O Corpo (suspense)

Eu estava lá. Vi tudo. Nenhum detalhe escapou de minha visão. Exceto...
   Exceto...
   Não, não podia ser. Eu me lembro de tudo. Ou pelo menos deveria me lembrar. Afinal, o álcool não estava em seu mais perverso efeito. Estava? Não, eu não estava assim tão bêbado ao ponto de não lembrar nem mesmo meu nome. Que ridículo!
   É... Eu estava... Estou... Como num dia normal. Perfeitamente bem.
   Eu estou mentindo.
   Minha cabeça gira e eu fico zonzo, bile sobe pela minha garganta, queimando, um gosto acre, e eu tenho vontade de chorar. A visão escurece de novo e eu procuro um lugar para sentar. Ouço vozes. Enterro as mãos na cabeça, querendo apagar e afastar esses fantasmas. Sinto algo viscoso. É sangue na minha mão?
   Oh, porra! Eu não deveria ter bebido tanto. Não deveria ter transado com nenhum daqueles homens no bar. Não deveria ter brigado por meu dinheiro roubado... Sexo não deveria valer dinheiro, não é mesmo? Mas vale. E eu faço questão de cobrar.
   De qualquer forma, eu estava lá, caído ao lado da grande placa que anunciava imóveis chiques em uma parte da cidade que eu passava apenas para satisfazer meus clientes. Minha visão turva me permitia ver o maldito modelo bonito do anúncio, com uma chave na mão como que dizendo "você merece tudo isso". O mais irritante é seu sorriso. Caralho, que sorriso lindo. Eu daria tudo para que ele estivesse sorrindo comigo, na cama, depois de gozar. Mas ele está zombando de mim, de minha desgraça. Você merece tudo isso... Por que, porra, eu mereço estar aqui?
   Estou sozinho, no meio do nada, bêbado e com o cu cheio de sêmen. Sem coragem de voltar pra casa. Sem coragem de enfrentar meu namorado que já havia mandado centenas de áudios e mensagens de texto, preocupado. Se desculpando. Mensagens que ignorei enquanto estava sóbrio. Ele mereceu... Não mereceu?
   Agora, já não havia mais o que esconder. Não com os policiais à minha frente. Eles sabem de tudo. Foram eles que me encontraram desacordado, sangrando nas têmporas, com as calças abaixadas até os tornozelos. Ao lado do corpo.
   O corpo.
   Eu não estava totalmente sozinho.
   Cada vez que eu penso naquele homem imóvel ao meu lado um calafrio percorre minha espinha, eriçando meus pêlos.
   Eu não podia gritar porque minha garganta doía. Eu quero gritar. Não podia correr porque as calças arriadas prendiam minhas pernas. Eu quero correr. E eu não tinha forças para... Bom, estou sem forças para nada.
   Apenas fiquei caído, com a bunda descoberta sendo arranhada pelas pedrinhas de asfalto que se soltavam da estrada à frente. E aquele homem ao meu lado. Sangrando... Uma poça vermelha escorrendo em minha direção. Sinto um gosto estranho em minha boca. Gosto de sêmen e... de sangue. Tem sangue na minha língua? Será que é meu ou dele? Pode ser que eu esteja delirando... Ele olhava fixamente pra mim, com os olhos vidrados, secos. Sem vida. Me observando. Me acusando. Culpa sua.
   Poderia ter sido eu. Deveria ter sido eu... Você merece tudo isso. Eu havia transado com aquele homem momentos antes de sua morte, ali mesmo debaixo do outdoor. Eu ainda podia sentir meu músculo anal se esticando para aconchegar o pênis enorme, os urros masculinos do sujeito, indicando que ele estava à beira do orgasmo, a violência com que ele fodia, o barulho de suas bolas batendo na minha bunda, a sensação quente quando ele se derramou dentro de mim, o vazio que ficou assim que o pênis foi retirado...
   Havia sêmen dentro de mim. O sêmen deles. Dele. Não havia como negar. Não havia como enganar a autópsia.
   Eu sou o principal suspeito e não há nada que eu possa fazer.
   A menos que eu me lembrasse do que vi. E eu vi, disso tenho certeza. Só não sei o quê...
   Agora eu só queria ir para o banheiro, me lavar, talvez transar com meu namorado enquanto a água morna cai sobre nosso corpo nu, levando embora minhas inseguranças... Ouvir dele que tudo vai ficar bem, que ele acredita em mim, enquanto me empala com seu pênis duro e grosso, beijando minha boca, puxando meus cabelos, minha respiração embaçando o vidro do box...
   Mas ele não acredita em mim. Nós não vamos fazer amor. Não vamos nos beijar. Seu rosto lindo está com um sinal de desgosto e desaprovação, uma ruga se formando no meio de sua testa enquanto olha para mim. Nunca o vi tão bravo. Na verdade, nunca fiz nada que merecesse sua raiva. Sempre fui um bom namorado, atendendo suas exigências sem reclamar. Tenho medo de seus braços, do que eles podem fazer comigo...
   Do que eles fizeram comigo... Um pouco antes de... Não consigo.
   Merda, eu só quero deitar...
   E o policial não para de falar e fazer perguntas. Seu cabelo cacheado caindo sobre o rosto está me deixando excitado, com vontade de enrolar no meu dedo e... Não sei o que ele está falando, não consigo ouvir. Não quero ouvir. Quero fazê-lo calar a boca. Se eu conseguisse me mover talvez eu pudesse pegar seu colarinho e meter minha língua na boca dele. Apenas um puxão e... Mas meu corpo não reage.
   Fecho os olhos com força.
   Tudo o que tenho em minha cabeça agora é o sorriso do homem do anúncio, seu deboche. Você merece tudo isso. O som do corpo. O baque surdo, caindo ao meu lado. Uma voz masculina e um grito. O barulho do carro freiando... A lua brilhante testemunhando os eventos.
   E escuridão.
   Nada mais que escuridão.

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Comentários


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titoprocura Comentou em 08/09/2021

Além de ser diferente e acima disso é um texto de muita qualidade... Um fluxo de consciência bem explorado.. E um final aberto... Parabéns!!! Votado!

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morsolix Comentou em 06/09/2021

Até que enfim: algo diferente para ler e que vale apena ser lido.Muitissiimo bom..Algo bem acima da média dos contos-novelas.Imaginativa.O final deixa aberto a várias interpretaçoes.Nota 10.Votadissimo e com louvor.




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Ficha do conto

Foto Perfil megagato
megagato

Nome do conto:
O Corpo (suspense)

Codigo do conto:
185664

Categoria:
Gays

Data da Publicação:
05/09/2021

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