gringobrasileiro - Uma segunda chance - Parte 7



Ele vestia um suéter preto – claramente colado ao corpo – e uma camisa de golas rosa claro, tais como as mangas. Seu cabelo estava com gel, e perfeitamente penteado. A pulseira preta com um crucifixo e aquelas grandes e ásperas mãos.

Seu olhar estava perdido.

Na mesa ao lado, dois casais conversavam discretamente sobre qualquer coisa, e na mesa ao meu lado esquerdo duas mulheres comiam e riam. Apenas uma noite comum em um restaurante caro de Nova Iorque. Era minha primeira vez ali, e sinceramente, não estava gostando nem um pouco. Simplesmente não era o tipo de restaurante que eu estava acostumado a frequentar. Foi uma indicação do David, que sempre optara por lugares caros.

Seu olhar seguia perdido.

Eu sabia a razão e meu coração estava em pedaços. Sim. Eu deveria ter dito alguma coisa antes, mas eu realmente não esperava que seriamos capazes de viver aquilo tão intensamente.

“Por favor, me perdoa. Eu sei que eu deveria ter dito isso antes, mas eu fiquei assustado. Eu não sabia que a gente se envolveria dessa forma” – disse em grave tom, procurando suas mãos sobre a mesa.

“Você quer ir para casa? “ – Perguntou me olhando nos olhos.

Esse é o tipo de pergunta que me apavorava. Eu tinha um plano muito bem definido em minha cabeça: me formar pela USP, fazer um intercâmbio internacional, voltar para casa, me formar, seguir minha religião, casar com uma menina e ser feliz. Pronto. Mas obviamente, as coisas não funcionam assim.

Ter conhecido Benjamin, e ter me apaixonado por seu lindo par de olhos verdes foi algo que abalou as estruturas de quem eu sou.

Depois de ter vivido a mais linda história de amor, apesar de triste, como eu poderia voltar atrás e fingir que nada aconteceu? Como eu poderia me envolver com uma menina e ser feliz, depois de ter gozado a liberdade de ser quem eu sou?
Depois de eu ter melhorado, pelo menos um pouco, a terrível perda que sofrera, conhecera alguém tão especial quanto, e me apresentara a possibilidade de uma segunda chance. O que David disse naquela fria tarde no hotel, soou como uma profecia: talvez você encontre alguém especial nessa viagem.

Sim. Eu conheci alguém especial na viagem, mas isso estava me desestruturando emocionalmente. Naquela semana em que estávamos separados, por mais que tentasse mentir para mim mesmo, eu não conseguia parar de pensar nele. Quando deitava para dormir, imaginava o que ele estaria fazendo, e quando me masturbava, era sempre pensando nele. Desde que perdera meu lindo par de olhos verdes, não me sentia daquela maneira, e sinceramente, estava apavorado por me sentir assim.

“Eu não sei. Eu realmente não sei” – Respondi com os olhos lagrimejados.

“Fico pensando que, depois de ter vivido tudo isso, vou voltar para casa, conseguir um excelente emprego, ganhar dinheiro, me casar com uma linda mulher e terei filhos. Daqui a dez anos, descobrirei que minha vida inteira era um erro, e entrarei em profunda depressão. Se não me matar, certamente vou destruir a vida da minha esposa e das minhas crianças, simplesmente porque não fui bravo o suficiente para lutar por minha sexualidade” – profetizei o futuro que me aguardava.

“Não precisa ser assim. Você pode simplesmente ficar neste país. Eu conheço várias pessoas que ficaram e hoje vivem muito bem” – disse me enxugando os olhos.

“Ficar aqui? Isso nem é possível. Eu não ficaria de maneira ilegal, e infelizmente não posso ficar legalmente também” – respondi, tentando controlar minhas emoções.

“E o que teria que acontecer para que você ficasse aqui? “ – Questionou.

“Só através de uma outra bolsa de estudos, ou emprego através do meu diploma” – respondi.

“E casamento?” – Perguntou.

“E casamento” – complementei.

Para as pessoas que tem o sonho de viver nos Estados Unidos de maneira legal, mas não tem a possibilidade de pagar por um curso, ou infelizmente não conseguem uma bolsa de estudos, casamento é uma das maneira mais simples de se conseguir o famoso green card. Funciona até que muito simples: você conhece alguém, se casa, aplicava para o green card. Automaticamente, você tem acesso a um tipo diferenciado de visto, e depois de três anos casados com um cidadão americano, você pode, finalmente, aplicar para cidadania.

Obviamente, não era isso em que estava interessado. Não queria ficar nos Estados Unidos e enganar o sistema. Não queria me casar por interesse. Não queria deixar tudo para trás no Brasil, por causa do tal sonho americano. Não queria trocar o certo pelo duvidoso. Eu tinha um espaço seguro ao voltar para casa. Por outro lado, temia o futuro que me aguardava, e sabia, dentro de mim, que quando voltasse ao Brasil, não conseguiria ir contra todo mundo.

“Eu tenho dinheiro. Eu vou pagar por um advogado que te faça ficar aqui” – disse depois de alguns minutos silenciosos.

“David e John também tem dinheiro, Jared, mas as coisas não são simples como parecerem” – respondi, tentando explicar a situação.

No episódio em que infelizmente tentei tirar minha vida, tanto John quanto David tentaram, a qualquer custo, me mostrar que eu tinha um propósito aqui, e que eles estariam dispostos a me ajudar com qualquer coisa, para que eu me sentisse bem neste processo de auto aceitação.

John enfrentou alguns momentos muito complicados com sua família, quando mais jovens. Seus pais o expulsaram de casa e obrigaram a fazer tratamento psicológico durante dois anos. Sua mão costumava lavar seus lençóis com cloro e outros fortes de produtos químicos fortes, pois temia pegar uma doença. Por mais de dez anos, não ouviu uma única palavra de seu pai. Nem mesmo em seu casamento, qualquer pessoa da família estava.

Por outro lado, a história do David foi um pouco mais simples. Sua família veio da Irlanda do Norte pouco depois da primeira guerra mundial, e estabeleceram comercio e residência na capital de Nova Jersey – onde crescera. Apesar de ter um relacionamento tranquilo com os pais, esperou se formar pela Columbus, tornar-se doutor em um importante hospital de Nova Iorque para então, cheio de coragem, sair de armário. Isso aconteceu quando ele tinha 31 anos.

Era algo que eles estavam constantemente dizendo. Eles não queriam que eu passasse por todo aquele processo. Medo da reação das pessoas, problemas com auto aceitação, e principalmente, problemas relacionados com a família. Eles sabiam, entretanto, que era a minha escolha de voltar para casa, e nada me prendia aos Estados Unidos. Todo o tempo vivido até então tinha sido maravilhoso, mas eu tinha uma realidade bem diferente me esperando do outro lado do continente.

Conversamos um pouco sobre o futuro. Ele pretendia abrir uma segunda loja de roupas de luxo, mas em uma região diferente da Califórnia. Tinha planos de ir à França, e também de estudar espanhol em Barcelona por pelo menos três meses – ocasionalmente, brincávamos com seu espanhol. Ele sempre se sentira ciumento, porque eu sou fluente em mais de dois idiomas, e ele apenas fala inglês.

Um vinho vermelho chamado de “Cupcake”, um prato de macarrão com molho branco que estava delicioso, e uma sobremesa que eu fingi ter amado – nunca comi nada pior.

Talvez tenhamos ficado pelo menos duas horas ali. Conversamos sobre muitas coisas. Nos emocionamos. Discutimos o meu futuro. Falamos sobre nossos medos e angustias. Nos olhamos. Nos tocamos.

$ 87,02 dolares americanos. Ele pagou a conta.

Quando finalmente deixamos o restaurante, caminhávamos calados. A neve não caia naquela noite, mas o vento estava bem forte. O vento parecia penetrar minhas roupas, e mesmo minhas luvas não eram suficientes para me impedir de tremer. Sem dizer nada, ele retirou seu cachecol e colocou envolvido em meu pescoço. Beijou minha testa, e olhando em meus olhos, disse:

“Tem algo sobre você”.

“Tem algo sobre mim? “ – Respondi, meio perdido.

“Eu não sei. Eu só não quero perder você. Tem algo sobre você que me faz querer ficar perto o tempo todo” – Explicou, enquanto caminhávamos de mãos dadas nas ruas frias de Nova Iorque.

“Posso te mostrar um lugar? “ – Perguntei esperançoso.

“Está tentando me levar para sua cama, rapaz? “ – brincou.

“Deixa essa parte para mais tarde. Quero te mostrar um dos meus locais favoritos na cidade” – Argumentei.

“I’m all yours” – respondeu me enchendo de alegria.

Caminhamos por aproximados cinco minutos debaixo daquele frio, até encontrarmos a estação de metrô mais próxima. Papeávamos sobre trivialidades, como aquela moça de cabelo crespo que mancava de uma perna, totalmente bêbada, ou aquele homem que não sabia da existência de fone de ouvido, e perturbava todos os que passavam perto ao som de Beyonce. Pegamos o trem em Downtown, com sentido ao Brooklyn. Ele dissera que a alguns anos, tinha visitado a vizinhança para um show, mas que nunca tivera tempo de explorar. Alguns minutos dentro do metrô, surpreendentemente vazio, e pronto, lá estávamos no bom e velho Brooklyn (everybody haaaateeeees Chriiiiiiis). Um velho homem tocava seu saxofone, em busca de alguns trocados, e um rapaz vomitava próximo aos trilhos, provavelmente depois de beber até a alma. Típica noite nova-iorquina.

Para aquelas redondezas, o frio parecia ainda mais intenso. Tal fenômeno poderia ser explicado com a proximidade com a água, e finalmente, uma relativa menos concentração de prédios. Pedi um táxi que nos levou até meu destino final: Brooklyn Heights Promenade. Para chegar a este lugar, no entanto, precisamos caminhar pela famosa Ponte do Brooklyn.
Um ano anterior, estava completamente envolvido com a história de “Smash”, um famoso seriado americano estrelado por Kathrine Mcphee, e em um específico episódio, a personagem Julia beijou seu amante naquela linda, antiga e romântica ponte. Para tentar se livrar do peso da culpa, compôs uma música relatando o beijo da ponte do Brooklyn. Seu marido, esperto e desconfiado, descobriu a traição através daquela doce composição – provavelmente nunca se beijaram na ponte! Enfim, este é o motivo pela qual sempre me interessara por aquela ponte. Só de imaginar quantas histórias de amor aquela estrutura suportou durante toda a história! Quantos segredos permaneceriam guardados para sempre, a não ser que a ponte falasse! Aquilo era magnífico.
De qualquer forma, aquele não era nosso destino final. Alguns minutos mais tarde, lá estávamos. Brooklyn Heights Promenade é, em minha opinião pessoal, o melhor lugar para se ver Nova Iorque. Apesar do frio, você pode ver as bilhões de luzes que iluminam a noite fria e o céu poluído e sem estrela. De longe, os veículos buzinavam a impaciência do trafego, milionários festejavam, bêbados vomitavam sua alma, amantes gozavam, e os ratos invadiam os trens. É um lugar relativamente livre de turistas, e especialmente durante a noite, alguns casais se arriscam a caminhar de mãos dadas, trocar algumas carícias e provavelmente papear sobre a vida.

Não conversamos muito ali. Apenas olhávamos aquela cidade monstro, enquanto ao meu lado direito, sentia seu abraço quente. Seu queixo repousando no topo da minha cabeça e sua mão esquerda dentro do bolso do meu casaco. Estávamos tão próximos, e ao mesmo tempo, tão longe. Queria poder viver aquele momento como se fosse o último da minha vida, mas não conseguia parar de pensar no quanto seria difícil dizer adeus.

“Acho que você comentou que queria conhecer a Carolina do Sul, certo? “ – Perguntou, sem me olhar.

“Sim! É um dos lugares que mais quero conhecer aqui na América” – Respondi imediatamente.

Esta sempre foi a resposta que deixavam as pessoas me olhando com cara de nada. Os turistas que vem aos Estados Unidos, geralmente sonham com o famoso roteiro: Nova Iorque, Las Vegas, Miami, Orlando e companhia. Eu não era desses. Eu tinha lugares que sonhava em ir, e que pessoas jamais entenderiam. Carolina do Sul era um desses lugares. Desde pequeno, e apesar de clichê, sempre fui apaixonado pela literatura de Nicholas Sparks. Sempre amei a maneira com quem ele expressa suas histórias, e de maneira direta, ele é uma das minhas maiores inspirações como ser humano, e como romancista – não, não estou me chamando de romancista. Não chegaria nem aos pés. Ele sempre está escrevendo sobre as Carolinas, do Sul dos Estados Unidos, e duas histórias específicas marcaram minha vida para sempre: “A última música”, e “Querido John”, ambas narradas no estado citado, e também gravadas para a versão de cinema. Depois de ler todos os romances de Sparks, e assistir a todas as versões cinematográficas, como eu poderia não querer conhecer? Sim. Estranho, mas um sonho.

“Vamos pegar o primeiro voo amanhã para Charleston? “ – Perguntou, me surpreendendo.

“Eu não posso!” – Respondi assustado.

“Por que não pode? Você disse que já estava de férias da faculdade!” – Respondeu meio desorientado.

“Não é isso, e sim, estou de férias. Apenas tenho que me programar antes de fazer uma viagem assim” – respondi, tentando me consertar.

“Você sabe que dinheiro não é o problema” – respondeu, seguro de si.

“Claro. Se eu falar com o David, ele certamente vai me dar dinheiro para voar, mas tenho que falar com eles antes” – Respondi.

“Eu pago. Sério. E eu não aceito ‘não’ como resposta. Me deixa fazer isso por você; Ambos sabemos que talvez seja nosso último tempo juntos” – Respondeu me olhando nos olhos.

Ambos. Sabemos. Que. Talvez. Seja. Nosso. Último. Tempo. Juntos.

CONTINUA.


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Ficha do conto

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Nome do conto:
gringobrasileiro - Uma segunda chance - Parte 7

Codigo do conto:
75372

Categoria:
Gays

Data da Publicação:
09/12/2015

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