21. Sim, sou gay



                                                    Júlio
       Pior do que ter que pedir a Thomaz que ficássemos um tempo longe um do outro foi, naquele mesmo dia, Mario chegar em casa como se nada tivesse acontecido. Quem abriu a porta foi minha mãe. Eu nunca a havia visto com tanta raiva, tanto ódio; nem parecia ela. Mario perguntou o que acontecera e por que ela estava tão transtornada. Eu o reprovei com um olhar e pareceu ter caído a ficha dele. Irritada, mamãe pegou o celular dela e mostrou a foto ao namorido. Perplexo, ele tentou abrir a boca.
       - Pelo amor de Deus, admite logo que você estava se encontrando com um cara! ADMITE!
       - Ivana, senta um pouco. – e mamãe concordou, aos berros. Eu saí da sala, mas colei as orelhas na parede para conseguir a ouvir a conversa. Mario foi corajoso e homem o suficiente para contar tudo o que ele havia dito a mim sobre ele e Horácio. Mamãe soluçava. A minha preocupação maior viera com uma simples pergunta dela:
       - Quem mais soube disso?
Mario ficou em silêncio por um tempo.
       - A minha família quase toda sabe. Boa parte dela.
       - O Moca, seus sobrinhos...?
       - Sim, eles sabem... – ele respondeu, e quase não pude ouvir.
       - Você, além de ter me traído... – mamãe tentava se recompor. – Também é um tremendo hipócrita. Xingava meu filho de veadinho para quem quisesse ouvir, sendo que você sim é o veadinho! Você é um tremendo filho da puta!
       - Eu entendo a sua raiva, Ivana...
       - Entende porra nenhuma!!! Meu primeiro casamento não deu certo, esse menos ainda e porque meu marido é gay! Gay! – vociferou mamãe.
       Irritadíssima, mamãe gritou:
       - Você devia pedir desculpas ao Júlio!
       Alguns minutos em silêncio. O silêncio me matava por dentro. Mario poderia encerrar da pior maneira possível.
       - Você tá certa, eu devo um pedido de desculpas ao seu querido filhinho. Mas antes, vou te dizer uma coisa que pode te decepcionar um pouco, Ivana.
       Meu coração gelou. Meu corpo inteiro parou.
       - O seu querido filho é tão gay quanto eu... É, é sim. Não faça essa cara de espantada porque você é mãe e já deveria saber, já deveria ter desconfiado. Ou vai dizer que você nunca desconfiou dele... e do Thomaz?
Mamãe chorava muito mais que antes. Eu não sabia o que fazer. Minhas pernas pareciam ter grudado no chão.
       Ouvi a voz de minha mãe:
       - É claro que eu desconfiava. Claro que sim.
       - Mas se fez de cega, né?
       - Me fiz. Claro que me fiz de cega. Eu não sabia como agir e nem tinha certeza. Mas ele e o Thomaz... Essa amizade deles sempre foi muito estranha pra mim. Intima demais, principalmente depois de eles começarem a estudar juntos...
       - Exatamente...
       - Mario... Vai me dizer que eles?
       - Sim, eles dois...
       Meu cérebro entrou em transe. Não sei o que deu em Mario para ele contar aquilo. Se foi um atitude boa ou ruim, foi difícil de identificar. Por que ele falou de Thomaz e não de Zeca?
       - THOMAZ!! – mamãe me chamou aos berros. Eu estava ferrado.
       Mostrei-me presente e andei lentamente até ela, mordendo os lábios e com o corpo todo tremendo.
       - Isso é verdade, Júlio? – perguntou mamãe, lacrimante. – Você e o Thomaz estão... Tendo um... Caso?
       - Sim, mãe.
       Mamãe fechou os olhos e derramou duas lágrimas. Quando o abriu, olhou Mario com ódio e ordenou:
       - Você, pegue suas coisas e SAIA DA MINHA CASA.
       - Mas Ivana...
       - Você pode me trair com homem, mulher, com a puta que pariu, MAS ME TRAIU! E ISSO EU NÃO PERMITO!
       - Calma, Ivana... – tentou tocá-la.
       - NÃO ME TOCA! PEGA AS SUAS COISAS E SAI DA MINHA CASA!
       Silenciosamente e olhando para os lados, Mario saiu da sala e voltou em poucos minutos, carregando duas malas. Durante esse tempo, mamãe se acalmava, engolindo o choro, porém sem me dirigir a palavra. Ao abrir a porta, Mario nos olhou com sorriso desdenhoso e disse:
       - Boa sorte a vocês.
       - Sai daqui! – ela o expulsou.
       - Ah, Júlio... Zeca tá viajando, mas te mandou lembranças...
       - SAI!
       Mario bateu a porta e saiu. Mamãe secou uma lágrima e bem mais calma, me perguntou:
       - Você é amigo do Zeca e eu não sabia?
       - Não, mãe...
       - Fala a verdade...
       Mamãe estava com os olhos vermelhos e inchados. A beleza de seu rosto claro e seus cabelos longos tinham sumido. Não parecia minha mãe.
       - Eu tô ficando com o Thomaz, mãe. – voltei ao assunto anterior, que seria bem pior que a última bomba que Mario me jogou.
       - Desde quando?
       - Desde que começamos a estudar juntos.
       - Mas, filho... Isso não é só uma fase? Só curiosidade? Isso acontece na sua idade...
       - Já transei com homem, mãe. Não é fase.
Mamãe passou as mãos no cabelo e continuou:
       - Quem mais sabe disso?
       - O primo do Thomaz nos flagrou no churrasco. Mas ele foi o único que viu.
       - Meu Deus...
       - Mãe, fique calma...
Abatida, ela bufou e me surpreendeu com a pergunta:
       - E você gosta dele de verdade?
       - Mãe, o pior é que eu... Gosto. Mas... Eu preferi ficar longe dele justamente por isso.
       - Por que?
       - Porque não ia dar certo. Tá vendo isso aqui? Como a senhora reagiu? Como os pais dele reagiriam? Sem contar que ia acabar com uma amizade de anos e nem sei se ele realmente gosta de mim. Ele deve tá apenas confuso. – decidi desabafar.
       - Você disse o que pra ele?
       - Que eu estava confuso, mas na verdade eu sei bem o que to sentindo. Venho notando isso.
       - Filho, esse foi um dos piores dias da minha vida. Mario tá me traindo e com um homem e ainda descubro que você é... Nem quero pronunciar.
Senti-me pior do que eu já estava ouvindo isso.
       - Mas... Filho, se essa é sua opção...
       - Mãe, eu não optei por nada. Se eu tivesse optado teria sido hetero.
       - Tudo bem... Já que você é assim, não posso fazer nada, só aceitar meu filho do jeito que é. – e tento sorrir. – Seja feliz, filho. Mas, por favor, vou me deitar e dormir. O dia hoje acabou comigo.

       Uma amiga e colega de trabalho de minha mãe, Olinda, conseguiu convites para que nós passássemos a virada de ano no Terra Clube e aproveitariam já que teriam folga no último dia de 2015. O meu Natal e de minha mãe não foi o dos mais festivos, mas me trouxe paz ao coração. Ela foi escalada para trabalhar no dia 25 de dezembro e eu, mesmo ela me liberando para que eu ficasse em um local de minha preferência, disse que passaria a noite com ela no hospital. Houve alguns pacientes que ficaram sozinhos, sem um membro da família para fazer companhia, e os enfermeiros são as únicas pessoas a ficarem ao lado deles naquele dia tão especial.
       Os enfermeiros coletaram dinheiro e compraram presentes bem simples e fizeram brincadeiras com alguns pacientes, os que ainda estavam conscientes e proporcionaram uma digna e alegre noite de Natal a eles. Os idosos eram os principais doentes que ficavam sozinhos e também os que mais sorriam. Durante todos aqueles dias em que os assuntos “Mario”, “homossexualismo” e “Thomaz” tornaram-se tabus, eu sentia saudades de meu melhor amigo e minha amizade colorida, mas eu tinha que sofrer calado, ou minha mãe cairia no choro novamente.
       Às vezes me batia o arrependimento por ter me afastado de Thomaz. A distância não foi uma ideia genial. A saudade que eu sentia por ele me corroía, me destroçava. Porém, eu tinha de ser forte. O que Thomaz pretendia, mesmo estando confuso, era apenas uma amizade colorida porque era mais cômodo. Novas experiências, meninos, meninas, coisas novas... Ele não me imaginava como algo além de amigo, já eu... Eu sentia algo mais forte. Os beijos, o carinho, a risada, o cheiro, o abraço, o corpo dele no meu. A companhia, a amizade, o abraço dele, o suor, seu gosto em mim... Tudo nele me fazia falta... Eu tentava evitar, esquecer tudo o que me lembrava a ele, mas se eu me olhava no espelho e mal me reconhecia: só via o rosto de Thomaz. Eu não tinha ideia do que aconteceria comigo se o visse na minha frente.
       A conversa que tive com mamãe, ainda que tenha sido indesejável e desastrosa, serviu para me tirar um peso da consciência. Ao menos ela já sabia. Faltava apenas uma pessoa: Roberta. Marquei com ela numa tarde em que mamãe estava trabalhando e minha ficante chegou em casa, dois dias depois do Natal. Beijei-a nos lábios e, sem rodeios, contei a ela tudo o que tinha de contar.
             - Júlio... – ela começou, com um sorriso desconcertado. – Eu só esperava uma confirmação sua, porque sempre desconfiei.
       - Qualquer pessoa desconfia, não é?
       - Acho que sim. Você dá uma pinta. Um pouco, mas dá.
       - Então o que te fez querer ficar comigo? – perguntei, curioso.
       - Porque você é lindo, é um amor e tão gentil. E eu gosto de loirinhos.
       - Acho que te decepcionei, não foi?
       - Nunca me decepcionou. Mas, me responda: e o Thomaz?
Carrancudo, respondi:
       - Preferi ficar distante dele. Nós estávamos confusos ao extremo. Não daria certo.
       - Não daria? Você nem tentou pra saber!
       - E nem quero e nem vou tentar pra saber.
Roberta respirou fundo, olhou para os lados e disse:
       - Eu poderia dizer a você que ficaria com você mesmo sendo gay, mas não é de mim que você gosta. É do Thomaz.
       - Como você sabe?
       - Porque não sou otária. – respondeu, com rispidez. – Então não me decepcione e faça o que tem que fazer.

       Vencida no cansaço, mamãe aceitou os convites e fomos: ela, a sua amiga Olinda com o marido, o casal de filhos e mais duas amigas para o Terra Clube e ocupamos uma mesa que ficava em frente a um palco. A área das piscinas, onde Roberta e eu trocamos muitos beijos, estava escura e quase não se podia ver. O local, que era um campo esverdeado, decorado especialmente de branco para a data, estava bonito e cheio de vida. O melhor de tudo foi ver que haveria uma banda tocando música ao vivo. A noite ao menos não seria entediante.
       Faltava apenas uma hora para a meia noite quando a banda começou a tocar. Era um pop rock bem animado e os filhos de Olinda não perderam tempo e assim como muitos ali presentes, se levantaram para curtir a música. Minha mãe e os outros adultos também se levantaram e foram mexer os quadris. O único sem ânimo era eu, para variar.
       De repente, depois de quase quarenta minutos de rock, a banda veio com uma música mais leve. E minha mãe, que estava a minha frente, olhou-me com serenidade e disse:
       - Aproveite a noite, filho. – e virou de costas.

       “Minh'alma sabe que viver é se entregar
       Sabendo que ninguém pode julgar”

       Senti um cutucão no ombro.

       “Se teve que olhar pra trás ou não
       Talvez se a vida me trouxer o que eu pedi”

       Ainda sentado, movi-me para ver quem era. E, como eu, todo de branco, porém ainda mais bonito, Thomaz sorria para mim.

       “Te encontro e faço tudo que quiser
       Te dizendo: "o sol renasce amanhã. "

       Permaneci sentado e sem dizer nada.
       - Não vai me dar um abraço, não? – Thomaz perguntou. Eu não tinha escolha.


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Comentários


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viitor Comentou em 29/12/2015

ae o reencotro.. amo muito td isso




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Ficha do conto

Foto Perfil Conto Erotico historiasemsegredo

Nome do conto:
21. Sim, sou gay

Codigo do conto:
76010

Categoria:
Gays

Data da Publicação:
22/12/2015

Quant.de Votos:
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