O EX-ALUNO.
Capítulo 1: O REENCONTRO
O dia estava normal. Acabei de dar o último tempo de aula do período da manhã e fui guardar os diários de classe na secretaria antes de ir almoçar. Era sexta-feira e eu já estava extremamente cansado e estressado. Guardei os diários e quando estava deixando a secretaria encontrei com a diretora do Colégio.
- Ricardo, querido, estava mesmo precisando falar com você. Vamos até minha sala? – Cristina é uma jovem senhora que adora chamar os professores de “queridos”, algo que me irrita profundamente. Ela comanda a escola como a Dama de Ferro governou a Inglaterra. Extremamente linha dura com os alunos e muito exigente com os professores. Eu, apesar de tudo, gosto dela, pois já convivemos há longos seis anos.
- Claro! – Respondi sem muita animação a seguindo.
Chegamos à sua sala e ela foi direto ao assunto, pois sabe que eu odeio rodeios.
- Querido, sei que você odeia estagiários, mas preciso que você seja o supervisor de um novo estagiário...
- Não mesmo, Cristina! – Meu tom de voz soou irritado. – Você sabe que odeio ter gente comigo dentro da sala de aula. Essas merdas de estagiários não servem para nada. Só atrapalham...
- Eu sei, queridinho, mas não tenho escolha. Você precisa me ajudar nessa! Todos os outros professores de História já têm estagiários. Só posso contar com você. – Sabia que não poderia negar esse favor, pois na semana passada havia faltado, mas ela fez vista grossa e não me deu falta. Sabia que aquele pedido, na verdade, era uma ordem. Precisei me render.
- Você sabe como sou grosso! Aposto que ele não durará nem um mês. – Com os meus últimos três estagiários havia sido assim. Eles não aguentaram me ter como supervisor e simplesmente desistiram do estágio em algumas semanas.
- Você não é mole. – Cristina disse dando uma sonora gargalhada.
Fomos interrompidos por uma das funcionárias da secretaria. Sônia sempre estava de mau humor e reclamando da vida pelos cantos. Pelo que sei, se aposentará no ano que vem para alívio de muitas pessoas.
- Dona Cristina, o Renan, aquele novo estagiário, está querendo falar com você. Posso mandar entrar? – Sua voz demonstrava toda a sua má vontade de trabalhar.
- Pede para ele entrar, por favor, Sônia. – A funcionária saiu da sala e logo em seguida Cristina olhou para mim. – Vê se não seja mal educado com o menino, querido.
Não me dei ao trabalho de responder e aproveitei para assinar meu ponto. Ficando, assim, de costas para a porta. Logo ouvi batidas na porta que se abriu no segundo depois.
- Licença. Bom dia!
- Entre, querido. Estava mesmo esperando por você para decidirmos seu horário. Sente-se, por favor. Você será supervisionado pelo professor Ricardo. – Falou enquanto caminhava em minha direção. – Ele é um dos meus melhores professores. Tenho certeza que você terá um ótimo estágio. – Ela disse sorrindo o que me irritou profundamente. – Agora vamos às apresentações, Renan esse é o professor Ricardo e Ricardo esse é o seu novo estagiário, o Renan.
Virei-me para cumprimenta-lo, apesar de odiar estagiários sou uma pessoa educada, e dei de cara com um homem lindo. Ou melhor, com um garoto lindo. Alto, olhos castanhos claros, corpo que, mesmo com suas roupas, perceptivelmente era musculoso e definido em academia. Além de um sorriso encantador. Fiquei constrangido com tamanha beleza e apenas estendi a mão para cumprimenta-lo. Só que Renan não apertou minha mão! Ele me olhou insistentemente por alguns segundos e sorriu ainda mais. Logo recebi um forte abraço. Fiquei sem reação com sua atitude e me desiquilibrei, quase caindo em cima da mesa de Cristina. Essa também ficou sem ação.
- Não acredito. – O estagiário disse me soltando. Ele novamente me olhou fixamente e sorriu.
- Nossa, você sempre cumprimenta as pessoas assim, querido? – Cristina disse se sentando em sua cadeira presidencial.
O garoto corou a face. Eu estava sem ação e apenas pude sorrir com a brincadeira que a diretora acabará de fazer e com a expressão envergonhada do estagiário.
- Desculpa! – Enquanto falava me olhou sorrindo. – É que não esperava te encontrar aqui. Professor, que bom saber que você será meu supervisor. Eu escolhi o curso de História porque você me inspirou muito. – Ele falou ainda envergonhado.
- Vocês já se conhecem? – Cristina parecia curiosa.
Renan a olhou rapidamente e voltou seus olhos brilhantes para mim.
- O professor Ricardo foi meu professor no último ano do Ensino Fundamental. Devo o meu amor a História a esse excelente profissional.
Dessa vez fui eu que corei a face. Olhei-o fixamente tentando me lembrar de seu rosto. Não conseguia reconhecer seus traços. Ao que parece o tempo o mudou bastante. Nós, professores, vivemos inúmeras vezes essa situação. A puberdade é um período de grandes transformações, portanto, os alunos nos reconhecem facilmente, porém nós temos certa dificuldade de reconhecê-los. O tempo parece passar de forma diferenciada para professores e alunos. Quantas vezes fui abordado na rua por pessoas que me trataram de forma íntima e eu nem, ao menos, me lembrei de onde as conhecia. Sem dúvida, eram ex-alunos. Nessas situações, apenas “sorrio e aceno”, seguindo o conselho dos pinguins de Madagascar.
- Renan, não estou conseguindo me lembrar de você. – Sei que esse tipo de frase pode soar grosseira, ainda mais depois de ouvir que eu fui sua inspiração. Mas, a curiosidade falou mais alto e precisava de um estímulo para tentar me lembrar dele. – Qual seu sobrenome?
- Renan Alcântara. Você me deu aula na escola Padre Azevedo. – Falou rapidamente não aparentando ficar chateado com a minha pergunta.
- Renan Alcântara do Padre Azevedo. – Repeti tentando puxar na memória aquele garoto. Não demorou muito e logo me veio à mente uma cena.
Era meu primeiro dia de aula naquela escola, pois eu era o mais novo admitido no Município. Um menino loiro com olhos castanhos claros se aproximou de mim assim que cheguei à sala de aula.
- O senhor é o novo professor de História?
- Sim. – Respondi sem dar muita atenção! Em seguida me apresentei a turma e me sentei à mesa do professor para fazer a chamada. O menino puxou uma cadeira colocou ao lado da minha e se sentou.
- O que você está fazendo? – Perguntei tentando não ser grosseiro.
- Deixa eu ficar aqui! Eu te ajudo na chamada...
- Tudo bem, fica. – Não queria arrumar confusão no meu primeiro dia de trabalho naquela escola. O mais engraçado é que em todas as aulas que dei naquela turma durante aquele ano aquele menino fazia o mesmo ritual. Acostumei-me com a sua presença e o tratava da melhor forma possível. Sentia que era uma criança muito carente. Sempre necessitava de um abraço, de um carinho e de alguma forma de atenção. Após a minha chegada suas notas melhoram de forma assustadora. Ele me dizia que era porque queria me deixar orgulhoso. E sim, eu ficava muito orgulhoso. Nós, professores, gostamos de mudar a vida das pessoas positivamente e eu percebia que estava mudando a dele. No fim do ano fiquei feliz em saber que estava aprovado sendo um dos melhores alunos da turma 802. Ele, por sua vez, me agradeceu imensamente com diversos abraços e beijos no rosto. Como eu poderia ser capaz de esquecer o meu aluno preferido?
Tudo passou, rapidamente, como um filme em minha mente. Olhei fixamente para aquele homem-garoto à minha frente, seus olhos continuavam os mesmos, com o mesmo brilho peculiar. Não pude segurar um grande sorriso em minha boca. Abracei-o!
- Renan! Não acredito... Que saudade. – Falei assim que me soltei do abraço. Cristina nos olhava com cara de “oi, oi, oi” e eu apenas consegui sorrir para ela.
Após algumas explicações e acerto de horários para o novo estagiário, Renan e eu saímos da sala de Cristina.
- Estou indo almoçar. Quer vir comigo? – Percebi, claramente, que Renan ficou feliz com o convite. Porém, seu rosto mudou, pareceu pensar por alguns segundos e em seguida respondeu que não seria possível, pois estava sem dinheiro. Achei tão bonitinho a forma com que ele falou. Apenas ri e o puxei pelo braço. – Se eu convidei, eu pago, oras. Deixa de ser bobo, moleque.
- Tudo bem! Mas, é que eu não quero te atrapalhar. – Pareceu-me constrangido.
- Deixa de babaquice, moleque. Vamos logo... – Disse gritando como faço com meus alunos.
- Estava com saudades de ouvi-lo gritando comigo e me chamando de moleque. – Começamos a rir juntos.
Caminhamos e logo chegamos ao estacionamento do colégio.
- Até que fim o senhor comprou um carro! Achava engraçado o senhor saindo da escola a pé e pegando o ônibus com os alunos. – Ele disse rindo.
- Pois é... melhorei um pouco as minhas finanças. – Comentei sorrindo.
Entramos no carro e fomos para um restaurante Self Service que fica bem próximo ao colégio. Pegamos nossos pratos, servimo-nos e sentamos.
- Nem acredito que o senhor será meu supervisor. – Renan falou enquanto colocava sal na comida. Parecia uma criança que acabou de ganhar um presente.
- Não me chama de senhor, sinto-me um idoso. – Tentei parecer brincalhão, mas realmente ouvi-lo me chamar de senhor não me agradava.
- Desculpa, professor. É o costume...
- E é melhor você parar de me chamar de professor, somos agora colegas de trabalho. – Ele deu um daqueles sorrisos encantadores.
- Verdade...
- Conte-me, como isso aconteceu? Como resolveu fazer História?
- Quando terminei o Ensino Fundamental consegui passar para um colégio técnico federal o que me deu base para passar no vestibular de uma universidade federal. Você não tem noção do quanto você foi importante para que eu conseguisse isso. – Renan me olhou nos olhos e sorriu. – Se não fosse você minha vida seria bem diferente...
- Não exagera!
- Não estou exagerando. É a mais pura verdade! Você foi a primeira pessoa que acreditou em mim. Depois de te conhecer, minhas notas melhoram, aprendi a gostar de estudar... – Ele parecia pensar em alguma coisa antes de prosseguir. – Você foi a minha inspiração, cara. Reencontrá-lo após esses anos me deixou muito feliz. Só assim posso agradecer por tudo que você fez por mim. – Senti que seus olhos se encheram de lágrimas. Ele ergueu a latinha de refrigerante. – Um brinde ao excelente professor Ricardo, cujo empenho, profissionalismo e amizade me mostraram a importância da educação na vida de uma pessoa. Obrigado, professor.
Não consegui segurar certa emoção que tomou conta do meu corpo. Minha face corou e meus olhos se encheram d’água. É gratificante quando nosso trabalho é reconhecido.
- Obrigado você. Fico muito feliz e emocionado com suas palavras. – Ergui meu copo com suco e fizemos o brinde. – Um brinde também ao nosso reencontro. – Brindamos novamente.
Deixei Renan em um ponto de ônibus próximo ao restaurante e voltei para a escola. Dei mais seis tempos de aula e no final do dia voltei para meu apartamento. Apesar do longo engarrafamento cheguei antes das 19 horas. Abri a porta e dei de cara com Sérgio sentado no meu sofá vendo algum programa de televisão.
- Não entendo porque você não vem logo morar comigo! – Joguei minhas chaves perto do telefone e me sentei ao seu lado. – Você passa mais tempo aqui do que na casa dos seus pais.
- Já conversamos sobre isso. – Ele falou sem tirar os olhos da televisão. A verdade é que discutimos diversas vezes sobre isso. Não conseguia entender porque ele não ia logo morar comigo. Passamos por tantas coisas e no fim ele decidiu que seria melhor não morarmos juntos. Conhecíamo-nos desde a época da faculdade. Sérgio foi meu primeiro amor e o cara que me mostrou os prazeres homossexuais e o mundo LGBT.
- Vou preparar alguma coisa para jantarmos. – Levantei-me indo para a cozinha e ele me seguiu.
- Quem era o cara que estava almoçando com você? – Indagou inquisidoramente.
- Quem te disse que eu estava almoçando com alguém? – O ciúme dele me irritava.
- O Pedro te viu.
- Esse Pedro é um grande fofoqueiro. Adora colocar intrigas na sua cabeça. Ele não cansa, sempre querendo fazer intriga. – Falei com naturalidade enquanto colocava uma lasanha no micro-ondas.
- Não tente inverter a situação! Quem é esse cara que estava com você? – As palavras saíram aos berros enquanto ele segurava meu braço.
- Solta o meu braço, ficou louco? – Fiz força para me soltar, porém ele me segurou mais forte.
- O Pedro me falou que você estava todo animado e que vocês fizeram até um brinde. – Sérgio estava irritado, soltou meu braço e voltou para a sala.
- Esse Pedro é um filho de uma puta. – Gritei indo atrás dele. – Sempre quis destruir nossa relação e até já conseguiu uma vez. Se você prefere acreditar nesse cretino, foda-se. Fica com ele. Quem sabe vocês sejam felizes. – Sou muito emotivo e já disse chorando.
Pedro é o melhor amigo do meu namorado e, claramente, é apaixonado por ele. Conhecem-se desde a infância! Ele, logicamente, me odeia. Sei que os dois já ficaram e esse foi o motivo que fez com que terminássemos em uma das diversas vezes que interrompemos nosso relacionamento.
- Você é um idiota! – Sérgio me segurou. – Se eu quisesse ficar com ele ficaria! Mas, infelizmente, o cara que eu amo é você.
- Ama, mas não confia. Prefere acreditar nas insanidades do seu amigo. – Sérgio é muito ciumento e depois que soube que eu já havia o traído não conseguia ter um mínimo de confiança em mim.
- O que você estava fazendo com aquele cara no restaurante? – Perguntou tentando parecer calmo e se sentou no sofá fitando a tela da televisão.
- Ele é meu novo estagiário. – Sentei-me ao seu lado.
- Você sempre odiou estagiários! Não compreendo o almoço e o brinde. – Parecia desconfiado.
- Continuo odiando. Mas, o Renan foi meu aluno.
- Aluno?
Contei toda história e o Sérgio pareceu acreditar.
- Desculpa! Não consigo controlar o meu ciúme. – Ele me abraçou forte e começamos a nos beijar.
- Tudo bem! Eu te perdoo mais essa vez. – Falei rindo e o beijando novamente.
Nosso beijo ficou mais quente e nossas mãos mais salientes. Em poucos minutos já estávamos nus em cima da minha cama. Eu amo o Sérgio e o sentir tão entregue me dar mais prazer que o normal. Sua boca percorreu todo o meu corpo e depois se concentrou no meu baixo ventre. Sua língua lambendo meu membro me fazia gemer alto enquanto apertava os lençóis. Em seguida se sentou em meu membro fazendo uma careta de dor. Segurei em sua cintura e deixei que fizesse o trabalho. Senti seu anel envolvendo meu membro e rapidamente me senti totalmente dentro dele. Entre gemidos e beijos não demoramos a chegar ao êxtase.
- Sempre terminamos nossas brigas desse jeito. – Ri enquanto beijava seu pescoço. Estávamos suados e cansados.
- Acho que é por isso que gosto tanto de brigar com você. – Ele disse acarinhando minha cabeça.
- Vamos dormir? – Perguntei.
- Preciso ir para casa. Falei para minha mãe que não dormiria fora hoje. – Engraçado como um cara de 31 anos ainda precisa dar satisfação da sua vida. Ele tem um emprego público e de certa forma é independente financeiramente, mas insiste em não sair da casa dos pais. Os pais sabem que o filho é gay e que me namora, o Sérgio sabe que os pais sabem. Porém, todos preferem fingir que nada é real e vivem uma fantasia de família feliz e perfeita. Isso é muito irritante. Pensei em falar alguma coisa, entretanto não queria começar uma nova discussão. Preferi ficar em silêncio. – Vou ficar aqui até você pegar no sono e depois vou embora. – Apenas concordei com a cabeça e tentei dormir.
Acordei no meio da madrugada e olhei para o lado. A cama estava vazia, Sérgio havia partido. Sinto falta de ter esse convívio, dormir e acordar junto. Sou uma pessoa que possuo raros amigos e não tenho mais família. Minha mãe simplesmente me expulsou de casa quando descobriu minha orientação sexual. Por sorte [ou azar, não consigo definir ao certo], meu pai havia morrido um ano antes e deixado algum dinheiro de herança para mim. Foi, desse modo, que consegui continuar a faculdade e financiar um apartamento.
Acordei um tanto quanto frustrado no dia seguinte e antes das seis e meia já estava no colégio. Fui para sala dos professores e fiquei batendo papo para passar o tempo. Cinco minutos antes de o sinal bater fui à secretaria buscar os diários de classe. Peguei os diários das turmas que daria aula naquele dia e quando saía bati de frente com o Renan. Ele precisou me segurar para que eu não caísse no chão.
- Bom dia, professor. – Ele disse sorrindo.
- Bom dia! – Disse sem muita empolgação e percebi que ele ficou sem graça. – Vamos para a sala de aula em seu primeiro dia como meu estagiário? – Perguntei sorrindo para corrigir minha falta de humor e educação matinal.
- Claro. Estou ansioso. – Seu sorriso era encantador.
Chegamos à sala e eu o apresentei para turma. Todas as meninas suspiraram em uníssono. Não consegui me controlar e ri da situação. Fui para minha mesa e me sentei. Logo em seguida Renan puxou uma cadeira e colocou ao meu lado se sentando. Eu olhei para ele e ele sorriu.
- Só para lembrar os velhos tempos.
Os dias passaram e Renan e eu ficamos amigos. Deixando um pouco de lado aquela relação professor/aluno. Éramos, agora, colegas de profissão. Saíamos para almoçar juntos e algumas vezes, as sextas, saíamos para beber um chope. Gostava da companhia daquele moleque. Ele me fazia rir de suas bobeiras, de seu jeito moleque de ser e de suas histórias de bebedeira nas festas da faculdade. Quando ele era meu aluno o tratava como muito carinho e não mudou agora. Ele parecia o mesmo menino carente de afeto de anos atrás. Só que dessa vez não lidava mais com um menino, lidava com um homem e, devido minha orientação sexual, ficava com vergonha de tocá-lo, pois tinha medo de como reagiria se descobrisse. Entretanto, ele sempre demostrou seu afeto através de abraços. Apesar de sua beleza exuberante não me sentia atraído por ele, gostava de tê-lo como meu amigo. Via-o como uma criança.
Conto maravilhoso, Estou adorando!