A SOMBRA DO PASSADO - CAPÍTULO 4 - COMPRANDO CUECAS

Quando acordei o Arthur já estava de pé, com a roupa trocada e pronto para sair. Perguntei se ele tinha dormido bem e ele disse que havia ficado acordado praticamente a noite toda, pensando em algumas coisas. Já estava na hora dele sair e nos despedimos. Eu trabalhei o dia todo e tive uma reunião a noite. Cheguei em casa um pouco tarde e ele já estava dormindo. Acabamos nem nos falando naquela segunda.

Na quarta feira já era o último dia de aula dele e na quinta voltaria para sua cidade. Na terça eu também fiquei o dia todo no trabalho, mas na quarta tentei sair um pouco mais cedo para nos encontrarmos e darmos uma volta no shopping. Queria levar ele para comprar umas cuecas novas. Era minha última chance de tentar alguma coisa antes dele ir embora.

Fomos em uma loja que eu gostava bastante de comprar. As cuecas eram mais bonitas, fora dessas bem comuns que se encontra por aí. E por assim dizer, algumas bem ousadas. Dava pra perceber no rosto dele o encantamento. Foi ali que eu comprovei. O garoto não tinha nada de hétero. Hétero não tá nem ai pra cueca. Usa qualquer uma, sem se importar se está velha, feia ou furada. A cada modelo e cor que o vendedor ia mostrando ele ia escolhendo, perguntando de outras cores. O vendedor já era velho conhecido, eu sempre comprava lá. Sou meio viciado em cuecas e acabei comprando alguns modelos novos que havia chegado para mim também.

Quando chegamos em casa ele estava todo empolgado, foi tirar as embalagens e guardar na mala. AÍ comentou que era uma pena não poder experimentar na loja, segundo ele, estava curioso para saber como iria ficar. Então disse para ele experimentar. Aliás, se alguma não tivesse ficado boa dava tempo de trocar antes dele ir embora. Ele entrou para o banheiro, mas lá não tinha espelho grande, para ele ver como iria ficar. Então ele ia, trocava no banheiro e saía para ver no quarto. Lógico que tive que ir comentando se estava ou não ficando bom. Fazia comentários do tipo, nossa viu como valoriza mais o corpo uma cueca assim? Olha essa, como o bojo dá um volume legal. Parecia que ele ficou um pouco sem graça, mas acabou entrando na brincadeira, até perguntando o que eu achava. Na última ele perguntou se eu tinha uma cueca preferida. Nisso eu fui até a gaveta e mostrei pra ele. A minha preferida é uma listrada, da Diesel, toda colorida. Foi uma dificuldade para consegui ela. Não apenas pelo modelo, boxer, mas pelo tecido, ela veste bem, dá um volume legal. Fiz esse comentário e resolvi ousar um pouco.

Havíamos chegado e eu não tinha trocado de roupas. Tirei a calça e troquei de cueca na frente dele. Olha como ela veste bem, eu falei. Eu tinha trocado de costas pra ele, deixado a bunda bem à mostra enquanto abaixava para tirar a cueca que eu estava. Quando virei de frente ele estava meio que boquiaberto pela minha atitude.

Fingi de bobo e continuei. Tá vendo, ela dá um volume legal e é superconfortável, no shopping que fomos não tem dessa loja, mas da próxima vez que você vier te levo lá pra comprar uma dessas. Ele só respondeu...ela é bonita mesmo. E percebi que ele ficou reparando bem na cueca...e talvez em mim.

Aproveitei e fui tomar um banho. Saí do banheiro e ele já estava de roupa trocada, de pijama completo e pelo que pude reparar, estava de cueca por baixo do short, pois não dava para ver nada balançando. Eu saí só de toalha, peguei outra cueca na gaveta e novamente me troquei na frente dele. Essa vez não fiquei de costas, mas reparei que ele estava meio sem graça e acabou nem olhando em mim.

Deitei e ficamos em silêncio durante um tempo até que perguntei o porque dele ter ficado tão sem graça quando viu o filme pornô na TV. Ele disse que o avô era bem rígido sobre esses assuntos e que ele tinha muito medo de certas coisas, principalmente que na maioria das vezes certas atitudes eram vistas como pecado por parte do avô e dos pais.

Naquela noite conversamos bastante. Falamos sobre o episódio da traição da mãe dele, da minha visão antiga sobre pecado e sobre tudo que eu já tinha vivido até então e a minha mudança de perspectiva depois de ter deixado tudo para trás.

Ele acabou confessando que quando tinha fugido de casa foi por conta de que tinha sido pego com um colega da escola vendo exatamente um filme pornô, mas que ele não tinham feito nada, estavam vendo mesmo de curiosidade, pois segundo ele, o amigo não era da igreja e quando ele havia contado que nunca tinha assistido, se prontificou de arrumar um para eles verem.

Marcou com o colega de assistir o filme em um horário que nem o pai e a mãe estariam em casa, mas exatamente naquele dia aconteceu do avô chegar e pegar os dois no flagra. Fez um verdadeiro escândalo, não tinha deixado o amigo sair da casa enquanto os pais dele não lá busca-lo e humilhou ambos de várias formas, com um discurso extremista ligado à religião.

Ele contou que ficou irado com o acontecido e já vinha há muito tempo questionando certas imposições do avô e resolveu fugir de casa. Relatou que depois que tinha voltado com a mãe dela, depois dela tê-lo buscado, as coisas haviam modificado um pouco, a mãe e o pai estavam um pouco mais liberais, um pouco mudados, respeitavam ele mais e não buscavam impor tantas coisas. Já o avô havia se virado totalmente contra ele e disse que nem queria mais saber dele como neto.

De certa forma, como ele disse, havia sido um alívio, porque o avô era insuportável e tudo tinha que ser do jeito dele e ele tendo se afastado foi até melhor, porque se ele ainda tivesse comandando as coisas como antes, jamais teria deixado ele viajar para estudar fora.

Depois de conversarmos bastante acabamos dormindo. Naquele dia nem dava para tentar nada mesmo. Não havia clima. Eu fiquei pensando o quanto aquele garoto devia ter passado durante os anos, reprimido pela família, pensando que o pai o havia abandonado, entre tantas outras coisas. Enfim, pelo menos ele estava levando a vida, correndo atrás de mudar.

CONTINUA...