A República Livre

Eu sempre fui o pai-doidão. Folclórico, descolado...

De certa forma, eu cultivei essa imagem. Foi uma opção consciente, desde que me separei e meu filho foi morar com a minha ex-mulher. Era uma forma de marcar a minha presença junto a ele: o cara diferente, engraçado, capaz de fazer as maiores doideiras. Mas era tudo muito teatro, também...   

Eu era o cara que levava o filho no meio da Raça Rubro-Negra, que fazia trilha com ele e os amigos subindo o Morro da Urca, que ia com ele ao Rock in Rio, levava os lekes pra fazer a trilha de rally pra Saquarema... sabia que eu era o heroi, aquele capaz de escapar das caretices dos outros pais engravatados.

Na minha casa, ele e os amigos tinham uma liberdade jamais sonhada: as revistas de putaria estavam no porta-revista na sala, os filmes de sacanagem estavam ao alcance da mão... a cerveja era liberada... e a vizinha parecia saber que era espiada por olhos cheios de tesão, escondidos atrás da cortina do 301, cada vez que entrava no banho...

É lógico que eu não podia escancarar esse comportamento... ia acabar perdendo o direito de tê-lo comigo nos fins de semana. Era um segredo nosso.. e da torcida do Flamengo, já que meu apartamento vivia cheio de amigos dele.

Eu comprava o afeto dele assim? Pode até ser... ou pode ter sido... mas eu acho que ele curtia o pai maluco que tinha, verdadeiramente... e eu sentia um certo orgulho nele quando algum amigo dizia que eu era o pai com que ele sonhava...

Eu tinha certas restrições para os amigos frequentadores, no entanto: ali não rolava droga; se ficasse muito bêbado, não viria mais; e ali não era motel, porra! No mais, liberou geral!

O apartamento era grande, em um prédio pequeno, numa rua tranquila. A vista da sala, indevassável. Assim, não havia problema com vizinhos chatos.

A gente vinha da praia, sempre acompanhado dos amigos... comia umas comidas diferentes que eu preparava: yakisoba, uns espetos tailandeses, tabule... só isso já era uma diversão... e a cerveja tava sempre gelada. Aí, também, tinha diferenças: cerveja tailandesa, belga.. saquê... pisco.. fazia parte do aprendizado sobre o mundo. E tinha os livros: Garcia Marquez, Guimarães Rosa, Machado de Assis, Leminsky, Hilda Hilst... eles liam, discutiam, riam, imaginavam... E a minha coleção das revistas da Graúna, os discos do Chico, os meus vinis de rock progressivo... Me sentia um guru, contando da minha emoção em ver a Elis no Saudade do Brasil... ou A Cor do Som na praia da Barra... ou me lembrar do compacto simples com Apesar de Você, aquele que foi censurado...

Falávamos de política, no sentido mais amplo, sem partidarismos... de religião, filosofia, arte, vida... Eles batizaram aquele lugar de República Livre... e, realmente, era um espaço livre.

Meu guri já era crescido naquela época... ele sentiu a separação, mas superou na boa. Ele me ajudou a montar o novo apartamento e foi um dos fundadores da República Livre. Os amigos chegaram aos poucos e não saíram mais. Um clã, um bando, uma gangue... Garotos especiais, ávidos por aprenderem e apreenderem tudo. Mentes querendo rebelar-se em um mundo consumista, individualista, idiotizante... eu via neles um desejo libertário, que só se soltava no apartamento 301.. o território da República.

Numa das voltas da praia, foi promulgada a nova lei: banho coletivo. Não dava pra esperar um sair, enxugar-se, vestir-se.. a fila ficava gigantesca... decisão: porta do banheiro aberta, banho em linha de produção. E ninguém ligou pra aquilo: era a cara daquele lugar! Nudismo por decreto! Como a vista da frente não era devassada, era mais fácil ficar todo mundo pelado... e, se a vizinha do 203 entrasse no banho, o pessoal se enrolava na toalha enquanto a espiava.. assim, um pinto duro não incomodaria ninguém...

Eu inaugurei o processo: aparentando indiferença, tirei a sunga e entrei no banho. Meu filho, espantado no início, me seguiu... e, logo, tava toda a galera pelada, fazendo um ar de normalidade, olhando pra cima como se não quisessem dar na pinta e serem flagrados manjando a pica do outro. E eu quebrei o protocolo.. já que era doidão mesmo, foda-se... e, olhando atentamente, falei que um dos lekes tinha um caralhão! Riram, assustados... mas entenderam a mensagem.. e logo, tavam falando do pintinho de um, do pau torto do outro... e o assunto caiu na normalidade, saiu das manchetes. Pra todos, menos pra dois que estavam ali.

Eu notei, mas me fingi de tolo. Vi que ele tentava disfarçar o olhar, que fingia não olhar pra mim. Mas o reflexo no espelho o delatou... eu sabia.. e ele não sabia que eu sabia...

Guardei pra mim. Não tinha porque fazer nada.. mas não consegui apagar da memória.

Passei a prestar mais atenção nele. Eu o conhecia havia algum tempo.. tinha estudado com meu filho mas agora fazia a faculdade de Ciências Políticas. Obviamente, engajado politicamente; ele tinha um discurso veemente que me atraía. Quando começava a discutir, apaixonava-se. A veia no pescoço chegava a saltar quando defendia as ações anarquistas na Europa. Mas ficava calado, me ouvindo, toda vez que falava nas Diretas Já. Ou nos cara-pintadas.

Tinha o tipo físico totalmente correspondente ao papel que tentava desempenhar: uma barbicha tentando crescer, cabelos crespos mal cortados, magro... o rosto era suave, contudo.. era um carinha bonito, olhar muito vivo, agradável de se ver.

Eu nunca o tinha ouvido falar de namorada. Os outros sempre estavam ficando com alguém; alguns se apaixonavam; sempre havia um comentário a respeito das meninas... mas ele não. Como quem não quer nada, perguntei pro meu filho e ele disse que nunca o tinha visto com uma menina. Era um cara muito tímido, engajado em movimentos sociais, participante de grupos de discussão política.. namorava os livros...

Isso me atraiu ainda mais. Passei a acompanhar seus movimentos com mais atenção. E, de certa forma, passei e me exibir mais pra ele. O foda era que tava ficando difícil esconder o pau duro. Eu não tava conseguindo ficar na boa junto com ele, no mesmo lugar. E acho que a recíproca era verdadeira: ele já não tomava banho depois da praia, ficava sempre de bermuda, jamais de sunga...

Um dia, viemos discutindo um assunto babaca qualquer desde a praia. Meu guri e os outros disseram que iam ficar um pouco mais e eu resolvi ir na frente, pra preparar o almoço. Não foi sem intenção: eu o chamei pra me ajudar a fazer a comida, enquanto continuaríamos a nossa discussão. Ele aceitou e nós viemos sós.

Eu fiquei agitado, não propriamente excitado... ficar só com ele era um passo! Não conseguia ser natural, mas fazia um esforço enorme. Eu senti que ele também não estava no seu normal.. falava mais do que de costume, agitava as mãos como nunca fizera.

Chegamos em casa e eu decidi partir pra ofensiva. Mas com moderação... era um terreno novo pra mim... e não queria magoá-lo, de forma alguma. Como de costume, fui logo tirando a sunga e indo pro banho. Eu não podia dar bandeira... e me controlei muito pra não deixar que o pau subisse naquela hora. Tentei esboçar naturalidade, como sempre fazia. Mas, por dentro, tava foda. Falávamos muito, provavelmente sem qualquer nexo. Segurando a toalha na frente do corpo, eu tentava disfarçar o volume. Tava difícil, porra: por um lado, eu queria que ele me visse; por outro, não queria ser invasivo.

Foi um longo banho, esperando que ele se juntasse a mim.. mas ele não veio.. ficou no corredor, fora do banheiro, tímido. Meio frustrado, me enrolei na toalha e fui pra cozinha. Ele fechou a porta do banheiro quando entrou. Ainda não estava pronto.

Logo, a garotada chegou e a confusão voltou a reinar na República.

Demorou algum tempo pra que nova chance pintasse. Estava chovendo, não tinha rolado praia, meu filho apareceu com uns amigos trazendo uns DVDs pra assistirem. Tarde de pipoca e cerveja... ao som de Bergman... Eu tava meio devagar e fiquei no quarto lendo... De repente, sou despertado por uma pergunta: “E aí, cara, não vem ver com a gente?” Era ele... e eu fui pra sala ver O Sétimo Selo...

Acabou o filme, eles decidiram sair pra fazerem algo desimportante, que não me lembro mais... ele disse que não ia, tava sem saco.. se eu não me importasse, queria ver um outro filme...

Claro que não me importei... e sugeri que ele escolhesse um dos filmes da vasta coleção... e, pra minha supresa, a escolha foi Calígula! “É bom?” Não consegui segurar o riso sarcástico.. “É..”

Calígula... me lembro que quando eu vi no cinema, tive que sair direto pra uma casa de massagens... comi uma mulher enorme, despejando nela todo o tesão que o filme me deixara... e eu o tinha assistido diversas vezes.. e, agora, ia assiti-lo de novo.. ao lado dele...

Cenas antológicas me esperavam...

Eu estava de short, sem cueca. Logo, o pau duro começou a aparecer entre as pernas... a luz era fraca: entardecia e somente um abajur estava ligado... mas não dava pra disfarçar... e eu notei que ele também massageava o pau... ele não me olhava, mas eu sabia que ele também se exibia pra mim..

Sem nos olharmos, massageávamos os caralhos... o meu estava melado, cabeça a mostra, por fora da perna do short. E ele mexia no volume dentro da sua bermuda. Não precisamos falar... ele olhou pra mim... pro meu pau duro... olhou nos meus olhos. Abriu a bermuda, tirou o caralho e começou a tocar. Foi um ato político, sem dúvida. Uma afirmação. Eu quero, eu posso. Tocamos um de frente pro outro... Calígula matando Próculus ao fundo...

Não sei o que me conteve ali.. o que me impediu de, naquele momento saltar em cima dele e beijá-lo, lambê-lo... Um garoto, ainda... metido a adulto, com seu papo sério... quis apertá-lo, morder aquele queixo com uma barba já grossa... beijar seus olhos... enfiar a língua nos seus ouvidos... mas eu fiquei paralizado... sentado, tocava olhando nos olhos dele... se me perguntassem como era o pau dele, eu não me lembraria... mas diria que os olhos eram grandes, castanhos, expressivos.

Eu ia gozar quando ouvi ruídos no hall do elevador... a garotada voltando. Disfarçamos o mais que pudemos... eu era o pai-doidão, mas tinha limites...

Tenho a certeza que meu filho sentiu algo no ar... ou já estava sentindo antes...

Dormi mal naquele dia. Desejo, preocupação... mas...

No dia seguinte, uma segunda-feira, quando voltei do trabalho, o encontrei sentado na frente do meu edifício. Não precisamos falar nada. Ele me seguiu até o apartamento. Naquele dia, ninguém mais apareceria.

Fechei a porta e nos olhamos. Eu, engravatado.. totalmente fora do meu papel. Ele, de jeans e camiseta: totalmente ele.

Ainda na sala nos abraçamos. Foi um beijo quente... ele, inexperiente, querendo mais. Afastou-se de mim... e, me olhando fixo nos olhos, foi retirando a roupa... Ele me desafiava!

Tirou a camiseta... um corpo magro, amorenado... um peito querendo ficar peludo...

Tirou os tênis... pés finos, bonitos

Abaixou a calça. A cueca boxer era de marca... era o resquício burguês!

Ele tremia enquanto tirava a cueca. Se enrolou e quase caiu pra frente, desmontando todo o cerimonial que planejara... ele quase riu nessa hora...

O pinto era bonito! Moreno, empinado! Não era muito grande, mas não me importei. Pentelhos fartos... adorei!

Foi tudo com muito cuidado. Com certeza, era a primeira vez dele. Estava afoito, queria mostrar domínio... fui paciente... ele mereceu todo o carinho, toda a ternura naquele momento. Na minha cabeça, só me passava uma letra do Cat Stevens...

Just relax, take it easy... You're still young, that's your fault…There's so much you have to know…I was once like you are now…And I know that it's not easy…To be calm when you've found…Something going on…But take your time, think a lot…

Não foi a nossa melhor foda... outras haveria depois... aprendemos juntos... e ainda estamos aprendendo.

Estamos juntos. Meu filho banca o moderno: pra ele, tá tudo bem... o importante é que estejamos felizes. Às vezes, sinto uma ponta de ciúmes nele, mas ele tenta esconder.

A República acabou. Foi se esgotando... alguns sumiram quando nos souberam juntos. Outros simplesmente seguiram seus caminhos.

Não sou mais o doidão... não tenho mais razão pra isso... mas tenho andado muito feliz, vivendo uma aventura. Até onde vai? Não sei nem quero saber...


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Comentários


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dstebt Comentou em 11/11/2021

Cara, ame-o tudo isso. Sou romântico. Também tenho filhos. Ja me imaginei me envolvendo com algum amigo deles. E seu relato não ficou promíscuo ou imoral. Foi inteligente e lindo. Valeu!

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morsolix Comentou em 11/11/2021

Father and son.Ganhou minha admiração como um ótimo contista.Infelizmente quase ninguém prestigia um bom texto do erostismo gay.Sensivel,o sexo,o desejo está no ar e sultimente imprimes a intenção.Um dos melhores texto que li.Parabens.

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titoprocura Comentou em 11/11/2021

Lindo!!! O Tipo de conto que deixa a gente molinho e pensativo... Parabéns!!! Votado!!!




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Ficha do conto

Foto Perfil Conto Erotico pedrotxt

Nome do conto:
A República Livre

Codigo do conto:
189726

Categoria:
Gays

Data da Publicação:
09/11/2021

Quant.de Votos:
12

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