O Casarão - Parte 10

Quando acordou (por volta das dez horas), sentiu que há muito não dormia tão bem. Não só pela sensação de estar um pouco livre de Igor e de todo o medo e tensão que ele representava, mas porque o colchão era o mesmo que ele aprendeu a se deitar durante anos. O cheiro de seu quarto era tão familiar quanto a sua infância e a luz do sol que adentrava pela janela era a mais quente e amistosa que poderia sentir. Acordou bem, então. Saiu do quarto apenas de cueca e seguiu para a cozinha. Sua mãe separava os restos de comida que ainda poderiam ser consumidos.

- Lá vem você de cueca sambando pelo meio da casa né?
- Bom dia, Dona Paula!
- Quer que eu faça algo pra você comer ou prefere o que sobrou da festa?
- Vou comer as sobras, porque você deve estar cansada.
- Tem suco de manga na geladeira.

Pedro se sentou na mesa da cozinha e esperou que sua mãe lhe trouxesse a jarra de suco e algumas fatias de torta.

- E o pai?
- Está tomando banho. Quer torta de limão ou chocolate?
- Limão... Ele disse que alguém em Aracaju quer comprar os pisos. A senhora sabe quem comprou de nós de Aracaju?
- Não lembro, Pedro, faz tanto tempo isso. Aliás, deve fazer né? – Paula sentou a mesa – Ah, parece que foi ontem que se essa casa estava coberta de caixas de cerâmica e eu louca com a sujeira.

Silveira entrou na cozinha todo molhado e vestindo apenas uma toalha.

- Essa mania de seu filho andar pela casa de cueca herdou de você, que tem mania de andar quase nu também pela casa.
- E você nem gosta, não é Paulinha?
- E por que eu teria que gostar? Molha a casa toda e quem seca? Você?
- Que drama, amor!
- É, vinte e sete anos de drama. Eu acho que já me acostumei.

Enquanto Silveira e Paula brincavam um com o outro, Pedro sentia que estava de volta ao lar e pode até sorrir.

- Mas pai, e essa viagem pra Aracaju?
- Sim...
- Não vai ser agora não, não é?
- Como não? Vai ser pra já!
- Mas pai, acabei de chegar de uma...
- Por isso mesmo. Quanto mais cedo ir, mais cedo volta!
- Que saco. E quem são os clientes?
- Um hotel. Na verdade é uma pousada. E uma residência também, a mesma dos donos da pousada.
- Tudo isso?
- Sim.
- Pra quando?
- Que tal próximo fim de semana? Suas aulas começam nessa próxima semana não é?
- E as do Igor... Olha, vê se o senhor o lembra de levar o colchão dele, por favor!
- Não, não. O Igor não vai.
- Como não vai?
- Não vai viajar com você. Agradeça a ele por isso, assim vocês não ficam brigando durante a viagem.
- Coisa feia brigar com o menino, Pedro. Você é muito maior que o pobre. – disse Paula.

Uma pousada e uma residência. Uma pousada e uma residência. Pedro não parou de pensar nisso quando soube que Igor não o acompanharia. A refeição já não descia tão bem. Já não estava mais tão a vontade, mesmo que só vestisse uma cueca e estivesse na cozinha de sua casa.

- Mas ele disse o motivo de não ir?
- Disse que não queria. Mas não é melhor? Assim você vai só e não fica emburrado o tempo todo.

Pedro então conseguiu sentir o que toda aquela mentira poderia lhe causar. Uma vontade súbita de gritar, revelando finalmente a verdade sobre a venda de João Pessoa lhe acometeu. Mas perderia sua masculinidade com isso, afinal, porque Pedro precisaria de Igor? Tentou então terminar seu café da manhã atrasado e seguir o mais rápido possível para o casarão e torcer para que suas ordens fossem atendidas pelo rival.

Vestiu-se sem muita demora e seguiu para o casarão. Ao chegar, imaginou que o encontraria dormindo com sua irmã, mas quando chegou em seu quarto, estava vazio. O casarão estava vazio. Mas em poucos minutos, Igor chegou em um táxi com Melissa, mas a menina seguiu para casa e ele entrou. Nesse momento, Pedro já tinha se despido, ficando apenas de cueca e o esperava da varanda. Igor não o viu, não olhou para o alto. Entrou com um enorme sorriso no rosto e subiu as escadas.

Ao abrir a porta do quarto, deu cinco passos até que percebeu que não estava só. Com o sol iluminando sua silhueta, Pedro parecia um anjo que acabara de pousar. Nunca Igor o vira tão belo e tão atraente – e apenas de cueca. O sol parecia não mais que o rastro de seu vôo e toda a sua pele parecia estar envolvida pela luz. Era possível ver cada fio de pêlo brilhando e cada curva ou covinha de seus músculos. Ele veio desfilando seu corpo delgado até Igor, que ficou hipnotizado com aqueles movimentos, e parou a menos de três passos do menino.

- Era isso, não é, Igor? Você queria me ferrar, não é?

Igor logo saiu do transe em que se encontrava e desviou daquele rapaz iluminado, seguindo para a sua cama. Sentou-se e começou a tirar os sapatos.

- Você mentiu, mentiu, mentiu e conseguiu.
- Olha, Pedro, essa situação é tão chata pra mim quanto é pra você...
- Você é tão falso. Se meu pai soubesse quem você é de verdade, ele não gostaria tanto assim de você.

Igor por pouco não descontou com a frase “E se ele soubesse que você me ameaçou de morte após nós termos transado, o que será que ele iria pensar de você?”. Mas preferiu se calar. Continuou se arrumando para o banho e Pedro ficou de pé, impaciente com a apatia de Igor.

- Você vai continuar calado, não é?
- O que você quer de mim? Me deixa em paz, ta?

Pegou a toalha na varanda e seguiu para o banheiro, mas Pedro não queria acabar ali. Parou na frente de Igor, pôs as duas mãos na cintura, ocupando mais espaço da passagem.

- Você se acha tão importante, não é Igor? Você deve se divertir muito com o fato de todos gostarem de você!
- O que quer, Pedro? Está assim tão chateado porque eu vou te deixar ir sozinho?
- Me deixar? Não preciso da sua permissão ou bondade pra que eu vá para onde quiser ir sozinho.
- Ok.

Igor tentou se desviar mais uma vez, empurrou o cotovelo de Pedro de sua frente e alcançou a porta do banheiro, mas o rapaz o pôs contra a parede antes que ele entrasse. Ficaram com os corpos muito juntos e os rostos muito próximos.

- Você vai ligar para o meu pai, vai esperar que ele venha aqui... Não quero saber, mas você vai dizer que quer ir comigo.
- Por que eu faria isso?
- Porque sim, Igor. Porque senão eu vou infernizar muito você.
- Mais? Mais do que já inferniza?
- Estou te avisando, Igor...
- Por que, Pedro? Você não é capaz de fazer isso sozinho?
- Não comece, viadinho...
- Viadinho sim, e muito viado. E você precisa de mim, admita!
- Igor, eu vou te...
- Eu vou com você, então. Mas com uma condição: você vai chamar seu pai aqui e, na nossa frente, você vai dizer “Pai, preciso do Igor!”.
- Só nos seus sonhos, não é?
- Ou é isso, ou você pode me encher de porrada, mas eu não vou. Você escolhe!

Pedro tinha uma escolha e era a mais fácil de sua vida, só não era a melhor de todas.

Era tarde demais, Igor já não tinha nenhum medo de Pedro e ele não poderia fazer nada para convencê-lo a ir. Mesmo que tivesse coragem de agredi-lo fisicamente, Igor já não conseguia mais fazer a figura do garoto bobo. Não restava armas para Pedro, ele apenas ou aceitaria as condições de seu inimigo, ou iria sozinho tentar a sorte. Por mais prazeroso que fosse para Igor ver Pedro implorar, seu desejo pelo sucesso do rival era muito maior. Disso dependia a sua liberdade.

- Você vai, Igor!
- O que você vai fazer pra me obrigar?

Não havia resposta para essa pergunta.

- Vai me matar, de novo? Vai me bater? Vai contar para o meu pai que eu seco o cabelo com secador? Pedro, faça o que você quiser. Não tenho medo de você. Não tenho mais. Aliás, se um dia eu tive, foi naquele dia...
- Não ouse falar daquele dia!
- Eu gosto menos que você. O agredido fui eu e não você. Agora sai, me deixa tomar banho!

Igor empurrou de novo o braço de Pedro e seguiu para o banheiro, onde se trancou. Pedro, por sua vez, estava totalmente desarmado. Seu único talento era a força física e a intimidação que poderia causar, mas isso não era mais eficiente. Se renderia aos caprichos do menino, então? Não, nunca!

Já Igor, mesmo impondo sua vontade, não o provocava de fato. Até aquele dia, Igor não havia tocado no assunto mais inacabado entre eles: o sexo na van e os eventos posteriores. Igor nunca o humilhava, não tinha perdido o juízo ainda. Pedro poderia não machucá-lo estando consciente, mas poderia fazê-lo se perdesse o controle de sua raiva e Igor já tinha provado um pouco de sua força.

Pedro estava tão anestesiado com sua impotência, que não se desesperou. Olhou para sua roupa dobrada em cima da cama, vestiu-a e voltou para casa. Enquanto dirigia, pensou apenas no seu fim de semana: estaria em casa, em sua cama, seu quarto, comendo da comida feita por sua mãe. Seu fracasso era algo tão certo, que decidiu não pensar nisso. Não conseguiu, contudo, ter raiva de Igor. Pela primeira vez Pedro se sentiu abandonado e humilhado e não irado. O sentimento era semelhante a de uma criança magoada com o pai por ter lhe negado permissão para brincar na rua. Era como se em seu subconsciente ele tivesse sido traído, já que Igor sabia perfeitamente que ele não era capaz de fazer isso sozinho e, por maldade, o abandonou.

Quando saiu do banho, Igor já vestia sua roupa de dormir. Não viu Pedro em seu quarto, mas não se preocupou com isso. Seguiu até a cama enxugando o cabelo com a toalha, sentou-se e começou a procurar um biscoito em suas compras. Comeu alguns e guardou o resto na sacola. Estava cansado da festa e foi dormir. O que ele não sabia é que Pedro já havia ido embora, para não mais voltar naquele dia. A porta de entrada ficou aberta, pois o menino não sabia que Pedro não dormiria lá naquela noite.

Igor acordou as dezenove horas e o casarão estava na completa escuridão. Olhou para o relógio e estranhou que aquela hora não houvesse uma luz acesa. Ficou algum tempo acordado na cama, mas logo o sono lhe abateu novamente e voltou então a dormir. Na manhã seguinte, Silveira foi ao casarão com o arquiteto, para averiguar a finalização do lado esquerdo da obra. Estacionou o carro no jardim e, ao olhar a porta, a encontrou aberta. Era muito cedo ainda para Igor ter acordado, visto que se tratava de um sábado, mas não estranhou. Seguiu com o arquiteto para a obra e conversaram por alguns minutos. Ao entrarem para tomar um pouco d’água, Silveira decidiu subir e cumprimentar o sobrinho postiço. Quando o encontrou ainda dormindo, se assustou.

- Igor? Igor, meu filho, acorde!
- Oi, tio, o que houve? – ainda meio sonolento.
- Você dormiu com a porta aberta?
- Dormi?
- A porta da entrada estava aberta. Você abriu?
- Não... Eu... Como assim dormiu aberta?
- Quando eu cheguei, estava aberta.
- Mas... Bem, eu fui tomar banho e o Pedro ficou aqui no quarto.
- Pedro esteve aqui? Ontem?
- Sim, eu cheguei da festa, tomei banho e vim dormir um pouco. O Pedro ficou aqui no quarto...
- Mas ele dormiu em casa ontem.
- Dormiu? Eu não sabia. Quando eu entrei no banho, ele ainda estava aqui, mas quando eu sai e vim dormir, ele já não estava. Achei que ele estivesse na cozinha, ou coisa assim. Mas eu não sabia que ele não dormiria aqui hoje.

Ao voltar para casa, Silveira logo foi ter com o filho e pediu uma explicação sobre a sua desatenção.

- Pedro, acorde, vamos, acorde!
- O que foi?
- Você deixou a porta do casarão aberta! – falou em um tom mais alto.
- Hã? O Igor dormiu lá.
- Sim, dormiu, mas você esteve lá também e saiu, deixando a porta aberta.
- Mas ele não ficou lá?
- Sim, ficou, dormindo. Só acordou hoje, quando cheguei e vi a porta aberta. Por que você saiu e a deixou aberta?
- Mas como eu iria adivinhar que ele não fecharia?
- E como ele iria adivinhar que você não dormiria lá? E como ele iria adivinhar que quando ele saiu do banheiro, e você não estava lá, que você já tinha partido? – Silveira tomou fôlego – Pedro, na pior das hipóteses, o culpado é você, de não ter fechado a porta quando saiu. Mesmo que voltasse no mesmo dia. Não se sai da sua própria casa e a deixa aberta.
- Mas...
- Mas nada, Pedro. E se o ladrão que anda roubando as ferramentas entra lá de noite, com a porta aberta e o Igor lá dormindo? Se acontece alguma coisa com esse menino?

Paula, ouvindo a discussão, se aproximou para saber do que se tratava.

- Qual é o problema aqui, posso saber?
- Pedro, que saiu do casarão e deixou a porta da entrada aberta.
- Mãe, o Igor dormiu lá!
- Não interessa, Pedro! Se você está aqui em casa, por exemplo, e sai pra comprar um chiclete na esquina e sua irmã fica em casa tomando banho, você deve fechar a porta. Ou você vai correr o risco de deixar a porta aberta com sua irmã indefesa dentro de casa?
- Pedro, você nem avisou ao Igor que estava de partida?
- Não... Não devo satisfação da minha vida pra ele! – gritou.
- Mas deve a mim, Pedro! – gritou Silveira de volta – Quantas vezes eu já pedi pra você tomar conta do Igor. Me diz, quantas?
- Ele não é um bebê, ele pode se cuidar sozinho. Aliás, Igor não é nenhum ingênuo.
- Não interessa, Pedro. Minhas ordens são ordens e devem ser cumpridas. Estou cansado se ser cordial e bem humorado com você e você responder com cara feia. O mundo não vai abrir nenhuma porta pra você se continuar desse jeito. As pessoas não podem adivinhar o que você quer e o que você sente se você não fala, não se expressa. Tem medo das pessoas. E o pior, as pessoas acabam tendo medo de você, quando na verdade o que acontece é o contrário.
- Mas... Mas o que isso tem a ver?
- Tem a ver que você precisa se entender com o Igor. Não quero saber de desculpas suas. Porque eu sou sei pai e te conheço desde que nasceu e sei que a razão de vocês não se darem bem é sua e somente sua!

Pedro ficou um pouco chocado com a reação do pai e, logo que saíram do seu quarto, voltou a se deitar e sentiu uma enorme tristeza lhe invadindo. O rapaz que nunca conseguia fechar as pernas enquanto se deitava, encolheu-se todo e se agarrou ao travesseiro. Ninguém reconheceria a Pedro naquele estado. Mas não chorou, por fim. Seus maiores demônios, agora naquela semana, eram ele mesmo. Estava triste consigo mesmo, pois tudo atacava justamente a sua incapacidade de se relacionar com as pessoas. A viagem a Aracaju e a dificuldade de ficar em paz na presença de Igor foram dois grandes estopins para a explosão de seus medos diante de sua retina. Pedro precisava de ajuda!

Já Igor teve medo pela primeira vez de ficar sozinho no casarão, afinal, a porta ficou aberta e o ladrão estava rondando a residência. Mas todo o perigo já tinha passado, então se levantou, desceu até a cozinha e fez o café da manhã com os mantimentos que comprou. Passado o susto, resolveu se divertir, era sua hora. Não poderia mais Igor esperar pelo acontecimento da sua juventude, pois ela era aqui e agora e não se prenderia mais. “A porra da minha sexualidade não é tudo na minha vida, eu posso ser mais, fazer mais, rir mais e cantar bem alto com meus amigos. É isso que vou fazer!”. Ligou para o novo colega de faculdade e decidiu marcar algo.

- Oi, Igor.
- Acordei?
- Não, eu estava penteando o cabelo. Cortei hoje mais cedo.
- Hum, quer estrear o novo corte comigo?
- Depende, pra onde você quer me levar?
- À praia. Vamos?
- Praia e meu cabelo não combinam.
- Ah, vamos? Deixa de ser chato. Essa manhã eu não tenho nada pra fazer e pra completar, dormi com a porta de casa aberta, acredita?
- Do casarão?
- Sim.
- Mas não tem um bandido ai a solta?
- Tem, Rafa, obrigado por lembrar!
- Ah... – ele riu um pouco – desculpa, vai.
- Desculpo se você vier aqui e me levar pra algum lugar.
- O que você está afim de fazer?
- Não sei...
- Meus tios têm piscina e sempre me deixam ir lá. Posso chamar mais gente?
- Pode, desde que eu possa chamar a Melissa.
- Eu já ia dizer isso...

Enquanto Melissa e Igor conversavam pelo telefone, Pedro ouviu tudo e pensou em diversas coisas enquanto espionava. Melissa foi se arrumar e partiu para o casarão. Igor escolheu uma sunga e seguiu arrumando uma mochila. Quando sua amiga chegou, ele ouviu o barulho do carro adentrando o casarão. Desceu animado correndo e trancou a porta principal. Quando se virou para o carro estacionado, viu Melissa sentada no banco do carona e no volante, Pedro. Igor desceu os degraus da entrada ainda sem entender aquela presença. Ao entrar no carro pela porta traseira, Melissa o cumprimentou.

- Bom dia, Igor. Pedro vai com a gente. Tem problema?

Pedro segurava o volante como se estivesse no meio do oceano, agarrado a uma bóia. Seus ombros estavam firmes e a dobradura de seus braços estava arqueada. Seu pescoço estava rijo e seu campo de visão não permitia que ele olhasse para trás. Igor, por sua vez, entrou no carro como se estivesse em um campo minado, tomando cuidado onde pisar e de como se movimentar. Estavam como estranhos um para o outro.

- Não, sem problemas.
- Então vamos lá. Você sabe onde fica a casa do Rafa, não é?
- Sei.
- Então guie o Pedro.

Guiar Pedro. Seria essa uma das situações mais incômodas. Igor teria que lançar ordens para o motorista e esse não poderia reclamar. Foi assim que chegaram a casa de Rafael. Ao descerem do carro, não se olharam e seguiram como estranhos. Igor apertou a campanhinha e esperaram os três pela vinda de Rafael.

- E ai?
- Oi, Rafa! – disse Melissa com dois beijinhos.
- Ta gatona com esse maiô!
- Né? Obrigada!
- E ai, gato!
- Oi, boneco!

Rafael e Igor se abraçaram com muita alegria e sem pudor quanto a seus corpos, ou seja, encostaram seus rostos, uniram seus troncos e encaixaram suas pernas. Era um gesto afetuoso inimaginável entre dois homens. Pedro olhou a cena com o mesmo espanto de quem assiste a um suicídio ou algo tão grotesco quanto. Assustou-se primeiro, depois repreendeu o ato em sua mente. Os sentimentos de ojeriza continuaram e agora eram dirigidos apenas para Rafael. Pedro o olhou dos pés a cabeça e o condenou “Que viadinho mais ridículo!”.

Mais que o abraço, Pedro detestou Rafael. Ele se parecia com todos os “viados escrotos” que já habitaram a sua mente cheia de estereótipos sobre a homossexualidade. Rafael era o tipo de gay que causava vontade de humilhar em praça pública e nem mesmo era efeminado. Porém, se comportava com tamanha intimidade, que poderia se sentir nojo apenas por tocar sua pele. Obviamente, tudo isso era um retrato da mente de Pedro.

- Adorei o corte novo.
- Gostou mesmo? Eu ia fazer uma hidratação hoje, mas você inventou de sair.
- Ai, Rafa, deixa pra se preocupar com o cabelo depois. Me divirta hoje, eu preciso muito!
- O que te deu, hein?
- Depressão pós-colégio.
- Rafa, deixa eu te apresentar meu irmão. Esse é o Pedro.

Rafael e Igor estavam ainda abraçados, um segurando a cintura do outro por trás. Pedro, por sua vez, se encontrava na posição oposta aos dois e de braços cruzados. Quando Melissa decidiu apresentá-los, Rafael deu alguns passos para frente e estendeu a mão para Pedro.

- Oi, Pedro, tudo bem?
- Tudo.

Apertaram as mãos, mas Pedro não conseguiu mexer um músculo da face para cumprimentar Rafael. Este, por sua vez, se sentiu acanhado pela reação do irmão de Melissa e logo voltou para perto de Igor.

- Rafa, tem problema se o Pedro for com a gente? – perguntou Melissa.
- Não, vai um bocado de gente mesmo.
- Então vamos.
- Mas antes a gente precisa levar os refrigerantes e umas coisas que minha mãe me deixou levar.
- Ok, vamos pegar!

Igor e Rafael entraram pelas portas traseiras e ficaram com os corpos juntos no meio do banco, bem em frente ao espelho retrovisor. Como se não fosse o bastante, Melissa pede algo extremamente desconfortável para Pedro.

- Igor, só você conhece o caminho. Você guia o meu irmão?
- Claro. Pode seguir em frente, que a gente só dobra agora na terceira rua a esquerda.

Até chegarem à casa dos tios de Rafael, Pedro teve que ouvir muitas ordens do amigo de Igor. Cada vez que aquela voz era emitida, um arrepio angustiante atacava o pescoço de Pedro. Se a vontade de matar Igor já foi grande, a de fazer o mesmo com Rafael era triplamente maior. Durante todo o percurso, desejou chegar o mais rápido possível, ou jogar o carro na frente de um poste.

- Você ligou pra quem?
- Liguei pra todo mundo da festa de ontem.
- Mas só do nosso grupinho, né?
- Nossa, vocês mal começaram a estudar e já têm grupinho?
- Bem, - respondeu Rafael – é que ainda não tivemos oportunidade de... Pedro, agora é a direita e dobra na direita de novo...sim, não conhecemos todo mundo ainda. E nem tenho o telefone de todo mundo.
- E seus tios – perguntou Igor – algum problema?
- Nenhum, minha tia é super de boa. Pedro, pode parar nessa casa de portão cinza.

Chegaram, finalmente. Pedro puxou com ira o freio de mão e desceu primeiro do carro. Ao entrarem na casa, foram para a área da piscina, que era um vasto gramado e uma churrasqueira ao fim do quintal. Pedro não saiu de perto da irmã e a seguia para qualquer lugar. Já Igor e Rafael foram à cozinha pôr refrigerantes e outras bebidas para gelar.

- Menino, esse irmão da Melissa hein?
- É, pois é, é um idiota!
- Hã? Bem na verdade eu ia dizer que ele é um tesão.
- Ah... É bonito só.
- Só? Você precisa de óculos então. Cara, ele é muito gostoso, além de ter uma cara de mal.
- Ele é mal. E fez cara de mal porque não foi com a sua cara, óbvio.
- Tudo bem, eu gosto de ser ignorado. Dá mais tara.
- Ai, Rafa, para!
- E você dorme com ele todo dia hein? Que sortudo.

Era surreal para Igor que alguém pudesse se interessar por Pedro, pois não conseguia mais imaginá-lo como amante, embora soubesse muito bem que, nesse quesito, Pedro era habilidoso. Mas essa não era a questão. Igor não conseguia enxergar Pedro com outro homem, simplesmente porque suas atitudes eram frias e até constrangedoras, se se levar em consideração que Pedro poderia ser grosseiro com um simples cortejo de outro rapaz. Mas resolveu não se importar com isso, pois percebeu que não só Rafael, mas de todos os outros garotos que estavam por vir seriam atraídos por Pedro. Talvez fosse até divertido e talvez Pedro fosse embora por isso.

Pedro, por sua vez, se sentiu intimidado em tirar a roupa e ficar de sunga apenas, mas estava tão quente aquele verão, que decidiu apenas tirar a camiseta e pendurá-la em um dos ombros. Sentou-se numa cadeira e se afastou do espaço próximo a piscina. As pessoas foram chegando e se havia dois garotos heterossexuais entre todos os outros presentes era por pura sorte. Logo Pedro se tornou assunto na pequena festa. Igor estava se divertindo com aquela situação. Pensava no quão eram ingênuos os garotos e garotas que desejavam o irmão de Melissa. O menino então decidiu se divertir mais ainda, atendendo ao seu plano matutino, e resolveu relaxar. Tirou toda a roupa, ficando apenas de sunga e se sentou na beira da piscina.

Rafael logo fez o mesmo e os dois ficaram grudados um no outro. Como poderiam eles não ter vergonha de serem dois homens e manterem tamanha intimidade? De longe, Pedro os olhava e sentia raiva, pois aquilo era uma agressão aos seus olhos, a sua presença. “Por que eles não são mais discretos? Eles vão se comer a qualquer momento. Que nojo, viadinhos escrotos!”. Mas o que mais irritava a Pedro era o sorriso de Igor, que não disfarçava a satisfação e a alegria naquela tarde. Estava ele tranquilo, mostrando a todos, por meio de seu comportamento, que era gay e não tinha vergonha disso. “Ele deveria entender que isso é errado. Ele faz isso escondido, é claro, nessa promiscuidade, desse bando de bichas. Ah se o pai dele visse isso, ele iria morrer de porrada e eu iria adorar!”.

Melissa estava na cozinha, se servindo de uma bebida, quando um casal se aproximou dela.

- Olá! – disse o rapaz.
- Oi.
- Oi, eu sou Tatiana, tudo bem?
- Tudo, e você?
- Ótima!
- Eu sou Beto. Mas isso não é importante. A gente quer saber uma coisa. Aquele cara ali no canto, sem camisa, é seu irmão, não é?
- Sim, o Pedro.
- Então, menina, libera a informação pra gente, - continuou o rapaz – ele é gay?
- O Pedro? – Melissa riu – Não mesmo!
- Hum, então há chance para mim. – disse Tatiana.
- Quer que eu o apresente?
- Sim, e tem que ser agora!

Seria a chance de Pedro se auto-afirmar como homem e, sem querer, provocar muitos ciúmes em muitas pessoas.

Tatiana tinha o cabelo loiro e usava um vestido branco, estampado com flores tropicais. O laço da peça superior do biquíni ficava a amostra atrás do pescoço e denunciava o bronzeado daquela garota. Seu quadril era bastante atraente e não haveria homem que não a olhasse. Seu corpo não era magro, era voluptuoso, mas muito bem distribuído. Beto, seu amigo, ficou na cozinha decepcionado com a heterossexualidade de Pedro, enquanto Melissa e Tatiana atravessaram o gramado, passando pela piscina.

Pedro continuava sentado numa cadeira de plástico, sob a sombra da cobertura da churrasqueira e de longe observava o circo. “Um bando de bichinhas, que coisa!”. Ele só percebeu que alguém chegava quando o ruído dos passos das garotas o chamou a atenção. Pedro talvez estivesse tão entretido em ofender as pessoas presentes em sua mente que talvez tenha se infectado com isso por completo, pois assim que viu Tatiana, lhe veio uma palavra à cabeça: vulgar!

- E ai, vai ficar só na vontade ou vai cair na piscina?
- Quem te disse que estou com vontade de nadar?
- Grosso... Olha, deixa eu te apresentar uma amiga. Tatiana, esse é meu irmão mau humorado, Pedro.
- Oi, Pedrinho!

Tatiana se inclinou para Pedro e o beijou rapidamente no rosto. De imediato, estranhou o “Pedrinho”, mas até achou engraçada a intimidade que ela queria construir. Ele então se levantou e deixou a camiseta na cadeira. Aproximou-se e a beijou de volta, segurando sua cintura.

- Oi, Tatiana, prazer!
- Me chama de Tati.
- Então vai ser Tati.
- Melhor assim, não é?
- Bom, eu vou na cozinha...
- Pega uma cerveja pra mim, Melissa.
- Não sou sua escrava!
- E eu sou o grosso?
- Eu vou na cozinha pegar pra você, Pedrinho.

E saíram as duas para a cozinha, atravessando novamente o gramado. Na piscina já não se falava em outra coisa senão a coragem de Tatiana de ter finalmente feito aquilo que todos queriam, que era se aproximar de Pedro. Todos, exceto Igor, que ainda estava sentado na borda da piscina, com as pernas dentro da água. Rafael então nadou um pouco e se aproximou do amigo.

- Viu o Pedro e a Tati?
- Vi quem?
- Tati.
- Não sei quem é...
- A menina que estava com o Pedro.
- Ah, não vi, não estou interessado em Pedro. Vamos falar de outra coisa?

Rafael ergue o corpo se apoiando na borda da piscina e se sentou ao lado de Igor.

- Ela é muito dada, já começou se oferecendo.
- Quem?
- Ai, menino, a Tati.
- Não quero saber de Pedro nem de Tati, Rafa. Não insiste.
- Ai, por que você está assim?
- Rafa, lembra que eu disse que queria me divertir? O grande problema é o Pedro. Satisfeito?
- Desculpa, não sabia que você gostava dele.

Igor então girou um pouco o corpo e olhou o amigo, ficando face a face com ele.

- Você está brincando comigo, não é? – e começou a gargalhar descontroladamente.
- Achei que estivesse com ciúmes.
- Ciúmes? Do Pedro? Não, querido, não. O que eu sinto pelo Pedro é algo parecido com ódio, só não o odeio de fato, porque ódio é um passo para o amor ou algo parecido. Eu não o suporto, só isso.
- Por isso que você me chamou pra sair?
- Sim. Está me desgastando, não sou de ficar entediado ou raivoso. Mas esses dias estão me matando.
- Então, se tivesse saído só nós dois, você estaria mais animado?
- Mas eu estou animado. Nem lembrava mais que o Pedro estava aqui. Sabe, eu não me importo com ele e estou tentando me afastar ao máximo. Se tudo der certo, eu não vou ser sócio coisa nenhuma no hotel. Só que está difícil.
- Oh, tadinho do meu amiguinho.

Rafael abraçou Igor e os dois ficaram assim por um bom tempo. Uniram seus rostos e riram um para o outro. Pedro assistiu a cena de longe e franziu a testa. Para ele era inadmissível que Rafael fosse tão intrometido. Pedro enxergava em Igor alguém que poderia se curar do seu problema sexual, afinal seriam sócios e conviveriam. Pedro torcia por isso. Mas com tantos homossexuais ao redor, ficaria difícil. Toda a raiva de Pedro naquele momento se concentrou em Rafael. Era um pensamento absurdo, mas era a forma como sua mente interpretava. Odiava sim a Igor, mas não o queria mal. Como entender isso?

Um outro companheiro de turma se aproximou nadando e se apoiou no joelho de Igor.

- Essa Tatiana, hein? Que vadia!
- Você está é com inveja, não é? – perguntou Igor.
- Um pouco. Mas eu achava que ele era gay.
- Sério? – disse Igor espantado.
- Sim, não sei, eu senti algo. Mas deve ter sido impressão.
- Ah, vou confessar que também estou com ciúmes.
- Você e todos os caras dessa piscina. Pelo menos os gays.
- Eu sou exceção também, ta? – disse Igor.
- Não ficou interessado no bofe?
- Não mesmo. Moro com ele, conheço a peça.
- Mora?
- Moro. Vamos mudar de assunto.
- Mas menino, mora com ele? Me conta...
- Moro, dormimos no mesmo quarto, o vejo de cueca todo santo dia e já o vi nu também. É tudo isso o que você imagina e tudo mais. Sou sincero pra dizer que é o cara mais lindo que já vi. Mas é só. Não tenho nenhum interesse nele. Vamos mudar de assunto? Podemos?
- Devemos! – respondeu Rafael.
- Só deixa eu expressar meu ciúmes mais uma vez?
- Ta.
- Ai, Tati, quero que você morra frígida!

Rafael, Igor e o outro garoto começaram a gargalhar e irritar mais ainda a Pedro, que não fazia ideia de que ele era o assunto da conversa. Sem querer, Pedro provocou ciúmes em quase todas as pessoas da festa, com exceção de Igor, que realmente não se sentia atraído por ele. Tatiana veio triunfante da cozinha com uma lata de cerveja e a entregou para Pedro.

- Está aqui. Demorei?
- Nem um pouco.
- Você não é calouro de Arquitetura...
- Eu já estou quase me formando em Engenharia.
- Hum, um engenheiro. Que interessante. Você sabe que o melhor amigo do arquiteto é o engenheiro, não é?
- Pois é, o que seria de vocês arquitetos sem a gente?
- É, o que seria de mim sem você?

Ao fim da tarde, por volta das dezessete horas, as pessoas já tinham ido embora. Restaram Melissa, Rafael, Igor, Pedro e Tatiana. Todos já estavam vestidos e prontos para partir, esperavam no carro apenas por Rafael, que tinha ido conversar e agradecer a sua tia por ter disponibilizado a casa. Pedro já estava atrás do volante e Tatiana estava no banco de trás com Igor.

- De quem foi a ideia de fazer essa festa hein?
- Foi minha e do Rafa.
- Só podia ser vocês dois mesmo, hein?
- Ah, gostou?
- Adorei.
- Então a próxima quem organiza é você. – disse Igor rindo.
- Ah, pode deixar. Se eu fizer uma festa, você vai, não é Pedrinho?
- Vou.
- Então farei, aguardem.

Rafael voltou e partiram dali finalmente. Deixaram Tatiana primeiro em casa, pois morava mais próximo. Ao descer e se despedir carinhosamente de Pedro, Rafael disparou.

- Finalmente nos livramos dela.
- Ah, eu acho ela divertida. – disse Igor.
- As piadas dela são meio over.
- É, mas ela se esforça, tadinha.
- Todo gay faz isso? Fica falando mal dos outros pelas costas? – provocou Pedro.

Rafael iria respondê-lo, começou a emitir uma vogal, mas Igor apertou sua mão, sinalizando para que ele não dissesse nada.

- E amanhã, o que faremos? – perguntou Igor.
- Não sei... – respondeu Rafael.
- Vamos ao shopping, então. Ou uma coisa assim, tomar um sorvete, sei lá. Eu preciso muito, muito mesmo me distrair e você está proibido de me decepcionar, ouviu?
- Posso ir junto? – perguntou Melissa.
- Pode sim. Então vamos só nós três bater perna em shopping e ganhar uns quilinhos.
- Ai, eu prefiro pizza que sorvete. – disse Rafael.
- Então vai ser pizza, amiguinho.

A intimidade entre Rafael e Igor irritava a Pedro com tamanha força que a sua vontade de jogar o carro contra um poste voltava a cada dois segundos. Para o motorista era uma falta de respeito que eles fizessem isso na presença de pessoas heterossexuais que nada tinham a ver com aquele tipo de relacionamento. Sim, Pedro achava que Igor e Rafael eram muito mais que amigos e só conseguia pensar em Breno. “Ah quando o Breno souber... Vou achar ótimo quando ele matar o Igor. Merece mesmo umas porradas pra aprender. Será que ele não percebe o quanto isso é ridículo? Ele só vai se ferrar com essa nojeira toda.”.

Após deixar Rafael em casa, Pedro seguiu para a sua casa deixar sua irmã.

- Melissa, eu vou deixar você em casa, pois vou dormir no casarão hoje, viu?
- Ta, eu aviso ao pai.
- Que amiguinhos, hein, Igor? Quando seu pai souber, ele não vai gostar.
- Ai, que nada a ver você falar isso, Pedro. – repreendeu Melissa.
- Ué, e você acha que o Breno vai ficar feliz?
- Não é da sua conta. Você vai contar ao Breno?
- Eu? Eu não tenho nada a ver com isso.
- Então pronto... Igor, não liga pra ele não!

Mas Igor não respondeu nada, permaneceu calado o tempo todo. Melissa desceu do carro e se despediu do amigo. Pedro continuou com o carro parado, esperando por Igor.

- Não vem pra frente?

Igor continuou mudo. Pedro o observou pelo retrovisor e o viu olhando para a rua, ignorando-o completamente. Ficou mais irritado ainda e saiu com velocidade na estrada. Pedro estava duplamente raivoso naquele fim de tarde, tudo por causa de Rafael e agora por Igor, que voltou a ignorá-lo completamente. Antes, ao menos, ele respondia com desaforos, mas se calou por completo nesse momento. Decidiu então provocá-lo ainda mais, para ver se conseguia retorno.

- Então você deve estar feliz agora, não é? Está estudando numa turma cheia de bambis... Pena que escolheu o mais viadão entre eles para namorar né?

Não tinha jeito, Igor não o responderia e isso o deixava ainda mais chateado.

- Eu não queria ir nessa festinha colorida. Só fui porque meu pai me obrigou. Ele quer que a gente seja amigo. Do contrário, eu não teria ido, até porque eu tenho coisa melhor pra fazer do que ver você namorando um macho. Macho não, né? Porque aquele ali nem se nascesse de novo.

Chegaram ao casarão e assim que Pedro estacionou o carro, Igor seguiu em direção a porta, abriu-a com rapidez e sumiu na escuridão do prédio. Subiu as escadas com muita pressa e se trancou no banheiro. Pedro por sua vez se sentiu cansado daquela rotina com Igor. Queria resolvê-la, mas não enxergava uma solução. Mesmo porque o problema era a homossexualidade de Igor, que agora ele já não fazia questão em esconder. Talvez fosse exatamente isso o que incomodava em Pedro: a saída de Igor do armário.

Pedro subiu para o quarto e encontrou a porta do banheiro fechada e um barulho de chuveiro aberto. Respirou fundo e pensou que a situação poderia melhorar. “Igor não é uma pessoa intransigente”. Mas como a opinião sobre uma pessoa poderia mudar tanto? Afinal, não era Pedro quem defendia a ideia de que Igor não passava de um impostor, querendo se passar por uma pessoa gentil e de boa fé?

Continuou a respirar fundo e acreditar que aquilo se reverteria em coisas positivas. Sentou-se então em sua cama, que ficava de frente para a porta do banheiro. Esperou por Igor. Enquanto isso, pensava em como tudo poderia melhorar. “O que Igor tem que fazer pra que isso mude? Ele tem que enxergar o erro que está cometendo.”. Suas pernas se agitavam em um ritmo frenético, unindo os joelhos e os afastando. Ligeiro. O barulho da chave na porta do banheiro o fez levantar a cabeça e de lá saiu Igor, que pela primeira vez usava apenas a toalha cobrindo seu corpo. Pela primeira vez, desde que passaram a ocupar o casarão, o garoto ousou sair de seu banho todo molhado e com algo extremamente frágil cobrindo sua nudez. Pedro percebeu que isso era inédito.

Igor seguiu para a sua cama em silêncio e pôs a mala em cima do colchão. Começou a procurar uma roupa, dando espaço para que Pedro se expressasse. Mas não conseguiu, simplesmente. Igor causava medo, um tipo de medo diferente dos comuns. Não era um sentimento comum, definitivamente. Quando tomou fôlego em seus pulmões, Igor girou abruptamente para Pedro, assustando-o ainda mais. Olharam-se por alguns segundos. Um dentro dos olhos do outro, um novo momento. Mas Igor se voltou para a mala e a devolveu a seu lugar.

- Você quer me dizer algo?

Mas Igor, como era de se esperar, não disse palavra. Abandonou a mala no canto da parede e, assim como Pedro fez um dia, arrancou a toalha de seu corpo e a jogou em cima da cama. Pedro ficou espantado com a coragem repentina dele e inconscientemente olhou para o pênis. Era como se ele precisasse reconhecer que aquilo era mesmo uma nudez. Em nenhum momento Pedro enxergou aquilo como algo erótico, pelo menos não conscientemente. Igor, então, pegou suas peças de roupa e começou a vestir uma por uma. Já vestido, pegou o telefone celular e desceu as escadas. Pedro ficou no quarto, decepcionado por não ter conseguido iniciar uma conversa.

No térreo, Igor ligou para a mãe depois para uma pizzaria, encomendando o jantar. Ficou a esperar pelo motoboy no lado de fora do casarão, sentado nos degraus da entrada principal. Pedro desistiu de esperar por ele e também foi tomar seu banho. Com a água percorrendo seu corpo, pensou na tristeza que o invadia e em como estava insatisfeito com seu momento atual. Era incompreensível que coisas tão insignificantes e que não lhe diziam respeito o incomodassem tanto. Não conseguia, contudo, pensar no dia em que transou com Igor na van. Começou, aos poucos bloquear aquele dia em sua mente e passou a ignorá-lo. Talvez, se aquele dia fosse esquecido, poderiam ter tido um começo diferente e poderiam ser amigos. Talvez.

Suas mãos massageavam o peito, a barriga, a virilha, seu pênis, a parte interna das coxas... ia e voltava. A pele sentia necessidade de ser amada por outra mão que não fosse a dele, mas não havia outra naquela chuva. Pedro começou a ter uma ereção e as lágrimas já se confundiam com os fios de água que caiam do chuveiro. Ele estava morto, só e morto. Quem teria coragem de amar alguém assim?

Quando a pizza chegou, Igor comeu na cozinha e, de forma compenetrada, mentalizava forte o seu desejo de sumir daquele lugar. Não era possível que ele não conseguiria se livrar daquele tormento, pois aquele não era o seu destino. Mas Igor não se abatia, lutava internamente com seus desejos mais íntimos e dizia para si mesmo que haveriam dias melhores; longe do casarão e longe de Pedro. Era o tempero de sua pizza e o gelo de seu refrigerante. Já satisfeito, pôs o resto na geladeira e jogou a latinha no lixo.

A cozinha estava imunda. A pia coberta de poeira e até alguns poucos pedaços de cimento velho. O ralo estava preenchido com uma areia grossa e só um arame ou algo tão fino e firme quanto um poderiam desentupir. A mesa estava no mesmo estado da pia, mas dela já não se conseguia enxergar o verniz da madeira. Os bancos, se quisessem se sentar neles sem se sujar, era necessário sujar outra coisa para limpá-lo, como um pano ou a palma da mão. Não se sabia o estado dos mantimentos que estavam guardados nos armários, pois não se abriam suas portas há dois dias e a poeira da obra era cruel e não respeitava barreiras. Se houvesse algo aberto guardado, com certeza já estava inutilizado pela sujeira. Igor, ao sair da cozinha, pensou que ela continuaria daquele jeito e que bom que fosse se continuasse imunda!

Subiu as escadas com o desgosto de saber que encontraria Pedro, que por sua vez já estava deitado na cama. Mas antes de Igor terminar a sua refeição, Pedro saiu do banho com a toalha na cintura e conferiu o quarto para ver se estava mesmo sozinho e só então teve coragem de ficar completamente nu e se enxugar. Vestiu uma cueca e se deitou na cama, cobrindo-se até a barriga com o lençol e ligou a televisão com o controle remoto. Não se preocupou com o canal, só queria ouvir a voz de alguém e assim o fez.

Quando Igor retornou, a tristeza voltou a invadir a Pedro com a mesma intensidade de antes, no banho. O garoto pegou o computador e se sentou na cama. Olhando para a TV, sem mover um músculo sequer, Pedro falou.

- Você acha mesmo que há futuro nisso, não é? Pois você vai morrer tentando. Quando o Breno souber, ele vai arrancar o seu couro, moleque. E você vai aprender a ser homem de verdade. Você tem que aprender que não pode sair por ai fazendo obscenidades, ou você acha que todo mundo vai achar linda a vida que você escolheu? Isso é muito nojento, Igor.

Não esperou respostas e não as teria.

- Digo isso porque quando estivermos aqui, nesse hotel, comandando tudo, você vai ter que se ajustar, ou eu realmente não responderei por mim...

Igor não aguentou tantas asneiras e, com o computador em mãos, desceu as escadas e andou as pressas para o jardim, onde se sentou novamente nos degraus da entrada e de lá continuou suas atividades. Pedro sentiu o peso da rejeição lhe atingindo a cabeça e numa explosão de fúria gritou com todas as suas forças.

- VIADO!

Levantou-se da cama, bateu a porta do quarto e a trancou por dentro. Voltou para cama e continuou a fingir que via a televisão. Igor, lá embaixo, chorava com as duas mãos cobrindo os seus olhos e soluçava num pedido tímido de socorro. No frio da noite, o menino passou cerca de três horas no jardim e quando não mais aguentou, subiu as escadas para dormir e se aquecer. Ao girar a maçaneta da porta do quarto, percebeu que estava trancada. “Mas... como eu vou dormir? Ah, não é possível isso!”. Desceu novamente para o térreo e não soube o que fazer naquele momento. Olhou para uma das paredes do salão principal e encontrou um banco de madeira que conseguia acolhê-lo e, não houve escapatória, deitou-se no desconforto do banco e tentou dormir. Conseguiu, fechar os olhos, após chorar a última lágrima da noite.


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Comentários


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passivo_1996 Comentou em 04/08/2014

O melhor conto que ja li, estou ansioso pelo proximo capitulo!Parabens vc e fera!!

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lukato Comentou em 03/08/2014

Nossa, o melhor conto q ja li,Por favoqg nao demore pra postar o resto

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hahasexo Comentou em 03/08/2014

Cara, sinceramente você é um dos melhores escritores desse site. Esperando ancioso os próximos capítulos.

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noguem Comentou em 03/08/2014

Seu conto é muito bom até mesmo pq adoro contos cumpridos mas o seu é otimo facio de imtender e rico em detalhes que faiz toda a diferença ne um conto.

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paulo e renato Comentou em 03/08/2014

Esperando a continuação...

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amorzinhokrent Comentou em 03/08/2014

To adorando muito essa estoria....continue o mais rapido possivel e espero que Pedro deixe de ser esse maluco homofobico e seja homem suficiente p admitir o que sente....




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Ficha do conto

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Nome do conto:
O Casarão - Parte 10

Codigo do conto:
51217

Categoria:
Gays

Data da Publicação:
02/08/2014

Quant.de Votos:
7

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