No dia seguinte, quando chego ao escritório, todos parecem felizes. Cruzo com Mike e não posso deixar de sorrir. Ele e o chefe. Se eles soubessem que os vi... Mas, como não quero pensar nisso, vou até minha mesa e, enquanto ligo o computador, vejo que ele vem vindo.
— Bom dia, John.
— Bom dia.
Mike, além de ser meu colega, é um sujeito muito simpático. Desde meu primeiro dia no escritório, ele tem sido um amor comigo e nos damos muito bem. Quase todas e alguns no trabalho babam por ele, mas, não sei por quê, em mim ele não surte o mesmo efeito. Será que não gosto dos caras meiguinhos e sorridentes? Mas, claro, agora, sabendo o que sei e tendo visto como é bem-dotado, não posso deixar de olhá-lo de outra forma enquanto tento não gritar: “Garanhão!”
— Está sabendo que hoje à tarde tem reunião geral?
— Aham.
Como era de se esperar, ele sorri, segura meu braço e diz:
— Vem, vamos tomar um café. Sei que você adora um cafezinho e uma torrada da cafeteria.
Sorrio também. Como me conhece, esse desgraçado... Além de simpático e gato, o cara não deixa passar uma. Isso, somado a seu sorriso constante, é o grande atrativo de Mike. Sempre gentil. É assim que ele enrola todos na conversa.
Quando chegamos à cafeteria do nono andar, vamos ao balcão, fazemos os pedidos e nos dirigimos à nossa mesa. Digo “nossa mesa” porque sempre sentamos ali. Paco e Raul se juntam a nós. Um casal gay com o qual me dou muito bem. Como sempre, me dão um beijinho no pescoço e me fazem rir. Começamos a conversar e eu logo me lembro do que vi na noite anterior no estacionamento. Mike e o chefe! Que trepada insana, e bem na minha frente. Que menino-prodígio, esse meu colega!
— O que houve? Você parece distraído — pergunta Miguel.
Sua abordagem me desperta. Olho para ele e respondo, tentando esquecer as imagens que surgiam na minha mente:
— Estou meio fora do ar, eu sei. Meu gato está cada dia mais fraquinho e...
— Que pena, o Trampinho — murmura Paco, e Raul faz uma cara compreensiva.
— Ah, sinto muito, cara — responde Miguel, enquanto segura minha mão.
Por alguns instantes conversamos sobre meu gato e isso me deixa ainda mais triste. Adoro o Trampo e, inevitavelmente, a cada dia que passa, cada hora, cada minuto, seu tempo de vida diminui. É algo que aprendi a admitir desde que o veterinário me alertou, mas ainda assim me dói. Me dói muito.
Logo meu chefe chega, rodeado por vários homens, como sempre. É um puto!
Miguel o vê e sorri. Eu fico quieto. Meu chefe é um homem muito atraente. Cá entre nós, um cinquentão poderoso, um moreno cheio de si, solteiro mas não solitário, e que dizem ter vários casos na empresa. Cuida-se como ninguém e vai todo dia à academia. Ou seja, ele gosta... que gostem dele.
— John — me interrompe Mike. — Falta muito?
Volto a mim e deixo de olhar meu chefe para olhar meu café da manhã. Bebo um gole de café e respondo:
— Terminei!
Nós quatro nos levantamos e saímos da cafeteria. Temos de começar a trabalhar.
Uma hora mais tarde, após tirar umas cópias e finalizar um documento, me dirijo à sala do meu chefe. Bato na porta e entro.
— Aqui está o contrato pronto para a sucursal de Albacete.
— Obrigado — responde secamente enquanto passa os olhos pelo documento.
Como de hábito, fico parado diante dele à espera de suas ordens. O cabelo do meu chefe é lindo, ondulado, tão cuidado. Nada a ver com meu cabelo castanho e liso que costumo pentear para o lado. O telefone toca e antes que ele me olhe eu atendo.
— Sala do senhor Matheus Sánchez. Quem fala é o secretário, senhor Pardo. Em que posso ajudá-lo?
— Bom dia, senhor Pardo — responde uma voz profunda de homem com leve sotaque estrangeiro. — Aqui é Edward Zayn. Eu gostaria de falar com seu chefe.
Ao reconhecer aquele nome, reajo depressa.
— Um momento, senhor Zayn.
Meu chefe, ao escutar aquele sobrenome, larga os papéis que até então segurava e, após literalmente arrancar o telefone das minhas mãos, diz com um sorriso encantador nos lábios:
— Edward... que bom você ter ligado! — Depois de um breve silêncio, continua: — Claro, claro. Ah! Mas você já chegou a Madri?... — Então solta uma gargalhada super falsa e sussurra:
— Claro, Edward. Te espero às duas na recepção pra almoçar.
E, após dizer isso, desliga e olha para mim.
— Marque uma reserva pra dois no restaurante da Gemma.
Dito e feito. Cinco minutos mais tarde, ele sai voando do escritório e volta uma hora e meia depois. Às 13h45, vejo Mike batendo na sua porta e entrando. Olha isso! Não quero nem pensar no que estarão fazendo. Passados cinco minutos, ouço gargalhadas. Às 13h55, a porta se abre, os dois saem e meu chefe vem falar comigo.
— John, você já pode ir almoçar. E lembre-se: estarei com o senhor Zayn. Se às cinco eu não tiver voltado e você precisar de qualquer coisa, ligue pro meu celular.
Quando o bruxo mau e Mike vão embora, eu enfim respiro aliviado. Tiro os óculos. Depois pego minhas coisas e caminho até o elevador. Meu escritório fica no 17º andar. O elevador para em vários andares para pegar outros funcionários, e com isso ele sempre demora a chegar ao térreo. De repente, entre o quinto e o sexto andar, o elevador dá um tranco e para completamente. As luzes de emergência se acendem, e Manuela, do almoxarifado, começa a gritar.
— Ai, minha Nossa Senhora! O que está acontecendo?
— Fique calma — respondo. — Acabou a luz, mas com certeza vai voltar daqui a pouco.
— E vai demorar quanto?
— Não sei, Manuela. Mas, se você ficar nervosa, vai se sentir mal aqui dentro e esse tempo vai parecer uma eternidade. Então respire fundo e você vai ver como a luz volta num piscar de olhos.
Mas, vinte minutos depois, a luz ainda não tinha voltado, e Manuela, com várias meninas da contabilidade, entra em pânico. Percebo que tenho de fazer alguma coisa.
Vejamos. Não gosto nada de estar preso num elevador. Fico agoniado e começo a suar. Se eu entrar em pânico, vai ser pior, então decido buscar soluções. Primeiro, passo minha garrafinha d’água para Manuela beber, depois tento brincar com as meninas da contabilidade enquanto distribuo chicletes de morango. Mas meu calor vai aumentando, então tiro um leque da minha bolsa e começo a me abanar. Que calor!
Nesse momento, um dos homens que estavam apoiados num canto do elevador fica mais perto de mim e me segura pelo cotovelo.
— Você está bem?
Sem olhar para ele e sem deixar de me abanar, respondo:
— Uf! Quer que eu minta ou diga a verdade?
— Prefiro a verdade.
Achando graça, me viro em sua direção e, de repente, meu nariz roça contra um casaco cinza. Cheira muito bem. Perfume caro.
Mas o que ele faz tão perto de mim?
Imediatamente dou um passo pra trás e fixo o olhar nele pra ver quem é. Devo logo dizer que é alto — eu chego apenas à altura do nó da gravata (Quem mandar ser baixinho). Também tem cabelo castanho, beirando o louro, é jovem e de olhos claros. Não me lembra ninguém, e, ao perceber que ele me observa à espera de uma resposta, eu cochicho para que só ele possa ouvir:
— Cá entre nós, jamais gostei de elevadores e, se as portas não se abrirem logo, vou ter um troço e...
— Um troço?
— Aham.
— O que é “ter um troço”?
— Isso, na minha língua, significa perder a compostura e ficar louco — respondo, sem parar de me abanar. — Pode acreditar. Você não ia gostar de me ver nessa situação. Inclusive, se eu não tomo cuidado, solto espuma pela boca e minha cabeça gira como a da menina de O exorcista. É um espetáculo e tanto! — Meu nervosismo aumenta e eu lhe pergunto, numa tentativa de me acalmar: — Quer um chiclete de morango?
— Obrigado — responde ele e pega um.
Mas o engraçado é que ele abre e coloca o chiclete na minha boca. Aceito, surpreso, e, sem saber por quê, abro outro chiclete e faço a operação inversa. Ele, divertindo-se, também aceita.
Olho para Manuela e para as outras. Continuam histéricas, suadas e pálidas. Então, decidido a não deixar minha própria histeria aumentar, tento puxar conversa com o desconhecido.
— Você é da empresa?
— Não.
O elevador se move e todas as meninas começam a gritar. Eu não fico atrás. Seguro no braço do homem e torço a manga de sua camisa. Quando volto a mim, eu o solto em seguida.
— Perdão... perdão — me desculpo.
— Fique calmo, não foi nada.
Mas não consigo ficar calmo. Como vou ficar calmo preso num elevador? De repente sinto uma coceira no pescoço. Abro minha mochila e tiro meu celular. Me observo nele e começo a xingar.
— Merda, merda! Estou me enchendo de brotoejas!
Percebo que o homem me olha com espanto. Viro de lado e mostro a ele.
— Quando fico nervoso, minha pele se enche de brotoejas, está vendo?
Ele faz que sim e eu me coço.
— Não — diz, segurando minha mão. — Se você fizer isso, vai piorar.
E sem pensar duas vezes se inclina e sopra meu pescoço. Ai, Deus! Como ele é cheiroso e como é gostoso sentir esse ventinho! Dois segundos mais tarde, me vejo caindo no ridículo ao soltar um pequeno gemido.
O que estou fazendo?
Tapo o pescoço e tento desviar o assunto.
— Tenho duas horas para almoçar e, como ainda estamos aqui, hoje não almoço!
— Suponho que seu chefe entenderá a situação e te deixará chegar um pouco mais tarde.
Isso me faz sorrir. Ele não conhece meu chefe.
— Acho que você supõe demais. — Cheio de curiosidade, digo: — Pelo sotaque você é...
— Alemão.
Não me espanta. Minha empresa é alemã, e gringos como aquele aparecem todos os dias por aqui. Mas, sem conseguir evitar, eu o olho com um sorrisinho malicioso.
— Boa sorte na Eurocopa!
Com expressão séria, ele dá de ombros.
— Não me interesso por futebol.
— Não?
— Não.
Surpreso com o fato de um cara, um alemão, não gostar de futebol, me encho de orgulho ao pensar na nossa seleção e sussurro para mim mesmo:
— Pois você não sabe o que está perdendo.
Calmamente ele parece ler meus pensamentos e se aproxima de novo de minha orelha, provocando-me arrepios.
— De qualquer forma, ganhando ou perdendo, aceitaremos o resultado — ele me sussurra.
Ao dizer isso, dá um passo atrás e volta a seu lugar.
Será que meu comentário o irritou?
Eu o imito e viro pro lado para não ter de vê-lo. Olho no relógio: 14h15. Merda! Já perdi 45 minutos do meu almoço e não dá mais tempo de chegar ao Vips. Com a vontade que eu tinha de comer um Vips Club... Enfim! Vou parar no bar de Almudena e engolir um sanduíche. Não tenho tempo para mais nada.
Logo as luzes se acendem, o elevador retoma seu movimento e todos nós aplaudimos. E eu sou o primeiro!
Movido pela curiosidade, volto a olhar para o desconhecido que se preocupou comigo e vejo que ele continua me observando. Uau, com as luzes acesas ele é ainda mais alto e mais sexy!
Quando o elevador chega ao térreo e as portas se abrem, Manuela e as moças da contabilidade saem como cavalos desenfreados entre gritinhos e gestos de histeria. Como me alegro por não ser assim. A verdade é que sou meio moleque. Meu pai me criou desse jeito. Porém, quando saio, me vejo diante do meu chefe.
— Edward, pelo amor de Deus! — eu o ouço dizer. — Quando desci para te encontrar e irmos almoçar e recebi seu Whatsapp avisando que você estava preso no elevador, quase morri! Que angústia! Você está bem?
— Estou ótimo — responde a voz do homem que falou comigo apenas uns momentos antes.
Na hora minha cabeça rebobina. Edward. Almoço. Chefe. Edward Zayn, o chefão, foi a ele que eu disse que sou como a menina de O exorcista e em quem enfiei um chiclete de morango na boca? Fico vermelho como um tomate e me recuso a olhá-lo na cara.
Meu Deus! Como sou ridículo!
Gostaria de escapar daqui o quanto antes, mas então sinto que alguém me segura pelo cotovelo.
— Obrigado pelo chiclete... senhor?
— John — responde meu chefe. — Ele é meu secretário.
O agora identificado como senhor Edward Zayn faz que sim com a cabeça e, sem se importar com a expressão no rosto do meu chefe, porque não olha para ele mas para mim, diz:
— Então é o senhor John Pardo, certo?
— Johnata, mas todos me chamam de John — respondo como um bobo. Como um idiota completo!
Meu chefe, que fica entediado quando não é o protagonista do momento, o agarra possessivamente pelo braço, puxando-o.
— Que tal irmos almoçar, Edward? Já está super tarde!
Sentindo que eles vão embora, levanto a cabeça e sorrio. Instantes depois, aquele homem incrível de olhos claros se afasta, embora, antes de passar pela porta, se vire e me olhe. Quando por fim desaparece, suspiro e penso: “Por que não fiquei quietinho no elevador?”