1- As fotografias
Sentada na cama de papai, eu o ouço, no primeiro andar, se engasgar, com dificuldade para engolir o café-da-manhã que lhe preparei; as mãos trêmulas fazem a xícara tinir repetidamente antes de repousar no pires. Perto de mim, sobre o criado-mudo, estão caixas de remédios, cartelas de comprimidos, incontáveis bulas. O quarto é amplo, empoeirado; roupas encardidas e amarrotadas estão dependuradas aleatoriamente em um cabideiro. Analiso uma a uma as fotografias que seguro, absorvo as suas histórias, redescubro memórias que transformam a mim e o que me cerca. Fecho os olhos e, quando torno a abri-los, não estou mais no quarto e tudo rejuvenesce vinte anos.
A casa é tão bonita que causa inveja aos vizinhos, e é no seu belíssimo jardim que passo a maior parte do tempo livre. Cuido das plantas que eram de mamãe, como se, mantendo-as viçosas, pudesse ignorar a doença e a morte que afligiram a família. Papai não é um velho no fim das forças: com pouco mais de quarenta anos, é um homem robusto que começa a agrisalhar os cabelos. "Sua mãe adorava essas flores.", ele diz, ao me encontrar no orquidário em um ensolarado domingo, trazendo consigo a máquina fotográfica. "É, eu sei... mas dão um trabalho! Veio tirar fotos delas?" "Na verdade, vim tirar fotos suas." "Minhas? Mas não é ocasião especial, nem estou arrumada." "Você está linda! Só faltam duas páginas pra completar o álbum, e queria encerrá-lo com você e as plantas da Lara." Deixo de lado a timidez e me volto para as orquídeas, desconsiderando os cliques da polaroide e o barulhinho das impressões instantâneas.
No dia seguinte, sozinha e curiosa sobre como ficaram as fotografias, fico na pontinha dos pés e pego o álbum na divisão mais elevada da estante da sala. Ansiosa, vou direto para as últimas páginas, mas continuam vazias. "Será que nenhuma ficou boa? Ou papai ainda não selecionou as melhores fotos?" Sigo para o segundo andar e, no quarto dele, reviro cômoda, criado-mudo, guarda-roupa... não estão ali. Atravesso o corredor em direção ao escritório, onde ele arquiva documentos antigos e trata de assuntos de trabalho fora do expediente da empresa.
Estantes repletas de documentos, livros e pastas cobrem as paredes; sobre a mesa, máquina de escrever, telefone, luminária, porta-canetas e papéis espalhados. "Só podem estar aqui. Se ficaram feias, rasgo todas!" Abro as gavetas da mesa e, na última delas, acho as fotografias. A primeira é um close no meu bumbum, demarcado no shortinho. "A câmera deve ter disparado por engano!", mas as demais não são diferentes: mais retratos do bumbum e das minhas pernas, além de duas imagens nas quais papai usou da sua estatura para fotografar dentro do meu decote. Nem sinal de orquídeas; o meu rosto também não aparece. Assustada com o que aquilo pode significar, guardo tudo de novo e fico no meu quarto, pensativa.
Ao entardecer, papai chega do serviço, acompanhado do tio Henrique - ambos supervisores na mesma empresa. Titio sobe as escadas. "Luana? Luana, cadê você? Trouxe um presente!" Assim que me vê, me espreme de encontro ao seu barrigão, com um abraço apertado. "Sobrinha linda! Como você está?" "Estou sem ar, titio!" Ele dá risada e me solta. A sua presença me acalma. "Olha o que comprei!" Por não ter filhos, ele era extremamente carinhoso comigo e me enchia de lembrancinhas, que entupiam o meu quarto. "Dessa vez você não vai chiar que é coisa de criança!", alisa os meus cabelos ruivos e compridos enquanto abro o embrulho: um estojo de maquiagem, da marca que mamãe usava. "Nossa, titio... obrigada!", emocionada, olhos lacrimejantes.
"Eu disse que ela ia chorar.", papai diz ao me ver. Tento agir naturalmente, mas não consigo sequer olhar para ele, que percebe isso. "Algum problema, Luana? Está com febre?", coloca a mão na minha testa, checando a temperatura. "Eu disse que não devia dar isso pra ela, Henrique." "Se não quiser usar, não tem problema, Luana."; acham que me entristeço pela repentina lembrança de mamãe. "Não, titio... eu adorei o estojo... e... e... estou bem, papai. Eu... eu vou ver TV!", ainda sob efeito do que vi, e temerosa com o que papai esconde dentro de si, me afasto rapidamente.
Como doces, assisto ao jornal e às novelas, tento inutilmente me distrair; o sono chega, escovo os dentes, retorno ao quarto horas depois. A porta do escritório está fechada. Lá dentro, papai e titio conversam sobre greve, demissões e uma reunião com a gerência na manhã seguinte. Enfiada sob cobertas, pego no sono olhando para o estojo de maquiagem e me lembrando de mamãe.
2- O quarto
Um vento sopra a cortina, levanta o pó assentado no piso e nos móveis, movimenta a barra da minha saia e me traz de volta ao quarto de papai. Não ouço mais a louça na cozinha. Para lá me dirijo para ver se ele terminou o café, mas me detenho na porta do que, hoje, é o quarto de hóspedes. Não faço ideia de onde estão os presentes que titio me deu ao longo dos anos, cupins devoram a penteadeira e a minha cama foi substituída por uma de casal - que me parece ser o único móvel relativamente novo da casa.
A minha mente viaja uma hora para o passado, quando masturbo papai, carente e fascinado pela própria neta. Retrocedo mais algumas horas e estou deitada com o meu marido; tento conversar, mas, sonolento, ele só quer dormir. Não controlo as lembranças, mergulho no tempo.
Motivada pelo novo estojo, diariamente me sento à penteadeira e, estudando fotografias de mamãe, imito a sua maquiagem, aumento a nossa semelhança. O que me leva a isso? Será uma forma de preencher um vazio que ficou na casa? Não sei. Faço aniversário e o álbum é completado com registros da festa. Abandono as teorias sobre papai, como se ignorá-las fosse o mesmo que apagá-las.
Em uma noite qualquer, o bairro fica sem eletricidade devido a uma tempestade. Vou para a cama mais cedo que o normal, emburrada por perder o último capítulo da novela. Durante a madrugada, um trovão me desperta. "Meu Deus! Que susto!" Não enxergo um centímetro à frente do nariz; tento acender o abajur, mas ainda não há energia; pingos de chuva atingem a janela violentamente. "Acho que a luz só volta amanhã." "Nossa, papai! Quer me matar do coração?", quase salto da cama, surpreendida pela sua voz. "Desculpa. Eu me sentia sozinho e vim pra cá." Mesmo na escuridão, ele acha a minha bochecha e a belisca.
Uma cadeira fica ao lado da cama. Dela, quando eu era pequena, os meus pais cantavam canções de ninar, liam histórias, cuidavam de mim quando eu adoecia. É nela que papai está. "Desde que a Lara morreu, me sinto tão só, filha.", o beliscão se torna um afago, a sua mão está quente, a respiração, pesada. "Também me sinto assim, papai; mas ach--" "É uma solidão diferente, querida. Não é igual a sua. Você não entende." Os seus dedos descem para o meu braço e massageiam a pele macia. "Não é culpa sua... é que... é que preciso muito."
Ele leva a minha mãozinha até algo quente e rígido. Desconcertada, perco a voz. A sua mão envolve a minha e me faz mexer para baixo e para cima naquilo; com a outra mão, alisa as minhas coxas e a xaninha, por cima do shortinho. "Só fique quietinha, tá?", pede, enquanto espero acordar do pesadelo. Papai geme baixinho, protegido pela escuridão; a sua mão, firme em volta da minha, imprime mais velocidade ao seu prazer. Os meus pensamentos e sentimentos são indescritíveis, e tudo se torna mais surreal quando ele solta a minha mão, se levanta da cadeira, esfrega o pau nas minhas coxas e, gemendo como um animal ferido, nelas goza fartamente.
Ao terminar, ajoelha-se ao lado da cama. "Perdão, querida... não... não fique pensando nisso, tá? Eu não sou assim.", sinto a sua tristeza, e o cheiro acre do gozo, que escorre para os lençóis, me alcança. "Não conte pra ninguém... nem pro Henrique, por favor. Não... não pense que me orgulho disso. Não vai acontecer de novo." Mesmo muda e rígida como uma estátua, ele me abraça; depois, se vai. Só saio da cama na manhã seguinte, para reencontrá-lo à mesa do café. Estou retraída, intimidada, mas ele age como se nada anormal tivesse acontecido.
Duas noites depois, não sou acordada por trovões, mas pelo acender das luzes do quarto. Sem as trevas encobrindo-o, papai entra, mas o olhar... aquele não é papai, há outra pessoa ali. Ele posiciona a cadeira de frente para a cama, senta-se, abaixa a calça e a cueca, mostra-me o pau comprido e duro; me espera pegá-lo, mas não o faço e, como antes, ele guia a minha mão. "Mexe igual te ensinei." Sem opção, obedeço. Papai fecha os olhos, ergue a cabeça, respira pela boca. "Hmmm... mais devagar... mais devagar... segure firme... isso... hmmm... mantenha assim... ahhh...", me orienta a intercalar movimentos lentos com rápidos: quer prolongar o prazer, adiar o êxtase.
Após alguns minutos, ele assume a punheta e se levanta; delicadamente, puxa a minha mandíbula para baixo e insere a cabeça do pau entre os meus lábios. O gozo jorra. Ele tira o pau e me manda engolir, mas não consigo: tusso e parte do líquido cai no travesseiro. Com ânsia de vômito, me sento na cama, e esperma e saliva escorrem pelo queixo, mancham lençol e cobertor. Fico com medo de papai me xingar, mas ele não parece bravo - também não parece ressentido.
As visitas noturnas se tornam tão frequentes que, dez dias depois, já estou adaptada ao ritmo da punheta e não faço mais sujeira quando ele termina na minha boquinha.
3- Os perfumes
Na cozinha, usando o velho roupão com que, na noite anterior, apaticamente recebeu a mim e ao meu marido, papai brinca com as pétalas das flores recém-colhidas. "O café estava delicioso, mas pensei que fosse me fazer companhia." "Era a intenção, mas me perdi em lembranças no andar de cima." "Boas ou más?" "São tantas...", evasiva.
Olho para a sala, onde mamãe foi velada. Papai e titio recebem amigos, parentes, vizinhos. Inebriada pelo perfume dos crisântemos, não me afasto do caixão. Mamãe está tão linda; é incrível pensar que a sua existência acabou, que só resta o corpo e, em breve, nem mesmo ele. O corpo que sorria, que se emocionava, que me ensinava jardinagem, que recebia estranhos vindos de longe para conhecer o nosso jardim, que sonhava em me dar um irmãozinho... agora tão inerte, tão... encerrado. Durante a madrugada, papai dorme, extenuado. Titio bebe o quinto copo de uísque. Ninguém percebe quando acaricio a face gelada de mamãe e, baixinho, chamo por ela, espero por uma reação. Ela não está ali. Não está em lugar algum.
"Luana? Luana? O que houve?" "Nossa... desculpa. Minha cabeça estava longe!" Papai repara que fito a sala. "Lembrou do velório?" "É. Tudo ficou tão complicado depois que mamãe morreu." "Você continua se maquiando como ela.", o seu dedo percorre gentilmente as linhas dos meus olhos, bochecha e lábios, onde o delineador, o blush e o batom dão cor à pele pálida. "Me maquio assim há tanto tempo, que nem sei outro jeito." "Desde que o Henrique te deu aquele estojo, não é?" "Isso. Estava me lembrando disso há pouco." Ele se aproxima de mim e aspira. "O perfume... esse, que está usando... não é o da sua mãe." "Este o Fabiano me deu. Ele gosta que eu o use."
Papai não aprecia a resposta e, com dificuldade, se põe de pé. Tento ajudá-lo. "Ainda posso andar, Luana.", secamente. Porém, as suas pernas fraquejam e eu o seguro, evitando que caia. "Meu Deus, que vergonha!", sussurra. "Vergonha nenhuma. O senhor está assim porque descuidou-se. Agora que vou cuidar do senhor, vai se fortalecer de novo.", dou esperanças a ele e a mim mesma. Caminhamos vagarosamente rumo às escadas, papai se apoia em mim e no corrimão. "O caipira tem um péssimo gosto pra perfumes." "Dá pra parar de chamar o Fabiano assim? Por favor?" Após um muxoxo, ele se cala, mal humorado, e se concentra nos degraus.
Um mês depois da tempestade, estou passando delineador. Não preciso mais consultar fotografias de mamãe para acertar contornos e tons. Pelo reflexo no espelho, vejo papai se aproximar, abaixar-se atrás de mim e abraçar a minha cintura; coloca uma caixinha no meu colo. "Não é só o Henrique que te dá presentes." Os laços dourados se desatam facilmente: é um frasco do perfume de mamãe. A sua mão invade a blusinha e desliza pela minha barriguinha. "Você vivia pedindo pra usar, lembra? Use-o hoje à noite." Um frio toma conta de mim.
O meu sono é interrompido pelo peso às minhas costas. Não preciso olhar para trás para saber quem é. Papai esfrega o nariz na minha nuca e desce o meu shortinho. "Lara, que saudade!" "Papai? O q--" "Shhh! Morda a ponta do travesseiro!" "Por quê? O que vai fazer?" "Morda!" Prendo o travesseiro entre os dentes, a cabeça do pau encosta atrás de mim e os seus dedos enlaçam os meus cabelos. Estou apavorada, ofegante. "Não tire o travesseiro da boca!" O buraquinho é forçado ao máximo, o pau entra vigorosamente. Me agarro ao travesseiro e o mordo fortemente, perninhas e bracinhos se retorcem com a dor, o corpo de papai pressiona o meu, a cama balança. "Ahhh... isso... foi quase tudo, Lara... hmmm... só... só mais um pouco... ahhh... você continua tão apertadinha atrás... hmmm!!!"
Nunca fui tão machucada. Se não fosse pelo travesseiro, todo o bairro me ouviria gritar. Papai, por sua vez, se delicia ao colocar-se por inteiro; ele o deixa enterrado por vários segundos, até tirá-lo um pouco e enfiá-lo de novo, fundo, muito fundo. A sua língua corre pela minha bochecha e ele mete ardorosamente. Não me acostumo com a dor, que aumenta a cada estocada. A sua mão empurra a minha cabeça de encontro ao travesseiro, os cabelos cobrem o meu rosto, respirar é difícil. Sou um objeto, uma boneca de pano como as que mamãe guardava, lembranças da sua infância.
A cabeceira da cama bate na parede diversas vezes, papai penetra incessante e furiosamente; os meus olhinhos esbugalhados encaram a parede, os dentinhos doem, cravados na fronha... algo quente escorre do bumbum; provavelmente sangue. As enfiadas ficam mais intensas, rápidas; papai urra, puxa os meus cabelos, lança-se em mim e, alucinado, chega ao fim ali atrás, mesmo.
O corpo desaba sobre o meu. Choro como um bebê, não só pela dor e pela vergonha, mas pela monstruosidade, pela covardia do ato, que se repetiria por anos a fio. "Fiz assim pro seu bem. Quando você começar a namorar... ou quando se casar... não vai ter que explicar nada pro seu marido... ele não vai brigar com você." Eu ainda demoraria para compreender o significado daquilo.
4- O escritório
"Você não devia xeretar nas minhas coisas!", papai, que continha a irritação desde que percebeu que uso a fragrância escolhida pelo meu marido, perde o controle ao ver as fotografias espalhadas pelo lençol. "Eu procurava por outros reméd--" "Você sempre xeretou em tudo! Desde pequena, remexendo gavetas, armários, pastas...", recolhe as polaroides e as enfia no criado-mudo. "Onde está a chave?" "Que chave?" "A chave da gaveta!" "A gaveta estava aberta!", mas ele não escuta e procura pela maldita chave que não existe. "Pai, quer parar com isso? Eu procurava remédios, a gaveta do criado estava aberta e..." "E não encontrando remédios, resolveu bisbilhotar!" "Você se incomoda com fotos? O que fazia comigo e o que gostaria de fazer com sua neta, isso não te incomoda?", desabafo. Indignado com a ousadia, ele levanta a mão para me dar um tapa, mas se contém.
Ameaçada, dou vazão às emoções, choro. "Por que teve de ser assim? Eu nunca quis isso pra mim!", ele calado, olhos vermelhos, punho cerrado. "Até a mamãe morrer, tudo era... tudo era diferente... o senhor era diferente... a casa era diferente... eu era diferente!" "Você, que fala tanto da sua mãe, devia ser mais como ela, que nun--" "É isso que o senhor nunca entendeu! Eu não sou a mamãe! Não adianta querer que eu use o perfume dela, ou ficar me chamando de Lara enquan--" Papai apoia-se na parede, subitamente zonzo; cambaleia em direção à cama e nela desaba. O roupão se abre e vejo estranhas manchas no seu corpo. Aquele homem estava para morrer e eu atirava sobre ele décadas de ressentimento.
Papai me dá as costas e se encolhe. "Sai daqui. Vai embora.", diz. Não suportando mais aquele ambiente, lavo o rosto para retirar a maquiagem arruinada, atravesso o jardim, vou para a rua. Bastante desorientada, entro em um mercado e, percorrendo corredores, observando prateleiras coloridas, tento reorganizar os pensamentos. É impressionante como, desde que me casei, eu e papai brigamos sempre... e não posso permitir que terminemos assim; é preciso crescer com os conflitos, remediar as situações, chegar ao fim maiores do que começamos.
De volta, papai ainda descansa no piso superior. Coloco no forno uma lasanha que comprei e fico na cozinha. Uma hora depois, reúno coragem e subo para avisá-lo que o almoço está pronto, mas o encontro no escritório, rasgando vergonhosas fotografias: tanto as que estavam na gaveta quanto outras, que deviam estar escondidas. O retrato de Sônia permanece intacto sobre a mesa. Papai sente a minha presença. "Meus pensamentos só me levam pra lugares sujos, Luana, e essas fotos... elas... elas trazem memórias que me mantêm nesses lugares." Ele me devolve a fotografia da neta. "Fique com ela. Você sabe pra que pedi a foto." "Tudo bem. Fiz... fiz o almoço."
Papai joga as fotografias picotadas na lixeira e lentamente se levanta da cadeira. "Você devia ligar pros garotos, pro seu marido... ver como estão.", indica o antigo telefone sobre a mesa. "Eles estão bem." "Ligue, mesmo assim. Mas não demore. Tomei o café-da-manhã sozinho; não me abandone no almoço, também." Ele fica em silêncio por um momento, até que: "Acho... acho que a essa altura, não adianta reconhecer os erros e pedir desculpas, não é?" "Adianta, papai." Ele esboça um sorriso, me beija a testa e, claudicante, deixa o escritório.
Sozinha, giro o disco do antigo aparelho; a chamada demora a se completar. Fabiano conta, empolgado, que o curso é ótimo e que usará as novas técnicas nas plantações de soja; despede-se dizendo que me ama. Na fazenda, André pergunta pelo avô, diz que ele e a irmã estão bem e que sente saudade de mim. Coloco o telefone no gancho. Olho para a mesa onde, há vinte anos, tive o primeiro vislumbre daquele mundo sombrio, mas desta vez o arrependimento de papai e a breve conversa com o meu marido e filho, impedem o escritório de me inocular com o seu veneno.
"Fico feliz por se livrar das fotos." A luz do sol atravessa as árvores do jardim e nos alcança enquanto almoçamos; para a minha satisfação, papai se serve de um segundo pedaço de lasanha, mal tendo terminado o primeiro. "A casa também está abarrotada de recordações ruins. Não vai ser fácil, mas vou me mudar daqui. Acho que ainda dá tempo de ser outra pessoa." Surpresa pelo seu desapego e pela sua disposição em recomeçar, repouso a mão sobre a dele. "Mude-se pra onde quiser. Visitarei sempre." Sorrimos um para o outro e, pela primeira vez, ele pergunta sobre o Fabiano, o André e os negócios da fazenda. Mais tarde, lavamos juntos as louças e sugiro passearmos em um pracinha próxima. Papai aceita. O dia promete ser bom.
Twitter: a_fantasiadora
mto bom...show
Conto muito bom. Adorei.Votei
Delicia de conto, dramático e gótico. Conflituoso, mas cru e retrata a realidade em muitas situações, parabéns muito bom seu trabalho. Fantasia ou realidade, cada leitor julgará. valeu
Ótimo conto, espero que tenha continuação.
Muito bom! Gostei do final menos sombrio. Beijos