Os dias seguintes ao que aconteceu no quarto da minha mãe foram um turbilhão. Eu oscilava entre a euforia de ter vivido o que tanto desejei e um vazio que crescia como uma sombra. Leonardo voltou a agir como sempre — gentil, distante, chamando-me de "princesa" com aquela voz que ainda me fazia tremer, mas sem nenhum sinal claro do que tinha acontecido entre nós. Era como se ele tivesse trancado aquela noite em algum lugar que eu não podia alcançar, e isso me deixava confusa, perdida. O desejo ainda queimava em mim, mas agora vinha acompanhado de culpa, raiva e um medo que eu não conseguia nomear.
Uma manhã, enquanto eu tomava café na cozinha, vi minha mãe e Leonardo juntos no sofá da sala. Ela ria de algo que ele disse, a mão dela descansando no ombro dele, os dedos traçando um carinho leve que me fez engolir em seco. Ele sorriu pra ela, aquele sorriso que eu já tinha visto direcionado a mim, e inclinou a cabeça pra beijar a testa dela. Meu estômago revirou. Um ciúme ácido subiu pelo meu peito, quente e sufocante, como se eu estivesse sendo apunhalada por dentro. "Ele é dela", pensei, mas a ideia de que ele pertencia a ela — e não a mim — me deixou cega de raiva. Quando minha mãe veio pra cozinha pegar água, eu não consegui me segurar.
— Você não cansa de ficar pendurada nele o tempo todo? — soltei, a voz cortante, mais alta do que pretendia. Ela parou, o copo na mão, e me olhou com uma mistura de surpresa e mágoa.
— Lorena, o que tá acontecendo com você? — perguntou, franzindo a testa. — Eu só tava conversando com meu marido.
O tom dela, tão calmo e inocente, só piorou tudo. Eu queria gritar que ela não merecia ele, que eu o conhecia de um jeito que ela nunca ia entender, mas as palavras ficaram presas na garganta. Em vez disso, joguei o guardanapo na mesa e saí pisando duro, murmurando um "Deixa pra lá" que não convenceu ninguém. Fechei a porta do meu quarto com força, o coração disparado, mas minutos depois a culpa me pegou. O que eu tava fazendo? Tratando minha mãe mal por causa de um ciúme doentio que eu nem tinha direito de sentir? Voltei pra cozinha, os olhos baixos, e murmurei um pedido de desculpas.
— Desculpa, mãe. Não sei o que deu em mim. Tô estressada, só isso — disse, tentando disfarçar, mas quando levantei o olhar, vi Leonardo encostado no batente da porta, me observando. Os olhos verdes dele estavam fixos em mim, e por um segundo, achei que vi um brilho de compreensão ali, como se ele soubesse exatamente o que se passava na minha cabeça.
Minha mãe colocou o copo na pia e sorriu, um sorriso meio forçado que logo se abriu num tom de brincadeira. — Tá perdoada, filha. Mas, olha, você tá precisando arrumar um namorado, hein? Igual a Larissa. Tá muito enfezadinha ultimamente. — Ela riu, tentando aliviar o clima, e então acrescentou, mais séria: — Quem sabe você não volta praquelas terapias? Fazia bem pra você, né?"
As palavras dela me acertaram como um soco leve, mas eu forcei um sorriso. — Talvez, mãe. Vou pensar nisso — respondi, mas por dentro eu sabia que ela tinha razão. Aquele ciúmes, o olhar de Leonardo, a forma como eu tava me perdendo — era demais pra carregar sozinha. Ele não disse nada, só assentiu pra ela enquanto ela aceitava minhas desculpas, mas aquele olhar dele ficou comigo. Ele sabia. E isso foi a gota d’água. Decidi voltar à Dra. Mariana.
Na sessão, sentei-me no mesmo sofá cinza, a almofada nas mãos como um escudo. O consultório parecia menor, mais sufocante, ou talvez fosse eu que me sentisse assim. Respirei fundo e deixei tudo sair, as palavras tropeçando umas nas outras enquanto eu contava cada detalhe — a massagem no escritório, o vinho, o flerte, a mensagem no celular, o momento no quarto da minha mãe. Falei do cheiro de sabonete, da toalha na cintura dele, da curva perfeita do corpo dele contra o meu, do espelho que refletia cada toque. Minha voz tremia, mas eu não parei, até que finalmente revelei o que tinha segurado na primeira sessão.
— Era ele... o homem que eu te falei antes. O Leonardo. Meu padrasto — confessei, os olhos fixos no chão, sentindo o peso daquelas palavras me esmagar.
O silêncio que veio depois foi ensurdecedor. Olhei para a Dra. Mariana e vi a surpresa nos olhos dela, as sobrancelhas erguidas por um instante antes que ela se recompusesse. Ela ajeitou os óculos, anotou algo no caderno e respirou fundo antes de falar.
— Lorena, eu... não esperava isso — disse ela, a voz calma mas com um tom de preocupação que não escondia. — Quando te falei sobre testar os limites, eu quis dizer observar, entender os sentimentos dele e os seus, não... agir dessa forma. Acho que você me interpretou de um jeito que eu não pretendia. Eu sinto muito se não fui clara.
Baixei a cabeça, as lágrimas queimando nos olhos. — Eu sei que estraguei tudo. Eu não sei o que eu tava pensando. Quer dizer, eu sei, mas... agora eu me odeio por isso. Eu traí minha mãe, Dra. Mariana. Eu olho pra ela e sinto raiva de mim mesma, culpa, tudo ao mesmo tempo. E o pior é que eu ainda quero ele. Mesmo sabendo que é errado, mesmo com toda essa bagunça na minha cabeça, eu ainda sinto ele na minha pele. O que eu faço com isso?
Ela me olhou com aqueles olhos gentis, mas agora havia uma seriedade que eu não tinha visto antes. Colocou o caderno de lado e se inclinou um pouco para a frente.
— Lorena, o que você tá sentindo é muito complexo. Tem culpa, sim, mas também tem desejo, confusão, impulsividade. Você mergulhou nessa aventura porque, de alguma forma, ela te deu uma sensação de controle, de intensidade que talvez você estivesse buscando sem nem perceber. Mas agora você tá vendo as consequências, e isso tá te machucando. O que aconteceu já aconteceu, mas o que você faz daqui pra frente é o que importa. Você precisa se perguntar: isso é um vício? Um padrão que você vai repetir porque te dá um pico de adrenalina, ou é algo que você pode deixar pra trás?
— Vício? — repeti, a palavra soando estranha na minha boca. — Você acha que eu tô viciada nele?
— Não sei, Lorena. Só você pode descobrir isso. Mas uma forma de testar é resistir. Tentar não repetir o que aconteceu com o Leonardo. Se você sentir que é impossível, que o impulso te consome, pode ser um sinal de que isso virou algo maior do que só desejo. E, se for, a gente vai trabalhar nisso juntas. Mas você precisa de uma válvula de escape, algo que te tire dessa órbita dele.
— Tipo o quê? — perguntei, limpando uma lágrima que escorreu pelo meu rosto.
— Um objetivo. Algo que te dê direção. Passar na faculdade, por exemplo, ou aprender uma profissão, sair de casa o quanto antes. Você tá numa fase de transição, quase 19 anos, e ficar nesse ambiente onde ele tá sempre presente pode estar alimentando isso. Outra coisa... — Ela hesitou, como se escolhesse as palavras com cuidado. — Você já pensou em conhecer alguém? Um homem mais velho, talvez, que não tenha esses laços familiares, alguém que possa te atrair de um jeito seguro e saudável? Pode ser uma forma de redirecionar esses sentimentos, de esquecer o Leonardo aos poucos.
— Um homem mais velho? — Minha voz saiu fraca, quase incrédula. — Onde eu encontro alguém assim? E se eu só acabar comparando com ele?
— Existem lugares seguros pra isso. Eventos culturais, cursos, até aplicativos de relacionamento com filtros pra faixa etária, se você se sentir confortável. Mas o mais importante é que você vá devagar, que seja algo que te dê prazer sem te destruir. E tem mais uma coisa que eu quero te sugerir — disse ela, pegando o caderno de novo. — Escreva tudo isso. Como um diário. Cada sentimento, cada momento com o Leonardo, até os detalhes do que vocês fizeram. E mais: escreva também contos, fantasias que você ainda tenha com ele, coisas que nunca aconteceram mas que ainda vivem na sua cabeça. Escolha um momento do dia, como uma rotina — à noite, antes de dormir, por exemplo — e coloque tudo no papel. Pode ser que, ao esgotar essas fantasias em palavras, você consiga esvaziar esse desejo reprimido que parece ter crescido em você desde os 13 anos, quando você começou a sentir algo a mais por ele, mesmo ele estando na sua vida desde os 5. Talvez isso venha dos efeitos da ausência de um pai biológico, que ele acabou preenchendo de um jeito confuso pra você. E, Lorena, se enquanto você escreve essas fantasias sentir desejo sexual, não se sinta culpada por isso. É natural, é seu corpo reagindo. Pode até se masturbar, se quiser, sem medo. Não é sobre se punir, mas sobre entender e liberar isso de forma segura. Não é pra romantizar, mas pra saturar essa obsessão, tirar o poder que essas imagens têm sobre você.
Saí do consultório com a cabeça girando. As palavras da Dra. Mariana ecoavam em mim — vício, resistir, escrever, fantasias, masturbar. Eu não sabia se era capaz de resistir a ele. A lembrança do corpo dele, da toalha caindo, da glande rosada contra a pele negra, do calor dele dentro de mim, ainda me fazia tremer. Mas a culpa estava lá, como um peso que eu não conseguia ignorar. Trair minha mãe era um buraco que se abria no meu peito toda vez que ela sorria pra mim, sem saber de nada.
Cheguei em casa e me tranquei no quarto. Em vez de pegar um caderno e uma caneta, abri meu computador, o cursor piscando na tela em branco como um desafio. Comecei a digitar, hesitante no início — "Eu não sei por onde começar, mas eu preciso tirar isso de mim" —, mas logo as palavras fluíram como um rio. Descrevi o café que fiz pra ele, o vinho no escritório, o cheiro de sabonete no quarto, o jeito que ele me olhou antes de me puxar pra cama. Escrevi sobre o sexo, cada toque, cada gemido, o espelho que me mostrava uma versão de mim que eu não conhecia. Então, como a Dra. Mariana sugeriu, fui além. Imaginei uma cena que nunca aconteceu: ele me levando pra piscina à noite, a água morna nos envolvendo, os corpos colados sob as luzes da casa, a voz dele sussurrando coisas que eu nunca ouvi. Enquanto digitava, senti o calor subindo pelo meu corpo, o desejo que eu tentava reprimir voltando com força. Minha mão hesitou no teclado, mas lembrei das palavras dela — "não se sinta culpada" — e deixei o momento fluir, permitindo-me aliviar a tensão sozinha, o coração acelerado mas sem o peso da vergonha. As lágrimas caíam enquanto eu terminava, manchando o canto da mesa, mas não parei. Era como se eu estivesse vomitando o desejo, a culpa, a raiva, e também aquelas fantasias que começaram aos 13 anos, quando percebi que via Leonardo como mais do que o homem que entrou na minha vida aos 5, preenchendo um vazio que meu pai biológico deixou.
Quando terminei, salvei o arquivo numa pasta escondida e fechei o computador. Meu corpo estava exausto, mas minha mente ainda girava. Será que eu conseguiria resistir a ele? Será que escrever essas fantasias, dia após dia, ia mesmo me libertar? A ideia de sair de casa, de encontrar outro homem, parecia distante, quase impossível. Mas a Dra. Mariana tinha razão sobre uma coisa: eu precisava me conhecer. E, pela primeira vez, senti um fio de esperança — talvez digitar, tanto o que vivi quanto o que sonhei, fosse o começo de me libertar, ou pelo menos de entender o que esse fogo tinha feito comigo.
Naquela noite, Leonardo passou pelo corredor e bateu na minha porta. — Tá tudo bem, princesa? — perguntou, a voz grave atravessando a madeira.
— Tá, sim — respondi, o coração acelerando, mas me forcei a ficar na cama. "Resista", pensei, as palavras da psicóloga martelando na minha cabeça. Ele não insistiu, e eu ouvi os passos dele se afastando. Fechei os olhos, o arquivo no computador ainda queimando na minha mente. Não sabia o que viria depois, mas sabia que estava no limite — entre me salvar ou me perder de vez.
(Continua na Parte 5...)