Desde que Beto havia chegado, Denise percebia que ele estava gentil e bonzinho até demais. Talvez fosse apenas por ter passado as férias com o pai e sentir saudade, tanto de casa, quanto do afeto que só uma mãe pode dar.
- Pode deixar que eu lavo a louça, mãe.
- … Sério? Nossa, que disponibilidade! O que aconteceu? rs - um tanto surpresa.
- Não houve nada, ué, sou um filho tão ruim assim?
- Não, você é um ótimo filho, mas para essas coisas a gente tem que ficar em cima, senão não faz rs. E agora tá se oferecendo para fazer… Estranho rs
- Ah, mãe, a gente tem que se esforçar para agradar quem a gente ama, não é mesmo?
- … Sim, claro - diz Denise, retirando os pratos e colocando-os na pia
- Além do mais, você fez as unhas hoje, não vai querer estragar, né?
- Ahn... Você reparou? - mais uma surpresa - Estão lindas, né? - estendendo diante de si mesma as unhas vermelhas.
- Estão lindas como você, mãe.
- …
Denise acha um pouco estranho o elogio, mas prefere não falar nada
- Deixa eu ver - diz Beto, estendendo a mão, pedindo a dela.
Denise fica na defensiva na hora.
- … Ver o quê, menino? Ôxi!
- Sua mão, suas unhas, ué. Vai, deixa eu ver rs - ainda com a mão estendida, pedindo a dela.
- … Mas nunca quis ver antes, eu hein! - um pouco reticente, dando a mão ao filho.
Ele recebe a mão dela com cuidado e admiração, como se pega em fina porcelana.
- Hum, uau!, ficou linda mesmo, mãe…
Denise não entende por que o filho estava tão generoso, educado até demais.
- Bom, deixa eu fazer minhas coisas e… - ela retira a mão.
- Calma, deixa eu ver a outra…
- Ahn…Tá... Ok - um pouco desconcertada, mas sabia que o filho realmente não estava pedindo nada demais.
Beto recebe a outra mão com a mesma gentileza.
- Que linda … - ele diz de forma macia, realmente admirando, e depois aproximando a mão dela diante dos olhos, para vê-la bem de pertinho.
Denise apenas observa, desconfiada com o filho cavalheiro. Ela se prepara para retirar a mão se ele ficasse mais estranho que isso.
Então ele leva gentilmente a mão da mãe aos lábios para beijar-lhe os dedos, como antigamente se cumprimentava as donzelas.
- Ôxi, Roberto! O que é isso!?? - ela puxa a mão, levando um susto com a atitude do filho. Uma atitude que ela nem sequer imaginava.
- O quê, mãe???
- Por que fez isso???
- É... Só uma forma de dizer que... Você ficou linda… - desconcertado com a reação da mãe.
- Ah, ok… - tímida pelo elogio, mas ainda confusa com o ocorrido - Tá, mas não faça mais isso, ok?
- Ah, tá … tudo bem… desculpe - de cabeça baixa, super sem graça
- … Não precisa se desculpar, filho, é que….
- Não, de boa, eu já entendi…
- … Entendeu o quê?
- Nada, é que eu achei que… Ah, sei lá, mãe, esquece isso.
- Não, Roberto, agora fala!
- Nada, deixa. Eu já devia saber… Esquece isso, mãe.
- ROBERTO! Eu estou pedindo pra você dizer! - agora já um pouco mais firme.
- Eu só achei que… sei lá, a gente ….
- A gente o quê?
- Mãe, você sabe que eu sempre fui travado com as garotas e…
- Quê? Do que você tá falando, Beto?
- Eu pensei que podia demonstrar um pouco do que... Eu…. Sinto… sei lá, desculpe, foi uma péssima ideia, foi mal - diz Beto, totalmente perdido nas palavras
"Não… Não estou ouvindo isso. Não pode ser. Meu filho tentou me xavecar???"
O que Denise mais temia estava acontecendo.
- Mas tipo, de boa, mãe, deixa pra lá…
- "Um pouco do que eu sinto"? O que você quer dizer com isso?
-... Tá, mãe, eu já entendi. Não daria certo mesmo, a senhora é mais velha e …
- Essa não é a questão, Roberto!!!
- Calma, mãe, eu já falei que entendi, ô loko! - já bem envergonhado pelo tanto que tinha dado errado sua investida.
Denise pensou em falar um monte para o filho, passar um sermão daqueles, mas sabia que diante de tudo o que havia descoberto recentemente, Beto não entenderia nada, pois, de alguma forma que nem ela mesmo podia entender, não havia nada de errado no que ele tinha acabado de tentar. Denise não conseguia nem decidir que linha deveria tomar. Pensou em dizer a ele sobre o que estava acontecendo de uns dias para cá, mas no fundo sabia que não daria em nada.
- Eu não tô brava, desculpa, filho - sentindo remorso por ter sido muito enérgica com o filho que só a tinha admirado e elogiado.
- Pôxa, mãe, eu nem te desrespeitei, nem nada... E você reagiu assim…
- Acredite, filho, essa não é a questão
- Então qual é?
- Eu não quero entrar nesse assunto, você não sabe o que eu tenho passado.
- Ok…
Denise nunca tinha visto o filho com um semblante tão caído. Era claro que tinha ficado péssimo, principalmente pela forma como ela reagira à sua tentativa
- Beto, olha… Eu não estou brava. Só acho que nós… não fazemos o mesmo estilo, ok? - diz Denise, sem acreditar que estava dando um fora tão clichê, mas pelo menos talvez fizesse algum sentido para Beto.
- Ok, mãe, de boa..
Silêncio.
Ela retoma:
- Só uma dúvida, por que você disse que sabia que eu não aceitaria?
- Sei lá, por que eu ainda não tenho um carro, um emprego…
- Filho, claro que não, você acha que eu sou assim? Eu nunca fui interesseira, que horror! Isso não tem nada a ver…
- Então não sei.
- O fato de eu ser sua mãe não te diz nada?
- Como assim? - ele pergunta de forma bem natural
- Tipo… essas coisas… namorar, ficar… com a mãe…? Não acha meio… sei lá, estranho?
- Um pouco… Essa questão da idade é sempre um pouco difícil mesmo e…
- Não, não essa questão da idade, isso é o de menos, filho...
- Então o quê?
"É, realmente está na hora de eu parar de bater nessa tecla. Eu preciso apenas aceitar que o mundo é assim e pronto. Aff, que loucura." - pensa Denise.
- Nada, filho, deixa pra lá.
O dia passa e o constrangimento inicial também. Só não passa aquela dor de cabeça chata. Por isso mesmo, Denise marca com um psicólogo. Ela precisava desabafar urgentemente.
No outro dia de manhã Denise já estava no consultório do doutor Armando. Em menos de cinco minutos ela já tinha contado tudo ao doutor, de uma só vez, como uma metralhadora. Contou que nunca soube de nada disso e que agora não podia acreditar no que estava vendo e ouvindo por aí.
Foi uma conversa muito longa, muito além do que geralmente durava uma sessão. E Armando deu um exemplo à Denise que fez muito sentido. Por simples que fosse, ajudou bastante:
- Vou te contar uma coisa, Denise. Eu estava escrevendo minha tese de doutoramento, quando meu orientador corrigiu uma sentença do meu texto. Eu tinha escrito "oque", junto. Você é escritora, sabe que não existe "oque" junto rs. Mas quando ele corrigiu eu discordei imediatamente, porque eu tinha CERTEZA, que assim como existe "porque" junto e "por que" separado, existia também "oque" junto e "o que" separado! Hahaha.
Denise ri bastante. Ele continua:
- Mas você reparou no que eu disse? Denise, já era minha tese de doutorado! Eu sempre li muito e pelo incrível que pareça, essa lição eu não tinha aprendido. Ou melhor, aprendi errado e levei isso para a vida toda. Quando descobri a verdade, não aceitei, porque... Simplesmente não podia ser real! Comecei a vasculhar os dicionários, procurar exemplos em livros e na internet, porque eu tinha CERTEZA que existia "oque" junto! Kkk
- É exatamente assim! Eu vasculhei a internet também rsrs
Depois de mais um bom tempo de conversa, Denise prossegue:
- Mas e essa coisa do meu filho? Eu não o vejo assim, sabe? Eu não queria que ele…
- Eu entendo. Mas você é uma mulher muito bonita, Denise, alguma hora isso ia acontecer mesmo. Mas o que importa é que você já disse que não, e ele tem que aceitar, ué.
- Sim...
A sessão fez muito bem a Denise, que voltava bem mais leve pra casa.
Aproveitando que estava por ali, passou novamente na casa da mãe. Conversa vai e conversa vem, ela fala do ocorrido com o filho:
- … Eu achei muito estranho, mãe. Nossa, que situação! Basicamente dei um fora nele.
- Filha, se você não gosta dele, não tem como mesmo, as coisas são assim.
- Mas quem disse que eu não gosto dele? Ele é meu filho, você acha que eu não gosto dele?
- Sim, filha, gosta como mãe, mas não de outra forma.
- Sim, isso.
- Mas de repente isso pode mudar mais pra frente, não?
- Não vai mudar, mãe.
- Nunca se sabe, filha…
- Tá, a senhora por acaso já ficou com gracinha com o Hugo? - desafia Denise, lembrando do seu irmão mais velho que morava nos EUA.
- Bom… - Dona Vilma se demora a responder
- O QUÊ??? Mãe!!!
- Não fizemos nada demais, foram poucas vezes e...
- Ok, mãe, relaxa. De boa - diz Denise, abraçando a mãe, dando-lhe um beijo na testa, apenas tentando não imaginar essa cena. Era hora de parar de reagir negativamente a essas coisas e aceitar com mais naturalidade.
Tudo era real e ponto final. O mundo inteiro achava normal uma mãe foder com o próprio filho, ou o pai com a filha e coisas assim. Denise estava decidida a não mais queimar os neurônios com essa merda que tinha acabado com a semana dela. Se o mundo é assim, que seja. Chega. Ela havia apenas se enganado durante todos esses anos e isso era tudo.
- Dê uma chance ao menino, filha - diz dona Vilma -, você sabe que ele é um bom filho.
Ainda abraçada, Denise beija-lhe mais uma vez a testa.
- … Mãe - uma imagem vem à mente de Denise: Beto segurando novamente sua mão, quase a beijando... Mas ela afasta a imagem imediatamente -, eu preciso ir pra casa, mãe, te amo.
- Tchau, filha.
Estou só esperando para ver se ela vai acabar pensando como todo mundo ou ficar sempre pensado nisso, claro tambem quero ver se vão ter outras pessoas como ela achando tudo isso estranho.
Caraca, rachei de rir com essa penúria sua, melhor aceitar que dói menos... É normal msm...
Esse sentimento novo nem psicólogo explica. Começa com aquela coceirinha que vem lá de dentro e vai percorrendo o corpo todo até explodir em milhões de estrelas mesmo num dia ensolarado.