Auto-Preconceito

Lá estava ele, na sala do Segundo Grau Noturno, afinal, lá tinha de estar. Por obrigação, e não por prazer, ia todos os dias àquela escola fria.

Durante a aula de português, uma de suas mais odiadas, a educadora pedia aos alunos que iniciassem um trabalho onde se interpretasse a letra de uma música da MPB de maneira literária... A professora dizia isso ao longe... Os ouvidos daquele menino pareciam estar em outro local junto à sua mente... Ele pensava e pensava... Não sabia porquê estava ali... Odiava aquele curso, aquela turma, aquela vida... Não amava a sua namorada, “Vêzinha”, como dizia amar... Tudo em sua vida parecia uma grande farsa. Aquele trabalho era apenas mais um detalhe, mas uma nota zero, mais uma demonstração de incompetência e irresponsabilidade, como diria sua mãe e sua família.

Saiu da aula mais cedo, estava desinteressado, como sempre, e vagou... Vagou pelas ruas... Quem sabe encontrava a si próprio em alguma esquina... Quem sabe? Quem sabe encontrava um novo amor, um verdadeiro amor? Quem sabe encontrava coragem para dizer a sua “amada” que tudo aquilo era uma farsa... Quem sabe...?

Ao chegar em casa, sua mãe estava trabalhando (trabalhava a noite em um hospital). O telefone tocou... Ele pensou que seria sua mãe que, como sempre, estaria ligando para encher-lhe o saco. Deixou tocar... Mas era como um pressentimento... Era como se cada toque acertasse seu peito tal qual uma facada... E se não fosse sua mãe, quem seria? Era quase meia-noite... Ninguém seria tolo de ligar na casa de qualquer ser vivo à uma hora dessas... Atendeu ao telefone, não, não era sua mãe... Era sua namorada... Tratando de lhe dizer tudo aquilo que ele nunca tivera coragem para falar... Ela lhe disse que nunca o amou, disse-lhe que tudo aquilo que tiveram era uma grande farsa... disse que amava outro... Novamente, facas acertavam seu peito... As palavras daquela garota, que antes eram doces e meigas, agora soavam cortantes... E ele chorou... Chorou como um bebê... Chorou como uma criança que queria colo... Não que ele a amasse, mas pelo oposto... Ele poderia ter dito tudo aquilo a ela antes, mas não teve coragem de magoá-la... E agora, ele saíra magoado... Ele sofrera novamente... As lágrimas rolaram... E ele...Ele dormiu...

Dormiu e acordou ali, sentado no chão frio da sala... Aquele frio chão como sua alma... Acordou com o barulho da chave na porta, era sua mãe... Ele se levantou para fingir que já tinha acordado há algum tempo... Ela abriu a porta da sala e era como se nada visse... Era como se ela não sentisse o cheiro de dor naquela sala, cheiro que para ele estava nítido... Era como se ela não notasse as lágrimas (agora secas) dele... Ela adentrou na casa e surpresa, disse apenas “Acordado a essa hora? Quer parecer responsável?” Ela não notou que ele estava ainda com o uniforme da escola e que o material estava sobre a mesa.. E ele? Ele fingiu que não notou a indiferença dela e nada disse...

As horas passaram... O relógio não parava (infelizmente), e aquela já era a hora dele sair daquele quarto vazio e ir para a escola fria... Pegou seu material e saiu, sem dizer tchau a sua mãe, sem dar beijo de despedida, pois nada daquilo significava alguma coisa. Saiu de casa, queria não mais voltar, mas não tinha coragem e ele sabia disso... As palavras da Vê ainda doíam... A indiferença da mãe também... E o vazio que ele encontrava em seu peito por não saber quem ele próprio era doía ainda mais...

No caminho do ônibus, ele olhava o pôr-do-Sol... E pensava, sonhava... Queria ser como aquele Sol... Não, não queria brilhar, ou amar, como ele... Queria se pôr, queria morrer, ter coragem para tal ato... Queria poder se matar, quem sabe, depois da morte, ele encontrasse a si próprio...?

A uma esquina distância ele pensava se realmente queria entrar naquela escola... Se perguntava porquê tinha se matriculado naquele frio lugar... Se perguntava porquê tinha vivido por tanto tempo com medo de magoar aos outros... Se perguntava porquê vivia querendo agradar sua mãe, estando naquela renomada escola... Porquê ela ignorava seus atos? Talvez... Se ele tivesse sido ele mesmo... Nunca teria namorado a Vê... Nunca teria estado naquela escola... Talvez ele tivesse feliz naquele momento... Mas quem ele era? Ele não sabia... Perdeu sua identidade... Esqueceu a si próprio e a seus sentimentos... Ignorava seu coração... Ignorava o que seu corpo pedia... E esse corpo não pedia a Veri...

Entrou, tinha de entrar... Sentou, tinha estar lá... A professora entrou... Foi então que ele lembrou-se do tal trabalho sobre o qual dias atrás a professora havia falado, mas ele estava muito longe para ouvir... E agora estava muito longe para se preocupar... Durante a chamada (que era de praxe), ao chegar em seu nome, a professora Cibele notou que ele não estava com seu trabalho ali... E em alta voz o fez sofrer mais uma “humilhação”... Ele levara agora mais um zero, o qual sua mãe o lembraria o resto da vida... Mas agora a mente dele não se preocupava, mas também não estava tão longe... Dessa vez, a mente e os ouvidos acompanhavam apenas os olhos que seguiam Luan, o primeiro aluno a se apresentar... Os ouvidos não ouviam Djavan que agora tocava, nem as palavras que ele pronunciava... Os seus olhos, ouvidos e coração olhavam a apenas um ser vivo naquele momento... Luan... “Mas como? Eu não posso ficar olhando pra esse cara!” Mas ele olhava... “Eu ainda amo a Vê!” Mas ele olhava, enquanto a segunda mente ainda tentava insistir no falso amor e na razão, ele olhava... “Eu não sou isso!” A apresentação acabou, mas ele não terminou de olhar... E se por algum momento, aqueles dois olhares se cruzaram, não importa, pois de qualquer modo, o coração dele passou a bater mais forte, como há muito tempo não batia... Ele olhava, e já não pensava em nada... Só olhava... E a força daquele olhar que se direcionava apenas a uma pessoa cobria todo o seu corpo, reavivava seus músculos... Seria aquilo paixão, amor? Não importa... Sentia agora e sabia... Mas não admitia pra si mesmo... “Eu não sou isso! Eu não sou isso!” Tentava repetir pra si mesmo inutilmente no único momento em sua vida que descobriu a si próprio...

O tempo passou, as horas passaram, os dias também... Mas o olhar não... De alguma maneira aquele garoto mexia com ele... Apesar de ele não admitir, de ele não querer... Amava, agora era certo... “Mas não é verdade!” Dizia a si próprio... E voltou a sentir vazio... Pois continuava a mentir pra si... Faltou aquele dia e vagou pelas ruas escuras da noite, na inútil esperança de descobrir que tudo aquilo era mentira... Mas não era... E a cada noite que faltava tinha medo de se encontrar, não mais esperança... Tinha se acostumado a não ser o que era... Seria difícil aprender a ser diferente...

Mas em algum dia qualquer... Depois de fingir não notar as faltas do filho, sua mãe resolveu levar-lhe ao colégio e esperá-lo entrar... Ele já não poderia mas fingir ou mentir pra si próprio... Era como se estivesse encurralado... Ele tinha de se encontrar... Tinha de encontrá-lo, mas não queria... Entrou... Diziam falsos “Sentimos a sua falta!”, mas sequer notaram e ele sabia disso. Luan chegou... E como pela primeira vez trocaram olhares... A primeira vez que trocaram olhares... Luan estava diferente e ele percebeu isso...

A aula acabou... Ele saiu e a uma esquina da escola... Ouviu um grito... “Hei!” Virou-se e olhou, era Luan que o chamava e corria em sua direção. Ele o esperou, estarrecido. Ao chegar a seu lado, Luan logo disse “Sentimos a sua falta!”, ao que ele respondeu em tom de ironia “Todos disseram isso, será que sentiram mesmo?” . Luan parecia estar domado, dominado por alguma força que também dominava a ele e ele percebia isso... Luan respondeu-lhe “Senti...” . Ele quis virar-se e fingir pressa, mas Luan segurou-lhe o braço... Ele não relutou... Seus olhares se cruzaram novamente... E agora o fogo que brilhava em cada olhar era ainda mais forte, pois estavam próximos... Algo maior reinava sobre os dois, que só a se olharem agora eram um... Sem medo, sem luz, sem preconceito... Pela primeira vez se beijaram... se amaram... se descobriram, um ao outro e cada um...a si próprio. Tocaram-se e viram seus corpos nus e novamente virgens... Encontraram o peito um do outro... Seus órgãos pulsavam de amor e tesão e agora, finalmente... eram eles mesmos!

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Ficha do conto

Foto Perfil Conto Erotico rela985883

Nome do conto:
Auto-Preconceito

Codigo do conto:
1309

Categoria:
Gays

Data da Publicação:
22/05/2003

Quant.de Votos:
2

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