METEÇÃO LOUCA O DIA INTEIRO

Eu sou um veado tímido e um tanto alucinado. Herdei do meu pai uma fronte de ferro. O tesão por rola foi Deus. E só Deus sabe quantas horas perco a pensar em carinho de pica, suor de macho, fartos fluidos. “Sossega, meu filho”.
Tem dias que a cidade faz de você uma piada para si mesmo. Você cruza com o rapaz que pega o fretado na esquina, um cara de moto esperando o sinal, pensa em núpcias, luas-de-mel, pra quê tanto homem, Senhor? A marreta bate numa construção ao fundo. Pá. Pá. Pá. A marreta bate na sua memória, vibra pelo seu corpo. Uma meteção louca o dia inteiro.
O que vai ser mim?, o dinheiro acaba, o amor não vem, as chuvas alagaram o bairro, brigam na Câmara o aumento da passagem. Fecho os olhos suplicando resposta: o Santíssimo de pernas abertas, “Vem, meu filho”, o pinto duro como uma certeza histórica. “Senta no colo do Pai e consola no gozo de quem te deu a vida”.
Sua misericórdia jorra dentro de mim.
Vou ao supermercado para comprar o quê, bananas, claro, e percebo os olhares da jovem no caixa. Na semana seguinte a mesma coisa. No sábado, adiciono linguiça à cesta. Esse açougueiro é novo? Nunca o vi antes. Avisto a tatuagem de cobra no antebraço, visível enquanto maneja a peça. Essa?, ele pergunta. Essa mesmo. No caixa, a mulher jovem sorri. Puxa assunto. “Ele é solteiro?”, pergunto a ela. Habemus assunto.
As alças das sacola se confundem nos dedos. Os legumes batem nos joelhos.
Parado na Avenida Itavuvu, espero para atravessar. Outras pessoas esperam do outro lado. Entre elas, ele. O dono do meu corpo. Possuidor do meu futuro. Basta um primeiro olhar para entender tudo.
Quero saber seu nome, molhá-lo na boca. Onde mora? Qual o cheiro do lençol em que se roça à noite? Deixe-me saber.
Deixe-me apaziguar seus medos de morte, solidões e injúrias. Há um oásis dentro de mim onde poderá repousar por horas a fio antes de enfrentar o mundo. É tempo de intempérie no Brasil, homem, de hoje até a Revolução. Não saia sem estar descansado. Repouse na sombra larga que prepararei para você.
Você ainda não sabe, mas vai saber, como é vencer o dia com o pênis quente e os músculos acesos pelo amor de quem lhe desejou bom dia.
Ele me vê. Vê e demora. Como que de toalha no corredor da casa, com o banho interrompido por visita inesperada, me apresso e corro.
Parado na Avenida Itavuvu, dá tempo de tudo e mais um pouco acontecer.
Os carros não param. O grupo de pessoas cresce deste e do outro lado. O semáforo abre para nós. Ele vem. Eu fico. As águas do Paraíso refletem em meus olhos. Palmeiras farfalham.
Ele sorri gentilmente. Aproxima-se.
Me dê só este homem, Senhor! Me instrua como ser amado e eu me resigno com a pobreza. Me dê estes olhos, estes braços e este pênis enrijecido e eu dormirei embevecido de pão e água. Me dê o tempo de estar aqui parado à espera do homem pelo tempo necessário.
“Oi”, ele diz. Diz e passa. Aves longilíneas alçam vôo.
Parado na Avenida Itavuvu, um veado se apaixona.

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Ficha do conto

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Nome do conto:
METEÇÃO LOUCA O DIA INTEIRO

Codigo do conto:
227479

Categoria:
Gays

Data da Publicação:
18/01/2025

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