Nessa hora, eu tive a certeza que a moça do Clube e a que eu via nos sonhos era a mesma. Claudia, a mulher mais linda que eu jamais havia visto. E, pelo menos no sonho, era minha esposa, em uma outra vida. E ela havia tomado consciência, dentro do sonho, do que acontecera na vida real.
E agora? Como eu iria encontrá-la de novo? Viver de sonhos não seria possível. Eu tinha que ficar com ela aqui mesmo.
Na manhã seguinte, fui para o trabalho um pouco mais aliviado, já que tinha conseguido rever Claudia. Mas sobravam dúvidas e preocupações. Mais tarde, fiquei sabendo que meus exames médicos estavam todos normais.
Quase na hora de sair do trabalho, meu amigo bioquímico veio pessoalmente falar comigo. Ele esperou terminar meu horário.
- O que foi, Gilberto?
- Cara, você não faz ideia! Tudo, mas tudo mesmo, estava “batizado”!
- Como assim, tudo?
- Eu estou com o papel dos testes aqui. Parece uma festa das brabas. Tem LSD, MDMA, GHB, Psilocibina, tudo em pequenas doses, e uma quantidade maior de uma droga do Caribe, conhecida como “Sopro do Diabo”! Quem andou pelo seu apartamento?
- Uma “ficante”, uma amiga com quem eu tinha sexo regularmente. Mas terminei com ela há alguns dias, eu estava desconfiado.
- Essa mulher é perigosa, meu amigo. Você poderia ter ficado paralisado, ou coisa pior!
- Muito obrigado, meu caro!
- Você devia denunciá-la à polícia.
- Por enquanto não. Antes disso, vou tentar descobrir os motivos dela.
- Tome cuidado.
Agora, eu tinha a certeza de que Astra estava mancomunada com Nguvu e Mistère , porque com toda a certeza Claudia estava sendo controlada por meio dessa droga. E mais: o tal “marido que havia sumido” devia ser eu mesmo!
Mas eu era um solteirão convicto, se eu tivesse sido casado eu lembraria! No entanto, Astra falou que Claudia não lembrava que tinha sido casada, depois disse que havia falado demais, e mudou de assunto. Seria algum tipo de lavagem cerebral? Com memórias falsas implantadas? Isso era coisa de filme de espionagem, CIA, coisas desse tipo. E ninguém faria isso apenas para ficar com uma mulher. Tinha que haver alguma coisa mais além disso.
E eu precisava rever Claudia, em carne e osso. O sonho era vívido, mas não era suficiente. Só havia uma pessoa que poderia conseguir isso: Astra. Mas eu a havia dispensado, e ela provavelmente estaria muito brava ( para não dizer puta da vida) para sequer me atender. A não ser que ela fosse realmente cúmplice daqueles dois, e tivesse a tarefa de me vigiar, observar e controlar, talvez para algum experimento de controle mental, lavagem cerebral ou sei lá o que.
Cheguei a pensar até que eu e Claudia puséssemos ser espiões internacionais, portadores de segredos que colocariam em risco a Humanidade, e então teríamos sido submetidos a essas experiências para ver se podíamos ser controlados sem a necessidade de sermos eliminados.
Eu teria que pensar em uma forma de contatar Astra, mas não naquele momento. Eu queria dormir e sonhar novamente à noite, para depois arriscar. E foi o que aconteceu. Adormeci, e logo eu estava novamente nos braços dela.
- Amor, que bom ver você! Só isso compensa meus dias horríveis!
- Mas o que eles fazem com você durante o dia?
Ela abaixou os olhos. Estava chorando outra vez.
- Não é só de dia. O tempo aqui passa de maneira diferente. Você está sonhando agora, mas eu posso estar sonhando em um outro horário.
- Eu estou confuso. Sei que aqui somos casados, e vivemos felizes em nossa casa, mas desde que nos encontramos na outra...realidade... ficou tudo meio misturado.
- Eu gostaria que esta fosse a realidade, amor, mas infelizmente parece que isto aqui é um jeito de escapar da vida que temos. Como chegamos a nos encontrar no mundo físico, não sei.
- Eu acho que há uma grande trama por trás disso, querida. E talvez nossos subconscientes deram um jeito para que nos encontrássemos aqui, e depois lá.
Ela me beijou docemente, e ficamos um tempo juntos. Mas então aquela energia estranha foi surgindo, e me vi na cama de novo, na vida real.
Fui trabalhar, e fiquei imaginando como eu poderia contatar Astra, e depois tentar fazer com que ela me contasse o que sabia. Lembrei do final da minha conversa com Gilberto, o meu amigo bioquímico:
- Tome cuidado – disse ele.
- Vou tomar, certamente. Mas eu tive uma ideia. Como eu poderia fazer o feitiço virar contra o feiticeiro, ou melhor, feiticeira?
- Como assim?
- Existe alguma droga que pudesse fazer a pessoa dizer a verdade?
- Bom, algumas agências de governos estrangeiros usavam o ”Soro da Verdade”, que incluía algumas drogas, inclusive a “Burundanga”.
Pedi a ele que pesquisasse a respeito e, se pudesse, me conseguisse um pouco. Ele teria que sintetizar a fórmula, porque não era vendida comercialmente, e mesmo assim não haveria a garantia que funcionasse. Eu disse que, se Astra havia experimentado aquelas coisas em mim, eu podia fazer o mesmo com ela.
Talvez ele conseguisse fazer antes que eu encontrasse Astra. Talvez eu devesse esperar.
Mas não precisei aguardar. Quando peguei meu telefone, vi uma mensagem. Era Astra. Dizia apenas:
- Você quer rever Claudia? Posso providenciar, se você estiver disposto a conversar.
Era chantagem, pura e simplesmente. Resolvi blefar, para não dar a impressão que eu estava louco para revê-la.
- Estou muito bem sozinho. A moça é muito bonita, mas pelo jeito tem uma história complicada demais, que você não quer contar, e eu não quero saber de complicação.
- Tudo bem.
Entendi o “tudo bem” como concordando com o que eu dizia, então escrevi:
- Tchau então, e seja feliz.
Aí ela escreveu:
- Espere, você não me entendeu. Eu disse “tudo bem” no sentido de que eu aceito contar o que aconteceu com ela. E inclusive marcar um novo encontro com o casal.
- Ah, aí tem. Há alguns dias, você não queria contar nada, ainda falou “Vai te catar”.
- Foi um erro meu. Eu fiquei mesmo com ciúme, e é algo que combinamos que não poderia haver. Mas prometo que não vai acontecer mais. E nem precisamos trepar, só não quero que fique esse mal-estar entre a gente.
Ela estava mentindo, eu tinha certeza. Mas resolvi entrar no jogo, afinal era o que eu queria mesmo. Para não parecer afoito, falei que estava com muito trabalho e que a gente poderia se encontrar dali a alguns dias.
- Não pode ser hoje?
- Para que a pressa? Não temos compromisso entre nós, lembra?
- Tem razão. Até lá, então.
A pressa era porque os efeitos das drogas estavam passando, a água já teria terminado e o suco, estragado. Foi melhor assim.
Durante a noite, eu e Claudia conversamos muito e nos amamos, embora cientes de que era um sonho vívido e lúcido, não a vida real. E ela evitava falar sobre o que acontecia no restante do dia. Quando eu perguntava algo, o semblante dela se ensombrecia. E ela disse que sentia que algo ainda pior estaria para acontecer.
Até esse momento, eu não tinha sequer imaginado que esses sonhos lúcidos poderiam ser mais do que apenas sonhos. E me dei conta que a “energia dourada” havia aparecido apenas quando eu e ela estávamos próximos. Claro que eu não podia ter certeza...mas não estava lá quando ela, Nguvu e Meister trepavam. Então, tínhamos algo em comum.
Lembrei do que Astra havia me dito, quando viu meu CD de relaxamento. Depois ela havia ido até a cozinha, claro que para drogar as bebidas , e isso me impediu de fazer a “Projeção astral”.
Então, sem ter mais as drogas no organismo, pus novamente o CD para tocar. O processo foi o mesmo: relaxamento progressivo, atenção aos centros de energia, o formigamento, o barulho nos ouvidos...desta vez, eu vi meu próprio corpo deitado na cama! A seguir, eu pensei em ir até Claudia, e imediatamente eu estava na nossa casa. Era tudo extremamente real, aliás mais do que real. As cores eram mais brilhantes, os sons mais nítidos... então, eu a vi. Ela me olhou com uma expressão linda, e falou:
- Eu queria que nós dois pudéssemos ficar aqui para sempre.
- E por que não poderíamos?
- Eu passei muito tempo pensando no que poderia estar errado, por que estas coisas estariam acontecendo. E senti que nem este lugar, nem o outro, são a realidade verdadeira.
- Claudia... é difícil entender isso. Então, o que é a realidade? O que é real e o que não é?
- Eu acho que Nguvu, Mistère e Astra estão envolvidos em alguma coisa sinistra. De alguma maneira, conseguiram alterar as coisas, e a “nossa” realidade, a verdadeira, está em algum lugar diferente, não aqui e nem lá.
- Mas então, onde estamos?
- Eu desconfio que nós dois temos um tipo diferente de energia, que interessa a eles. E quando eles mudaram tudo, como mecanismo de defesa criamos esta “bolha de realidade” no Plano Astral.
- Querida, como você sabe tudo isso? Eu não me lembro de ter estudado essas coisas, nem que você se interessasse por isso.
- Também não sei. Lembro muito pouco de como as coisas eram antes, mas tenho a certeza de que não eram como estão.
- Se eu entendi bem, Nguvu, Mistère e Astra mudaram a realidade original, e você recriou a nossa no Astral.
- Nós recriamos. Eu sonhava com você e você sonhava comigo. E quando nos encontramos no plano físico, nossa energia aumentou.
- Claudia, Astra me propôs encontrar com vocês novamente .
- Ai amor, eu estou com um pressentimento ruim. Eles devem estar preparando alguma armadilha.
Ela ficou com os olhos marejados de novo.
- Mas você não consegue descobrir o que é?
- Você ainda não entendeu. Eu não estou no meu corpo!
CONTINUA