Trans Amazônica

No início da década de 80, viajei ao Acre, acompanhando meu pai, que era negociante de látex (borracha da seringueira). Era adolescente, nascido e criado em Goiânia, não conhecia nada da vida. Após muitos perrengues, andando de avião, barco e jipe, chegamos à cidade de Cruzeiro do Sul, o mais distante dos nossos destinos. No entanto, houve um contratempo financeiro qualquer e meu pai precisou voltar a Rio Branco, num teco-teco que só cabia ele além do piloto. Me deixou com seu sócio, o delegado da cidade, que além disso era comerciante e dono de seringal.

Percebendo meu tédio naquele fim de mundo, o Dr. Souza (o sócio), me enviou para o seu seringal, onde a família passava férias. Imaginei algo selvagem no meio da floresta, mas era como uma sede de fazenda, com gerador de energia e piscina natural... um verdadeiro paraíso. Lá conheci os seus filhos, a Aninha, da minha idade e o Joca, mais velho dois anos. Além deles, estava lá também uma moça de não mais que 20 anos, atual esposa do delegado. Obviamente, me interessei por Aninnha, que era uma linda adolescente, apesar de eu não ter experiência sexual nenhuma e nem muita confiança na minha masculinidade, pois não tinha um físico másculo e até sofria pela aparência andrógina.

Porém, se eu visava a Aninha, era, ao mesmo tempo visado por Filó, a esposa do Dr. Souza. Bem mais nova que o marido e afastada da cidade há dias, a moça estava subindo pelas paredes. Desde meu primeiro dia, ela se insinuava e não de forma sutil. Percebendo que apenas provocar não surtia resultado, na minha terceira noite no seringal, ela visitou minha cama à noite. Fiquei apavorado e sem reação ao ver aquela moça nua se esgueirando para as minhas cobertas. Não era nem medo do Dr. Souza, era por não saber o que fazer com uma mulher. Ela tomou toda a iniciativa, de forma bem direta até. Me beijava, acariciava e, finalmente, desceu a mão para minha cueca. No entanto, encontrou o meu pintinho, já pequeno por natureza, todo encolhido.

A mulher ficou possessa, soltou impropérios, me chamou de marica, de capado, de adamado e por aí vai. Engoli a humilhação, pensando que ficaria por aquilo mesmo, porém, mal amanheceu, Filó requisitou uma rabeta (uma espécie de lancha) com piloto e partiu pra Cruzeiro do Sul. Aninha, muito preocupada, avisou que, certamente, ela inventaria alguma história para o marido. Eu não era o primeiro que ela danava com o delegado, que era encantado pela jovem esposa, jamais duvidava dela. Comecei a ficar apavorado, ainda mais quando o piloto da rabeta retornou e confirmou nossas suspeitas. A mulher tinha feito minha caveira e o Dr. Souza não queria saber se eu era filho de sócio ou do presidente da república... a ordem era me pegar e levar até ele.

Pra minha sorte, o piloto, que já conhecia bem a jararaca da Filó, me deu um tempinho e até sugeriu uma rota de fuga. A questão é que eu, menino de cidade grande, tinha medo de tudo e jamais conseguiria atravessar selvas e rios sozinhos. Além do mais, o delegado, àquela altura, já tinha alertado a cidade inteira e dificilmente eu passaria incógnito.

Foi então que Aninha sugeriu uma solução, mas já avisando que, talvez eu não gostasse muito. No desespero em que eu me encontrava, não tinha muita margem pra gostar ou desgostar, mas a ideia dela atingiu minhas inseguranças mais profundas. Cheia de dedos, ela sugeriu que eu me passasse por garota, mais precisamente, me passasse por ela, com suas roupas e seus documentos, até conseguir entrar num ônibus para Rio Branco. Seu plano é que, devidamente travestido, eu fosse levado por Joca para Tarauacá, uma cidade na direção oposta de Cruzeiro do Sul, em relação a onde nós estávamos.

Só fato daquela garota pela qual eu estava interessado acreditar que eu poderia me passar por uma menina sem levantar suspeitas já feria meu orgulho. Ter que efetivamente vestir suas roupas e me comportar como ela, seria impensável... pelo menos em qualquer outra situação que não fosse aquela. Relutei por alguns minutos (não muitos, pois o tempo era curto), depois cedi à idéia.

Aninha me levou para seu quarto, me mandou tomar um banho enquanto escolhia algumas roupas. Disse que havia uma lâmina no banheiro, que eu deveria usar para depilar as pernas e axilas. Questionei timidamente, mas ela reforçou que precisaríamos fazer aquilo direito.

Saí do banho enrolado na toalha, ela me olhou e seus olhos brilharam. “Acho que vai funcionar” – disse. Comecei a suspeitar que aquilo lhe agradava, talvez até a excitasse. “Você tem um corpo delgado, bem acinturado... ninguém vai perceber nada”. Mais uma vez engoli o orgulho. Ela era uma moreninha magra, mas com curvas insinuantes... sempre a achei reservada, mas agora estava bem à vontade comigo.

Sobre sua cama, vi algumas calcinhas de renda, mais cavadas do que eu esperava, um vestido bem curto de alcinha, uma saia também curta e uma blusa do tipo tomara que caia ou, como se dizia na época, “ciganinha”.

“Você não tem nenhuma roupa mais comprida?”, perguntei.

“Aqui no seringal só tenho roupa assim... mas é até melhor, quanto mais feminina você ficar, menos suspeita levanta.” Então, ela começou a mexer nas gavetas e encontrou algo: “Ah, olha aqui: tenho esses sutiãs de bojo que usava quando tinha peitinho pequeno... vai ser ótimo pra você!” Ela parecia estar falando com uma amiga. “Bom”, disse ela, “acho que é melhor você escolher e se vestir logo, né!” Fiquei imóvel, pois ela não fez menção de sair do quarto. Demorou um pouco pra se tocar: “Ah! Vou deixar você à vontade! Mas não demora...”

Peguei uma das calcinhas, eram basicamente iguais, de tule com rendas e um lacinho de fita na parte da frente. Vesti e me veio uma emoção estranha ao senti-la subindo entre minhas coxas, entrando no meio das nádegas. Me olhei no espelho na porta do roupeiro: a pecinha estava perfeitamente encaixada, quase nenhum volume frontal. Corei de vergonha ao perceber que estava admirando a feminilidade do meu próprio corpo. Escolhi logo o vestido, mais para cobrir minha nudez. O caimento foi perfeito, embora ficasse curtinho pois a Aninha era mais baixa um pouco.

Nesse momento, ela entrou. “Uau! Ficou ainda melhor do que eu esperava! Mas você esqueceu do sutiã... deixa que eu te ajudo... a primeira vez pode ser difícil...”

Nenhum dos sutiãs tinha alça, prendia unicamente pelo fecho às costas. Combinavam com as calcinhas e tinham bojos “meia taça”, como se dizia, que levantavam os seios das meninas. Ana fez eu descer o vestido e se posicionou às minhas costas. Olhou satisfeita para a imagem no espelho “Você já tem uns peitinhos...”, observou, me deixando ainda mais envergonhado. Ajustou o fecho e a peça, quase que por mágica, me fez ter o volume de seios juvenis. Nisso, o vestido que estava na cintura, terminou de cair, me deixando de calcinha e sutiã na frente da moça.

Ela me olhou de alto a baixo. “Definitivamente, isso vai funcionar muito bem!” Depois, dando uma volta em torno de mim, continuou: “A calcinha ficou um pouco pequena, né... você tem mais bunda que eu...”, observou. Morrendo de vergonha, ergui o vestido. Aninha então, disse que, agora, vinha a “segunda fase”. Me pôs sentado e começou a arrumar meu cabelo, depois trouxe batom e rímel. Por fim, me deixou olhar no espelho.

Não deixou de ser um choque enxergar uma garota na imagem refletida. Sabia que era andrógino, vivia tentando esconder meu corpo, mas não imaginei que poderia ficar assim tão feminino. “Agora, falta subir no salto”, brincou Ana, me entregando uma sandália com um taco não muito alto. Desajeitado, dei alguns passos. Minha nova amiga avaliou meus movimentos:

“O ideal seria a gente treinar um pouco, mas não temos tempo. Então, meu bem, só tem um jeito: você vai ter que encontrar a menina aí dentro de você... Pensa que sua pele depende disso...”

A recomendação de Ana ficou martelando na minha cabeça... tudo que eu tinha tentado evitar a minha vida inteira, agora era minha principal tarefa. Ao chegarmos na sala, a reação de Joca me deu um susto: pela primeira vez, senti o olhar que um homem lança para uma mulher. Ele, logo em seguida, ficou tão constrangido quanto eu. Mas não houve tempo para constrangimentos. Ana me entregou sua identidade e uma bolsa com as demais mudas de roupa. Joca e eu entramos numa rabeta e partimos até a vilinha próxima ao seringal, onde a estrada passava. Eu tremia, não só por sentir a brisa por baixo do vestidinho curto, mas de medo.

Na vilinha, caminhamos do porto à parada de ônibus, onde estavam diversos peões. Senti seus olhares para as minhas pernas, minha bunda, que ficava “estourando” no vestido. Joca se aproximou de mim, protetor. Ele era um rapaz caladão, sério. Morava em Rio Branco, onde servia ao Exército. Era bem conhecido naqueles interiores e parecia ter bastante amizade com os moradores, apesar de sua relação com o pai não ser das melhores (ou talvez por isso). Levou uns 40 minutos para o transporte chegar. Nos acomodamos lado-a-lado num banco de madeira na carroceria de uma caminhonete... agora seriam quase 200 km de estrada de barro até Tarauacá.


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Comentários


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ksn57 Comentou em 31/05/2024

Votado !

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linecan Comentou em 17/05/2024

Apesar de gostar de contos com mais ação, achei interessante a história. Votei!

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engmen Comentou em 17/05/2024

Narrativas bem escritas valorizam muito um rico enredo como esse... que continue assim!

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fetrans Comentou em 16/05/2024

Baseado num relato verdadeiro, claro que um pouco enfeitado por mim. Continua...




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Ficha do conto

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fetrans

Nome do conto:
Trans Amazônica

Codigo do conto:
213704

Categoria:
Travesti

Data da Publicação:
16/05/2024

Quant.de Votos:
9

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