O Mochileiro. #Terceira Parte



A noite caiu, a vila se pintou de estrelas lá no alto e transeuntes aqui em baixo.
Após o banho escolhi a melhor camiseta que carregava na mochila, a única bermuda melhorzinha e o chinelo. Sempre ele. Esperava Juca na sala. Não demorou a sair do quarto. Era incrível como parecíamos. Estávamos praticamente idênticos, o que causou algumas gargalhadas. Com exceção das cores e meu cabelo eternamente bagunçado enquanto o dele estava perfeitamente penteado. Isso denunciava suas origens: esse homem não era daqui. Ele não carregava o estilo do litoral e muito menos de uma vila não muito luxuosa. Comecei a acreditar na possibilidade de ambos estarmos fugindo de algo: ele de um passado e eu de mim mesmo.
- Acorda, garoto! - ele me cutucou quando passou por mim, me chamando para seguir com ele.
Ele me avisou que chamou alguns conhecidos da vila para uma cerveja naquele mesmo bar. Fiquei animado, afinal, mais possibilidades de hospedagens poderiam surgir com esse encontro. Estava errado. Nenhum dos amigos parecia o tipo de gente para manter uma relação. Estavam ali apenas para passar as férias, mas já estavam loucos por suas vidas luxuosas novamente. Ele explicou minha situação, disse que tinha me acolhido em sua casa e, aos sussurros, os amigos tentavam lhe alertar coisas. Eu imaginava o que eles diziam. Não me importava, estava ali pelo Juca. E estava por pouco tempo. Em determinado momento os poucos amigos dançavam um samba animado no meio do salão. Juca mantinha contato comigo e parecia me convidar com o olhar. Ele sorria e eu devolvia os sorrisos com a mesma cordialidade. Isso perdurou por um bom tempo, até que os amigos saíram da mesma forma que chegaram: sem um mínimo cumprimento. Juca abandonou o salão e me assustou ao chegar na mesa. Ele curvou o corpo por trás de mim a fim de encostar seu rosto próximo ao meu.
- Odeio tem que ser simpático com eles - endireitou seu corpo e encostou, quase sentado, na mesa. Ainda bastante próximo a mim.
- Porque os chamou? Não se maltrate assim.
- Eu preciso manter contato. Depois lhe explico. Não é hora para isso, Caio.
- Então estamos conversados. - esbocei um sorriso leve mirando meu olhar no dele. Ele me retribuo como sempre e estendeu seu braço, aproximando sua mão de mim. Ele tocaria meu rosto? Um afago? O acontecia ali? O segundo antes do toque pareceu durar uma eternidade até que senti sua mão pousar em meu cabelo. Fez um afago leve e falou da forma mais leve possível.
- Vamos pra casa? Acho que já deu de samba e cerveja por hoje.
- Agora!
Ele pagou a conta. Pagou o único suco que bebi e iniciamos nossa caminhada até a casa amarela. Ele realmente parecia mais leve com a saída dos amigos. Sua expressão estava mais suave e os sorrisos estavam ainda mais fáceis. Enquanto caminhávamos eu sentia, vez ou outra, seu ombro encostar no meu. Ora seu braço roçava a pele do meu, ora sua mão encostava na minha. E isso acontecia naturalmente. Olhava seu rosto e ele não estava forçando a aproximação. Admito que estava gostando daquilo, mas não esperava mais nada além do que estava acontecendo. Aquilo me bastava.
Já em casa sentamos na calçada como na noite anterior e continuamos nossas conversas sobre tudo e todos. Desta vez tomei liberdade para encostar meu joelho no seu. Ele pareceu não se importar. E digo logo que não parecia tão alto por causa das cervejas. Ele devolveu o carinho e roçou seu joelho no meu com mais força. Um silêncio se fez presente. Ele mesmo interrompeu a pausa.
- Acho.. que.. tá meio tarde, né? - ele falou pausadamente.
- Tarde? Nunca é tarde pra quem é acostumado passar noites acordado.
- Noites em claro? O que tanto você faz na estrada?
- Mato pessoas. Assalto estabelecimentos. Invado bancos.
Ele arregalou os olhos, completamente assustado.
- Estou brincando, bobo. - Admiti. - Quando não encontro almas bonitas como a sua, eu perambulo pelas praças e lugares movimentados. Eu curto as cidades ao meu modo.
Ele riu, visivelmente aliviado, e encostou seu ombro no meu com força, me fazendo tombar de leve para o lado. Me puxou de volta pelo braço, provando um frio na minha barriga com seu toque. Claramente ele percebeu meu corpo estremecer e não tirou sua mão. Contrariando minhas expectativas, ele ergueu sua mão e tocou minha nuca e suavemente, enfiando seus dedos em meu cabelo. Não exitei e forcei minha cabeça pra trás, sentindo ainda mais os dedos dele.
- Eu preciso dormir. Eu preciso mesmo dormir - ele disse tirando sua mão de mim.
- Eu... é... vou dormir também - falei entre pausas vendo ele se levantar e caminhar com pressa até a porta.
-Caio! -
Ouvi meu nome e me virei. Ele estava parado na porta, silencioso, estático e pensativo.
- Me prometa que estará aqui ao amanhecer - me disse esboçando o sorriso desconcertante.
- Pode apostar. Eu estarei.

Nota: desculpem pelos relatos muito longos. Não consigo excluir os detalhes desse conto.


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Comentários


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brunozeha Comentou em 02/03/2016

Uma delícia de leitura!

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haroldolemos Comentou em 02/03/2016

Excelente, amigo! Aguardando a continuação.

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kralegal Comentou em 01/03/2016

Nem precisa se desculpar, tá muito bom assim. Aguardando!

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coroaaventura Comentou em 01/03/2016

Você borda com as palavras. Um bordado delicioso. Renda do nordeste. Ou mesmo renda portuguesa. Continue sem medo do LONGO.

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rafa2014 Comentou em 01/03/2016

Pra mim você pode escrever muito mais. Esse é o egredo da sua escrita. Muito Bom. Parabéns, estou gostando por demais!! Abraço.

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lelis07 Comentou em 01/03/2016

A beleza do conto é impressionante! Consegue me excitar sem ter tocado em momento nenhum em putaria! Escrever assim é para poucos. Ansioso pelos próximos contos. Obs :não se importe s o conto ficou longo, pois é a riqueza de detalhes q dá o toque especial a esta escrita. Abração!




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Ficha do conto

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Nome do conto:
O Mochileiro. #Terceira Parte

Codigo do conto:
79753

Categoria:
Gays

Data da Publicação:
29/02/2016

Quant.de Votos:
14

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