inocente

        Formei-me no segundo grau do ensino médio um ano antes do planejado, estava me sentindo o próprio Einstein, o vestibular estava chegando e eu erroneamente não estudei, pois me julgava muito inteligente e passaria com as melhores notas. Logicamente, isso não aconteceu.
        O curso de psicologia na UFAL (Universidade Federal de Alagoas) estava em uma vaga para cada nove candidatos. Eu fiquei em último na lista de espera e resolvi não esperar. Comecei a fazer cursos de inglês e espanhol e consegui um trabalho como jovem aprendiz numa empresa de varejo, trabalhava como assistente de departamento de pessoal. Os meses foram passando e chegou o meu aniversário – dezoito anos – agora eu já era maior de idade, achava que poderia sair bebendo e fumando e dirigindo, mas não foi bem assim, na prática só mudou o fato de que a partir daquela data eu seria responsável por todos os meus atos. “Que tédio!” Eu pensava isso com frequência.
        Mais alguns meses se foram e as inscrições para o novo vestibular começaram. Rapidamente me inscrevi e tratei de me matricular em um curso preparatório, não estava disposto a cometer o mesmo erro narcisista novamente. Ele havia sido mandado para o mural do “só faço uma vez na vida”. E de lá nunca iria sair.
        A segunda-feira veio fria como gelo e a noite era quieta como um cemitério, o ônibus que eu pegara perto da minha casa estava quase vazio, poucas pessoas costumavam ir ao centro àquela hora. Desci em uma esquina bem iluminada e segui caminhando até uma encruzilhada, o lado esquerdo estava mergulhado em trevas, pura escuridão. Parei de imediato.
        - Ótimo! – disse para mim mesmo. – Tinha que ser justamente onde eu tenho que entrar?
        - Também não me agradou – disse uma risonha voz atrás de mim.
        Assustado eu me virei para ver quem estava falando, era um rapaz alto de pele clara e cabelos negros, seus olhos orientais se escondiam atrás de óculos com finas lentes transparentes. Ele sorria e me olhava de cima, fiquei meio com vergonha e não sabia o motivo. Havia algo nele que mexia comigo, eu só não sabia o que era.
        - Você vai por aqui também? – perguntei apontando para a rua das trevas.
        - Sim. – A voz dele era meio grave, mas deveria ter no máximo dois anos a mais que eu. – Eu começo num curso que fica na segunda rua no fim desta.
        - Eu também.
        - Pois então vamos, ou nos atrasaremos. – Ele disse e seguiu caminho. Fui logo atrás.
        - Me chamo Felipe – falei me apresentando.
        - Leonardo; prazer. – Ele estendeu a mão e eu a apertei. – Esperava um nome mais japonês?
        - O que? – fiquei vermelho. “Será que deixei transparecer meus pensamentos tão abertamente assim?” Pensei. – Não. – Menti.
        - Você não sabe mentir – ele sorriu.
        - Você não é a primeira pessoa que me diz isso.
        - Sua namorada deve gostar dessa qualidade.
        - Não tenho namorada. – “Porque eu estou falando tão abertamente com esse japonês de nome ocidental que eu mal conheço”?
        - Solteiro no momento?
        - Solteiro sempre.
        - Sério?
        - Sim.
        É verdade que eu nunca namorei, mas isso por mera falta de interesse, quando eu estudava havia algumas meninas que me paqueravam e certas vezes eu acabava encontrando uma ou outra carta de amor na minha mochila, mas nenhuma daquelas meninas jamais me interessou. Quando comecei os cursos de inglês e espanhol e até no trabalho mesmo, algumas garotas e uma vez até uma senhora de uns quarenta anos ficavam me secando com os olhos, mas novamente, não havia interesse algum por minha parte. Eu simplesmente não sentia desejo algum.
        “Cara, tú é estranho! Se eu tivesse essa facilidade que tu tem pra arranjar mulher que te queira eu passava o rodo em geral.” – Dizia o meu amigo.
        - Quantos anos tem? – perguntou Leonardo.
        - Dezoito e você?
        - Vinte.
        “Eu sabia, dois anos mais velho”; pensei.
        Já estávamos no fim da rua sem iluminação e viramos à esquerda, o prédio do curso era uma construção moderna de três andares que ficava entre um pet shop e uma farmácia. Entramos e fomos para a sala número um, no térreo, perto das escadas. A aula teve início e em momento algum Leonardo, que se sentara na minha frente, puxou conversa. Ele estava completamente focado. Fiquei meio triste por ele não ter conversado comigo durante a aula, mas vê-lo tão interessado no assunto me fez fazer o mesmo. Passaram-se as horas e as aulas foram com elas, todos os mais de trinta alunos que formavam a única turma noturna saiam da sala como zumbis do the walking dead, mas Leonardo continuava a escrever as anotações de química que o professor havia deixado na lousa.
        - Ainda não terminou? – perguntei quando me levantei e fiquei em pé ao lado dele.
        - Ainda não – ele sorrio -, pode ir na frente.
        - Relaxa – sentei-me -, eu espero.
        Sentado na cadeira ao lado da dele eu pude perceber que Leonardo escrevia e apagava varias vezes muitas palavras, ele esquecia acentos, trocava letras e por aí vai. “Acho que ele é disléxico,” pensei. Alguns minutos se passaram e ele conseguiu terminar as anotações. Levantei-me e enquanto ele organizava seus materiais e depois fomos embora.
        A rua escura estava ainda mais escura quando saímos e, o cansaço nos fez andar mais devagar do que seria aconselhável num ambiente daqueles. Conversamos um pouco sobre cursos e trabalho, família e amigos. Leonardo era um livro aberto e falante, disse que era filho único e que sua mãe tinha morrido há mais de doze anos, seu pai trabalhava em uma loja de carros e ele fazia meio expediente numa lanchonete na Ponta Verde (bairro nobre no litoral de Maceió). Ele disse também que era disléxico e que graças as suas “limitações” não tinha conseguido obter êxito nos outros vestibulares que fizera. “Como eu pensava.”
        - Eu tenho uma prima que também tem dislexia.
        - Sério? – ele pareceu surpreso com minha revelação.
        - Sim, ela também tem muita dificuldade para entender algumas coisas. Mas nunca desistiu, agora está em Londres fazendo pós-graduação.
        - Que bom! – ele sorriu. - Ela fez o que eu estou lutando para fazer.
        - A persistência é uma arma muito poderosa. – Sorri de volta. – Apenas não dista, e o que tiver que ser seu, será seu. – Ele sorriu.
        

        Os dias foram passando e Leonardo e eu nos tornamos muito amigos, às vezes ele chegava primeiro, mas me esperava no ponto para que pudéssemos ir juntos para o curso, e na saída eu sempre o esperava terminar para que fossemos embora juntos também. As aulas eram divertidas e um sempre ajudava o outro, mas certa noite veio a minha pior inimiga, física. Eu odiava aquela matéria, mas que tudo no mundo eu odiava de todo o coração, eu realmente odiava aquilo. Teríamos uma prova na quinta-feira a noite e eu não sabia nem da metade do assunto.
        - Eu sou um fracasso em física. – disse baixinho para mim mesmo.
        - Eu gosto de física. – Disse Leonardo. – É bem melhor que redação, língua portuguesa ou história ou geografia. Física e matemática são ótimas.
        - De qual planeta você veio?
        - Os textos possuem uma interpretação muito vasta, já os números não, são mais simples, não há interpretações vastas na matemática, ou está certo ou está errado. É disso que eu gosto. – Ele sorriu. – Facilita minha vida.
        - Já eu abomino os números e amos as palavras, e mesmo não sendo vidente já consigo ver meu futuro, vou levar zero nessa prova.
        Leonardo começou a rir baixinho escondendo a boca com a mão direita, não sei o motivo, mas achei aquilo muito bonito. Seus olhos meio puxados ficaram ainda mais estreitos e seu rosto tomou um tom mais avermelhado.
        - Talvez eu possa ajudar se quiser – disse ele por fim.
        - Sério?
        - Sim. Podemos estudar juntos, amanhã é sábado e eu estou de folga. Meu pai vai estar em uma palestra e só chega a noite. Se quiser podemos estudar na minha casa.
        Aquela proposta fez com que a minha pele se arrepiasse, era apenas um convite de um amigo para uma reunião de estudos, mas meu coração acelerava só em imaginar ficar sozinho com Leonardo.
        - Claro, e onde você mora? – disse sem pensar.
        - No conjunto Osman Loureiro, conhece?
        - Claro, fica perto da minha casa, na verdade da para ir a pé.
        - Então tudo certo, me passa seu numero de celular que depois eu te mando um SMS com o meu endereço completo.
        Passei meu numero de celular para o Leonardo e aula se seguiu.
        Foi longa e tediosa...
        
(No dia seguinte...).
        Os raios de sol adentraram pelo vidro da minha janela, acordei com uma musica de rock tocando perto da minha cabeça. Era Onerepublic, a canção de alerta de notificações do meu celular. Ainda sonolento pegue o aparelho e olhei no visor, tinha um nome com três letras: Léo.
        - Quem diabos é Léo? – perguntei a mim mesmo, meu cérebro não funcionava bem pela manhã.
        Espreguicei-me na cama tentando lembrar quem era Léo, seria mais fácil ter visto o conteúdo da mensagem, mas a preguiça tinha algemado todos os meus membros. Fiquei em baixo das cobertas por alguns minutos até resolver olhar o que aquele torpedo continha. Era um endereço com um ponto de referencia que não ficava muito longe da minha casa, tinha um “bom dia” no fim seguido por: dez horas tá bom?
        - Puta merda! – minha mente tinha se iluminado, era o Leonardo do curso, tínhamos marcado de estudar física na casa dele e eu tinha esquecido. Rapidamente mandei um torpedo de volta respondendo que às dez horas estava ótimo, depois olhei no relógio e vi que já era nove e meia. Dei um salto ninja para fora da cama e tire meu short, corri para o banheiro já sem roupa e entrei no box, liguei o chuveiro e a água estava fria como gelo, terminado o banho escovei os dentes, enrolei-me numa toalha e voltei para o quarto. Abri o guarda roupas e escolhi uma cueca box vermelha, uma bermuda preta acima do joelho, uma camisa verde escura e uma sandália de couro preto. Passei os dedos nos cabelos com um pouco de gel e peguei minha mochila.
        - Um dia você ainda vai se arrebentar! – gritou minha mãe da cozinha quando me ouviu descer às escadas as presas.
        - Tô saindo! – gritei quando estava prestes a abrir a porta da frente.
        - Sem comer não sai de casa! – trovejou a voz da minha mãe.
        Sabendo que se a desobedecesse o apocalipse teria inicio, fui para a cozinha e peguei e uma maçã na fruteira.
        - Pronto! – mostrei a fruta ela. – Posso ir?
        - Vá com Deus. – Disse ela.
        Sai de casa e olhei o relógio no pulso direito, já eram dez horas, e levaria mais uns vinte minutos até chegar à casa do Leonardo.
         Fui caminhando a passos rápidos até a esquina de um supermercado local, onde eu costumava comprar meu lanche todos os dias antes de ir para a escola. Virei à direita e continuei a caminhar, era ridicularmente engraçado que Leonardo e eu morracemos tão perto um do outro e nunca havíamos nos conhecido. Meu relógio marcava dez e dez quando entrei na rua da casa do Léo, ele estava me esperando no portão, sorridente, de short perto, camiseta azul clara e aqueles óculos que eu tinha aprendido a gostar.
       - Bom dia – disse ele sorridente quando me aproximei.
       - Bom dia – respondi com outro sorriso. – Desculpe o atraso.
       - Relaxa, temos a tarde toda. – Leonardo veio até mim e sem mais nem menos, me deu um abraço e um beijo na bochecha esquerda. Fiquei sem jeito, pois não esperava tamanha recepção, mesmo assim retribui o abraço. – Vamos, pode entrar! – ele sorriu novamente.
       Entramos e o Léo fechou o portão de madeira, havia um pequeno jardim com algumas roseiras que faziam o paisagismo de toda a área externa. Quando passei pela porta e em fim entrei na casa, percebi que era muito limpa e organizada para uma residência onde só moravam dois homens, a sala bem decorada e arejada era realmente bela. Não tinha nada fora do lugar e era tudo muito bem colocado e minimalista. “Nossa...” pensei.
         - Aceita um suco ou refrigerante? – perguntou meu anfitrião sorridente quando fechou a porta atrás de mim.
         - Um copo d’água seria bom – não tinha fome, apesar de não ter tomado café da manhã, mas a maça que tinha “engolido” no caminho havia me dado um pouco de sede.
         - Claro, fique a vontade. - Leonardo apontou para o sofá. – Pode se sentar. – Retirei minhas sandálias e fui até a sala de estar, sentei-me no sofá de canto que ocupava boa parte do aposento enquanto Léo estava na cozinha buscando minha água.
       Eu parecia uma criança desconfiada dentro da casa de um estranho, olhava ao redor, passava a mão no bolço para me certificar de quem estava lá meu celular. Mexia constantemente os pés e os dedos das mãos, tamanha era minha ansiedade. Eu sabia que estava naquela casa para estudar física, mas meu coração batia tão acelerado que, creio eu, meu corpo estava precisando de outras coisas. Quando o Leonardo voltou da cozinha com minha água acabou por sentar-se ao meu lado, ficamos quase trinta minutos jogando conversa fora, e em todos os momentos oportunos, meus olhos miravam o volume que brotava daquele short preto meia coxa. Suas pernas eram bem torneadas e como possuía um toque oriental os pelos quase não se faziam presentes. Nós continuamos a conversar por mais vinte minutos até que o Léo resolveu que era hora de estudar. Fomos para a sala de jantar, onde uma mesa quadrada inteiramente feita de madeira com mais seis cadeiras dominavam o local. Leonardo ficou na cabeceira e eu a sua direita, abrimos os livros e começamos a tortura, era cálculo para saber a velocidade do trem que estava saindo de Tokyo, o avião que saia de São Paulo e chegaria em Miami, em fim, muitos cálculos para coisas que jamais usaria na minha vida.
         Algumas horas mais tarde e meu cérebro estava quase jogando a toalha e pedindo “arrego”, não dava mais para continuar. Minha mente não se concentrava mais nas anotações, minha memoria estava focada no momento em que meus olhos viram o volume no short do Léo, aquela imagem não saia da minha cabeça, eu queria ver o que ele guardava lá em baixo, eu queria tocar, queria por minha boca no que quer que estivesse dentro daquela cueca. Meu coração ficou acelerado novamente, minha boca estava seca e meu pênis começava a endurecer. Tudo era novo pra mim, nunca havia sentido nada parecido por nenhuma mulher. “Então são os homens que me apetecem?” Pesei com o olhar perdido, lembrando o volume do homem que estava ao meu lado. “Eu o quero...” pensei e fiquei surpreso com meus próprios pensamentos.
       - Tudo bem, já deu por hoje. – Disse Leonardo se levantado e alongando os braços. – Minha coluna não aguenta mais.
       - A minha também não. – Disse saindo do transe do short preto.
       - Quer assistir um filme? Comprei dois DVDs ontem – ele sorria o tempo todo e aquela expressão de cansado só o fez ficar ainda mais atraente. Eu logicamente aceitei o convite para ver o filme, Léo estava preparando os equipamentos enquanto eu pedia uma pizza por telefone. O filme era um dos meus preferidos, O alto da Compadecida, uma comédia nacional. Rimos muito com Chicó dizendo: “Num sei, só sei que foi assim.” A pizza estava ótima e o vinho que havíamos roubado da geladeira era uma boa guarnição. Assistimos, comemos e bebemos. Meu rosto já estava quente na quinta taça, eu era muito fraco para bebidas.
         Estávamos sentados no tapete com a pizza entre os dois e o filme já estava nas ultimas cenas, sem aviso algum, minha memoria voltou a lembrar do pacote entre as pernas do Léo e quando olhei de soslaio tive a impressão que ele estava olhando para a minha virilha do mesmo jeito que eu olhei para a dele horas antes. Meu coração parou e meu sangue gelou, ele realmente estava olhando para o volume da minha bermuda.
         - Felipe – ele sussurrou baixinho. E quando me virei ele se aproximou, depois um pouco mais, sua face muito próxima a minha. Eu podia sentir o cheiro de desejo, sua boca tremulava a centímetros da minha. E então ele tocou meus lábios com os seus em um selinho longo e doce como mel, mas o espantar do meu olhar denunciou-me de imediato ele logo percebeu que era o meu primeiro beijo. Fiquei vermelho de vergonha e sorri meio de lado com o coração em desespero. Eu não disse uma palavra ele ficou todo sem jeito, recuou por meio metro e também ficou vermelho. – Desculpe... eu não... – ele me queria e aquilo estava claro, mas pela decência do seu ser ele respeitou minha inocência ignorando o seu querer.
         - Não peça desculpas – consegui falar -, agora que começamos é melhor irmos até o fim... – e dessa vez fui eu que me aproximei com meus lábios trêmulos.

Continua...


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Comentários


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Comentou em 08/12/2015

Muito bom!!! Amei, por favor to implorando! Continua o conto!!! Ta?! Vou aguardar ansioso!!!

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sebastianpavel Comentou em 03/12/2015

Oi, espero que continue a escrever mais, curto muito seus contos. Abraços.




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Ficha do conto

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inverno

Nome do conto:
inocente

Codigo do conto:
75055

Categoria:
Gays

Data da Publicação:
03/12/2015

Quant.de Votos:
12

Quant.de Fotos:
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