O Casarão - Parte 13

Na manhã seguinte, Igor desceu para o restaurante da pousada e tomou um generoso café da manhã. Pedro acordou já se sentindo desconfortável e com um cheiro desagradável de suor seco. Foi a uma padaria e comeu um pão com mortadela com um copo de café. Enquanto se alimentavam, Humberto já havia preparado a casa para recebê-los, pois, na verdade, o dono da pousada só faria a gentileza de oferecer um almoço antes que fossem embora, afinal já estava decidido a comprar os revestimentos cerâmicos.

Igor subiu e tomou seu banho com muita calma, esperou pela hora de partir na cama, usando o computador. Já Pedro não sabia onde se arrumaria, estava abandonado a própria sorte naquela cidade, mas recebeu uma ligação, seguida de um convite, que não esperava.

- Igor? O que você quer?
- De você? Nada. Onde você está?
- Não te interessa!
- Então tchau.

E desligou. Embora carregasse consigo muita ira, não estava preocupado com a existência de Pedro, queria apenas se livrar de mais aquela obrigação e voltar para a sua rotina. Ignorou então, mas Pedro ficou pilhado com aquela ligação e mais ainda com o desprendimento de Igor em desligar. Não houve jeito: retornou a ligação.

- O que você queria me ligando?
- Onde você está?
- Pra quê você quer saber?
- Ah, Pedro, tchau!
- Espere!
- Onde você está? Deixe de ser criança!
- Ah, vai tomar no cu. Eu... Igor? Igor?

E ligou mais uma vez.

- Você está de palhaçada é?
- Deixa eu falar devagar pra você entender: onde-você-está-?
- No carro.
- E onde está o carro?
- Aqui em frente da pousada.
- Viu? Nem foi difícil responder.
- Idiota!
- Suba até o meu quarto.
- Pra quê?
- Pra tomar banho e se vestir.
- O que? – perguntou surpreso.
- Pedro, para de fazer o surdo e sobe logo nessa porra.
- O que você quer, hein?
- Pedro, suba, tome banho, se arrume, pois já está quase na hora de ir para a casa do Humberto. É só isso o que eu tenho a dizer. Tchau!

A sensação de ter que obedecê-lo descia por seu esôfago como um ácido corroendo toda a sua dignidade. Mas não havia escolha, pois onde tomaria banho e se arrumaria? Procuraria um posto de gasolina ou iria à rodoviária e usar o banheiro sem higiene e sem privacidade? Talvez fosse até melhor, pois não se comparava ao fato de se humilhar diante de Igor. Mas não pensou nos postos ou na rodoviária. Com muito esforço, resolveu sair do carro e subir até o quarto de seu rival.

Bateu na porta após muito pensar diante dela. Quando Igor abriu, nem mesmo o olhou no rosto, deu-lhe imediatamente as costas e voltou para a cama e para o computador. Ele estava apenas de cueca e meias, deitou-se na cama de bruços e ficou a sacudir as pernas no ar enquanto teclava no notebook.

Pedro estranhou aquele despudor que ele não tinha antes. Agora se mostrava mais, exibia o corpo, coisa da qual tinha vergonha, enquanto o próprio Pedro não dava valor a isso. Sem também proferir nada, seguiu para o banheiro e se trancou. Já debaixo d’água, percebeu o quanto a sua vida tinha se modificado com apenas alguns dias que havia mudado para o casarão. Pois não foi apenas Igor quem provocou tudo isso, embora ele estivesse envolvido diretamente com essa mudança. Tudo o que Pedro tinha construído para si escorreu pelo ralo, tão simples como a água que deslizava pelo seu corpo, levando consigo todo o suor. Mesmo metafórico, parecia de fato que sua vida escorria para o esgoto.

Enquanto esfregava a pele, pensou em Ulisses novamente – embora o imaginasse como Hugo – e no quanto foi grosso com o pobre rapaz. Talvez se não estivesse tão nervoso, não teria agido daquela forma, embora talvez não tivesse chegado a demonstrar sua preferência sexual. Ulisses era bonito e só, mas não o interessava. Então quem poderia interessá-lo? Simultaneamente pensava em Igor e no quanto ele também tinha mudado. Talvez apenas tenha se revelado. Mas mesmo assim era outra pessoa e este lhe fazia muito mal. Refletia sobre tudo, porém sem chegar (ou pretender chegar) a uma conclusão.

Olhar-se no espelho era agora uma tarefa muito difícil. Tinha vergonha de si mesmo. Era gay! Enxugou-se e se vestiu. Mas será que a coragem de sair do banheiro tinha sido levada pelas águas para o ralo? Sentou-se no vaso para calçar os sapatos, mas continuou lá, parado, esperando por algo. Estava realmente perdido e sozinho. Igor olhou o relógio e decidiu começar a se vestir. Optou por algo simples, mais casual, afinal não precisava mais impressionar ninguém. Quando já estava pronto, foi ao banheiro e bateu na porta.

- Pedro!

Ele abriu a porta e saiu. Estava muito bem vestido, com camisa e calça sociais. Igor o olhou dos pés a cabeça e riu.

- Pra onde você vai vestido desse jeito?
- Hã?
- Vai casar com alguém ou vai ser o padrinho?
- Do que você está rindo?
- Da sua roupa, claro! – e continuou rindo.
- Você não acha que você está simples demais não?
- Eu não. Não preciso convencer o Humberto a comprar mais nada. Ele vai comprar, isso é fato.
- Mas eu não trouxe outra roupa. Até tenho, mas é para dormir.
- Bem, então vamos assim mesmo, não é? Melhor ir vestido de garçom que de mendigo. Até porque eu acho que ele vai nos convidar para almoçar lá mesmo, você aproveita e nos serve. Vamos!

Pedro já estava recebendo uma carga de tensão tão grande que não teve fôlego para reagir. Aliás, era um verdadeiro milagre que ainda não tivesse tido um ataque emocional depois de tantas descobertas e coices. Desceram para a recepção, onde Igor se dirigiu e perguntou por Humberto. Minutos depois ele apareceu e juntos caminharam para a rua.

- Humberto, esse é o Pedro, filho do Silveira.
- Oi, filho, prazer! – apertando-lhe a mão.
- Oi.
- Você chegou hoje?
- Sim, chegou hoje, não é Pedro?
- Isso.
- E trouxe os pisos?
- Alguns deles. Sim, trouxe, estão na van, lá na rua. – respondeu Igor.
- Bem, então vamos a minha casa. Lá conversaremos e poderemos almoçar.
- Seu Humberto, posso ir no carro com o senhor?
- Pode sim.
- Pedro vem atrás, não é Pedro?
- Isso.

Seguiram então pelas ruas de Aracaju até chegarem à casa de Humberto. Era uma residência de muros altos e bastante grande. Ao entrarem, perceberam que se parecia muito com um sítio. Aliás, parecia-se muito com a pousada, com a diferença de que não havia primeiro andar. Mas o jardim era imenso e coberto por uma grama muito bem tratada e algumas palmeiras imperiais. Caminharam um pouco pela casa e Humberto apontava os locais onde pretendia trocar os pisos cerâmicos. Em alguns lugares ele desejava o mesmo piso, em outros, falava em trocar o modelo. Passaram o fim da manhã e o inicio da tarde dessa forma, onde Pedro não se pronunciou uma só vez. Ao fim de tudo, Humberto levou os rapazes para uma mesa na varanda, onde almoçariam.

- Bom, enquanto eu vejo como anda o almoço, vocês poderiam trazer algumas caixas para cá. É possível?
- Sim, com certeza! – disse Igor.
- Então eu vou à cozinha, fiquem a vontade. – e partiu.

- Você ouviu o homem, Pedro. Vá buscar algumas caixas.
- Eu sozinho?
- Claro.
- E você?
- Eu? Eu vou ficar bem aqui.
- Mas é cada uma...
- Pedro, o que foi que você fez até agora? Você convenceu o homem a comprar os pisos? Não. Você fez com que ele comprasse outros tipos de pisos do nosso estoque além dos comuns? Não. Você disse ou fez alguma coisa que contribuísse com esse negócio? Não. Então, querido, você não fez nada aqui. Faça alguma coisa de útil e traga os pisos.
- Não sou seu empregado. Eu não vou!
- Tudo bem. Eu também não vou. Quero ver o que você dirá ao Humberto quando ele voltar.
- Mas...mas...Igor, você tem que vir comigo!
- Eu? Eu por quê? Igor, você é um imprestável, não serve pra nada, não faz merda nenhuma pelo hotel ou pelo antigo negócio da sua família. Você só sabe reclamar e não consegue fazer nada sozinho. Então, pelo menos dessa vez, seja homem de verdade e vá buscar os pisos. Não precisa nem ser homem de verdade, finja que é um, já serve. Agora mexa essas pernas, já que você não consegue usar o cérebro, e vá buscar as caixas agora. Vá!

Pedro se sentiu tão atacado com aquelas palavras que não conseguiu revidar. Estava chocado com as pedras que Igor havia lhe atirado. Ficou mudo. Sua masculinidade foi atingida em cheio e não conseguiu emergir com tantas acusações sobre o seu caráter. Restou-lhe obedecer. Obedecer mais uma vez. Seguiu para a van e trouxe duas caixas, colocando-as nos pés de Igor, que o olhou de cima enquanto o rapaz pousava as cerâmicas. Voltou ao automóvel para trazer mais uma caixa, quando Humberto retornou.

- O almoço está pronto. E Pedro?
- Está no carro trazendo a caixa que falta.

Quando Pedro reapareceu com a caixa, Humberto lhe falou.

- Ah, mas não é dessa cor não.
- Não? Mas na van só temos esses três tipos. Acho que da outra cor eu não trouxe.
- Bom, isso não é importante. O importante é que vocês têm no estoque de vocês.
- É verdade. Então, Pedro, pode voltar para van e deixar a caixa lá. – disse Igor.

Eles se olharam nos olhos e tiveram um novo momento. Os olhos de Igor riam e os de Pedro queimavam. Tiveram um almoço tranquilo, onde só Igor conversava com Humberto e Pedro continuava em silêncio. Ao fim, conferiram as tonalidades de cores entre os pisos cerâmicos das caixas e os que já estavam aplicados na casa de Humberto. Constataram que eram da mesma cor, logo, não restava dúvidas quanto ao fechamento do negócio. Igor tinha conseguido, sozinho, mais uma vez.

- E tem mais. Eu vou sim pagar a sua comissão quanto à assessoria no hotel.
- Não, Humberto, isso não é necessário.
- Claro que é. Você é quase um arquiteto, precisa dar valor a sua profissão e isso só acontece com reconhecimento.
- Poxa, obrigado!
- Além da conta bancária do Silveira, eu quero a sua conta pessoal para que eu possa fazer o depósito.
- Tudo bem.

Pedro achou aquilo muito estranho e desconfiou, porém não comentou nada. De partida para casa, o motorista questionou Igor.

- Comissão?
- É, Pedro, é aquela coisa que a gente ganha por ter sido um bom profissional.
- Você nem é arquiteto ainda.
- E já estou ganhando por isso. Algum problema?
- E o que você fez para merecer isso?
- Não te interessa, Pedro. Se você tivesse vindo sozinho e tivesse vendido, como era sua obrigação, você teria ganho comissão, talvez. Mas você não teve coragem, então... Eu ganhei no seu lugar. Isso se chama competência.

Entraram na van e emudeceram. Pedro dirigia o automóvel com a sensação de que se morresse naquele momento não faria diferença nenhuma. Poderia até ser que fizesse um bem. Passou a viagem toda se depreciando e se sentindo um incapaz. Com a sua descoberta da sexualidade tudo só piorava, pois se já não tinha habilidade para fazer cortejos, como agir agora se seu interesse eram os homens e não mais as mulheres? Já Igor tirou um peso das costas e só pensava em voltar para casa e voltar a frequentar as aulas da faculdade. Estava satisfeito com a venda, mas não estava feliz. Faltava-lhe algo e era liberdade de escolher quem poderia ser e o que poderia fazer de sua própria vida.

Cerca de quatro horas se passaram e eles já estavam na rua do casarão, prestes a entrar pelo jardim.

- Bem, voltamos ao nosso mundo real. E agora só me resta tomar banho e dormir...
- E eu com isso? – perguntou Pedro.
- Você? Nada. Mas é que eu ainda não terminei...

Breno e Silveira já se encontravam no jardim, esperando pelos filhos, pelas boas noticias e algumas explicações. Igor e Pedro ainda estavam no carro.

- Eu só queria dizer que a partir de hoje tudo será diferente. Não quero nada de você e não me interessa nada que venha de você. Mas não ouse me incomodar, não ouse se meter comigo nunca mais. Viva a sua vida. Ou então, Pedro, você vai se ver comigo e você não vai gostar!

Chegaram de volta ao casarão.

Se estivessem sozinhos, provavelmente Pedro teria feito algo em relação à última ameaça de Igor. Mas não estavam. Seus pais o esperavam a poucos metros de distância, logo Pedro só pôde ouvir e continuar em silêncio. Ao descerem do carro, aqueles dois eram opostos: Igor sorria triunfante e Pedro amargurava mais uma derrota. Era uma batalha que só os dois conheciam e que só eles agiam. Igor não contava a ninguém suas maiores diferenças com o companheiro de quarto; já Pedro não tinha nem mesmo alguém para conversar.

- Finalmente chegaram. – comentou Silveira.
- Finalmente mesmo, não aguentava mais essa estrada. – disse Igor.
- E então, tudo certo mesmo? – perguntou Breno.
- Sim, pai, tudo certo.
- Agora me conte direito: o que foi que aconteceu que o senhor sumiu em Aracaju?
- Nada de mais. Pedro e eu nos desencontramos e como já estava ficando tarde, fui para a pousada de táxi. Só isso.
- E por quê não usou o telefone? Te comprei um celular para quê?
- Pai, Pedro e eu vendemos os pisos, fomos e voltamos. O que mais o senhor quer? Não já basta não? Que saco! Estou cansado, acabei de chegar de uma viagem.

Igor começou a entrar no casarão com o mau humor típico de quando discutia com o pai, mas foi interrompido por Pedro.

- Igor, antes de ir embora, por que você não conta da comissão que você vai ganhar do Humberto?

Igor, que já estava de costas, sentiu uma raiva incontrolável só de ouvir aquela voz. E Pedro, por mais que desconfiasse de algo de má fé vindo de Igor, não imaginava que de fato o menino tinha dito a verdade e que ganhou a remuneração de maneira honesta. Igor então girou o corpo e, com um sorriso, emendou a história.

- É verdade, tio. Ganharei uma comissão pela venda dos pisos. Mas não ganhei por ganhar. Fiz por merecer. Convenci o Humberto a comprar pisos de cor azul também, numa tonalidade parecida com a que ele usa na marca da pousada. Convenci o homem a fazer uma paginação no salão da pousada e eu mesmo fiz o desenho.
- Isso é ótimo, Grande. Acho muito justo!
- É, mas ainda não acabou. Eu neguei a comissão, não a quis. A troquei pela hospedagem na pousada. Mas mesmo assim Humberto insistiu em me pagar... Bem, não pude dizer não.
- E nem deveria. Aliás, isso é muito justo. Eu também vou te pagar uma comissão pela primeira venda. A de João Pessoa. Você merece, afinal, vendeu, trabalhou por isso.
- É. Trabalhei sim, e trabalhei sozinho. Mas de você, tio, eu não posso aceitar, nem mesmo que me obrigue.
- Mas vai aceitar mesmo assim. Porque eu sou seu tio, postiço, mas sou, e os tios são como pais. E se eu estou dizendo que você vai receber pelo trabalho, é porque vai.
- Bem, eu insisto que não me pague. Mas isso a gente pode conversar depois. O que eu quero agora é tomar banho, comer e dormir. Até mais, pai, tio. Tchau.

Mais uma vez faltaram palavras na garganta de Pedro. Não lhe restava mais nada a não ser fazer o mesmo que Igor. Breno e Silveira partiram e Pedro fechou as portas do casarão. Estava ele de volta a sua nova rotina, onde seu mundo era mais acinzentado e nada óbvio.


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Comentários


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victtor Comentou em 06/08/2014

POR FAVOR!!!!!!!!!!!!! MAIS CONTOS, história fantástica.

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agaznog Comentou em 06/08/2014

Posta mais! O conto esta muito bom. Igor esta melhor que nunca, e Pedro? Descobrindo que sua raiva por Igor deve ser pq sempre o amou. Parabéns ao escritor. E parabéns a vc, Whirled, por nos ter brindado com esse conto maravilhoso.

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mury Comentou em 06/08/2014

Mauyuri, sinto lhe dizer que o Igor nao estar sendo falso, cara olha so o que pedro fez com ele abusou humilhou entre outras coisa e vc que que ele seja bonzinho kkk nao tem nem graça.

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mury Comentou em 06/08/2014

Bom nao sei pronunciar seu nome mas tudo bem vou aprender, Cara vc mim faz vivenciar cada capítulo desse conto Vc ta de parabéns pois aguardo ansioso os proximos Agora que Igor ta dando as cartas ja to ficando com pena de pedro Tadinho nem imagina o quanto uma pessoa pode se vingar quando Estar magoada Passei a amar esse garoto Igor.

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mauyui Comentou em 06/08/2014

Pó to gostando do conto bastante mas as vezes, ta me dando uma raivinha e Igor do seu modo de agir e de toda a sua falsidade.

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hahasexo Comentou em 06/08/2014

Um Cap. Melhor que o outro.




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Ficha do conto

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Nome do conto:
O Casarão - Parte 13

Codigo do conto:
51340

Categoria:
Gays

Data da Publicação:
05/08/2014

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6

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