular, e depois me deixaria onde eu quisesse. O convite foi tão surpreendente que eu, ofegante, não titubeei: “ok, tudo bem”, foi a minha resposta, já antevendo possibilidades. Fiquei parado, vendo-o confabular com os companheiros após o que trocou o capacete de serviço pelo de motoqueiro civil, deu-me outro de cor diferente, preocupando-se em ajustar a presilha sob o meu queixo, e, de trás do veículo policial, arrastou a sua motocicleta, ligou o motor e me fez montar, antes, porém, acionou os estribos do passageiro; “Pode se achegar a mim... fique tranqüilo tenho moto desde os 15 anos”. Eu enlacei sua cintura com meus braços, com muita ternura, e partimos num delicioso aconchego, sentindo o cheio do seu suor de homem asseado.
Poucos minutos depois, paramos num descampado, às margens da BR 101 Norte, a moto foi desligada e deixada sob uma remanescente árvore da Mata Atlântica. Encostou-se num robusto poste de alta tensão e me trouxe para cima de si. Perguntou se eu fumava e como eu respondi negativamente, disse que não me aborreceria com a fumaça e guardou o maço de cigarros. Sem delongas outras, começou por me beijar longa e deliciosamente os lábios, procurando avidamente a minha língua, percorrendo com a sua toda a cavidade bucal, enquanto eu, como podia, devolvia os carinhos com a mesma intensidade. E nossas mãos não encontravam destino, pois todo o corpo era alvo de carícias e contentamento. Miríades de vaga-lumes ajudavam a clarear nossa imaginação.
Ele não parava de falar baixinho, como se fora para uma criança: “você não está com medo, está... eu sou tira mas também sou homem e sei apreciar uma boa brincadeira de adultos; logo que vi você e senti isso aqui – pegando firmemente no meu pênis duríssimo – eu disse vou sair com esse cara. E aqui estamos nós dois, numa boa... você está gostando, não está? Diga o que você quer que eu faça...eu só não quero dar – e continuou meio encabulado – você sabe o quê.... mas quem sabe?... vai depender de você”. Nunca minha barba fora tão deliciosa e demoradamente cofiada. Ele falava e fazia. Eu calava e retribuía.
Depois de agraciar o rosto, a boca, o pescoço e as orelhas, ele abriu minha braguilha, e exibindo o meu falo, foi logo chupando-o avidamente. Beijava, sugava, acariciava esfregava em seu rosto quase imberbe... eu bem que tentava fazer o mesmo mas ele me conteve por umas três vezes: “calma, vai chegar a sua vez, não vá com muita sede ao pote...”. Ele parecia mais cobiçoso do que eu, pois em cada ato voluptuoso havia um quê extra de uma voracidade incontida, poucas vezes encontrada em outros homens. Em determinado momento, ofegante, ele disse que não gostaria de me penetrar neste furtivo encontro, mas tão somente desejava que eu sorvesse o seu mel em minha boca, e, claro, concordei prontamente. “Dependendo de você – falou – na próxima vez a gente faz tudinho numa cama, com conforto e segurança, e aí, sim, você vai ver como eu vou deixar você molinho... vai querer de novo” Abaixei-me e roçando o seu latejante membro viril em minha barba, sentia, ao mesmo tempo, o delicioso cheiro exalado pelos seus pelos pubianos suados porém bastante higienizados, para quem passara todo o dia trabalhando sob o inclemente sol de um verão nordestino, dentro de uma vestimenta particularmente retentora de calor.
Tive uma idéia e perguntei, do modo mais sutil possível, se ele gostaria que eu colocasse minha língua no seu ânus. Foi deliciosa a surpresa quando ele disse que não havia me pedido esse obséquio porque temia me afrontar: “muita gente não gosta ou tem nojo de fazer isso... eu sou uma cara limpo e acho isso um carinho bem especial”. Durante minutos, suguei, cutuquei, lambi, e fiz tudo o que aquele homem tinha direito, naquele recôndito local. E no momento em que recomecei a felação, para que gozasse em minha boca, ele me tomou pelos ombros, levantou-me carinhosamente, beijou-me demoradamente, bolinou meus peitos, e, de repente, deu a entender que também queria agraciar o meu orifício anal, o que fez com muita propriedade.
Já era bastante tarde – eu não lembrava mais do Mano Chao – quando ele disse: “agora, sim, vamos aos finalmente”. Chupei-o bem, com todo o empenho possível, ora afagando os seus testículos bem formados, ora acariciando o seu púbis, enquanto passava o dorso de minha mão pela sua regada profunda; e após lubrificado com saliva, introduzi o meu dedo médio esquerdo no seu alvado, até que, numa explosão palavras desarticuladas e contidos urros de prazer, senti escorrer para minha boca a sua cálida e copiosa seiva vital.
Ato contínuo, ele disse: “agora é a sua vez de gozar; quer que eu lhe faça o mesmo, ou lhe bata uma bem legal?” Porque sou circuncidado, é difícil, e pouco prazeroso quando outra pessoa me masturba, por isso preferi onanizar-me, enquanto ele me abraçava, mordiscava o meu pescoço, lambia minha nuca, apertava meus mamilos... fazendo e dizendo coisas como se estivesse me penetrando, até que gozei intensamente junto àquele que estava me proporcionando tanto prazer naquela noite pré-carnavalesca. Foi ótimo, inesquecivelmente maravilhoso.
Permanecemos abraçados, por mais alguns minutos, sem pressa para vestir nossas roupas espalhadas no mato orvalhado. Foi aí que ele disse: “agora vou acender um cigarro; estou precisando”. Ficamos bem juntinhos, eu de costas para ele, envoltos em fumaça e enternecimento, enquanto lá longe se divisavam luzes dos muitos carros que passavam rapidamente.
De repente, ele começou a falar – com um belo e melodioso tom de voz –, como se estivesse meditando sobre a relação que acabara de acontecer: “Tenho uns colegas que detratam dos gays, batem e fazem coisas horríveis com eles, e contam esses fatos rindo, vangloriando-se dessas atitudes criminosas; outros afirmam que comem veados só para tirar deles dinheiro, e até objetos que encontram em seus apartamentos. São bandidos mesmo. Mas nenhum nunca me afirmou que saiu com alguém para simplesmente amá-lo, como se deve amar uma pessoa, independentemente do seu sexo. Eu, embora não me considere homossexual – aliás, nem tenho plena certeza da minha sexualidade–, estou com você agora, sem culpas, numa boa... acho que uma relação é uma relação, com tudo o que temos, direito, ambos. Não me sinto menos homem, ou não vejo você menos homem do que eu. Somos pares idênticos, e o mais importante, somos filhos do mesmo Deus. Eu acho que aqueles monstros que seviciam os gays, são bichas doentes e quando os maltratam é como se quisessem destruir um certo mal, que há dentro deles... sei lá – e voltando-se para mim –: está bem, falei demais sobre uma coisa que martela muito a minha cabeça, especialmente quando estou tirando um quarto, na solidão da guarita, deitado no beliche do alojamento, ou por favor – impostando uma atitude séria –, não ria, sentado na privada”. Voltou-me para si, estreitou o abraço, e fitando-me diretamente nos olhos, falou: “todos nós somos iguais; nunca deixe ninguém, mas ninguém mesmo, lhe humilhar ou ofender, nunca, pois a dignidade do homem, seja qual for sua orientação sexual, é algo intocável, é uma centelha de Deus, que nos fez à Sua imagem e semelhança”. Havia um brilho de lágrima no seu meigo olhar, que refletia a tênue luz do crescente lunar. Passava muito da meia-noite. Já era o Sábado de Zé Pereira, e o Cariri estava percorrendo as ladeiras de Olinda.
Na despedida, próximo à minha casa, Nandy, como passei a chamá-lo, confirmou o desejo de me encontrar novamente, escrevendo o número do seu celular num pedaço da embalagem dos cigarros. Quase duas semanas após esse inesquecível encontro, liguei para ele que, pela entonação da sua voz – “pensei que havia me esquecido!” –, denotou que estava ansioso por me ver novamente, e é o que vem acontecendo na maioria das suas noites de folga. A meu pedido, chega exibindo o garboso uniforme militar, embora sem a parafernália pertinente à corporação em que serve. “Só você mesmo, porra, para me fazer vestir isso hoje...bota o capacete, sobe aí, vamos lá... a noite é nossa aliada”. Ambos sempre temos camisinhas nos bolsos. Proteger-se é preciso.