Que roupa eu coloco?
Acabo vestindo uma calça jeans e uma blusa preta do Guns’n’Roses que ganhei de presente da minha amiga Ana. Penteio o cabelo e às 13h o interfone toca. Que pontual!
Certa de que é ele, não atendo. Que tente de novo. Dez segundos depois, toca novamente. Sorrio. Pego o interfone e pergunto indiferente:
— Sim?
— Desce. Estou te esperando.
Uau! Nem um bom-dia, nem nada.
O Senhor Mandão está de volta!
Depois de beijar a cabeça do Trampo, saio de casa esperando que meu look com jeans não lhe agrade nem um pouco e que ele desista de sair comigo. Mas fico maravilhado quando chego à rua e o vejo de calça jeans e blusa preta ao lado de uma espetacular Ferrari vermelha que me deixa sem palavras. Ah, se meu pai visse isso!
O sorriso volta a meus lábios. Adorei!
— É sua? — pergunto, aproximando-me de Edward.
Dá de ombros e não responde.
Então presumo que o carro é alugado e me apaixono à primeira vista por aquela máquina imponente. Passo a mão com delicadeza, enquanto sinto que Edward olha para mim.
— Posso dirigir? — pergunto.
— Não.
— Ah, vaaaaaai — insisto. — Não seja desmancha-prazeres. Deixa, por favor! Meu pai tem uma oficina mecânica e te garanto que sei o que fazer.
Edward olha para mim. Eu olho de volta.
Ele suspira e eu sorrio. Por fim, nega com a cabeça.
— Me mostre Madri e, se você se comportar direitinho, talvez eu deixe você dirigir. — Isso me empolga e ele continua: — Eu dirijo e você me diz aonde ir. Então, aonde vamos?
Fico pensando um minuto, mas em seguida respondo:
— O que acha de irmos à parte mais turística de Madri? Plaza Mayor, Puerta del Sol, Palacio Real, conhece?
Não responde, então dou a direção e mergulhamos no trânsito. Enquanto ele dirige, aproveito o fato de estar numa Ferrari. Surreal! Aumento o volume do rádio. Adoro essa música de Juanes. Edward abaixa o volume. Aumento de novo. Ele abaixa mais uma vez.
— Assim não consigo ouvir a música! — protesto.
— Está surdo?
— Não... não estou, mas um pouco de animação dentro de um carro não é nada mau.
— Mas também tem que cantar?
Essa pergunta me pega tão de surpresa que respondo:
— Qual é o problema? Você não canta nunca?
— Não.
— Por quê?
Contrai a expressão do rosto enquanto pensa... pensa... e pensa.
— Sinceramente, não sei — responde, enfim.
Espantado com isso, eu olho para ele e digo:
— Mas ouvir música é uma coisa maravilhosa. Minha mãe sempre dizia que quem canta seus males espanta, e algumas letras podem ser tão significativas pro ser humano que até são capazes de nos ajudar a entendermos nossos sentimentos.
— Você fala da sua mãe no passado. Por quê?
— Morreu de câncer há alguns anos.
Edward toca minha mão.
— Sinto muito, John — murmura.
Faço um gesto de compreensão com a cabeça e, sem querer parar de falar sobre a minha mãe, acrescento:
— Ela adorava cantar e eu também adoro.
— E você não tem vergonha de cantar na minha frente?
— Não, por quê? — respondo, dando de ombros.
— Sei lá, John. Talvez por pudor.
— Que nada! Sou viciado em música e passo o dia cantarolando. Sério, eu recomendo.
Volto a aumentar o volume e, demonstrando a pouca vergonha que tenho, mexo os ombros e cantarolo:
“Tengo la camisa negra, porque negra tengo el alma.
Yo por ti perdí la calma y casi pierdo hasta mi cama.
Cama cama caman baby, te digo con disimulo.
Que tengo la camisa negra y debajo tengo el difunto.”
Por fim, vejo seus lábios insinuando um sorriso. Isso me dá confiança e eu continuo cantando, música após música. Ao chegarmos ao centro de Madri, paramos a Ferrari num estacionamento subterrâneo, e eu olho com tristeza para o carro enquanto nos afastamos dele.
Edward percebe e sussurra ao pé do meu ouvido:
— Lembre-se. Se você se comportar bem, vou te deixar dirigir.
Minha expressão muda, e um tremor de alegria me domina por completo quando eu o ouço rir. Finalmente! Ele sabe rir! Tem uma risada muito bonita. É algo que ele não faz muito, mas, nas poucas vezes que faz, é encantador. Após sair do estacionamento, me pega pela mão com firmeza. Isso me surpreende e, como me agrada, não a retiro. Caminhamos pela calle del Carmen e desembocamos na Puerta del Sol. Subimos pela calle Mayor e chegamos à Plaza Mayor. Vejo que ele se maravilha com tudo o que vê, enquanto continuamos nosso passeio em direção ao Palacio Real. Quando chegamos está fechado e, como a fome começa a bater, sugiro almoçarmos num restaurante italiano de uns amigos meus.
Ao chegarmos, meus amigos nos cumprimentam encantados. Logo nos acomodam numa mesinha meio afastada das outras e, depois de pedirmos os pratos, eles nos trazem algo para beber.
— É boa a comida daqui?
— A melhor que tem. Giovanni e Pepa cozinham muito bem. E posso te garantir que todos os produtos vêm diretamente de Milão.
Dez minutos depois, ele comprova o que eu disse ao degustar uma saborosa mozarela de búfala com tomate.
— Uma delícia.
Tira mais um pedaço e me oferece. Aceito.
— Não é? — digo. — Eu te falei.
Faz que sim com a cabeça. Pega outro pedaço e volta a me oferecer. E eu aceito de novo, entrando no seu jogo. Agora sou eu que tiro um pedacinho e dou a ele. Comemos da mão do outro sem nos importarmos com o que as pessoas ao nosso redor estão pensando. Terminada a mozarela, Edward limpa a boca com o guardanapo e olha para mim.
— Quero te propor uma coisa — diz.
— Hummmmm... Vindo de quem vem, tenho certeza de que é algo indecente.
Sorri diante do meu comentário. Toca com o dedo a ponta do meu nariz e diz:
— Vou passar um tempo aqui na Espanha e depois volto à Alemanha. Imagino que você saiba que meu pai morreu há três semanas... Quero visitar todas as sucursais da empresa na Espanha. Preciso conhecer a situação de cada uma delas, já que pretendo ampliar o negócio a outros países. Antes era o meu pai quem cuidava de tudo e... bem... agora quem dirige a empresa sou eu.
— Sinto muito pelo seu pai. Me lembro de ter escutado...
— Ouça, John — me interrompe. Não me deixa entrar em sua vida. — Tenho várias reuniões em diferentes cidades espanholas e gostaria que você me acompanhasse. Você sabe falar e escrever perfeitamente em alemão e preciso que, após as reuniões, você envie uma série de documentos à minha sede na Alemanha. Na quinta-feira eu tenho que estar em Barcelona e...
— Não posso. Tenho muito trabalho e...
— Em relação ao trabalho, você não precisa se preocupar. O chefe sou eu.
— Está me pedindo que largue tudo e te acompanhe nas suas viagens? — pergunto boquiaberto.
— Estou.
— E por que você não pede a Mike? Ele era o secretário do seu pai.
— Prefiro você. — E ao ver minha cara, ele acrescenta: — Você viria como secretário. Suas férias seriam adiadas até nossa volta e depois você poderia tirá-las. E, claro, os honorários da viagem você é quem vai decidir.
— Uffff....! Não me anime com meus honorários, que eu vou abusar de você.
Apoia os cotovelos na mesa. Junta as mãos. Põe o queixo sobre elas e murmura:
— Pode abusar de mim.
Meus lábios ficam trêmulos.
Não quero entender o que ele está me propondo. Ou pelo menos não quero entender da forma como estou entendendo. Mas, como não consigo ficar quieto de jeito nenhum, pergunto:
— Você vai me pagar para estar comigo?
Assim que digo isso, ele me olha fixamente e responde:
— Vou te pagar pelo seu trabalho, John. Que tipo de homem você acha que sou?
Nervoso, sinto meu estômago se contrair e pergunto novamente. Desta vez num sussurro, para ninguém ouvir:
— E meu trabalho, qual será?
Imperturbável, crava em mim seus impressionantes olhos azuis e diz:
— Acabei de te explicar, pequeno. Você vai ser meu secretário. A pessoa encarregada de enviar aos escritórios centrais da Alemanha tudo o que falarmos nessas reuniões.
Minha cabeça começa a girar, mas, antes que eu diga qualquer coisa, ele pega minha mão.
— Não posso negar que você me atrai. Adoro te surpreender e, principalmente, te ouvir gemer. Mas, acredite em mim, tudo o que estou te propondo agora é totalmente decente.
Isso me deixa excitado e me faz rir. De repente me sinto como Demi Moore no filme Proposta indecente.
— Nos hotéis, ficaremos em quartos separados, né? — pergunto.
— Claro. Cada um vai ter seu próprio espaço. Você tem até terça para pensar. Nesse dia preciso de uma resposta ou vou procurar outro secretário.
Giovanni chega com uma apetitosa pizza quatro estações e a coloca no centro da mesa. Depois vai embora. O aroma de especiarias me deixa com água na boca e eu sorrio. Edward me imita e a partir de então não tocamos mais no assunto. Fico aliviado por isso. Preciso pensar. E agora nos limitamos a aproveitar nosso maravilhoso almoço.