Renan já estava morando em meu apartamento há seis meses e nossa convivência era muito boa. Dividíamos tarefas e meu ex-aluno sempre tentava ajudar nas despesas. Por mais que eu negasse sua ajuda, ele fazia questão. Sabia que estava ganhando pouco e que precisava de grana para bancar livros e xerox na faculdade. Entretanto, ele sempre queria ajudar. Pagava todo mês alguma das contas do apartamento. Era o condomínio, a conta de luz, a conta de telefone... Ele sempre pegava alguma para pagar! Além de comprar alguns alimentos para a dispensa. Desse modo, fomos vivendo e aprendendo a conviver. Era muito bom ter alguém para conversar todos os dias, jantar, tomar café da manhã, assistir um filme no fim de tarde de um dos dias do final de semana. Em nenhum momento, aquele menino morando em minha casa me deixou sem privacidade. Ele sempre soube delimitar de forma correta meu espaço. Eu, também, tentava ao máximo fazê-lo se sentir em um lar. Aos poucos, modificamos o seu, agora, quarto. Levei boa parte dos meus livros para o meu quarto ou para sala para que, desse modo, ele tivesse mais espaço. Seu quarto ficou com a sua cara! De fato, tornamo-nos muito amigos. Só havia um problema: os ciúmes de Sérgio.
Logo no início, Sérgio achou que eu não suportaria a convivência com outra pessoa e pediria para que Renan arrumasse outro lugar para morar. Portanto, ele implicava pouco. Porém, os meses foram passando e meu namorado percebia que eu não me incomodava com a presença do meu ex-aluno, pelo contrário, eu gostava de ter sua presença. Seus ciúmes ficaram nítidos e, cada vez mais, irritantes.
Renan havia ido dar aula na parte da noite e eu estava na cozinha quando ouvi um barulho na porta.
- Renan? – Gritei da cozinha. Porém não obtive resposta. Continuei mexendo o molho que preparava. Alguns segundos depois sentir uma pessoa atrás de mim e logo me virei para ver quem era. – Que susto, Sérgio! – Falei e continuei fazendo o que fazia antes.
- Pensou que era o seu amante! – Ele disse irônico.
- Vou fingir que não ouvi essa besteira.
- Engraçado que a primeira pessoa que veio a sua cabeça quando ouviu o barulho da porta foi o seu ex-aluno, né?
- Ele mora aqui, ué.
- Mora contra a minha vontade! – Disse irritado.
- Olha, Sérgio... – Falei me virando e o olhando com cara de chateado. – Nós já conversamos sobre isso em diversas situações... – Respirei fundo. – Seu ciúme está passando do limite do tolerável. Além do mais, você não tem motivos para achar que Renan e eu temos alguma coisa. Já demonstrei para você inúmeras vezes que somos, apenas, amigos que dividem uma casa.
- Desculpa, Ricardo. – Ele disse me abraçando. – Eu não consigo me controlar. Coloca-se no meu lugar, cara. Como você reagiria se eu estivesse morando com um cara que mais parece uma escultura grega? E, acima de tudo, fosse extremamente carinhoso comigo?
- O seu problema é achar que todo mundo é igual a você! – Falei me soltando do abraço. – O Renan é, realmente, lindo. Porém, não o vejo como um objeto sexual. Sei que se fosse com você as coisas seriam diferentes... Você não pode ver homem bonito que já fica com vontade de levá-lo para cama. Eu não sou igual a você. Não é só porque o Renan é bonito que eu sinto vontade de trepar com ele... – Terminei de fazer o molho e sai da cozinha o deixando para trás. – Vou tomar banho.
Fui para o banheiro e fiquei um bom tempo dentro do box deixando aquela água morna cair sobre a minha cabeça. Os ciúmes de Sérgio já haviam ultrapassado o limite do aceitável e eu não suportava mais aquilo. Até quando essa situação perduraria? Até aquele momento eu não tinha dado motivos para que o meu namorado pensasse que eu tivesse interessado ou tendo um caso com Renan. Na verdade, sempre tratei o Renan como um irmão mais novo. Alguém que, apesar de tudo, eu queria ver bem. A sua beleza, de fato, era indiscutível. Muitas vezes o vi só de cueca pelo apartamento! Não vou negar que o acho lindo, mas não me sinto atraído por ele. Ou melhor, acho que me sinto sim atraído por seu corpo. Porém, jamais teria alguma coisa com ele, pois ele é como se fosse um irmão e não sou a favor de relações incestuosas.
Quando sai do banho, Sérgio havia ido embora. Minutos depois, Renan chegou.
- Boa noite! – Ele disse assim que chegou.
- Boa noite! Estava te esperando para jantar.
- Não precisava... – Ele foi até mim e beijou minha testa. – Está tudo bem? – Acho que percebeu minha cara triste.
- Está sim... Só briguei mais uma vez com o Sérgio. – Falei enquanto caminhava para cozinha.
- Acho que estou atrapalhando muito sua relação...
- A culpa não é sua, Renan.
- Claro que é! Sei que ele morre de ciúmes de mim...
- Ele é um bobo!
- Preciso arrumar logo minha vida e deixar esse apartamento. – Ele disse em um tom reflexivo.
- Já te falei que a culpa não é sua. E você não irá sair daqui tão cedo, pois eu não irei deixar. – Falei o abraçando. – O Sérgio sempre foi assim... E, mesmo antes de você morar aqui, nós brigávamos muito. Ou seja, nada mudou cara. – Beijei a sua testa.
- Como você me disse, a relação de vocês é muito louca. – Ele falou rindo.
- Coloca louca nisso. – Ri também.
Arrumamos a mesa e quando íamos começar a nos servir ouvimos um barulho na porta. Era Sérgio carregando duas sacolas de supermercado.
- Tem lugar para mais um ai? – Ele falou sorrindo. Eu fiquei em silêncio enquanto me servia. Foram alguns segundos de silêncio até Renan resolver quebrar o gelo.
- Claro! – Falou sorridente. – Vou pegar prato e talheres para você.
- Trouxe cervejas para gente beber um pouco. Vamos aproveitar que hoje é véspera de feriado... – Sorriu colocando as cervejas em cima da mesa.
- Oba! Vou colocar na geladeira... – Renan pegou as sacolas e foi para cozinha.
Sérgio se sentou do meu lado e eu continuei em silêncio.
- Desculpa. – Ele segurou minha mão. – Vou tentar ser menos ciumento.
- Espero que consiga... – Fui interrompido por um beijo.
- Eu te amo!
- Eu também te amo.
Renan voltou da cozinha e trouxe três latinhas de cerveja. Todos se serviram e ficamos à mesa bebendo e comendo como uma família feliz. Meu namorado se superou aquela noite e tentou ser o mais agradável possível com o meu hóspede. Os dois conversaram decentemente pela primeira vez. Fiquei feliz de ver que se entendiam e que Sérgio tentava segurar o seu ciúme. Após o jantar, ficamos na sala ouvindo música e bebendo. A noite foi muito agradável e terminou com muito sexo com meu amor e um sono bem calmo.
Acordei por volta das 10 da manhã. Sérgio dormia profundamente ao meu lado e não consegui conter um sorriso ao vê-lo com uma expressão serena. Nosso relacionamento já havia passado por tantos altos e baixos. É impossível contabilizar as brigas homéricas que tivemos durante os dez anos que estávamos juntos. Entretanto, eu não podia deixar de amá-lo. Muitas vezes, tentei esquecê-lo e me afastar. Tentei me relacionar com outros caras. Cheguei a namorar durante três meses um homem com que ficava quando brigava com o Sérgio. Não consegui! O fim era sempre o mesmo: eu sofria uma recaída e voltava para os braços dele. Sei que ele também me ama, apesar de tudo. Desejei muitas vezes que ele mudasse e que pudéssemos viver como um casal normal. Todavia, já havia desistido de tentar mudá-lo. Fiquei alguns minutos o observando e, ao mesmo tempo, perdido em meus pensamentos. Ouvi batidas na porta. Levantei e fui atender.
- Desculpa, Ricardo! – Renan disse assim que abri a porta. – Mas, é uma ligação para o Sérgio. É um cara chamado Pedro...
- Deixa que eu atendo... – Peguei o telefone e fui para a sala.
- Oi, Pedro... – Disse no meio do caminho.
- Oi, Ricardinho.
- O Sérgio ainda está dormindo.
- É que eu queria falar com ele... – Fez uma pausa! – Mas, pode ser com você mesmo!
- Diga. – Disse irritado.
- Eu estou preparando um churrasco aqui em casa hoje à tarde. Queria convidar o Sérgio para vir para cá...
- Legal. Quando ele acordar eu dou o recado.
- Claro que você também está convidado!
- Que gentileza... Mas, acho que ficarei em casa mesmo!
- Deixa de ser bobo, Ricardinho. Venha sim... O churrasco será babado! Convidei vários amigos.
- Vou pensar...
- Aproveita e traga o seu novo bofinho para que eu o conheça!
- Vou fingir que não ouvi sua piada de mau gosto...
- Desculpa! Não quis ofender, amigo... Só quero mesmo conhecer esse carinha. A voz dele é tudo de bom... O Sérgio me contou que ele é um deus grego, né?
- Pedro, tenho que desligar! Quando o Sérgio acordar eu darei o recado! Tchau... – Desliguei o telefone sem dar tempo para que ele continuasse a falar sandices.
Pedro, sem dúvida, é um grande idiota. É um ser desprezível! Não entendo como o Sérgio pode ser amigo de uma pessoa tão sem conteúdo. Todas as vezes que o encontro, tenho que me segurar para não apertar seu pescoço até que ele morra sufocado. A questão não é que eu sinto ciúmes dele com o meu namorado, até mesmo porque eu sei que já rolou dos dois ficarem algumas vezes e, provavelmente, isso ainda ocorra toda vez que nós brigamos. Pouco ligo para isso! O problema é que Pedro sempre tenta me tirar do sério. Muitas vezes já perdi a cabeça, mas, atualmente, mantenho o controle e finjo que não ouvi ou não entendi suas indiretas e tentativas toscas de me fazer ter ciúmes.
- Está tudo bem? – Renan disse me olhando preocupado.
- Está sim! – Joguei-me no sofá. – É só o peste do amigo do Sérgio querendo me irritar. – Falei sorrindo.
- Fiz uns sanduíches. Você quer?
- Acho que vou aceitar sim... Só vou escovar os dentes antes, tá?
- Tudo bem! Vou pegar os sanduíches e trazer um suco para bebermos.
Renan e eu tomamos o café da manhã e ficamos conversando na sala ouvindo umas músicas. Logo o Sérgio acordou.
- Bom dia, meu amor. – Disse me dando um selinho e se sentando entre as minhas pernas.
- Bom dia! – Eu respondi.
- Bom dia, Renan. – Ele falou sorrindo. Realmente, meu namorado estava querendo ser mais educado com o meu ex-aluno.
- Bom dia! – Renan também respondeu sorrindo. – Eu fiz alguns sanduíches, quer que eu busque para você?
- Não precisa... Deixa que eu pego. – Ele se levantou e foi para a cozinha.
- Sérgio... – Gritei da sala.
- Oi! – Ele berrou da cozinha.
- O Pedro ligou aqui para casa.
- O que aquele louco queria?
- Ele falou que irá fazer um churrasco hoje à tarde na casa dele.
- Caramba... – Ele voltou para sala segurando um prato com um sanduíche numa mão e na outra um copo de suco. – Tinha me esquecido! Hoje é aniversário dele... – Ele se sentou, novamente, entre as minhas pernas. – Ainda bem que já comprei o presente. Você irá comigo, né?
- Não estou nem um pouco a fim... Você sabe o que eu penso sobre o Pedro!
- Eu sei... – Ele fez uma pausa para dar uma mordida no sanduíche. – Mas, ele é meu amigo... – Fez mais uma pausa, mas dessa vez para beber um pouco do suco. – Renan, você vem conosco, né? – Falou olhando para o meu ex-aluno.
- Não sei! Acho melhor não... Eu não conheço nem o dono da festa... – Respondeu encabulado.
- Mas, conhece o Ricardo e eu, oras. – Falou sorrindo.
- Vamos, Renan, pelo menos eu não ficarei tão deslocado. – Resolvi me intrometer.
- O Ricardo já concordou! Agora só falta você... – Sérgio falou sendo mais simpático do que, normalmente, é.
- Então, eu vou.
Marcamos de nos encontrar às 14 horas na casa do Pedro. Sérgio foi para casa se arrumar e Renan e eu iríamos colocar algumas coisas no apartamento no lugar antes de nos arrumarmos e irmos. Eu fui o primeiro a entrar para tomar banho e, em seguida, fui para o quarto me arrumar. Coloquei uma bermuda jeans, um All Star branco e uma camisa gola V também na cor branca. Arrumei meu cabelo e fui para sala esperar que meu hóspede terminasse. Os meus encontros com Pedro sempre eram tensos e eu precisava dar uma relaxada. Ou seja, fui até a geladeira peguei uma latinha de cerveja e em poucos segundos já havia bebido todo o líquido nela contido. Peguei mais uma lata e voltei para a sala.
Renan saía de seu quarto e eu não pude deixar de reparar o quanto ele ficou bonito. Seu cabelo bem arrumado no estilo moicano, uma bermuda quadriculada, uma regata preta e um tênis esportivo branco. Seu visual o deixou ainda mais belo.
- Você ficou um gato! – Falei sorrindo.
- Você que está um gato! – Rimos de nossos comentários bestas.
- Vamos logo para o grande churrasco... – Falei ironicamente.
Chegamos ao churrasco por volta das 14h30. Assim que chegamos o Pedro veio nos cumprimentar.
- Ricardinho. – Ele berrou! – Que bom que você veio. – Ele me abraçou e logo se virou para o Renan. – Nossa, esse é o famoso Renan? Meu Deus, que calor! – Falou se abanando com as mãos. Pedro sabia ser deselegante! Meu ex-aluno apenas sorriu timidamente e estendeu a mão para cumprimentar o aniversariante. Esse sorriu maliciosamente e tentou beijá-lo. Renan se afastou assustado! – Puxa, gatinho, só queria o meu presente de aniversário. – Falou dando uma gargalhada.
- Vamos! – Puxei o Renan pelo braço. Ele tinha ficado sem reação com aquela cena grotesca. – Nunca mais tente tocar nele! – Falei apontando o dedo na cara de Pedro. Em seguida, sai de perto e segui para dentro da casa segurando a mão do meu hóspede.
- Está com ciúmes do seu amante? Não custa dividir um deus grego desses com os amigos... – Pedro berrou enquanto eu me afastava e as pessoas que estavam na festa nos olharam. Não respondi com palavras a provocação, apenas virei e fiz o sinal do dedo do meio com a mão direita.
Quando entrei na sala dei de cara com Sérgio.
- Oi, meu amor! – Disse me dando um selinho. Percebi que ele logo percebeu que eu estava de mãos dadas com o Renan. Ele me olhou sério, mas não disse nada. – Oi, Renan. Ei... o que aconteceu com vocês? Estão com a cara péssima... – Sérgio nos indagou assim que percebeu as nossas caras.
- Nada demais, amor. Foi só o dono da festa fazendo gracinhas e brincadeiras de mau gosto como sempre.
- Desculpa, sei que ele é seu amigo, mas... – Renan começou a falar. – ele foi muito sem noção. Não me conhece e quer cumprimentar me dando um beijo na boca? Só uma pessoa louca faria isso.
- Peço desculpas por ele. Acho que já deve ter bebido demais... – Sérgio tentou contornar a situação.
- Vamos esquecer isso... Sei, infelizmente, muito bem como funciona a personalidade obscura de Pedro.
O churrasco tinha bastante convidados. A maioria eram gays! Todos dançavam, bebiam e, os solteiros, tentavam arrumar um par. Pedro várias vezes tentou me tirar do sério, mas eu me controlei bravamente. Sérgio, Renan e eu ficamos em uma das mesas conversando e aproveitando a festa para rir das pessoas que estavam bêbadas fazendo coisas hilárias.
- Oiiiiiiiiiiiiiii... – Pedro falou se pendurando no pescoço de Sérgio! Este sorriu e abraçou o amigo. – Desculpe incomodar o trio, mas a festa está muito chata. Deixe-me ficar com os pombinhos. – Renan e eu apenas sorríamos educadamente enquanto o aniversariante se sentou no colo do meu namorado para me provocar. – Acho que vocês poderiam me dar um presentinho de aniversário, né?
- Eu já te dei o seu presente! – Sérgio falou sorrindo.
- Eu gostei da blusa, mas achei o beijo muito morno. – Pedro disse e logo em seguida deu uma gargalhada. Sérgio corou a face imediatamente. Renan me olhou espantado e eu fingi que nada tinha acontecido, fazendo a linha “Cátia, a cega” para não socar a cara daquele maldito.
- Você às vezes passa do limite! – Sérgio falou irritado e se levantou tirando Pedro do seu colo.
- Hoje é meu aniversário e eu posso tudo! – Falou enquanto virava de uma só vez o copo de cerveja que estava na mão. Em seguida, ele se sentou no meu colo. Tentei empurrá-lo, porém ele se segurou com força no meu pescoço. – Você está muito gostoso hoje, hein, Ricardinho. – Bateu palmas e riu descontroladamente. Sérgio o puxou pelo braço. – Ai, caramba, está me machucando.
- Você perdeu a noção do ridículo, só pode! – Sérgio berrou.
- Engraçado, seu namorado pode transar com o ex-aluno dele e eu não posso tirar uma casquinha? A gente deveria fazer uma bela suruba em homenagem ao meu aniversário.
- Cala a boca... – Sérgio o segurou mais forte. Renan e eu apenas observávamos, atônitos, a cena. – Você está fazendo papel de ridículo! – Deu um empurrão forte em Pedro que quase caiu.
- Vá se foder... – Pedro berrou e saiu feito um furacão.
- Desculpa, gente! – Sérgio disse.
- Acho melhor irmos embora. – Pronunciei-me.
- Concordo plenamente... – Renan disse se levantando.
- Você me dá uma carona? Eu não vim de carro. – Sérgio perguntou.
- Claro!
Entramos nós três, em silêncio, no carro.
- Vou dormir no seu apartamento hoje, tudo bem? – Sérgio perguntou assim que eu liguei o carro.
- Não está tudo bem... Não quero brigar com você hoje! Portanto, vou te levar para sua casa. Amanhã a gente conversa com calma. – Falei sem alterar a voz e comecei a dirigir.
Deixei Sérgio em casa. O clima estava tenso. O meu namorado saiu batendo a porta e não se despediu.
- Está tudo bem? – Renan perguntou enquanto mudava de lugar indo, agora, para o banco dianteiro.
- Eu estou com muita raiva do Sérgio, só isso. – Falei tentando esboçar um sorriso. – Eu sei que ele me trai, mas quando tenho certeza fico chateado. Ou seja, sou uma pessoa insana mesmo. – Não consegui segurar uma gargalhada.
- Você tem um relacionamento muito conturbado com o Sérgio. – Meu ex-aluno falou sério olhando para mim.
- Coloca conturbado nisso! – Dei uma pausa. – Eu não sei por que ainda aceito essas coisas. Às vezes acho que amo muito o Sérgio para aceitar tudo que já aconteceu, outras vezes acho que estou com ele por puro comodismo. Sou uma pessoa que tenho medo de mudanças.
- Você nunca tinha me falado tão abertamente da sua relação com o Sérgio como agora. – Renan parecia surpreso.
- Nós já nos machucamos muito! Eu não sou o mocinho da história... Também já fiz muita merda. Mas, temos certo magnetismo. Por mais que causamos mal um ao outro não conseguimos ficar longe por muito tempo. Tenho em mente que ele é meu carma. Ou, então, eu ainda não encontrei o meu verdadeiro amor. Talvez quando isso ocorrer, eu consiga me libertar do Sérgio.
Após o churrasco de Pedro, Sérgio ficou alguns dias sem aparecer. Eu, simplesmente, não o procurei. Dessa vez não iria dar o braço a torcer. Ele que havia errado. Ele que me devia explicações. Na verdade, toda aquela situação já estava passando do limite. Como aguentar o ciúme doentio de alguém que te trai a todo o momento? Em outra época eu teria saído para a balada e transado com o primeiro desconhecido interessante que conhecesse para saciar minha raiva. Entretanto, não queria mais esse jogo. Não queria mais essa vida. Precisava, urgentemente, conversar com Sérgio e deixar algumas coisas claras. Já sou um balzaquiano e não posso viver como um adolescente. Preciso arrumar minha vida. E, sinceramente, esse meu relacionamento, do jeito que anda, não me levará a nada. Acho que possuo essa ligação tão forte com Sérgio por ele ser, de fato, a única coisa que me restou próximo daquilo que podemos chamar de “família”.
Era uma sexta-feira, sai da escola e passei no supermercado. Comprei algumas guloseimas e três garrafas de vinho. Sérgio não havia aparecido e nem dado sinal de vida. Estava com vontade de ir atrás dele ou então “caçar” alguém em uma balada qualquer. Porém, faltava-me ânimo para ambas as situações. Preferi ficar em casa vendo um filme, comendo e bebendo até o sono chegar. Cheguei ao apartamento e Renan parecia não estar lá. Fui à cozinha e guardei as coisas que havia comprado. Abri uma das garrafas de vinho enchi uma taça, tomei metade do líquido e a deixei na mesa e fui em direção ao banheiro. Ao passar em frente ao quarto de Renan ouvi um barulho, bati na porta e a abri. Meu ex-aluno estava deitado na cama em posição fetal com os olhos vermelhos e cheios de lágrimas. Quando ele me viu se levantou, correu em minha direção e me abraçou forte. Seu choro aumentou fazendo fortes soluços surgirem. Eu o abracei e o puxei para cama. Deitei e fiz com que ele ficasse com a cabeça em meu peito. Ele me abraçou forte e continuou chorando. Não perguntei nada, esperei que ele se acalmasse. Ficamos assim alguns minutos, deitados e abraçados naquela cama de solteiro. Acarinhei e dei beijinhos em seus cabelos. Aos poucos ele se acalmou.
- Desculpa... – Renan disse se levantando. – Não queria te incomodar. – Falou enquanto secava as lágrimas. Eu não disse nada, também me levantei e o abracei novamente. – Desculpa, cara. Eu não queria mesmo te incomodar... Desculpa...
- Você não tem motivos para me pedir desculpa. – Falei beijando sua testa. – Por que você está chorando? O que aconteceu? – Falei me sentando na cama e fazendo sinal para que ele se sentasse ao meu lado.
- Eu encontrei minha mãe na rua hoje... – Ele disse se sentando enquanto uma lágrima escorria do seu olho esquerdo. Eu a limpei com polegar direito. – Ela simplesmente atravessou a rua para não passar ao meu lado. Ela agiu como se eu não representasse nada para ela. Eu fiquei parado... Fiquei sem reação, Ricardo. Como ela pode tratar assim o próprio filho? – Lágrimas voltaram a escorrer por sua face juvenil.
- Um dia ela irá perceber o grande erro que cometeu! – Sequei suas lágrimas e o abracei de novo. Lembrei-me de minha mãe! Lembrei-me que ela já havia feito isso comigo diversas vezes. Sempre que nos encontramos na rua ela finge que não me conhece. Dói! Dói muito. Não consegui me controlar e deixei que algumas lágrimas fossem liberadas.
- Você está chorando? – Renan me perguntou.
- Lembrei-me da minha mãe... – Disse secando as lágrimas. Novamente nos abraçamos. – Agora chega de choro e tristeza. – Disse me levantando e tentando sorrir. – Vamos matar as garrafas de vinho que comprei assistindo um bom filme lá no meu quarto?
Fizemos bastante pipoca, pegamos outras guloseimas e o vinho e levamos para o meu quarto. Olhamos os filmes disponíveis e escolhemos Capote. Coloquei o filme e deitamos na cama. Era uma noite com temperatura agradável, mas eu deixei o ar-condicionado ligado. Ou seja, o quarto ficou bem frio. Ficamos embaixo do edredom enquanto assistíamos ao filme comendo pipoca e bebendo o vinho.
Apesar da baixa temperatura causada pelo ar-condicionado o vinho e o edredom nos aqueciam. O filme assim como a pipoca e o vinho estavam no fim. Durante o filme pouco conversamos, falávamos apenas um ou outro detalhe sobre o roteiro da produção cinematográfica. Assim que o filme acabou Renan correu para o banheiro! Eu catei os recipientes onde estavam as pipocas e levei para cozinha.
- Nossa, se o filme demorasse mais dez minutos acho que mijaria na sua cama. – Ele falou rindo quando saiu do banheiro. Eu ri também!
- Ainda há vinho! Que tal assistirmos mais um filme?
- Acho ótimo!
Voltamos para o meu quarto! Coloquei um filme de suspense, A Órfã, e nos sentamos na cama. O vinho acabou e o filme ainda estava na metade. O frio no quarto ficou maior e Renan, institivamente, me abraçou enquanto colocava a cabeça no meio peito. Fiquei fazendo carinho em seu cabelo. Era engraçado ver aquele homem grande na minha cama deitado no meu peito e eu sem ter segundas intenções. Ele parecia tão desprotegido! Percebi que Renan pegou no sono poucos minutos antes do filme terminar. Depois que o filme acabou desliguei a TV e o DVD, mas fiquei com pena de acordá-lo. Ajeitei-me na cama lentamente e deixei que sua cabeça continuasse repousando em meu peito. Não demorei a pegar no sono.
Um forte estrondo me acordou. Assustado, e por impulso, levantei rapidamente meu corpo me sentando na cama.
- Que porra é essa, Ricardo? – Sérgio berrou fazendo minha cabeça doer. Acho que havia bebido vinho demais. Ainda sonolento não percebi, imediatamente, o que acabara de acontecer: meu namorado havia me encontrado na cama com o meu ex-aluno. Olhei para o lado e vi Renan com a cara de “o que está acontecendo?” sentado na cama. – Seus filhos da puta! – Os olhos de Sérgio estavam vermelhos de ódio. Em poucos segundos ele se aproximou da cama e me puxou pelo braço. – Há quanto tempo você anda trepando com ele? – Seus gritos pareciam agulhas sendo enterradas no meu cérebro. Eu estava sem saber o que poderia falar. Meus pensamentos estavam lentos. Só acordei do transe quando uma forte dor inundou meu nariz. Tinha acabado de receber um soco. Levei as mãos ao rosto!
As cenas que se seguiram ocorreram de maneira rápida, mas parece que vi tudo em câmera lenta. Quando Renan viu Sérgio me dando um soco ele pulou em cima do agressor e começou a bater de todas as formas possíveis nele. Eram socos e chutes e meu namorado tentava revidar sem sucesso. Tirei as mãos do rosto e percebi que estavam lavadas de sangue. Mesmo com uma dor insuportável na cabeça e, agora, também no nariz, corri para apartar a briga.
- Parem com isso... Pelo amor de Deus! – Gritei tentando separar os dois. Segurei o Sérgio e arrastei para fora do quarto. Ele berrava e tentava se soltar ao mesmo tempo em que falava coisas como “eu vou matar vocês dois!”. – Renan, fica aqui, por favor. Só saia quando eu te chamar. – Assim que me meti na briga Renan parou e me olhou assustado.
Consegui levar Sérgio até a sala e o joguei no sofá e, em seguida, joguei-me em cima dele segurando seus braços e prendendo suas pernas com as minhas.
- Eu te odeio! Como pôde me trair desse jeito... – Ele berrou e em seguida cuspiu na minha cara. Precisei me controlar muito para não socá-lo nesse momento. – Como pôde fazer isso comigo? Ainda queria me fazer acreditar que vocês não tinham nada. Que não passava de amizade a relação de vocês... – Ele começou a chorar! – Estou com nojo de você. Nojo! – Disse berrando a última palavra da frase e fazendo mais força para se soltar.
- O que irei falar é muito clichê. Mas, não é nada disso que você está pensando... – Disse o olhando nos olhos.
- Não me faça rir. Eu sei o que vi... Você acha que sou um idiota?
- Está parecendo muito com um. – Disse berrando e perdendo a calma. – Há uma explicação para o que você viu, porém se você não quer ouvi-la o problema é seu. – Sai de cima dele e o soltei completamente.
- Eu peguei vocês dois na nossa cama! Que explicação você pode ter para isso? – Ele disse tentando controlar o choro.
- Você convive comigo há uma década e ainda não me conhece direito...
- Conheço muito bem! Você se faz de o sofredor e a vítima, mas, na verdade, é tão promíscuo quanto eu.
- Você é mesmo um idiota. Não vou me deixar magoar por suas palavras...
- Eu não consigo acreditar que você tem a cara de pau de morar e transar com seu amante debaixo do teto que deveria ser nosso lar... Você é mais sujo do que imaginei. Realmente eu não te conheço! Pelo menos não esse Ricardo que acabei de ser apresentado.
- Você não me conhece mesmo! Você acha que se eu tivesse transado com o Renan eu teria me vestido antes de dormir? Em todos esses anos que transamos, quantas vezes, após transar, me vesti para dormir? Ou melhor, quantas vezes dormi com você vestindo algo há mais que uma simples cueca? – Sérgio analisou a roupa que eu vestia. Eu usava a mesma roupa com que fui trabalhar no dia anterior. Quando cheguei ao apartamento e vi que Renan chorava não tive tempo de tomar um banho e me trocar. Como não quis acordá-lo, após a sessão cinema terminar, dormi do jeito que estava.
- Isso não prova nada! – Ele disse sem ter muita confiança no que pronunciava.
- Apenas assistimos dois filmes, no meu quarto, bebemos vinho e acabamos pegando no sono lá mesmo. Não aconteceu nada, Sérgio... – Sentei no sofá ao seu lado. – A gente só dormiu na mesma cama. – Ficamos em silêncio alguns minutos. Levei as mãos ao nariz e percebi que ainda sangrava.
- Desculpa! – Ele disse assim que percebeu meu nariz sangrando. – Você está sangrando...
- E você também! – Comecei a rir. Sérgio estava com a boca sangrando e com algumas escoriações no rosto.
- Aquele filho de uma puta me espancou e você está rindo? – Sérgio falou sério!
- Você mereceu! – Falei ainda rindo. – Você me bateu e teve o que merecia. – Terminei a frase parando de rir e ficando sério.
- Eu não engoli essa história, Ricardo. Vocês, ainda, podem não estar fazendo nada, mas sei que em breve farão.
- Virou vidente? – Falei ironicamente.
- Deixe de ser idiota! Estou falando sério. – Ele disse limpando o sangue que estava na sua boca. – Eu não admito mais essa aproximação. Eu quero que ele se mude, imediatamente, desse apartamento.
- Essa decisão não é sua. – Falei rude e ele me olhou como se eu estivesse selando minha sentença de morte. – Já conversamos mil e uma vezes sobre isso e já chegamos à conclusão que ele continuará morando aqui. Não vou mandar o Renan embora só porque você quer.
- Você não compreende! Essa sua relação com o Renan está minando a nossa. Nunca tivemos tantos problemas como agora. Nunca tivemos tantas brigas, tantos desentendimentos.
- Você está errado! Nós sempre brigamos. Sempre nos desentendemos. Somos assim! O Renan não mudou nada na nossa vida. – Eu o abracei. – Eu continuo te amando. Se eu não te amasse te denunciaria por agressão e te bateria por ter beijado a bichona escrota do Pedro. – Falei rindo.
- Eu também te amo! Desculpa pelo que aconteceu no churrasco. Foi apenas um beijo, ele insistiu muito. Não houve sentimento nenhum, eu juro. – Ele falou chorando e encostando a cabeça no meu ombro.
- Eu sei.
- Eu sinto que vou te perder, Ricardo. Eu sinto...
- Não seja bobo! Eu te amo. – Disse selando nossos lábios. Beijamo-nos com o gosto peculiar de sangue.
- Vou para casa. – Sérgio disse se levantando.
- Podemos jantar hoje em algum restaurante?
- Mais tarde te ligo para confirmar. – Sérgio já disse abrindo a porta.
- Você quem sabe! – Falei percebendo que nada estava bem.
- Tchau. – Ele falou antes de bater a porta. Uma lágrima escorreu pelo meu rosto. Deite-me no sofá e não consegui controlar o meu choro. Alguns minutos se passaram até Renan se aproximar e me abraçar. Ele me tomou nos braços, assim como havia feito com ele na noite passada. Ficamos assim! Chorei libertando muito dos meus medos e angustias que sentia naquele momento. Adormeci enquanto meu ex-aluno, em total silêncio, fazia carinho nos meus cabelos.
Acordei sozinho deitado no sofá. Aos poucos me lembrei de tudo que havia acontecido. Levantei e fui procurar por Renan pelo apartamento.
- O que você está fazendo? – Perguntei assim que abri a porta de seu quarto e o vi arrumando as malas.
- Eu não posso continuar prejudicando sua vida! Eu preciso ir embora desse apartamento e te deixar livre. – Ele disse limpando as lágrimas que escorriam em sua face.
- Você não pode fazer isso! – Falei chorando também.
- Você já fez muito por mim. Eu só tenho que agradecer eternamente por isso. Eu vou consegui me virar sozinho, falta pouco para a faculdade acabar...
Eu não podia deixar que Renan fosse embora. Após a sua chegada em minha vida, as coisas melhoram de uma forma imensurável. Antes eu me sentia solidário! Agora a presença do meu ex-aluno me alegrava. Ele havia se tornado a pessoa mais importante da minha vida. Sim, ele era mais importante que o Sérgio. Eu não havia percebido, anteriormente, isso. Entretanto, tudo ficou claro. Sem Renan eu não teria mais uma família. Sim, era isso que ele representava na minha vida: ele é a minha família. A única pessoa, após a minha expulsão de casa, que convivo diariamente. Sei que também represento muito para ele. Somos, demasiadamente, parecidos.
- Você não pode fazer isso. – Disse com a voz embargada e com lágrimas insistentes escorrendo pelo meu rosto.
- Você não entende. Eu só atrapalho sua vida. Você me ajudou demais... É a minha hora de te ajudar a ser feliz. – Ele tentava segurar o choro.
- Você que não entende. Eu não posso ser feliz longe de você. – Abracei-o forte. – Você é a minha família agora. Nós não podemos nos deixar... – Renan me abraçou ainda mais forte.
- Deixe-me ir, por favor...
- Nunca... – Grudei as nossas testas e o olhei fixamente nos olhos. – ... Somos nós dois nesse mundo. Só nós dois! Você é o irmãozinho que eu nunca tive. – O choro de Renan ficou descontrolado.
Concordo com o zorbazlsp! Esse cara te faz muito mal. Já passei por uma situação parecida. Por isso, que eu moro, atualmente, no interior de SP, pq eu morava com essa pessoa no Amapá e larguei tudo pra fugir dele, já que ele me fazia muito mal!
cara toma uma atitude de homem e acaba este relacionamento com o Sergio , ele te faz mal ,
Ja conta logo td por favor
Pelo amor de Deus! Posta logo! Posta pelo menos duas histórias na semana! Tá igual a novelas das nove: ficando cada vez melhor!!!!!