Babalon, a mãe de todas as putas

"First comes the blessing of all that you've dreamed..."

        A mulher estava sentada numa cadeira alta, dentro de um quarto vazio. A única luz no ambiente era a que entrava pela janela, trazendo junto a si uma brisa muito fria, muito fria. Fria como só o coração de uma amante pode ser. Nada nela se moveu, nem sequer os pêlos se arrepiaram. Lá fora a lua cheia já estava plena no céu e, para fora dali, a lua brilhava tão clara que ela poderia andar descalça na noite.
        Dentro do quarto e, especialmente dentro dela, tudo era imóvel e escuro. Nem mesmo a fumaça do cigarro, que queimava despretencioso num cinzeiro no chão, não parecia se mover. Ela suspirou. Os ponteiros na parede indicavam as 20h e ela ainda estava sozinha.
        Ela esticou os pés, metidos num par de saltos de couro escuro e solado vermelho. Não eram desconfortáveis, mas ela estava entediada. Estralou os dedos das mãos e girou o pulso direito, olhando para a lua lá fora.

        Houve um estalido quando o portão eletrônico foi acionado, não muito longe dali. Um sorriso frio, frio... O som dos passos na calçada de casa. O amante derrubou as chaves no caminho, praguejou e se abaixou para apanhá-las. Atrapalhou-se para achar a chave certa, o que fez com que ela presumisse que as mãos estariam geladas e úmidas. Ela quase sentiu o cheiro fétido de bactérias e níquel. Cheiro de dinheiro velho, sujo. Sentiu ânsia.
        Do lado de lá da porta, o amante amaldiçoou o seu próprio infortúnio. Ele sabia que não era uma boa ideia deixá-la esperando. Devia ter calculado melhor o caminho, ou deveria ter saído mais cedo do trabalho... Assustou-se quando se viu de mãos vazias. Correu até o carro e procurou a caixa de bombons naquele inferno de papéis avulsos e velhos que havia se instalado no banco traseiro. Eram chocolates artesanais, finos. Coisa que sua sogra consumia e pessoalmente recomendava. Ele tinha 99% de certeza que seriam do agrado dela.
        Antes de girar a maçaneta, ele olhou-se no reflexo do vidro canelado. Olhos muito azuis o encararam de volta, olhos que ele evitou encarar de novo, pois tinha a moral mais fraca que a carne e... ah, ela saberia. O pânico lhe subiu à garganta quando ele girou a maçaneta e entrou na casinha de parede verde e janelas brancas.

        Da porta principal da casa ele pôde avistar os dois pés metidos em saltos e meias pretas. Não conseguiu evitar o início de ereção. A voz da mulher falou baixinho:
        - Pode deixar no chão.
        Num momento de confusão, ele ensaiou questionar como ela sabia do presente. Babalon riu, sorvendo um gole da taça de vinho.
        - Homens fracos são previsíveis, meu amor.
        Outra pontada na virilha e ele tinha uma ereção completa, um pedaço de carne que pulsava implorando liberdade. Sem outra palavra, ele foi para o banheiro e despiu-se, banhou-se na água fria, sentindo um milhão de agulhadas perfurarem a sua pele conforme a água escorria pelo corpo. Havia apenas um trapo de toalha de rosto, muito velho, mas aparentemente limpo. Ele usou para se secar.

        Ela odiava os homens, simplesmente por odiar. E odiava com uma paixão tão linda de ser vista que os próprios homens lhe pagavam para assistir aquelas cenas. Aquele quarto não guardava testemunhas da miséria humana, uma vez que não tinha quaisquer móveis além da cadeira - e a cadeira era Sua, uma velha amiga, que partilhava das suas mesmas convicções e também das paixões mundanas.
        A amante levantou-se e foi em direção a um dos cantos afastados do quartinho mal iluminado. Passos leves, seguros e longos, longos. As pernas dela eram lindas, o homem constatou; ela toda era linda, o pau dele concordou.
        O homem se abaixou e catou a embalagem de presente do chão. Teve instinto de usá-la para cobrir a própria nudez, mas não o fez, era humilhante esconder a própria ereção. O mundo lhe havia ensinado como devia se orgulhar daquela carne e, como amante novato, ele era ingênuo...

        "... But then comes the curses of diamonds and rings."

        Babalon se aproximou dele a passos lentos, quase preguiçosos. De onde estava, ela era bons 30 centímetros mais alta que ele. O olhar da pobre ovelhinha encarava diretamente o decote generoso dela. Ele não olhou para cima.
        - O que temos aqui? - Ela pegou a caixa de chocolates com cuidado. Leu os rótulos e perguntou: - Muito bom, muito bom. Você gosta deles?
        Ele não soube responder. O cheiro dela misturava essência de rosas e couro, o que o deixou desconcertado. Era inesperado, mas seu pênis pulsou de tesão mais uma vez.
        Com a falta de resposta, ela puxou o rosto dele com a mão direita e elevou o seu olhar. Se encararam uma fração de segundo, enquanto ele abria a boca para responder:
        - Sim, são muito bons.
        Com um sorriso doce nos lábios, ela disse:
        - Eu odeio chocolate, meu amor.
        As pupilas dele se dilataram com a resposta inesperada e ele não conseguiu prever o tapa que se seguiu. Foi certeiro em sua bochecha esquerda, agudo como um grito. Ecoou no quarto vazio. Ele gaguejou um pedido de desculpas, o que causou uma risada gostosa nela. A pele latejava em chamas.
        - Acontece.
        Ela se virou e sentou-se de novo na cadeira, dessa vez, apoiada no braço esquerdo do móvel e com olhos muito atentos, julgando-o. Ele sentiu a surpresa dar lugar à ira e logo em seguida, ele sentiu-se muito sozinho. Estava longe de casa, num bairro pobre e onde ele não conhecia ninguém. Ele sabia que gritar não iria adiantar, pois desconfiava que a vizinhança não costumava dar assunto aos problemas alheios. A ovelhinha sentiu um frio muito profundo percorrer a sua coluna e tremeu.
        - Eu quero que você enfileire todos os chocolates no chão, um ao lado do outro, bem bonitinhos.
        Ela falou com um brilho no olhar de tão genuína felicidade que ele esqueceu do medo por um segundo. Ele quis tanto, mas tanto, mesmo, desmentir os amigos e dizer que aquela mulher era um anjo na Terra e era incapaz de machucar alguém... Não conseguiu. Ajoelhou-se e se pôs a executar a tarefa, que levou cerca de uns cinco minutos para ser concluída. Eram uns vinte chocolatinhos de várias formas: redondos, quadrados, em formato de coração e triângulos. Todos eram brilhantes e pareciam muito apetitosos, espalhados em distâncias uniformes.

        O homem pensou que seria um gesto de bom grado permanecer ajoelhado, com o olhar baixo e as mãos detrás do corpo.
        - Não, você vai deitar no chão.
        Estava frio e ele lembrou-se do conselho que a avó costumava dar: não é bom tomar friagem depois do banho, assim como o avô também aconselhou a nunca tirar a roupa antes da mulher. Nenhum dos conselhos o impediu de estar naquela situação e ele fez como ordenado. O chão estava frio, mas tinha um perfume agradável de produtos de limpeza, ao contrário do que seus instintos diziam, pois o piso era manchado.

        Ela levantou-se e apanhou a caixa vazia. Virou e pôs-se a ler os sabores das pequenas trufas. - Aqui diz que esse é de nozes. Você já comeu? - Ela apontou com o pé um chocolate quadradinho, ele piscou e negou com a cabeça, bem rápido, como quem está tentando controlar os próprios músculos. - Hmm...
        Ela ergueu o pé esquerdo uns vinte centímetros do solo e pisou com toda a força na trufinha. Coitadinha. Virou uma mancha escura no chão branco. Ela esfregou com força o pé no chão, espalhando o chocolate mais ainda - Lambe, imundície.
        O homem arregalou os olhos e quis dizer que não, mas não teve tempo. O sapato sujo esfregou na sua bochecha com força - Eu. Não. Vou. Falar. De. Novo! - ela falou entre dentes, enquanto esfregava o sapato na cara dele. A voz dela era baixinha, muito controlada, mas era mais fria do que o chão embaixo dele, que imediatamente tratou de pôr a língua para fora e se pôs a lamber o solado do sapato.
        Este não era novo e nem de longe estava limpo. Ele sentiu o gosto rico do chocolate e sentiu os grãos de areia. Fechou os olhos e tentou fingir que eram flocos de arroz numa sobremesa qualquer, mas ele nunca fora um bom mentiroso. A areia ficou presa à sua garganta e ele sentiu uma necessidade mais do que urgente de tossir.
        - Shh, vai passar. Se você tirar a língua, vai ser pior... - ele acreditava nisso, então engoliu o melhor que pôde e seguiu com a língua para fora. Àquele chocolate se seguiram os sabores de cereja, avelã, gianduia e mais alguns de nozes, ele desistiu de sentir o gosto. Os de licor eram os piores/melhores, pois eram muito doces e faziam a boca salivar, o que o livrava de sentir a areia e sujeira do sapato, mas essa saliva o fazia se engasgar e ter ânsia de vômito. Ele chegou a vacilar a ereção, tamanho esforço.
        Cada vez que sentia a boca inundar com a bile, ele hesitava em lamber o sapato. Seu coração estava cheio de dúvidas sobre aquela situação. O que ele buscava provar? Os amigos haviam jurado que ela era uma mulher inesquecível. Quais foram as palavras? A mãe de todas as putas. E haviam rido. Ele próprio rira. Mas ali, diante dela, ele se sentia uma criança, nua e sem mãe. Sentia-se inapto e incapaz, indefeso. Inútil.
        Cada vez que hesitava, ela esfregava o sapato em seu rosto. Sua saliva se misturava ao chocolate e ao seu próprio suor, criando uma pasta de cheiro tão doce que enojoava. As bochechas, o queixo e a testa já estavam cobertas com uma camada generosa e não havia modo de seu nariz escapar daquele cheiro. A urgência chegou à sua garganta e ele não conseguiu evitar: vomitou.
        O líquido fétido saiu num jato curto, barrado pelo sapato dela para que não a sujasse, mas transbordou a boca e espalhou-se pelo rosto e peito dele, que se levantou de pronto, tossindo, quedando jogado conta a parede. O ar que lhe entrava pela boca arranhava sua garganta e não aliviava a sensação de enjôo e sufocamento. A areia ainda estava colada no fundo de sua garganta e nada parecia ser capaz de tirá-la de lá. Ele tossiu vezes suficientes para provocar o vômito novamente, que ele cospiu ao lado de onde estivera deitado.
        Ele inspirava o ar com sofreguidão, tinha os olhos desesperados e o peito arfava, fazendo um barulho rouco ao inspirar e agudo ao expirar. Babalon abaixou-se sobre os calcanhares até alcançar o nível do olhar dele. Foi a primeira vez que ambos os olhos se viram.
        Os dela eram cor de caramelo, emoldurados com sobrancelhas bem escuras e bem feitas. Ela não usava qualquer tipo de maquiagem na pele dourada, mas tinha os lábios tão rosados que ele arriscaria dizer que ela mordeu uma beterraba. Ou... Seus instintos o levaram a se questionar se ela seria capaz, o que levou seus olhos para a taça de vinho em pé, ao lado da cadeira.
        - Ah, não se preocupe. Não é sangue. - Ela disse e gargalhou, um som que fê-lo estremecer. Ela estava a bons centímetros dele, com o corpo todo voltado para a frente; seus seios, fartos e macios, ostentavam marquinhas de sol, bem pequenas. Estavam estufados, quase pulando fora do decote profundo. Era uma mulher estonteante e seu pau latejou, ao que ele levou a mão às bolas e esticou a pele, pois ela pinicava.
        O olhar de Babalon seguiu o seu movimento e olhou curiosa para o pequeno falo. Era uma coisinha feia, tão branca que a pele chegava a ser rosada. A glande era estufada para fora, remetendo a um cogumelo. As veias estavam saltadas, e pulsando sob o olhar atento, eram esverdeadas.
        - Então esse aqui é o famoso morangão.
        Ela esticou a mão e o tocou, fechando os dedos ao redor do membro; ele estava quente e pulsou, quase agradecido. Um pequeno sorriso nasceu em seus lábios e o amante sorriu junto, sentindo o tesão crescer em si. Mas, o sorriso dela tornou-se torpe.
        - Coisinha insignificante, ele, não? - Risos.
        Babalon tornou a abrir a mão e cerrou-a logo em seguida, muito forte, causando um gemido. Enquanto ela ria, os dois seios balançavam suavemente, escondidos naquela lingerie de renda preta, parecendo muito um maiô. Ele não sabia como se chamava, mas era sexy e lhe agradava. Sem pensar, ele ergueu a mão para tocá-los.
        - Nada disso, seu imundo.
        A mão dela foi rápida num tapa dolorido e humilhante, que encerrou os seus esforços. Ele sentiu-se uma criança repreendida e não gostou, fez menção de falar algo, mas outro tapa em seu rosto reavivou o cheiro enjoativo e fê-lo lembrar-se de onde estava. Nos domínios Dela.
        Ele engoliu em seco e se rendeu. Era fraco - Piedade, senhora de mim, eu imploro. - Ele disse com a pouca voz que lhe restou. Babalon levantou-se, largando o pênis murcho. A risada cessou, mas ela ainda tinha o sorriso nos lábios. Respondeu, já de pé:
        - Piedade garantida, servo. Suma da minha vista.

Na parede, os ponteiros indicavam as nove horas.


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Comentários


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casadaebiscate Comentou em 17/10/2019

Brilhante, diferente e enigmático..o Babalon.




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Nome do conto:
Babalon, a mãe de todas as putas

Codigo do conto:
146016

Categoria:
Sadomasoquismo

Data da Publicação:
17/10/2019

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