CASAMENTO LIBERAL

ESTE NÃO É UM CONTO ERÓTICO. É UMA REFLEXÃO SOBRE A MINHA VIDA PRIVADA
Durante a faculdade, passei algumas noites maravilhosas a namorar com um poeta de cabelos compridos. Passei algumas semanas na brincadeira com um estudante de religião carinhoso e divertido. Cheguei até a sair por pouco tempo, se bem que inconscientemente, com um estudante do ensino secundário. Isto é o que se faz na faculdade. Sem a prisão das rotinas da infância e livre dos julgamentos e preconceitos das pessoas que nos conhecem melhor, exploramos e experimentamos, testamos novas ideologias, novos pontos de vista. Novas pessoas.
Assim sendo, experimentei de forma livre e feliz. Mas a minha situação era diferente da maior parte das pessoas: eu também tinha um namorado sério no momento. Tão sério que vivíamos juntos.. No entanto, eu não estava a quebrar nenhuma regra. Nós tínhamos uma relação aberta.
Conheci o meu namorado Michel da forma e nas circunstâncias que todos conhecem (ler meu 1º conto). Foi o meu primeiro homem, era encantador e estranho, mas de uma forma enternecedora, um daqueles rapazes apaixonados e fluentes que vivem a vida em superlativos. A música que ele ouvia era a melhor de todas as músicas. Os livros que lia estavam no topo da literatura.
Eu sei, eu sei. Mas eu tinha apenas 17 anos! Não conseguia resistir, e continuo a não conseguir, a um pensamento perspicaz, a uma gargalhada estridente e a uma grande cabeça. Além disso, o meu namorado era generoso com as suas grandes convicções: as pessoas de que se rodeava estavam destinadas à grandeza também. Amada por ele, sentia-me envolta em glória.
Inseparáveis desde o início, explorámos o novo mundo que eu acabara de descobrir. Vivíamos juntos. Acho que aos poucos transformei o apartamento dele num verdadeiro lar familiar.
A vida doméstica era um estímulo. O meu namorado estava decidido a viver a sua vida de acordo com os seus princípios intelectuais rigorosos e, para ele, a liberdade pessoal era primordial tal como para mim. O amor não poderia exigir restrições, reclusão ou privação. Ele dizia que mesmo estando a planear um futuro em conjunto, nós deveríamos sempre permitir um ao outro fazer o que nos apetecesse, incluindo sair com outras pessoas.
Até aí a minha ideia de romance era o mais convencional possível, envolvia ter um namorado Primeiro vinha o amor, depois o casamento, e assim por diante. Achava que a exclusividade levava à segurança. Não havia espaço para outras pessoas e que seriamos felizes para todo o sempre.
Na faculdade era suposto eu estar a explorar, a experimentar, a testar novas perspetivas. Eu não era filósofa, mas estava a estudar Psicologia.
O Michel um dia disse-me: "Ao contrário do ouro e do barro, o verdadeiro amor, dividido, não diminui." Nunca mais esqueci esta frase.
O Michel e eu sempre protestámos contra a moralidade vigente que exigia aos casais e amantes casarem-se e serem monogâmicos, e, assim, percorrerem "todo o percurso de vida com um parceiro acorrentado".
Nunca tivémos qualquer desejo de algemar alguém a nós e muito menos a pessoa que mais amamos. Nunca fomos possessivos e nunca exigimos fidelidade um ao outro, o nosso amor só exigia Verdade. Assim partimos para a nossa grande aventura romântica.
O Michel estava divertido, mas basicamente indiferente à minha actividade como GP ou simples aventuras por desporto.. A atitude dele parecia ser: vai divertir-te. E a minha atitude era a mesma.
Assim fazíamos. Às vezes em demasia. Não tínhamos limites. A nossa ligação continuava sempre presente, a nossa relação era muito boa e e eramos muito carinhosos um com o outro.. Só que, às vezes, eu estava noutro sítio, com outra pessoa e o mesmo se passava com o Michel.
A nossa atitude sempre foi a mesma. Quando um de nós chegava a casa vindo de um programa com outras pessoas, fazíamos perguntas quando o outro chegava a casa. Quem era o sujeito ou a sujeita? O que tínhamos feito? Como tinha corrido a relação? A pessoa era agradável e inteligente?
Nunca sentimos ciúme. Nunca tivemos medo de
perder o outro. Vivemos segundo os nossos princípios e tirando partido do lado divertido e fácil da vida.. Nunca nos sentimos ameaçados ou inseguros. Sim, as correntes que ligam duas pessoas não têm de ser pesadas. É evitar que se enferrujam e desgastam, porque são elas que nos unem e nos mantêm seguros.
O nosso amor continua muito vivo.
Assistimos e ouvimos alguns amigos e amigas a reconhecerem como o fascínio desaparece. Como a realidade pode embotar a felicidade. Os olhos deles começaram a vaguear ou os seus corações. Eles traíram. Ou separaram-se. Ou traíram e depois separaram-se. Ou mantiveram-se fiéis e casados, mas agora sentem-se encurralados e paralisados. Estão todas à nossa volta, essas pessoas que disseram "tu e mais ninguém" e falavam a sério. Até que deixaram de o fazer.
É um cenário triste, mas praticamente diz tudo.
A nossa experiência - de confiança, compreensão e comunicação tem até hoje resultado. Como qualquer experiência pode falhar. Não há garantias. Nada é adquirido. A vida é uma batalha diária.