Cartas para Vitória

Ela faleceu há pouco mais de seis meses, morreu  numa manhã ensolarada de março com 80 anos. A Covid a levou, mesmo com todos os cuidados que tomávamos depois do surgimento da pandemia, mesmo vacinada.

A idade nos disseram.

"Os idosos tem mais dificuldades em manter os anticorpos."

Vitória morava sozinha, havia apenas uma ajudante, a Teresa,  que cuidava da casa três vezes por semana, meu pai faleceu uma década antes. Mamãe sempre foi uma pessoa independente e muito reservada, pouco falava da sua vida pessoal, ainda que fosse muito alegre e bem mais moderna do que eu.

Tinha posições mais liberais sobre diversos  assuntos, da politica a vida sexual. Sempre discutíamos sobre quase tudo. Desde o tamanho das saias  a cor do batom passando pelo aborto e a economia.

"Sem classe, sem modos, um misógino racista. Não sei como você e o Bernardo tiveram a coragem de votar nesse sujeito."

"Cruzes! Querem que uma garota de dez anos dê luz a uma criança. Em que século essas pessoas acham que estão? Nos tempos da escravidão, no Brasil imperial? Enlouqueceram?!"

Toda filha sabe como é difícil a relação com a mãe, principalmente na adolescência, mas mesmo depois quando elas ficam velhas e surdas a coisa não fica fácil. E por Deus, cada vez mais ranzinzas e cheias de manias.

Mas eu gostava de Vitória, no fundo eu admirava os seus modos. O seu jeito de mulher decidida e com opiniões mais liberais do que a maioria das amigas e mesmo as minhas.

Fiquei envergonhada a primeira vez que ela me levou ao ginecologista, um homem me examinando e ela querendo que ele indicasse um anticoncepcional.

- Está namorando doutor. Tem quinze anos, qual o melhor para uma mocinha como a Márcia?

- Mãe! Quem disse que eu... Eu não faço essas coisas. Eu não sou dessas!

- Ainda não fez, mas com certeza fará. Todas fazem, ainda mais hoje. Melhor evitar dissabores. Deixe para engravidar depois de se formar na faculdade e arranjar um emprego.

Na frente do médico. Eu não sabia onde enfiar a cara. Era meados dos anos oitenta, uma época muito mais liberal do que tinha sido para ela nos anos sessenta.

E mesmo tendo esse espírito libertário em vários temas eu pouco sabia da sua vida pessoal. Sempre achei que ela e papai não tinham muita atração um pelo outro. Cheguei a pensar muito novinha que eu havia sido adotada. Coisa de adolescentes inseguras e cheias de acnes.

Eu gostava mesmo era de papai, não era bonito, mas transpirava um ar de homem: sério, forte, decidido. Confesso, era o tipo que me atraia. Tanto que Bernardo era muito parecido com papai. Nunca tive outro homem em minha vida. E acho que por isso mamãe não gostava muito do meu namorado, futuro marido.

- Com esse aí você vai acabar arranjando um amante. Bernardo é meio sem sal minha filha.

- Mamãe! Tenha modos que coisa. Até parece que eu saio por aí caçando homens.

- Por isso mesmo, arranje outro antes que você se decepcione.

Os dois nunca se deram bem, e mamãe com meu pai, seu Edgar, a relação  há muito esfriara. Mas eu nunca percebi neles alguma atitude que mostrasse que ela ou ele estivessem se relacionando fora do casamento. A relação parecia distante, mas os dois conformados.

Eu não esperava encontrar as cartas que encontrei. Foi um misto de surpresa com decepção, mas também... explicava muita coisa. Aquela velha bruxa era muito mais surpreendente do que eu podia imaginar. Eu nunca fui como ela, e menos ainda como a Vitória que apareceu nas cartas que eu encontrei num estojo no fundo de um cofre.

Eu e Teresa estávamos limpando a casa separando os pertences de mamãe para levar a alguma instituição de caridade e que ficaria como uma de nós duas. Nos últimos anos Teresa se tornara mais filha dela do que eu mesma.

Encontrei a tal caixa, mas não a chave, era uma dessas laqueadas, num tom vermelho escuro, com símbolos chineses em tons dourados na borda. Coisa fina como era estilo de Vitória. Ela sempre teve bom gosto.

- Por que será que mamãe guardava isso dentro do cofre? Você sabia Terê?

- Eu não. Nunca vi esse estojo, nem sabia.

- Onde será será que está a chave?

Foi Teresa quem acabou encontrando a chave quando terminava limpar o cofre. Mesmo curiosa, algo em mim me fez pensar que era melhor não abrir o estojo ali, um pressentimento de que seria algo muito pessoal para compartilhar mesmo com Teresa.

Nem mesmo para Bernardo eu quis revelar a descoberta. Achei melhor examinar o que havia guardado no estojo num momento mais apropriado, sem que ninguém estivesse por perto. Aproveitei uma viagem a trabalho de Bernardo, ele ficaria fora uns dias.

Destranquei o estojo e comecei a examinar as folhas de papel. Foi então que me dei conta de que eram cartas, várias cartas escritas à mão. Nitidamente escritas por um homem, o mesmo homem, mas não era definitivamente papai. Eu conhecia a escrita dele e óbvio era de outro.

Um parente talvez? Mas eu não lembro de ninguém, de nenhum homem da família com o nome Evandro. Mas o mais estranho, perturbador, pelo menos para mim, era o que esse tal Evandro escrevia nas tais cartas.

Nunca, nunca imaginei que mamãe pudesse um dia trair papai e no entanto estava ali, preto no branco, com todas as letras. Descrições às vezes minuciosas até dos mais íntimos atos. Havia até poemas, poemas eróticos quase pornográficos como na maioria das cartas.

                  A pele tenra de um pêssego
                  Sumo doce a suar das dobras
                  Sabor açucarado de moça nova
'
                  Carnuda, a fruta se desdobra
                  Revela pulsante e quente
                  Seus segredos... em tons vermelhos
'
                 Mordo chupo sugo,
                 esfomeado,
                 a fruta do pecado.
                 O gosto de fêmea no ato.

A primeira carta que li. Era um lamento de um homem enfeitiçado pelo encanto de minha mãe.

"Vitória, minha senhora, faz semanas que não nos vemos, você não me escreve. Sou cada dia mais louco de desejo, morro a cada dia consumido pelo fogo da paixão.

Sonho com o seu corpo, as suas mãos. Laboriosas e despudoradas mãos a me provocar tremores. Verto em gotas brancas, quentes, toda a minha porra em sua homenagem.

Por andas Vitória? Escreve.

Larga esse homem que não te conhece. Que não sabe nada da mulher exuberante que você é na cama. Só eu sei o que você precisa, lembra?"

O tal bilhete era de março de 1968. Foi escrita em Paulínia. Não sabia de parentes nessa cidade, não conheço ninguém que morasse por lá. Achei abusada a forma como o tal sujeito escrevia para ela, uma forma tão indecente.

Coloquei as cartas numa ordem cronológica, mamãe tão ciosa e organizada, pelo jeito quando se referia as cartas desse Evandro ela não agia da mesma forma. Desorganizadas, amarrotadas, claramente ela relia as cartas. Envelhecidas e amareladas, mas elas ainda eram manuseadas.

Entre o susto e a vergonha, e um tanto curiosa, li as frases do que eu suponho ser a primeira carta, pelo jeito a primeira noite dos amantes:

São Paulo, 15 de outubro de 1967.


Não sei se você vai gostar, mas eu não consigo parar de pensar em você. Não sabia que podia existir uma mulher tão quente no mundo.

Nunca fiquei com uma como você. Tão novinha e casada. Não sei como o seu marido deixa você andar vestida daquele jeito. Que homem não te cobiçaria? Aquele vestido mínimo provocante, quem não ficaria babando por uma gata como você.  Ainda mais agora com essas modas hippies das mulheres de hoje, os homens de cabelos longos e elas tão avançadas como você.

Esse mundo está perdido, virado de ponta cabeça. Onde tudo isso vai parar meu Deus! Os militares precisam acabar com essa pouco vergonha, isso é coisa de comunista. Mas não importa, não é?

Eu sei que você me acha um boboca vindo do interior, mas pra mim tudo isso é muito estranho, muita novidade. Como aliás foi com você, ontem.

Lembra?

Eu não tenho como não falar. Cada vez que eu me lembro... eu fico daquele jeito. Achei que ia te assustar ver um homem de pau duro por você. Desculpe o linguajar, mas o seu olhar me conquistou broto. Culpa sua. Quem mandou usar aquele vestido colorido e tão curto? Fora maquiagem exagerada nos olhos. Parecia mais uma rainha egípcia.

Você casou mesmo virgem, foi? Onde aprendeu tudo aquilo, aquele jeito de mulher experiente que sabe satisfazer um homem na cama. Tão quente, tão segura e você tão nova.

Ninguém me chupou como você. Desculpe a franqueza. Eu ainda estou atordoado. Uma moça de família tão habilidosa, melhor do que muita mulher experiente. Não consigo parar de lembrar dos seus olhos brilhando e a sua boca me envolvendo a cabeça do pênis. A sua risada maravilhosa enquanto me mordia a ponta, fingindo que arranhava.

Broto você é sensacional! Que chupada Vitória, que língua, mais parecia uma serpente. Ainda mais com aqueles olhos pintados. A minha Cleópatra, a rainha do sexo.

Que boca Vitória,  que boca garota. Nunca fui engolindo com tamanha fome e eu fui seu primeiro é? Duvido! Não pode ser, onde aprendeu tudo aquilo? Chupou até, desculpe o linguajar, até os sacos, as bolas. Ainda sinto você me sugando.

Incrível! Ainda mais quando você bebeu, bebeu mesmo, bebeu tudo. Lambeu até os dedos no meu leite quente. Lembra, foi assim que você falou, com aquela nata branca escorrendo pelos dentes, molhando o seu queixo. E você tão linda, cada vez mais linda e com um soorriso de safada estampado nessa de menina.

Você me provoca Vitória,  eu não consigo parar de pensar em você  faz quase uma semana.  E eu ainda não sei o que é sentir você por dentro. Parece tão apertadinha, será?

Só de pensar em você,  eu estou quase gozando broto. Sonhando com a sua xoxota, a sua boca. Aquele sorriso lindo que você tem.

Você é muito quente. Eu quero você,  pelo menos me escreve, responde se eu posso te ver.

Beijos, Evandro.

A carta seguinte, pelo jeito, era a resposta a uma carta dela. E ele gostou do que ela escreveu:

São Paulo, 22 de outubro de 1967.


Acabei de ler a sua carta. Fiquei com medo que nunca me escrevesse. Se eu gostei de saber que eu te fiz gozar? Nossa e como! Nunca pensei que mulheres pudessem, achei que só os homens. É tudo muito estranho para mim, as mulheres de hoje são diferentes, tão independentes. E você mais que todas, nenhuma foi tão franca numa carta, pelo menos comigo.

Você é muito diferente Vitória, me encanta e me dá medo. Tudo ao mesmo tempo agora. Você está me enlouquecendo, só de pensar em você, só de ler a sua carta, eu fiquei... fiquei sim. Não é o que você queria saber, se eu fiquei de pau duro por você? Pois fiquei,  fico todo dia, toda hora. Me masturbando por você,  lembrando da sua boca, da sua língua, o seu sorriso molhado, os olhos pintados.

Você é um tesão. Desculpa, não tem outra palavra. Você é um vulcão em erupção gata. Não é à toa que o seu marido não dá conta de você. De que planeta você veio moça? Da lua, de marte? Foram os americanos ou os russos que te acharam?

Preciso te ver broto. Que tal quinta que vem? Conheço uma boate aqui perto. Tranquilo,  ninguém que você conhece. Vai ter um show com o Edu Lobo esse que acabou de ganhar o Festival da Record, vai ter também um que canta como Simonal. Você não me falou que gosta? Então, me liga que a gente combina. Liga no (22 - 4576), pede pra me chamar. Meus vizinhos, gente fina.

E depois se você quiser, tem um hotel bacana do lado da boate. Seu marido não vai viajar? Eu te pego na sua casa, que tal as oito?

Beijos, Evandro.

Eu não estava acreditando no que estava lendo. Só faltou ele chamar ela de vagabunda. Foi ficando com um estranho já na primeira noite? Que falta de compostura, como é que ela podia ser assim quando era nova, ainda mais naqueles tempos? Imagina se papai descobrisse? E pelo jeito ela gostou do cara, gostou até de mais, até chupou o cara. Eu nunca fiz isso com o Bernardo, esses anos todos, teve só aquela fez. Mas só porque eu fiquei bêbada e foi depois na reconciliação de uma briga.

Que nojo, uma mulher como ela beber o orgasmo de um homem que nem era papai. Mas o pior veio na carta seguinte, com requintes de crueldade, pelo menos pra mim que sou a filha. Que decepção saber que a sua mãe é  quase uma vagabunda que gosta de ler pornografia e pior com ela envolvida na estória. Essa não era a Vitória que eu conhecia:

São Paulo, 28 de outubro de 1967.


Nossa tá uma confusão aqui, está difícil até de me concentrar para escrever. Cheio de carros da polícia, ambulância, tem até gente do exército e da Rota na esquina da minha rua. Pelo jeito descobriram uns comunistas numa casa aqui perto.

Tá a maior barulheira, tudo parado. Disseram que pegaram uns garotos desse tal MR-8, os que assaltam bancos. É o que estão dizendo, falaram até que prenderam o Marighella. Duvido esse aí é muito esperto e dizem que tem o corpo fechado, nem tiro mata.

Bando de safados. Eu sei que você não gosta das minhas opiniões, você é muito moderninha para o meu gosto. Detesto comunista, menos você é claro.

E aí? Está tudo bem, gostou de ontem? A boate, as músicas, eu esperava mais do show do Edu. Gostei mais dele no festival. Mas o show do cantor que imita o Simonal foi legal, gostei. E você?

Gostou do hotel que eu arranjei? Aquela banheira você não esperava. Aquilo foi o melhor de tudo. Fechou com chave de ouro a noite. Melhor do que ver a seleção do Saldanha jogando.

Você vale por um escrete inteiro da seleção. Gata, que coisa incrível. Que loucura, que foi aquilo broto? Você é quente demais Vitória, eu nunca sei o que esperar de você.  A começar por aquela minisaia, menor do que o vestido da festa. Seu marido é um banana mesmo, só pode, vê se eu deixaria mulher minha vestida igual uma puta.

Eu sei que você não é, mas eu não esperava aquilo. Fora que tinha uns caras te olhando e rindo. Ainda mais com o seu cabelo curto, na festa era uma peruca que você usava? Nossa que diferente ficou parecendo a cantora, a Elis. É muito pra frentex pro meu gosto.

Seu marido é um trouxa de te deixar sair assim. Como dizem na minha terra é um corno e pelo jeito bem manso. Não quero ofender, mas é o que parece. Ainda mais que ele não sabe o que tem casa. Não sabe o que está perdendo.

É isso que você quer ouvir,  não é? É assim que você gosta que eu escreva? Quanto mais sacanagem, quanto mais palavrão melhor? Pra quê? O que é que você faz quando lê?

Putinha... gostou não foi quando eu te chamei de putinha? Ninguém nunca te chamou assim, foi só eu? Putz grila Vitória! Que boceta garota! Que coisa maravilhosa!

Parecia uma panela de pressão, a ponto de explodir. Nunca fodi uma mulher tão quente, ainda mais com você me comendo com os olhos e sussurrando aquela sacanagem toda. Adorei, me deixa ainda duro só de pensar.

Mesmo com você com o rosto parecendo um garoto, esse cabelo curto, e sua xoxota tão apertada, fervendo meu pau dentro de você. Ainda tenho medo de você, medo da sua independência, desse seu jeito andrógino. 

Você é uma puta, um anjo, um broto e a cara de garoto. Tudo ao mesmo tempo e na mesma pessoa. Você.  E isso assusta e dá medo, mas eu não consigo parar de pensar em você.

É tão estranho comer uma mulher que se parece um homem e que geme como uma gata no cio. Porra, que corpo incrível broto. Ainda mais com esses peitinhos lindos, dos biquinhos rosados, uma delícia de se mamar, sem falar nessa boca gulosa. Onde você aprendeu a beijar daquele jeito garota?

Me deixa tonto Vitória, me tira do sério menina. Nunca vi uma garota gozar como você. Não sabia que mulher também esguichava como homem. Achei que você tinha mijado, juro que não sabia.

Você é uma esfomeada, não sei como aguentou tanto, nem parece uma mina de família. Foram três quatro, sei lá quantas vezes numa noite só.

E você ainda fez o que fez, aquilo, só uma outra já tinha me tocado assim, mas nem chegou perto do que você fez. Você é demais broto, demais.

Preciso te encontrar, me escreve, não liga por que os vizinhos podem desconfiar. Diz quando e onde você quer, é só falar. Eu deixo você fazer, muito mais do que foi ontem. Eu não esperava por tudo aquilo, não de você.

Sempre seu, Evandro.

Continua...

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Comentários


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rdaneel Comentou em 08/09/2022

Fantástico!




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Ficha do conto

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Nome do conto:
Cartas para Vitória

Codigo do conto:
207732

Categoria:
Traição/Corno

Data da Publicação:
07/09/2022

Quant.de Votos:
5

Quant.de Fotos:
5