O Poder da Conquista – o beijo.

Depois do ENEM acabei escolhendo a faculdade de Engenharia Elétrica na UFRGS, apesar de ser paranaense de União da Vitória, escolhi Porto Alegre, não só pela qualidade da faculdade, mas também por que eu sempre gostei de um clima mais frio, mais aconchegante. Mal sabia que Porto Alegre estava longe de ser a cidade que eu imaginava, principalmente nos últimos tempos.

Chamo Olivia, morena escura 1,75 de altura, cabelos pretos lisos, olhos verde-claros, magra, não sou tão gostosa, seios medianos e um bumbum menor do que eu gostaria e as pernas meio finas.

Sempre fui boa aluna, as melhores notas nos colégios onde estudei. Tanto que nem preparei tanto assim para o ENEM. Estudar é um prazer, quase um divertimento, ainda mais matemática. Sou sim uma CDF assumida. Tive alguns namorados, algumas experiencias rápidas com garotas. Não sabia muito bem o que exatamente queria, mas nada me chamou muita atenção. O sexo não parecia tão atrativo como para outras pessoas da minha idade. Eu tinha a impressão na época que eu ia virar uma solteirona assumida.

Cheguei a Porto Alegre e logo consegui entrar para um republica de estudantes, todas da Federal, eu era a única da engenharia, éramos cinco meninas, cada uma com o seu próprio quarto. Não era o melhor dos mundos, mas era o possível na época.

No primeiro semestre, ainda me ambientando a nova vida, a cidade e aos estudos tudo seguia normal. Ainda que o ritmo das aulas fosse muito mais intenso do que no ensino médio. Era só uma questão de se adaptar ao novo padrão e foi o que acabou acontecendo comigo.

O único problema era a professora de Cálculo I – desde o primeiro dia eu percebi que o meu santo não batia com o dela. Tinha que ser justamente uma mulher. Dona Odete, a ‘Jararaca’, como os alunos a chamavam. Parecia saída de algum livro de Erico Veríssimo, não tinha mais de 1,60 de altura, meio gordinha, o rosto redondo, os olhos negros, por traz de uns óculos de aros pretos e de lentes grossas. Os cabelos da mesma cor dos olhos, presos num coque ridículo atrás da cabeça. Podia muito bem passar por uma madre superiora de algum convento, até as roupas eram antiquadas, saias justas abaixo dos joelhos, quase sempre num casaquinho de mangas cumpridas combinando com a saia. Tudo numa cor discreta, sem vida.

Formal, de poucas palavras, dona de um sotaque gauchesco completamente fora de moda. E brava, muito brava. Odete vivia de cara amarrada, vingativa, antipática. Ninguém sabia se era casada, mas havia um boato que namorara uma outra há muito tempo atrás. Não conseguia imaginar nenhuma mulher que pudesse se interessar por Odete, até os professores pareciam ter receio dela.

Toda a turma teve problemas desde o princípio do curso e era quase só com ela. Ninguém tirava mais que oito nas provas e isso era raríssimo. Só que comigo a coisa parecia pior. Dava enjoo só de olhar para Odete. E pelo jeito Odete respondia na mesma moeda, também não gostava de mim. Quando eu me atrevia a fazer alguma pergunta ela era ríspida comigo, com todos, mas comigo parecia uma questão pessoal, beirava a humilhação.

Não sei porque nunca fiz nada pra ela.

Enquanto as minhas notas nas outras matérias seguiam o padrão, sempre acima de nove às vezes um oito aqui outro ali. Com ela a melhor nota fora um sete, as outras sempre por volta de seis. Eu ia passar na matéria, sofrida, humilhada, mas eu passaria. Só que aquilo me feria o orgulho, muito mais do que a outras pessoas. Eu era praticamente a única que me enfezava com os resultados das provas.

Mulher chata! O diabo em pessoa, chegaram outras provas, e eu me preparei ao máximo para não deixar duvidas de que eu venceria a ditadora autoritária que se achava a mestra em Cálculo I. Eu tinha certeza que eu fecharia a prova, seria um tapa de luva na cara da coroa.

Tomei um cinco na fuça. Fiquei chocada, eu nunca na minha vida tive uma nota tão baixa. E não era a única, Odete passou um sabão na turma. Avisou que assim ninguém passava, que não adiantava reclamar com o diretor, mesmo que fosse o reitor.

E eu ali estarrecida tentando entender como é que eu podia ter errado uma coisa tão simples como a integral de um seno. Um absurdo! Como é que eu podia ter falhado? Era a pergunta que eu me fazia quando Virginia, resolveu conferir as provas. Foi ela quem percebeu.

- Ué, Olivia! Como é que pode, chegamos no mesmo resultado e você ganhou um zero. E não foi só nessa.

Conferimos as provas, verificamos com outros alunos e a minha resposta era com as outras, mas só a minha tinha um ‘X’ vermelho e uma nota zero. Aliás, eu era a pior nota da classe.

- Fala com ela. Vai lá e reclama. Não deixa passar barato. O que é que essa mulherzinha pensa que é?

Tinha gente até querendo falar por mim. Mas sabendo como era Odete, achei melhor não questionar na hora. Quando veio o final da aula, quando eu tive oportunidade, fui conversar com ela.

- Professora, eu podia falar com a senhora. Acho que houve um erro na minha nota. A questão da integral do seno...

- Eu nunca erro querida.

Arrumando os livros dentro da pasta em cima da mesa, ela nem me olhou na cara.

- É que eu comparei o resultado da questão com a de outros e o resultado foi o mesmo. Mas só a minha levou um zero. Veja.

Mostrei as provas, a minha e a da Virginia, Odete segurou as duas e ajeitou os óculos com ar de enfado. Balançou a cabeça como se negasse alguma coisa, um riso de sarcasmo no rosto. Achei que ia me responder com um palavrão, mas foi melhor do que eu esperava.

- Vai na minha sala essa tarde, depois das duas, traga as provas.

Me olhou com os olhos duros de sempre e saiu marchando como se estivesse num desfile militar. Mulherzinha pedante, arrogante! Pus a língua pra ela.

- Você está parecendo uma criança. Que foi que ela disse?

- Mandou eu levar as nossas provas hoje à tarde, na sala dela.

- Pelo menos já é alguma coisa.

- É, pelo menos não me mandou pra a puta que pariu.

- Então vai, mas é melhor tomar uma vacina contra picada de cobra.

***

Bati na porta pouco depois das duas. Eu parecia uma garotinha que tinha feito arte, como se eu é que tivesse feito alguma coisa errada. O coração quase saindo pela boca, mas a culpada de tudo era a sebosa da Odete.

- Entra! Pode abrir.

- Com licença. Boa tarde.

Mesmo sentada atras da mesa aquela baixinha antipática parecia uma gigante, o que me deixava ainda mais intimidada. Entreguei as provas e ela examinou as folhas com aquele ar de desleixo que ela tinha. Ficamos as duas em silêncio, nem sei por quanto tempo. Eu ali de pé, a mal educada nem me ofereceu a cadeira pra sentar, e ela lá examinando as provas como se fosse uma petulância minha vir reclamar de uma nota dela. Fui perdendo a paciência, louca para sair dali. E ela parecia que gostava de me torturar, tinha prazer em humilhar, principalmente a mim. Continuava a não entender a implicância dela comigo.

- A senhora vê, a resposta é a mesma nas duas provas, aliás são pelo menos três questões com o mesmo resultado.

- Eu sei, eu sei. Já vi.

Eu não sabia se ficava com raiva de mim ou da chata. Vontade de dar um murro na cara da lambisgoia. Foi aí que eu tive uma surpresa. Odete retirou os óculos e colocou em cima da mesa, nem parecia a mesma pessoa. Era como se tivesse remoçado uns dez anos, ficou diferente, eu sei lá que mágica era aquela. Ela rabiscou alguma coisa na prova. E eu tomei coragem pra falar de novo.

- Eu estudei muito pra essa prova. Eu tinha certeza que dessa vez a senhora ia me dar uma nota melhor.

Ela riu do meu jeito de falar. Parecia até o riso de uma mãe para a filha.

- Você é daquelas que gosta de ser a melhor da classe. Você é muito novinha, falta entender os sinais da vida. Não basta só a dedicação pra chegar a uma nota máxima. É preciso um pouco mais...

Ela riu fazendo um biquinho com os beiços como se me admirasse o corpo. Fiquei sem entender o que ela queria dizer. E a boba aqui resolveu dar corda pra velha misteriosa.

- Um pouco mais de que?

- Atenção. Admiração e respeito por quem sabe mais que você. Pelo menos é o que você devia fazer.

Ela esticou o braço e devolveu as provas. Puxei as folhas e verifiquei a nota. Uau! Eu quase soltei um grito. Um nove! Era minha melhor nota com ela, era a melhor nota da turma.

- Nossa! Valeu Odete! Brigada.

Ela voltou a colocar os óculos e fechar a cara. Voltou a ser a velha chata de sempre.

- Professora Odete.

- Professora, sim senhora. Brigada! Até logo.

Virei de costas e fugi na direção da porta, aquela mulher tinha o poder de me deixar nervosa, mesmo sem olhar pra ela.

- Volte mais vezes Olivia, vai fazer bem pra você, uns conselhos quem sabe.

- Volto, eu volto. Tchau!

Sai fechando a porta e correndo como quem foge de uma prisão. Fui a biblioteca contar as novidades. Ninguém acreditou que a jararaca da Odete tivesse mudado a nota. Nem os veteranos acreditaram no que viram.

- Nossa garota! Nunca ouvi falar de Odete ter alterado a nota de alguém. Todo mundo sempre teve medo de confrontar a fascista. Como é que você conseguiu.

- Sei lá. Só sei que ela nem discutiu. Também não tinha o que discutir. As respostas eram iguais poxa, era só comparar as provas.

- Já teve gente que tentou e não conseguiu. Nem reclamando na diretoria.

Seja como for, aquilo veio como um presente. Eu estava aliviada, como se tivessem tirado um peso das minhas costas. Só não me saia da cabeça o que Odete tinha me falado, o tal convite. Achei estranho e ao mesmo tempo fui ficando curiosa. Fora a transformação dela na minha frente, era uma outra pessoa aquela. Alguém mais interessante, fascinante. Sei lá o que era.

Só que as surpresas não pararam por aí.

Dias depois, na próxima aula. Eu confesso que nem tinha prestado atenção quando Odete entrou na sala, estava escrevendo as anotações da aula anterior, foi Mariza quem me cutucou.

- Eu não tô acreditando. Olha só Olivia, olha só a cobra!

- Que foi que aconteceu?

Eu ainda olhando para o caderno, a turma inteira calada, o que era uma raridade, todo mundo olhando Odete. Foi eu olhar e ficar bestificada. Era a outra, a que tinha se revelado pra mim na sala dela. Só que ainda mais jovem, ainda mais interessante. Sem os óculos, provavelmente de lentes, mas duas mechas de cabelo soltas caindo à frente das orelhas, os lábios pintados num batom vermelho. A roupa não mudara muito, mas havia uma flor na lapela do casaquinho.

- Que foi que aconteceu, será que ela arranjou um doido de pau grosso, pra comer a coroa. Tem gente que gosta de cobra?

- Que foi que o senhor disse senhor Gustavo... Alcantara?

- Hã, nada, eu não falei nada. Professora.

- Melhor que não tenha mesmo. Afinal, eu se fosse o senhor estaria mais preocupado em estudar a matéria do que ficar de fuxico com as coleguinhas.

Odete fuzilou o Gustavo que estava sentado atrás de mim, pôs os dedos no bolso da frente do casaquinho verde escuro e olhou pra mim. Foi apenas um momento, um instante que pareceu congelar o tempo. Ela me encarando com o olhar brilhando e eu hipnotizada pela figura dela. Parecia coisa de namorado. Eu nunca tive uma ‘namorada’, tá umas beijocas aqui e acolá, só para experimentar. Sabia que o meu negocio era com os homens. Pelo menos eu achava que era. Ainda que nenhum me chamasse a atenção há tempos.

Achei graça dela, achei graça das minhas ideias, tolas, imaginando uma mulher como Odete se interessando por uma garota boba, do interior, como eu. Mesmo rejuvenescida, Odete não deixou por menos enfiou matéria até dizer chega. Nisso ela continuava a mesma, sádica e arrogante como sempre.

Foi no mesmo dia, aquele dia, a sexta feira a tarde. Uma coincidência, eu saindo da biblioteca para fazer um lanche, ela vindo do outro lado do corredor no sentido contrário. Não tinha como me desviar, não havia um corredor, uma escada, um buraco pra me enfiar. As duas caminhando, o corredor parecia ter um quilometro, ela nunca chegava, eu só ouvia o barulho dos saltos dela batendo no piso de pedra. Eu sem graça tendo não encarar e pensando no que falar.

- Professora. – A voz quase não saiu.

- Boa tarde Olivia.

Ela passou e eu me virei, nem sei por que eu me virei. Mas virei e falei.

- Gostei das mudanças. Você ficou muito mais bonita, Odete... quer dizer, professora.

Ela abriu um sorriso e o rosto iluminou como se fosse um sol.

- Gostou mesmo?

Me ajeitou os cabelos nos ombros.

- Todo mundo gostou. Ficou mais nova, mais bonita.

- Bonita! Exagero. Sério? Ganhei o meu dia.

Ficamos as duas ali paradas no meio do corredor vazio. O olhar dela cravado no meu, eu rindo sem saber bem o porquê. Sem entender o que era aquilo. Foi Odete quem me puxou de volta das nuvens.

- Tem compromisso pra hoje guria?

- Como!

- Quer jantar comigo, nós duas? Conheço um restaurante, faz muito tempo que não vou lá. O Dominus, já ouviu falar?

- Não, não conheço.

- Aconchegante, muito interessante. Uma delícia de comida, maravilha. Eu ia muito, faz anos que não vou mais. Só me falta a companhia. Quer? Eu te pego, me dá seu endereço e o celular.

Ela continuava a impositiva de sempre. Tentei imaginar uma desculpa e não vinha nada. Aquilo era tão estranho, inusitado mesmo, eu não sabia se era por pura amizade ou se aquilo era um flerte.

- Eu não sei se vou ser uma boa companhia Ode... professora.

Ela me abotoou o botão da blusa sem pedir permissão. Olhou pra mim cravando os olhos negros, duas bolotas pretas me avaliando.

- Se eu te convidei é porque você é. Não fosse a gente nem estaria aqui se falando. Vai me passa o seu numero eu ligo pra você. Posso te pegar as oito? Mando uma mensagem antes.

***

Chegamos ao Dominus quase oito e meia. Elegante, requintado, quase numa penumbra com vários ambientes. Todas as mesas de toalhas grená, com um pote de vidro onde velas estreladas boiavam iluminando nas águas. As paredes lembrando tijolos expostos, algo mais rustico. E nelas molduras de diferentes tamanhos, iluminados por spots em diversos ângulos. Fotos em preto em branco de variadas pessoas, às vezes um foco nos olhos, nas mãos, uma boca, um seio, a curvatura de uma cintura, as ancas de um homem. Mulheres nuas de salto e meias brilhantes até as coxas, segurando chicotes compridos, homens ajoelhados com focinheiras puxados por garotas vestidas de máscaras elaboradas.

Me chamou a atenção as garçonetes, não haviam homens. Os casais só de mulheres, muitas maduras acompanhadas de garotas.

- Deixa eu ver. Eu vou querer um Blue Sky e você Olivia?

Olhei o cardápio imaginando o preço de tudo aquilo. Não fazia a menor ideia do que escolher, não tinha nada que eu já tivesse bebido.

- Que tal um Midnight Special? – Falou Odete.

- Temos também o Ponto G. – Sugeriu a garçonete.

- Melhor o Midnight. Pode ser esse. – Eu falei toda sem graça.

- Na minha época não tinha esse Ponto G, depois eu vou experimentar.

Odete com riso riscado no rosto, tava na cara que sacaneava comigo. Ela gostou de me ver ficar vermelha igual um morango.

- Tem muito tempo que você não vem aqui? Quer dizer... fessora?

- Fessora? Tem muito tempo que não me chamam assim. Geralmente eu sou a cobra, a cascavel, a jararaca.

- Nossa eu nem sabia – Obvio que ela não acreditou em mim.

- Sim, tem tempos que eu não venho aqui. Não mudou muita coisa, só as fotos, mais ousadas.

E começou a me falar da vida, a me contar estórias, ela falando e eu fazendo as contas do tamanho do rombo que seria aquele jantar. Eu ia acabar presa ou nua. Rezava pra ela pagar. Foram-se os drinks, vieram as entradas, as pastas de diferentes sabores. A sopa de alho pra ela, a de abobora pra mim.

- Me traz um Cabernet argentino. Pode ser Olivia, topa?

E eu ia dizer que não! Ela é que escolhia tudo, comandava tudo.

O tempo passando, as duas bebendo e Odete ficando cada vez mais alegre e solta. Foi me contando as estórias desde a infância, os estudos em Santa Maria, a faculdade, o casamento com o falecido marido.

- Já escolheu o jantar? Eu vou querer um peixe, deixa ver um bom.

- Peixe! Também vou querer um o que você escolher Odete.

A minha cabeça girando pelo efeito das bebidas, eu já nem me controlava nos modos de chamar Odete. Pelo jeito ela também já não prestava mais atenção nessa etiqueta ridícula.

- Eu quero um salmão com mostarda e mel. Pede um com aspargos acho que você vai preferir Olivia.

Pedidos feitos e Odete risonha e mais falante do que nunca. Me era surpreendente imaginar Odete casada com alguém ainda mais quando vieram os detalhes íntimos de um casamento longo.

- Como assim, uma gaiola? Você prendia ele numa gaiola!?

- Quando ele não me obedecia, quando excedia. Era preciso deixar claro que mandava. Até porque Mario Sérgio adorava. Demorou anos até ele aceitar o que realmente era, um masoquista, um invertido. Mas não foi culpa dele, fui eu que no fundo não queria aceitar quem eu era.

- Invertido!?

- Um homem que aceita a penetração de uma mulher. Que gosta de ser possuído, o orgasmo vem muito mais intenso. Os dedos massageando a próstata ou um pênis sodomizando o macho.

Aquilo tudo era um turbilhão de informações, eu fui me deixando levar pela conversa dela, fui entrando no ritmo, cada vez mais curiosa.

- E o que é que você não queria aceitar?

- Isso, que eu era uma domme. Não sou muito dessas convenções, mas no fundo eu sou o que chamam de dominante. Uma mestra do sexo, mas eu não sigo regras. Faço as minhas próprias.

- Isso começou lá, em Santa Maria?

- Lá, depois nós viemos pra cá. E foi aí que a Marta entrou na nossa vida.

Odete riu como quem confessa um segredo. Mordeu um pedaço do salmão e colocou o garfo na borda do prato, mastigando e examinando as minhas reações. Olhei pro prato sem saber bem se eu tinha ouvido ou se eu pensei que ouvira.

- Marta? Quem é Marta?

- Tem certeza que você quer ouvir? Será que eu posso mesmo confiar na sua discrição?

- Claro! Fica tranquila.

Tomei um gole da taça, tentando esconder o desconforto, a sensação de que aquilo tudo era mais profundo e íntimo do que eu podia sonhar.

- Foi intenso pra mim. Aqueles anos foram marcantes. Nós três experimentando de tudo. Sem limites, sem amarras, vivendo o que os nossos corpos pediam. Era a mais pura sensação de tesão, ainda mais a três. Mas eu sempre no controle dos dois.

- E o que você fazia com eles?

- Nada, só que era da natureza deles. O que era preciso para eles se sentirem satisfeitos. Os dois gostavam de ser dominados, subjugados, possuídos. E eu fui descobrindo que adorava fazer tudo isso.

- Marta era uma masoquista?

- Ambos, submissos. Mas só conhecemos Marta aqui, jovem, vinte anos, veio trabalhar pra gente. E coincidiu, fazia pouco tempo que eu e o Mario estávamos vivendo essa realidade nova. Não demorou muito pra Marta nos descobrir. Novinha como você, cara de anjo.

- E ela topou? Quer dizer, aceitou rápido assim?

- Ela era muito curiosa. Passou uns tempos nos observando, escondida atrás da porta, da cortina. A gente sabia, a maior parte das vezes sabia. Foi Mario quem desconfiou, acho que ele viu uma calcinha dela molhada no banheiro. Me contou e sugeriu.

- Vocês dois com ela!?

- Não! Fui eu. Mario viajou a trabalho e eu pedi que Martinha ficasse comigo. Fui deixando ela a vontade, fui mostrando que era seguro. E ela se abriu, confessou. Depois foi só se aceitar. Martinha era uma potranca chucra. Uma delícia de masturbar, deixei ela nua e molhadinha no meio da sala a primeira vez. Desculpa, eu falo demais, é o efeito da bebida.

- Que isso! E depois você topou dividir ela com o seu marido? Não deu ciúmes?

- Não há ciúmes quando você aceita. E eles precisavam. Submissos sempre precisam de nós. E quando um me deixava nervosa eu prendia na gaiola. A maioria das vezes era o Mario. O safado gostava de me ver com a Martinha, era mais um voyeur que um masoquista. Já ela era o tipo perfeito para uma dominante como eu. A garota virava outra entre quatro paredes, uma loucura.

- Ela nunca ficou com ele?

- Claro que ficou.

- Na sua frente?

- Geralmente nós três juntos. Você nem pode imaginar.

- Conta.

- Não! Hoje não. Falei de mais, muito mais do que devia.

- E quando foi que ele morreu?

- Faz uns quinze anos.

- E Marta ainda mora com você?

Odete olhou para as mãos estendidas sobre a mesa com ar de tristeza, as mãos postas se esfregando juntas.

- Marta acabou casando, mudou, foi morar no Canadá. Tem uma filha adotiva, linda, com a nova esposa.

- Faz muito tempo?

- Depois que o Mario faleceu a nossa relação não durou muito tempo. Suspeito que ela sentia mais falta dele do que eu. Ela nunca mais foi a mesma.

- E você ficou sozinha, não houve mais ninguém?

- Acabei me desiludindo. Me escondendo de mim mesma. Ninguém mais valia a pena... Não até agora.

Ela me pegou desprevenida. Ficamos nos olhando por traz das taças, ela com os olhos brilhando, os lábios cerrados e eu com o rosto queimando. Aquilo não era uma indireta, era um soco na cara. Fui ficando sem jeito, cada vez mais curiosa, mas também não podia deixar de ficar receosa. Aquilo estava indo mais rápido do que devia. Odete era mais estranha do que eu imaginava.

Ainda bem que a garçonete quebrou o clima, retirando os pratos e os talheres.

- Querem uma sobremesa, um café?

- Um expresso.

- Pra mim também.

Olhei as horas, pensando num jeito de ir embora, eram mais de dez horas.

- Tudo isso é muito louco. Eu nunca imaginei que a senhora fosse assim?

- Nunca beijou uma amiguinha? Nunca esfregou uma xaninha?

- Não! Foram só beijos. Curiosidade de adolescente. Nunca gostei de verdade. Ainda mais...

- Ainda mais o que?

- Ainda mais uma como você. Eu não sei, se eu... sei lá... eu acho que eu não sou como a Marta.

- Eu sei como é que é. Talvez porque você ainda não se permitiu, não se descobriu.

- Mas eu acho que eu não sou uma passiva. Uma submissa, não é o meu estilo.

- A Marta me falou a mesma coisa. Coincidência. Você tem os olhos dela, o riso dela, o jeito... Mas tudo bem, eu não te trouxe aqui pra te deixar constrangida. É a bebida, fica tranquila.

Veio o expresso e em seguida conta. Ai!! Que alivio! Odete nem me deixou olhar o valor. Pagou tudo no cartão de crédito. Não parecia decepcionada, achei que aceitou melhor do que eu esperava. Saímos falando do curso, dos alunos, os professores abusados.

Como se fosse um jantar entre amigas. Fui relaxando com os novos assuntos, eu sabia que estava gostando cada vez mais de Odete, mas como ela era ali comigo, nada mais que amigas, confidentes.

Chegamos na minha república depois das onze.

- Bom, dona Odete. Adorei o jantar, adorei a companhia, o papo. Foi mais que eu esperava.

- Quem sabe a gente volta a fazer isso outro dia?

- Até pode ser. Quem sabe?

- Conto com a sua discrição Olivia. Tudo o que eu falei, foi porque eu confio em você.

Ela colocou a mão no apoio de cabeça do meu banco, o instinto me fez temer um beijo. Eu abri a porta na hora.

- Fica tranquila, eu nunca vou revelar uma coisa dessas. A gente é amiga agora. Tchau, querida! A gente se vê na terça.

Sai do carro, fui rápida na direção das escadas do prédio. Subi os degraus e coloquei a chave no trinco. Foi quando ouvi a voz autoritária de Odete atrás de mim.

- Olivia!

Eu só virei, nem deu tempo de nada. Ela subiu as escadas, Odete parecia ter mais de dois metros, me olhou debaixo pra cima. Me puxou pela nunca. Foi uma coisa louca, uma coisa mágica. Um beijo de língua, as bocas coladas. Fui sendo invadida por Odete, fui sendo possuída pela língua safada da minha professora Cálculo I. Antipática, meio gordinha, uma chata!

Odete me lambia o céu da boca, me mordia a língua, sugava como se fosse um pênis ereto lhe fodendo a boca. Ela cada vez mais sedenta e louca. E eu aceitando ser invadida pela professora. Senti meus peitos ficando quentes, apontados.

Fui sendo inoculada por uma cobra devassa. Fui me entregando submissa aos prazeres de Odete. Minhas muralhas foram caiando, minha mente foi se abrindo. Eu já não sabia mais quem eu era. Eu só pedia que aquele beijo nunca se acabasse.

Abri meus olhos só quando o beiço dela se despregou do meu. Havia um fio nos unindo as bocas. As duas respirando juntas, únicas.

- Boa noite, Olivia.

Havia um brilhou de lágrima no canto de um olho dela. Odete desceu as escadas de costas, sem tirar os olhos de mim. Deu alguns passos assim e virou andando na direção do automóvel.

Tentei falar, a voz ficou presa na garganta. Meu corpo tremia, eu vibrava dos pés a cabeça. Fiquei travada no alto da escada vendo carro se afastar e sumir no final da rua. Minha cabeça rodando num turbilhão, senti até falta de ar, ninguém tinha me beijado assim.

Eu já não sabia mais quem eu era. Quem eu fui.

Foto 1 do Conto erotico: O Poder da Conquista – o beijo.

Foto 2 do Conto erotico: O Poder da Conquista – o beijo.

Foto 3 do Conto erotico: O Poder da Conquista – o beijo.

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Comentários


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guedão Comentou em 13/06/2022

Top conto, fiquei na expectativa de ver as duas na cama, parabéns, li todos os contos anteriores a esse e vou continuar a ler os próximos, parabéns e continue assim

foto perfil usuario casalbisexpa

casalbisexpa Comentou em 25/05/2022

delicia demais




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Ficha do conto

Foto Perfil incensatez
incensatez

Nome do conto:
O Poder da Conquista – o beijo.

Codigo do conto:
200712

Categoria:
Fetiches

Data da Publicação:
08/05/2022

Quant.de Votos:
6

Quant.de Fotos:
5