Morgana estava confusa. Pelo que conseguiu deduzir apesar do seu nervosismo, as pessoas ( pelo menos pareciam humanas) falavam um dialeto parcialmente compreensível, o que devia significar uma evolução da língua com o tempo. Pelas roupas e pela aparência do lugar, poderia ser o futuro, provavelmente distante, já que mencionaram uma “quarta Pandemia”.
- Quin és el teu nom? Era uma voz de homem.
- M...meu nome? Morgana. E o seu?
- No ho entenc ( ela então tentou repetir o que havia ouvido)
- I el teu nom?
- Ah. El meu nom és Desè.
- Desé . Prazer em conhecer.
- Un plaer conèixer. Entenc una llengua antiga.
Ela entendeu – para ele, ela falava uma língua antiga. Então deveria ser do futuro mesmo.
- Vine amb mi, si us plau
- No...entenc
Ele fez um gesto para que ela o acompanhasse. Ele não lhe ofereceu roupas, nem se aproximou muito. Alguns outros os seguiram por um longo corredor, totalmente branco e iluminado , deveriam ser luzes à base de fitas de “Led”, porque ela não via lâmpadas.
Bem mais adiante, Desé parou em frente a um nicho e apontou . Morgana olhou, era uma estátua de uma bela mulher, completamente nua, de joelhos, com as palmas das mãos para cima e lágrimas escorrendo pelo rosto. Embaixo, uma placa com a inscrição: “ Regina, la deessa nua de les llàgrimes” . Alguns dos ali presentes abaixaram as cabeças e fizeram um tipo de sinal místico, em atitude respeitosa.
- “Deusa Nua das Lágrimas”, deve ser – pensou Morgana. Mas não devem pensar que sou eu. Um deles falou algo como “Seguidora da Deusa”. Talvez seja melhor que pensem isso. Pelo menos estão demonstrando respeito.
Desé continuou a caminhar, e ela foi seguindo atrás, os outros demonstrando respeito, mas mantendo distância. Depois de alguns minutos andando, chegaram a um Salão, também branco, onde havia duas fileiras com estátuas, todas de mulheres, e mais ao fundo, uma pessoa toda paramentada, como se fosse um Bispo ou um desses líderes religiosos. Ele se dirigiu ao homem, e conversou em voz baixa com ele,]. Depois, disse a Morgana:
- Et quedaràs aquí amb el Mestre.
- Espere. Ela estava receosa do que poderia acontecer, e Desé era o único com quem ela havia falado.
- No puc quedar-me, he d'anar-me'n.
Ele se virou e se afastou, com os outros a acompanhá-lo. O Mestre ( foi assim que Desé o chamou) se aproximou dela e falou:
- Morgana. Um nom antic.
- Um nome antigo. Entendi.
- Pots tornar a fer-ho, si us plau?
- Non... No ho entenc ( isso ela já sabia o que era).
- D'on véns?
- De onde venho? Difícil explicar.
- Difícil d'explicar. Tan... então...tu...falas a Língua Antiga.
- O Senhor fala minha língua?
- A Língua da Deusa da Névoa. Sim, embora neste Planeta não haja muitos devotos. Mas há alguns bilhões de pessoas na Galáxia que veneram Regina. Então ele apontou para as estátuas. Todas se pareciam com a mesma mulher, belíssima.
- Estas são as várias manifestações da Deusa da Névoa.
- A Deusa das Lágrimas também é ela?
- A Deusa do Sorriso também. Mas pensei que você seria uma Seguidora, por isso está completamente nua.
- Eu...vim em busca de algumas respostas. Fiz um Ritual em frente a um Espelho Negro, e não sei como, vim parar aqui.
- Isto é inusitado. Você certamente vem de outro lugar. De qual Planeta? Qual Galáxia?
- Eu...estou confusa, que eu saiba, só existe vida inteligente na Terra...Sistema Solar...Via Láctea.
- Pela Deusa!!!!
O Mestre ficou de joelhos e ergueu as mãos para o alto. Lágrimas saíram dos seus olhos, em uma imitação da postura da estátua da Deusa Regina que ela vira antes.
- Não, eu não sou ela! Por favor, não me entenda mal!
- Mas você não entende! Você veio do mesmo Planeta de onde os Livros Sagrados dizem que ela nasceu!! Você é abençoada!
- Ai, onde fui me meter? Morgana estava confusa e desnorteada.
Então, o Mestre se levantou , e segurou em seus braços. Depois, segurou as mãos dela com suavidade.
- Isso tem que ser um Sinal! A Deusa está por retornar!
- N...não creio que seja isso...eu estava apenas fazendo um Ritual... sexual.
Ela achou que, falando a verdade, talvez o Mestre entendesse que ela era apenas uma mulher comum, que por um capricho do Destino foi transportada no Tempo durante um ritual onde ela estava se masturbando.
- Um Ritual Sexual, você disse. E isso é ainda mais importante.
- Mas como?
- Regina também é a Deusa do Sexo. Rituais sexuais das formas mais variadas acontecem em determinadas épocas do ...como se diz? Ano. Ou mês.
- O Senhor não sabe a diferença entre ano e mês?
- Há muitas eras que o Tempo passou a ser calculado de forma diferente. Em diferentes planetas, o ciclo ao redor das estrelas varia muito.
- Para mim, um ano tem doze meses.
- Então é em determinadas épocas do ano. Mas os Sinais são vários. Você fala a Língua da Deusa. Vem do mesmo Planeta que Ela . E também é Adepta do Sexo Ritual!
- Não é bem assim, eu estava à procura do Sexo Total, físico, nem havia pensado em Ritual até receber as instruções.
- Existe muita coisa que você não sabe, Senhora. Sexo físico não existe desde a Quinta Grande Guerra, que se sucedeu à Quarta Grande Pandemia.
- Como assim, não existe Sexo Físico?
- O medo do contato físico deu início à Reprodução por Clonagem. E isso há alguns...milênios, no seu cálculo de tempo.
- Quer dizer que ninguém mais trepa? Que horror! Mas eu ouvi uma pessoa falar algo como “séculos” antes. Esse termo é usado ainda?
- Ah...significa “muito, muito tempo”. Uma variação... a língua foi se modificando com o passar das eras. Por isso você conseguiu entender algumas coisas. Mas vou lhe dizer algo que deverá lhe agradar. Os seguidores da Deusa, em boa parte, falam sua língua.
- Como os padres falavam Latim.
- Não entendo a comparação, mas deve ser como você diz. Então, vou pedir que a levem ao Planeta onde há o maior número de seguidores de Regina.
- E esse lugar fica longe?
- Alguns milhares de Parsecs. Vocês usavam essa medida de distância, não?
- Uh...não. Só os astrônomos. No meu Tempo, ninguém ainda havia saído do Sistema Solar.
- Incrível. Incrível. Espere aqui um pouco. Vou providenciar sua viagem.
Ela ficou ali, e passou a observar as estátuas das várias manifestações da Deusa da Névoa, Regina. Mas ela não conseguia entender como isso era possível, uma só mulher em tantas estátuas. Então, ela viu , sobre um pequeno altar, um livro muito grosso, de capa vermelha com relevos dourados. Parecia antiquíssimo. Ela se aproximou e leu o título:
“OS MANUSCRITOS DO TEMPLO”
Era na própria língua de Morgana. Ela o abriu com cuidado, e começou a ler:
“No ano I do Grande Amanhecer
Por
Gwenhyfar Hawke-Wolfe
Suprema Sacerdotisa do Templo da Névoa
Dedicado a Regina,
A Mais Sábia, a Mais Bela, a Mais Corajosa
A Poderosa Dama da Névoa
Primeira Imperatrix da Ordem do Círculo Vermelho
A Primeira da Verdadeira Irmandade
Que Ascendeu na Névoa e Retornará com Toda a Glória”
Parecia algo interessantíssimo. Será que ela poderia ler esse Livro? Melhor não, era muito antigo mesmo. Talvez as páginas se desfizessem se tentasse manuseá-lo. Mas, se fosse como os vários livros tidos como sagrados que ela já havia lido, talvez ela conseguisse uma cópia na língua original , ou seja, a dela mesma. Ela conteve sua curiosidade. Mas queria saber mais a respeito dessa Deusa.
Logo o Mestre retornou. Ela resolveu perguntar :
- Desculpe, Mestre, não sei o seu nome.
- Ah...eu é que devo pedir desculpas. Meu nome é Gwythyr, e já aviso que é um nome incomum. Você conversou com Desé. Desé significa “Décimo”. Os grupos familiares usam numerais para identificar os descendentes.
- Nem ouso perguntar como são as famílias nesta época.
- Seria difícil explicar em pouco tempo. Mas vou acompanhá-la até a Estação onde você irá embarcar para sua viagem.
- No caminho, muitos paravam para ver a mulher completamente nua que acompanhava o Mestre. Alguns faziam reverência, certamente seguidores daquela Deusa que despertava mais e mais a curiosidade de Morgana.
Chegaram a uma porta que dava para o exterior, mas na verdade era um longo tubo transparente. Aparentemente, o ar lá fora deveria ser tóxico ou difícil de respirar, porque havia tubos semelhantes por toda parte, conectando prédios altíssimos, todos brancos e obviamente de aspecto absurdamente futurístico. Mais à frente, haviam vários veículos semi-esféricos, que pairavam um pouco acima do solo, sem rodas. Um deles , com um motorista ( ou piloto, sabe-se lá) todo vestido como os outros , coberto até a cabeça, parecia estar aguardando.
- Não se preocupe – disse o Mestre – ele entende razoavelmente a Língua Antiga.
Ela entrou no veículo, e sentiu um leve solavanco.
- Che..gamos.
- Espere aí, nem saímos. Nossa!
Eles estavam em um grande Espaçoporto, onde várias aeronaves flutuavam . Grandes, pequenas, era realmente uma cena de filme espacial.
- Agora nem sei se estou sonhando ou não. Parece impossível!
- No és impossible. Tu viatjaràs a una altra galáxia.
- Outra Galáxia! Mas vai demorar?
- Um... pouco. No puc explicar.
Ele a acompanhou até o local de embarque, mostrou algo em uma pequena tela, ela supôs que estivesse explicando que ela, por ser seguidora da Deusa e andasse completamente nua, não teria documentos ou objetos pessoais.
- Aguarde aqui, si us plau...por favor. Preciso ir. Alguém virá acompanhá-la até a ...nave.
Ela não tinha escolha, sentou-se em um banco flutuante , coisa curiosa, e ficou olhando ao redor. Ela estava ficando convencida que deveria ser um sonho, tão impossível era o que estava acontecendo.
Curiosamente, ela avistou a primeira pessoa que não estava coberta por inteiro, dos pés à cabeça. Era um homem alto, com musculatura definida. E completamente pelado. Ele se aproximou dela.
- Olá. Muito prazer, meu nome é Adrian.
- O prazer é meu. Morgana. É uma surpresa ver você, achei que todos andassem totalmente cobertos.
- Não os Discípulos de Regina. Que a Deusa Nos Proteja.
- Que a Deusa Nos Proteja. Morgana repetiu aquelas palavras, parecia que soavam muito bem.
Adrian pegou na mão dela, e disse:
- Vamos. É nesta direção.
CONTINUA