Era um homem acima da média. Assim acreditava, afinal era o mais bem sucedido da família. Ocupava o cargo de primeiro inspetor de qualidade, na quarta maior fábrica de clips de papel do país. Clips n.º 0. Um pedaço de arame de 11,5cm, dobrado milimétricamente em oito pontos estratégicos que lhe conferem o formato consagrado que conhecemos. O processo era todo automatizado. Sua função era garantir que o arame sempre fosse cortado no comprimento correto pela máquina. Produzidos diariamente aos milhões, qualquer milímetro a mais, significava um prejuízo enorme de material no final do mês.
Seu patrão, ciente da importância estratégica de seu produto nas estruturas da economia global, mandou fazer um banner, que podia ser lido de qualquer ponto da produção, com os dizeres: Clips, pilar da civilização! Obcecado pela autoestima e suas consequências produtivas, chamava os empregados de colaboradores, e investia em palestras motivacionais semanais. Acreditava que motivação era igual banho, não dura.
Nosso Inspetor de Qualidade, portanto, era um homem bem seguro. Infelizmente, segurança nem sempre se traduz em sorte ou cura a estupidez inata.
Cinco dias por semana, ia para o trabalho, executava suas funções com a maior competência que o condicionamento exaustivo pode proporcionar, e voltava para a casa, dirigindo seu carro líder de vendas. Era casado, mas infeliz. Não tinha o que reclamar da esposa, ela simplesmente lhe dava tédio. Achava-a burra, sem graça, carola e dependente. Era morena, baixinha, magra e, ainda que mantivesse certo viço, preferia as mulheres tipo fruta, siliconadas e loiras da TV. Casou-se, pois a engravidou na primeira vez que transaram. Manter sua obrigação matrimonial era sacrificante, mas o fazia pelo menos uma vez por semana. Encarava a tarefa como um exercício de imaginação. Não se separava por pena da coitada e pela filha, uma graciosa menina com nome de princesa. Seu único defeito era ter puxado o narizinho de coxinha da mãe, pensava.
Todos os dias, estava em casa ao menos 1:30h antes da esposa e filha. Vestia uma bermuda, camisa surrada do poderoso timão, abria o laptop e assumia sua segunda identidade: pirocudo2003. Descobrira a Internet em meados de 1999 e, como muitos, no início ficou fascinado com a quantidade de informações. Em um primeiro momento, dedicou-se aos sites sobre teorias conspiratórias. Fomos a Lua? O Brasil vendeu a copa de 1998? O 11 de Setembro foi planejado pelos E.U.A? Quem são os Illuminati? Estava na rede, só podia ser verdade. Pela primeira vez começou a compreender o mundo. Não demorou a descobrir os sites de humor. Inclusive, usou uma piada que leu na rede para conquistar a Esposa. Encontrou o mundo do MP3 e nunca mais precisou comprar CDs de pagode no camelô novamente. Assim, chafurdando, e depois de uma fase nostalgia, “cresci nos anos 80”, finalmente caiu de cabeça nos sites e chats eróticos. Todas aquelas mulheres, peitos, bundas, bocetas e cús, dos mais variados gostos e tamanhos, tomando a tela em pop-ups infinitos. Lembrava-se de quando era garoto e quão difícil era conseguir material do tipo. Sua maior vergonha, até então, foi ser pego batendo uma bronha, com um catálogo de lingerie de uma amiga da mãe em mãos. Considerava seu rito de passagem. As meninas têm o primeiro sutiã ou a menstruação, o que vier primeiro, já os meninos, é ser pego na bronha. Na missa, questionava mentalmente se seria pecado agradecer o criador pelo RedTube e o PornHub.
A rede lhe oferecia material vasto e gratuito, com a benesse do anonimato. Quando solitário, buscava contato humano nos chats de bate-papo. Também publicava seus devaneios eróticos em sites de contos, com o português que lhe convinha. A foto de seu perfil, em todos os lugares, era do próprio pau, ereto e reluzente de porra. Foto clicada depois de assistir um vídeo com sua atriz predileta, Silvia Saint. Mostrava a piroca na webcam para qualquer um que pedisse, era um exibicionista virtual. Ignorava se aquilo era patético, o importante era ter um cartão de visitas. Não era tão pirocudo como dizia, a foto ajudava. Também costumava mentir sua idade, beleza, estado civil, condição física, altura e outros detalhes mais. Era um Cyrano do século 21, sem a dignidade.
Em sua defesa, nunca havia traído de fato a mulher. Oportunidades lhe faltaram, não encontrara a parceira certa. As que topavam, antes de marcar o encontro, se declaravam profissionais e estipulavam seu preço. Acostumado com os roteiros dos filmes pornôs que assistia, e acreditando que eram extensões de uma realidade possível, sonhava com uma mulher lasciva, que lambesse e brincasse com os próprios mamilos, tão sedenta em tomar pirocadas quanto engolir porra, e com o cú rosado e lubrificado 24h por dia. Se possível, que não sofresse de TPM ou cólicas menstruais. Nunca vira uma das atrizes usando absorvente ou pedindo um copo d’água para tomar um Atroveran. Não o julguem. O coração quer o que ele deseja, como dizem.
Certo dia conheceu online ninfomaniaca123. Como de costume, já no primeiro dia mostrou sua piroca a ela, via webcam. No segundo, se masturbou enquanto assistia ela sentando num vibrador. No terceiro, se declarou e implorou por um encontro. A moça aceitou. Ninfomaniaca123 parecia gostosinha no vídeo. Claramente não estava fora do peso. Apresentava-se online trajando roupas de couro e uma máscara de vinil rosa que lhe cobria todo o rosto. Só os olhos ficavam a mostra; na boca havia um zíper. Os cabelos, que saiam da máscara na altura da nuca, eram loiros. Todo o resto era um mistério. Aquilo o excitava.
Marcaram de se encontrar em um Motel. Ninfomaniaca123 iria primeiro, e enviaria um sms com o número do quarto. Inventou para a mulher que faria jornada dupla na fábrica naquele dia. Questionado o motivo, respondeu que era época de declaração do imposto de renda. Equivale ao natal para os fabricantes de Clips, justificou.
No horário combinado, recebeu o sms. Já estava parado, próximo ao Motel. Chegou, identificou-se na recepção, foi liberado e dirigiu-se até a garagem do quarto. Estava com o coração disparado e suando nas têmporas. Subiu as escadas de dois em dois degraus e abriu a porta já ofegando. Tudo aconteceu rápido. Mal entrou e ninfomaniaca123 pegou-o pelo colarinho e jogou-o na cama. Balançou como geleia no colchão de água. O quarto estava escuro e só enxergava uma pequena silhueta mascarada. Sentiu a braguilha da calça sendo aberta, e escutou quando ninfomaniaca123 fez o mesmo com o zíper de sua boca. Logo seu pau era massageado pela língua da estranha. Em menos de dois minutos gozou. Como a maioria dos onanistas virtuais, era um ejaculador precoce. Ainda em regozijo, sentiu a pequena mão gelada de ninfomaniaca123 pegar seu saco e amassar suas bolas, igual como se faz com uma lata de cerveja vazia. Seu pinto murchou. Tentou gritar, mas lhe faltou voz. Indefeso, foi colocado de bruços e habilmente algemado com os braços para trás. Logo começou a ser açoitado. Por cinco minutos que pareceram uma eternidade, teve praticamente o corpo todo golpeado com sua própria cinta. Nesse tempo, várias teorias passaram por sua cabeça. Primeiro imaginou tratar-se de um simples roubo. Depois concluiu que havia caído nas garras de uma Serial Killer e seria esquartejado ainda vivo. Enfim, deduziu o pior, seria sedado e acordaria na banheira cheia de gelo, com os rins removidos. Sabia que aquilo acontecia com frequência, já recebera vários e-mails de alerta.
Quando o martírio das cintadas acabou, sentiu praticamente o corpo inteiro ardendo. Antes que pudesse respirar fundo, outro castigo veio em seguida. Ninfomaniaca123 abriu as abas de sua bunda e enterrou um vibrador ligado, até o talo, em seu rabo. Era virgem de cú, nem sequer tinha levado uma dedada em toda sua vida. Chorou de humilhação e dor.
A luz se acendeu. Ninfomaniaca123 foi até seu campo de visão e retirou a máscara de vinil. Era a sonsa da esposa, com os cabelos tingidos de loiro. Sem dizer nada, fez o sinal de banana com os braços e foi embora batendo a porta, deixando o marido inerte na cama, algemado, com o cú arrombado.
Pirocudo2003 gritou por perdão, mas não foi atendido. Gritou por socorro, mas nenhum funcionário do Motel apareceu. Afundado de bruços no colchão de água e algemado, não conseguia se virar e nem colocar-se em pé. Com certeza a esposa o abandonaria. Ficou imaginando a vergonha da humilhação. Com certeza ela contaria todos os detalhes sórdidos para quem quisesse ouvir. Pensou na família. Nos amigos. Na filha. Chorou. Cerrou os olhos e desejou a morte. Começou a chorar novamente. Por fim, vendo que nada do que fizesse adiantaria, amaldiçoou os fabricantes de pilhas alcalinas. O consolo continuava a vibra-lhe as pregas do cú.
Foi resgatado pelos funcionários do Motel no dia seguinte. Com os braços dormentes e bobos, ninguém quis ajuda-lo a retirar o vibrador.
Chegou em casa arqueado e arrastando os pés. Esperava encontra-la vazia, sem os pertences da mulher e da filha. Com certeza ela já havia ido para a casa dos pais. Supreendentemente a casa estava arrumada como de costume. A mulher provavelmente foi para o trabalho e levara a filha para escola, como fazia diariamente. Imaginou que ele seria expulso de casa. Ligou para o trabalho e avisou que não iria. Era sua primeira falta em seis anos. Deitou-se no sofá com uma compressa de gelo no saco. O cú desvirginado não doía, só uma coceirinha impertinente o incomodava. Naquela tarde, pirocudo2003 morreu. Deletou todos os perfis e e-mails alternativos que usava. Cochilou e acordou de sobressalto com a porta abrindo. A filha entrou correndo e o abraçou. A mulher disse um “oi amor” e foi cuidar do jantar. E tudo continuou como era antes, nas horas, dias e semanas seguintes.
Na verdade, a esposa sabia da vida online do marido antes de se casarem. Considerava uma infantilidade masculina, nada demais, achava que um dia passaria. Tolerava como toleramos o mau-hálito, a seborreia, a micose, os tiques ou flatulência alheia. A punição veio depois que ela tingiu o cabelo, quinze dias se passaram, e o marido não fez nenhum comentário, sequer notou. Tornara-se invisível e vingou-se. Apesar de tudo, amava o idiota incondicionalmente, pois ele dera o melhor presente de toda sua vida, a maternidade. Nunca tocariam no assunto do que aconteceu naquela noite. E assim foi. Seguiram casados por mais trinta e cinco anos.
Pirocudo2003 aposentou-se na fábrica de clips, embora as palestras motivacionais não surtirem mais efeito depois daquela fatídica noite. Também nunca mais olhou para mulher da mesma maneira. Sentia a onipresença dela quando estava sozinho. Tinha medo. A filha com nome de princesa cresceu, formou-se arquiteta e casou-se. Deu-lhe netos. Teve uma vida longeva, enfim. Morreu lúcido e serenamente numa terça-feira. Partiu deste mundo sem nunca saber o real motivo de sua punição, nem compreender as mulheres.
Fica o aviso aos incautos.
Espectáculo!!!
Ver na lista de contos publicados um seu é certeza de prazer na leitura. Dito e certo: ri e deliciei-me com mais um inteligente e bem construído conto de James Bond!!! Querido, já te disse, vá procurar uma editora! Já tem uma compradora para seus livros: eu! Precisa de mais alguém?