Como acordei com bom humor vou falar da Gertrudes. Interessante: o sonho é mesmo representação de nosso estado mental diurno. Dormi com a conversa com o Fernando sobre a Gertrudes na cabeça. Não deu outra: apareceu-me em sonho. Como nos velhos tempos: loura dos pés à cabeça. Era inteligente e para ganhar tempo mergulhava de corpo inteiro num tanque com água oxigenada para descolorir pelos e cabelos. No sonho estava como quando a conheci — com a cor de bronze envelhecido. Putz! Eu também estava garotão, livre dos achaques que me deixam quase em prisão domiciliar. Trocamos tantas carícias que comecei a rolar inquieto na cama. Na hora em que ia beijá-la, minha mulher me sacudiu e acordei. Sobressaltada, a coitada pensava que eu estava morrendo. Ainda bem que nem de longe pensou que a pudesse estar traindo.
Gertrudes foi um caso gostoso. Nunca conheci mulher mais safada que aquela. Casada com um diplomata que tudo que tinha de cordato estava no nome da profissão, ainda assim não temia se ferrar se fosse descoberta aprontando. Um amigo meu dizia que a inclinação que ela tinha para a sacanagem estava no sangue. Em certos momentos dava razão para ele, senão veja: ela era uma dondoca; o marido, homem elegante. Firme, estrênuo em tudo; menos, claro, no sexo. Viviam confortavelmente. Ele babava por ela, fazendo-lhe todos os gostos. Comprava para ela roupas em Paris e ovas de esturjão russo em Moscou. O que lhe faltava para traí-lo desbragadamente? Outro amigo dizia sem pejo: falta-lhe pica!
Conheci-a na praia num dia chuvoso. O marido dela estava a serviço em Londres. E ela livre como uma libélula. A impressão que depois tive daquele momento é que se eu não a pegasse, outro pegaria. Como disse, chovia fraco. Pouca gente na praia. Só os que se ausentam por muito tempo, ou os turistas, vão numa segunda-feira chuvosa à praia. Eu estava deitado perto da água quando ela chegou. Andava com jeito afetado de madame, gingado de quem pisa em ovos ou quer evitar titica de cachorro. No fundo era tudo frescura para chamar atenção. Estendeu uma toalha na areia molhada, jogou a sacola e o chapéu para o lado, e desabou no chão como quem deseja mergulhar na areia. O bumbum perfeito tinha nádegas de fazer sombra em meio Rio de Janeiro ao sol das quatro da tarde. Que monumento!
Olhei rápido em volta para ver quantos haviam apreciado aquela aparição, mas eram poucos. Para dizer a verdade, um casal de velhinhos e uma senhora de meia idade dedicando toda atenção a duas crianças branquelas naquele ponto da praia. A primeira certeza que tive foi que aquele molejo todo foi proposital — e para minha apreciação. Assim ela facilitava minha ida à luta. Há mulheres que deixam claro que a sua abordagem não vai ser frustrada. Talvez para que tudo aconteça mais rápido. Algumas dicas de expert: elas cravam olho no olho como se quisessem sugar sua alma; têm maneiras afetadas incomuns em mulheres honestas; são escandalosos para chamar atenção. E por aí vai...
E tudo foi muito rápido mesmo. Quando percebeu que eu estava olhando insistentemente, vacilou várias vezes de propósito, mas de forma a parecer descuido. Mas isso só funcionaria com um homem inexperiente, não comigo. Um exemplo: ao menos duas vezes afastou o biquíni, deixando à mostra a bucetinha loura. Se houvesse ali na praia uma cama, era pular com ela em cima. Não havia cama, mas recolhi a toalha, bati lentamente a areia grudada ao corpo — que molhada resistia a cair — e fui sentar-me ao seu lado. Meia hora de conversa foi suficiente para ela deixar claro que eu podia livrá-la da abstinência sexual forçada.
E fomos para a cama caminhando. Gertrudes morava de frente para o mar. O suntuoso apartamento de cobertura foi minha parada obrigatória durante três anos e meio até ela ir com o marido para uma embaixada na Europa. Eu era informado imediatamente das viagens do marido. Para não levantar suspeita, entrava no prédio pela garagem, guardado no porta-malas do Landau do diplomata. Saía no outro dia cedo, usando o mesmo expediente. Excitavam-na as dissimulações para a transa. Como gostava de foder no apartamento nas viagens do marido, inventava disfarces para eu chegar pela portaria. E eram tantos que os porteiros, ao longo do nosso romance, deviam pensar que o apartamento vivia em obras. Numa de minhas idas lá, disfarçado de encanador, o porteiro me interceptou:
— Depois que atender a madame na cobertura, vá ao 1100. O apartamento está com um vazamento e a moradora pediu-me um encanador com urgência. Vou interfonar avisando, tá?
Nesse dia para não entrar pelo cano, preferi na saída o utilíssimo porta-malas do Landau. Era mais espaçoso.
Janjão