Viajamos bem cedo no dia seguinte. Eduardo ainda dormia. Usava uma camisa xadrex por cima de uma camiseta branca. Nunca tinha visto aquela camisa com ele antes. Marina, minha esposa, dissera também não conhecer a camisa. E logo ela adormeceu também. Fui dirigindo em silêncio, pensando em como tudo mudaria para o meu filho, principalmente para ele. Desde que nasceu ele virara o centro das nossas preocupações e era só a felicidade dele que importava.
***
Quatro anos haviam se passado desde que saímos daquela cidade, quando parei meu carro na frente da minha antiga casa. O caminhão da mudança parou logo atrás. Os anos que passara longe dali foram incríveis, mas era muito bom estar de volta. Meu filho passara no vestibular e eu recebera uma nova promoção no meu emprego, o que me fez voltar para o que considerava como minha casa.
Eduardo foi o primeiro a descer do carro, meio saltitante. Estava feliz demais, nunca realmente conseguira gostar da outra cidade. A puberdade trouxera mudanças em seu corpo e fora generosa com ele. Estava alto e esbelto, encorpado mesmo sem nunca ter frquentado uma academia, mas preservava a falta de pelos de uma criança. Seu rosto era bonito e harmonioso. E não havia como não reparar em sua bunda, que crescera mais do que qualquer outra coisa. Já ouvira muitos comentários sobre a abundância de suas nádegas, mas nada havia a fazer a não ser aceitar que o meu pequeno havia crescido.
Começamos a descarregar os nossos móveis eu e Edu, com a ajuda do motorista do caminhão, um rapaz brincalhão de riso fácil, que logo fez amizade conosco. Eu havia acabado de colocar uma cômoda no quarto e voltava para buscar mais algum móvel quando me deparei com um homem desconhecido na minha sala. O rapaz era alto, com uma barba farta no rosto jovem. Os braços musculosos à mostra bem como os pêlos do peito que saltavam da regata branca que usava. A bermuda apertava-se ao redor de uma coxa grossa mostrando as pernas também extremamente peludas. Me surpreendi quando o rapaz que eu nunca vira na vida estendeu a mão na minha direção:
— Tudo bem, Carlos? — disse com uma voz extremamente grave.
Meu olhar provavelmente me denunciava, estava extremamente confuso, mas a realidade me alcançou quando eu ouvi a explosão de felicidade do Eduardo:
— Celo!!! — exclamou ele correndo para abraçar o amigo.
— Marcelo? É você? Caramba! Como cresceu rapaz, está um homão.
— Cresceu hein Edu, não está mais aquele magrelo — disse Marcelo.
— E você não está mais aquele balofinho...
Ambos me ignoraram e eu saí da sala de fininho, para deixar os dois aproveitarem o momento deles.
— Você viu o Marcelo? — perguntou minha esposa, horas depois, quando Edu já tinha saído, deixando-nos com a casa para arrumar. Já era noite e havíamos jantado uma pizza que demorara mais de uma hora pra chegar.
— Vi sim. Cresceu né?
— É. São dois homens agora. Saudades daquele meu menininho que se agarrava na minha perna pra não me deixar sair de casa.
— Agora é ele quem sai de casa sem hora pra voltar e a gente não pode nem se agarrar na perna dele pra impedir. — rimos juntos, nos abraçamos e começamos a relembrar histórias da infância do Eduardo.
Adormecemos e não vimos o Edu chegar. Pela manhã ele nos tranquilizou, disse ter ido na casa do Marcelo e de lá foram juntos reencontrar os antigos amigos num barzinho. Começou a contar como estavam os amigos mais próximos. A maioria deles tinha entrado na mesma universidade, uns estavam prestes a casar ou ter filhos.
— E o Marcelo, filho? — questionei.
— Que tem ele?
— Vai fazer alguma coisa também? Universidade, curso?
— Ele vai estudar comigo, não lembra não?
Fiz uma cara de interrogação e ele revirou os olhos.
— Pai, está tudo certo desde que a gente era criança. A gente tinha combinado de que faríamos engenharia juntos. — disse ele, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.
— Ah, pensei que isso era coisa de criança, não imaginei que fossem seguir isso à risca. Ainda mais depois de ficarem esse tempo todo sem ter muito contato...
— Quem disse que a gente passou algum tempo sem ter contato? — mais uma vez ele vinha com uma obviedade que só era verdade para ele próprio. — Pai, a gente se falava todo dia.
— Caramba! Pensei que vocês só tivessem se falado nas férias.
— Pai, sério, que ano você acha que a gente está, hein? — e com essa frase que me fez sentir o mais velho dos velhos, o moleque saiu da cozinha, com a boca cheia de torrada e um copo de suco na mão.
***
A porta do quarto do Eduardo estava entreaberta. Eu parei a meio caminho do meu quarto. Saíra mais cedo do trabalho por conta de uma forte dor de cabeça, mas a minha curiosidade foi mais forte. Edu estava estudando com Marcelo desde cedo. Já estavam no fim do primeiro semestre do curso superior que os dois faziam juntos. Desde que tínhamos retornado para a cidade a amizade deles voltou a ser exatamente o que era antes, o que significava que os dois passavam muito tempo juntos. A única diferença era que ao invés dos dois molequinhos que viviam inventando brincadeiras agora eram dois homens estudantes de engenharia que precisavam passar muito tempo se dedicando aos estudos de Cálculo e Física.
Continuavam a ser os mesmos amigos inseparáveis de antes, mas eu percebia os detalhes. Até ali eu me perguntava se era coisa da minha cabeça, se eu estava vendo demais. Era eu o único a perceber? A maneira como se olhavam não era qualquer. Havia mais do que uma mera cumplicidade. Mais do que uma simples admiração. Havia sempre um brilho no olhar do Marcelo quando encontrava o Edu, ou no do Edu quando o nome do Marcelo era mencionado. O olhar cintilante era quase sempre acompanhado por um sorriso bobo de canto de boca. Mas eu parecia ser o único a perceber.
Uma vez fomos à praia os quatro: Eu, Marina, Eduardo e Marcelo. O dia estava absolutamente lindo e os meninos saíram do carro apressados para aproveitar o sol. Me aproximei dos dois quando tiravam as roupas, enquanto Marina ainda pegava algumas coisas no carro. Marcelo tirou a camiseta e já começava a tirar a bermuda, quando o Edu, de costas para mim, sem perceber a minha aproximação, perguntou:
— Vai ficar de sunga, Marcelo?
Estranhei ele não chamar o amigo de Celo, como sempre fazia.
— Vou sim, qual o problema, Edu?
— Nada — respondeu meu filho vendo que eu chegava. Marcelo voltou a vestir a bermuda e assim permaneceu.
Caminharam lado a lado em direção ao mar enquanto eu e Marina ficávamos sentados tomando sol. Marcelo, que era o mais alto e mais largo dos dois, vestia uma bermuda verde, enquanto Eduardo vestia um shorts vermelho. Os dois brincavam como duas crianças no mar. Fiz sinal pra eles quando o nosso almoço chegou: peixe frito, arroz e batatas fritas.
— Vou pegar uma água de côco — disse Marcelo.
— Pega pra mim também — pediu Eduardo, sentando ao meu lado e pegando uma latinha do seu refrigerante favorito. Espichou o pescoço para ver o que Marcelo fazia no quiosque. Estava demorando. Olhei também. Uma rapaz loirinho de sunguinha preta se aproximava do Marcelo. Falou alguma coisa com ele, que sorriu. Percebi que meu filho fechou a cara e a lata de refrigerante na sua mão estava amassada.
Quando Marcelo voltou, sentou ao lado do Eduardo e lhe estendeu o côco que havia pedido.
— Não quero mais — disse ele emburrado.
Marcelo nada disse e ficou quieto. Eles não se falaram até ficarem novamente sozinhos, quando Marina e eu resolvemos tomar banho de mar. De longe, observava o que parecia ser uma discussão dos dois, mas no fim pareceram ter se entendido.
Desde este dia tenho os observado de perto. Os olhares, os sorrisos, os ciúmes. Quando levemente seguram aos mãos, quando fazem cafuné um no outro quando acham que não tem ninguém vendo, quando Marcelo sem perceber segura na cintura de Edu.
Mas nada havia se confirmado. Podia ser tudo fruto da minha imaginação, não poderia?
Tentei puxar esse assunto com a minha esposa, o que serviu pra eu reforçar as minhas suspeitas. Mas o que para mim eram apenas suspeitas, para Marina eram certezas.
— Você acha que o Edu está de paquera com aquela menina, a Flávia? — perguntei eu displicentemente quando íamos dormir, certa noite. Não que eu achasse que o Eduardo estivesse interessado na moça, só queria que a Marina revelasse algum pensamento seu sobre a vida sentimental do nosso filho.
— Não, com certeza não — respondeu.
— Como assim, com certeza não? — insisti.
— Carlos, meu amor, talvez você não tenha percebido, mas o nosso filho namora com o Marcelo.
— Como assim, ele te disse alguma coisa? — estava confuso e irritado. Por que meu filho esconderia isso de mim, mas não da mãe? Sentia mais confiança nela do que em mim? Duvidava da minha aceitação?
— Não, Carlo, o Eduardo não me disse nada, mas eu percebi.
Mas a mim não bastava. Não bastava o que Marina achava. Eu precisava ter a confirmação. E eu vi a oportunidade ali, naquela porta entreaberta. Devia me sentir horrível por estar prestes a espionar o meu filho, mas não pensava em nada.
Olhei por entre a porta e o que vi ali fez meu coração disparar...
Parabéns. Conto sensacional. Amando, vou correr pra ler a segunda parte.
Mais uma vez lhe parabenizo.Li primeiro a segunda parte,o que me obrigou ler a primeira.Que grata surpresa: Curto,bem escrito e o principal: o prazer de ler uma história onde o personagem narrado vai instigando a ler cada vez mais,lembrou-me um pouco os contos ou crônicas de Nelson Rodrigues.
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