"Está acordado?", ela sussurrou, cutucando levemente as costas de Ricardo. Seus dedos demoraram-se um pouco mais que o necessário, apreciando a textura da pele dele, o calor que emanava de seu corpo. Um "Sim" sonolento foi a resposta, a voz dele ainda rouca de sono e das atividades anteriores.
Levantou-se, seu corpo nu brilhando sob a luz prateada da lua enquanto caminhava até a cômoda, seus contornos criando sombras interessantes em sua pele bronzeada. O ar fresco da noite provocou arrepios em sua pele nua, fazendo seus mamilos endurecerem levemente. Voltou para a cama, sentando-se ao lado dele. Havia algo em seus olhos - uma mistura de nostalgia e ternura que fez o coração dele acelerar.
"Lembra do dia que nos conhecemos?", ela começou, sua voz carregando o peso doce das memórias queridas, cada palavra escolhida com cuidado, como se estivesse desembrulhando um presente precioso. "Eu tinha acabado de ser transferida pro escritório, e a primeira pessoa que conheci foi você, todo formal no seu terno - que depois descobri que era emprestado." Ela riu, o som enchendo o quarto, a lembrança ainda fresca em sua mente. "Eu estava passando pelo pior momento da minha vida. Tinha terminado um noivado de cinco anos, estava morando sozinha pela primeira vez, numa cidade estranha ainda por cima... Mas você... você apareceu com aquele seu jeito tranquilo, sempre disposto a ouvir, sempre com uma palavra gentil ou um café na hora certa."
"Por anos, fomos apenas amigos", ela continuou, seus dedos percorrendo os braço dele, cada toque uma pequena descarga elétrica em sua pele. "Você era aquele amigo incrível que toda mulher sonha em ter - atencioso, divertido, sempre presente. Lembra daquela vez que você apareceu bêbado na minha casa depois de uma briga com ela? Três da manhã e você chorando no meu sofá, dizendo que não sabia o que tinha feito de errado... Foi ali, vendo você tão vulnerável, tão humano, que algo começou a mudar dentro de mim. Como se um véu tivesse sido levantado, e eu pudesse ver você - realmente ver você - pela primeira vez."
Suas palavras pintavam um quadro vívido de sua história compartilhada - as tardes de café depois do expediente, onde o aroma do café se misturava com risadas e confidências; as longas conversas sobre nada e tudo, que começavam sobre trabalho e terminavam sobre sonhos e medos; as risadas compartilhadas durante os almoços, quando o mundo lá fora parecia desaparecer e existia apenas aquela bolha de cumplicidade entre eles. "E aquela última festa do escritório que fomos juntos? Você estava tão bonito naquele terno azul-marinho, que realçava seus olhos de uma maneira que me fez perder o fôlego... Amanda estava viajando, e pela primeira vez percebi que meu coração batia diferente quando você estava por perto. Foi como se todas as peças de um quebra-cabeça finalmente se encaixassem."
"Nosso primeiro beijo..." sua voz falhou um pouco ao lembrar, a emoção da memória ainda viva e pulsante. "Foi depois daquela reunião complicada com o cliente difícil. Você tinha acabado de terminar com ela, eu estava exausta... aconteceu tão naturalmente. Como se nossos lábios já se conhecessem de outras vidas, como se tivéssemos ensaiado aquele momento milhares de vezes em sonhos que não lembrávamos ao acordar. Foi ali que percebi que estava completamente apaixonada por você, que talvez sempre estivesse, apenas esperando o momento certo para admitir para mim mesma."
"E nossa primeira vez..." um rubor delicado tingiu suas bochechas ao lembrar, espalhando-se por seu pescoço como uma onda rosada. "Você foi tão gentil, tão atencioso... tão diferente dos outros homens que conheci. Cada toque era uma descoberta, cada beijo uma revelação. Foi a primeira vez que me senti verdadeiramente desejada, verdadeiramente apreciada. Como se cada centímetro do meu corpo fosse um território sagrado que você estava determinado a venerar."
Quando terminou sua narrativa, ambos tinham sorrisos largos nos rostos e olhos marejados, a emoção das memórias compartilhadas criando uma atmosfera quase mágica no quarto. O beijo que compartilharam foi profundo, carregado de história e promessa, transcendendo a mera atração física para algo muito mais significativo - um beijo que falava de passado, presente e futuro, de medos superados e esperanças realizadas.
"Quando vamos gravar o vídeo?", Ricardo perguntou, sua voz ainda embargada pela emoção, suas mãos acariciando suavemente as costas nuas dela.
O sorriso de Penélope era pura malícia quando respondeu: "Já gravamos." Levantou-se com a graça que a caracterizava e caminhou até a cômoda onde seu celular estava estrategicamente posicionado. Com dedos hábeis, editou o vídeo, mantendo apenas os momentos mais íntimos e significativos, cada corte preciso como uma cirurgiã do amor e da vingança.
Quando estava prestes a enviar, seu sorriso vingativo vacilou, uma sombra de dúvida cruzando seu rosto como uma nuvem passageira. "Devo?", perguntou, sua voz carregando uma súbita incerteza, o dedo pairando sobre o botão de enviar como uma bailarina prestes fazer o passo mais importante.
Ricardo assentiu silenciosamente, seus olhos transmitindo toda a confiança que ela precisava.
O som do envio ecoou no quarto como um tiro, o zumbido eletrônico parecendo mais alto no silêncio carregado de expectativa. A confirmação de visualização veio quase instantaneamente, o duplo check azul brilhando na tela como um pequeno farol de vingança realizada. Deitaram-se, seus corações batendo em uníssono acelerado, como tambores ancestrais anunciando uma mudança irreversível.
Minutos depois, Penélope checou seu celular - bloqueada por Amanda, a notificação aparecendo como um troféu de guerra em sua tela. Mal teve tempo de processar isso quando o celular de Ricardo tocou, a vibração contra o criado-mudo soando como um prenúncio de tempestade, fazendo ambos se entreolharem com apreensão. Uma, duas, três, quatro... Foram, ao total sete mensagens recebidas. Quando Ricardo finalmente apanhou celular, viu que as mensagens haviam sido apagadas.
A semana seguinte fora um exercício de paciência. Amanda, provavelmente em retaliação ao vídeo, fazia questão de "convidar" Ricardo para sair com ela e Caio todos os dias. Penélope, claro, ia junto. As regras eram claras e cruéis: nada de beijos ou demonstrações de afeto entre Ricardo e Penélope. Amanda observava cada movimento deles como uma cobra prestes a dar o bote, seus olhos azuis registrando cada micro expressão, cada desejo contido.
No sábado à noite, sentados num restaurante discreto no centro da cidade, Ricardo deixou sua mente vagar. O tilintar dos talheres e o murmúrio das conversas ao redor criavam uma cortina sonora que o permitia se desligar momentaneamente da realidade, embora a gaiola não deixasse que fosse muito longe.
O estalar de dedos de Amanda o trouxe de volta ao presente. "Ei, não ouviu o que eu disse?" Seu sorriso era afiado como uma navalha. "Diz pro Caio quanto tempo faz que você está na gaiola."
Ricardo desviou o olhar, fazendo as contas mentalmente. "Um mês", respondeu, sua voz baixa e cansada. "Hoje completa exatamente um mês."
Amanda riu, aquele riso musical que ele um dia achou encantador e agora soava como unhas arranhando um quadro-negro. "Talvez devêssemos pedir um bolo com velinhas pra comemorar!"
"Estou cansado", Ricardo suspirou, passando a mão pelos cabelos num gesto nervoso que Penélope conhecia bem.
"Você sabe o que precisa fazer pra conseguir a chave..." Amanda inclinou-se sobre a mesa, seus olhos brilhando com malícia. "Posso até ser boazinha e deixar a Penélope assistir... ou participar, se ela quiser." O sorriso em seus lábios era pura provocação.
"Nós dois sabemos que mesmo se eu for até um motel e chupar o pau do Caio, você não vai me dar a chave", Ricardo respondeu, sua voz carregando anos de frustração acumulada. "Vai arranjar algum motivo, alguma ofensa mínima... qualquer coisa pra aumentar o preço. Você sempre foi boa nisso."
Penélope segurou a mão de Ricardo sob a mesa. Sabia que essa era uma batalha que ele precisava lutar sozinho, mas isso não a impedia de sofrer junto.
"Eu te amava!" Amanda contra-atacou, sua voz tremendo levemente. "Você não tinha o direito de terminar comigo daquele jeito!"
O riso de Ricardo foi seco, desprovido de qualquer humor. "Você não sabe o que é amor, Amanda. Você acha que é posse, controle." Ele fez uma pausa, memórias amargas dançando em seus olhos. "E, eu admito, terminar por mensagem foi algo escroto a se fazer... Mas, quantas vezes eu tentei terminar pessoalmente? E você sempre com as mesmas ameaças... aparecer no escritório, dar chilique..." Ele engoliu em seco antes de continuar, a lembrança ainda dolorosa. "Se machucar... como daquela vez com os remédios... ou quando você tentou cortar os pulsos..."
Amanda baixou a cabeça, toda sua postura mudando. A máscara de crueldade caiu, revelando algo mais vulnerável, mais real. Seus dedos inconscientemente tocaram as cicatrizes no pulso esquerdo, parcialmente escondidas pelo relógio. "Eu procurei ajuda..." sua voz era quase um sussurro, embargada de uma tristeza genuína que fez algo dentro de Ricardo se contorcer. "Não faço mais esse tipo de coisa.", ela disse, baixinho, o olhar cheio de vergonha.
Ricardo sentiu uma onda de compaixão atravessá-lo. Por um momento, viu além da Amanda cruel e manipuladora - viu a jovem assustada que conhecera anos atrás, que tinha tanto medo de ser abandonada que preferia machucar a si mesma a perder alguém.
"Estou cansado", Ricardo repetiu após um momento, levantando-se. "Vamos, Pê?"
Penélope se levantou em silêncio, pegando sua bolsa. Enquanto caminhavam para fora do restaurante, deixando Amanda e Caio para trás, o som de seus saltos no piso ecoava como um pequeno ato de rebelião, mas também como um lembrete melancólico de que algumas feridas, mesmo quando cicatrizam, nunca desaparecem completamente.
De volta ao apartamento de Penélope, a meia-luz da sala criava sombras suaves que dançavam nas paredes. O vinho tinto em suas taças refletia a luz difusa como pequenos lagos de rubi. Penélope observava Ricardo com atenção - a barba por fazer sombreando seu rosto exausto, as olheiras profundas marcando seus olhos como manchas de tinta violeta, testemunhas silenciosas de noites mal dormidas. O cabelo levemente desgrenhado caía sobre a testa em mechas rebeldes, e a camisa social, aberta até o segundo botão, estava amarrotada como se tivesse sido usada por dias seguidos. Seus ombros, normalmente eretos e firmes, agora curvavam-se ligeiramente para frente, como se carregassem um peso invisível. Ele parecia uma cama desfeita após uma sequência interminável de noites agitadas.
Seus movimentos eram lentos, quase letárgicos, como se cada gesto exigisse um esforço monumental. Até mesmo o ato de levar a taça aos lábios parecia consumir uma quantidade desproporcional de energia. Suas pálpebras ocasionalmente fechavam-se por alguns segundos mais que o normal, como se seu corpo implorasse por descanso, mesmo que momentâneo.
"Será que eu não sou o vilão dessa história?", Ricardo perguntou de repente, sua voz rouca e quebrada, carregando o peso de todas as provações do úlimo mês. As palavras saíram arrastadas, como se até mesmo falar exigisse um esforço sobre-humano.
Penélope, no meio de um gole de vinho, não respondeu imediatamente. Algo em sua intuição dizia que ele precisava desabafar, colocar para fora tudo que estava entalado em sua garganta. Observou como seus dedos tremiam levemente ao segurar a taça.
"Você só conhece o meu lado da história", ele continuou, girando a taça entre os dedos nervosamente. Uma gota de vinho escorreu pela lateral do copo, mas ele parecia cansado demais até mesmo para notar. "Vai ver só te contei o que me interessava. Me coloquei como vítima." Sua voz foi diminuindo gradualmente, como uma bateria perdendo carga.
Penélope pousou sua taça na mesa de centro e levou a mão ao rosto dele, virando-o gentilmente para si. Sua pele estava quente ao toque, febril quase, como se seu corpo estivesse lutando uma batalha invisível. "Não, você não é o vilão", ela disse com firmeza. "Eu vi vocês dois juntos, lembra? Durante o namoro. Vi como ela te tratava, como te manipulava... como você mudava perto dela, ficava menor, mais quieto, como se tentasse ocupar menos espaço no mundo."
Ricardo fechou os olhos e suspirou profundamente, o som carregando anos de exaustão emocional. Quando os reabriu, estavam marejados e vermelhos, as veias capilares formando pequenas teias de cansaço. As lágrimas não derramadas brilhavam sob a luz suave da sala como pequenos diamantes de tristeza.
"Estou cansado", ele murmurou, sua voz quase um sussurro, como se até mesmo admitir seu esgotamento exigisse mais energia do que possuía. "Tão, tão cansado..." Suas últimas palavras foram quase inaudíveis, dissolvendo-se no ar como fumaça.
Não demorou muito para que adormecesse ali mesmo, na cadeira, o copo de vinho ainda pela metade em sua mão relaxada, ameaçando cair a qualquer momento. Seu corpo finalmente cedendo à exaustão que vinha combatendo há tanto tempo. Sua respiração, antes irregular e tensa, agora encontrava um ritmo mais tranquilo, embora ocasionalmente perturbado por pequenos espasmos.
Penélope o observou por alguns momentos, seu coração apertando ao ver como ele parecia vulnerável no sono, todas suas defesas baixadas. As linhas de preocupação em sua testa, tão presentes quando acordado, agora suavizavam-se ligeiramente, embora não desaparecessem por completo - como se até mesmo em sonhos ele não encontrasse paz total.
Com movimentos deliberados, Penélope pegou o celular dele. Seus dedos dançaram sobre a tela com determinação enquanto digitava a mensagem para Amanda: "Precisamos conversar. Agora."
Enquanto esperava a resposta, seus olhos voltaram para a figura adormecida de Ricardo. A exaustão estava gravada em cada linha de seu rosto, cada músculo relaxado, cada respiração profunda. 'Isso acaba hoje', pensou, uma determinação férrea crescendo em seu peito. 'De uma forma ou de outra, essa história termina essa noite.'