Armário de Corno 3/4

Outro fim de semana, outro encontro, a mesma tensão no ar. No aparelho de som sintonizado numa rádio qualquer, a introdução de uma música do Cazuza; na mesa de canto, um arranjo de flores ainda embalado, entregue sem cartão. Narcisos, explicou minha sogra. Eu nada dizia, olhos vagando incertos pelo teto, pela mesa, pelos pratos brancos sextavados e talheres prateados que Sam cuidadosamente deitava um a um sobre a toalha de linho branco. Quanta cerimônia.
Eu tinha acabado de sair do banheiro quando minha sogra me avisou que Marco já estava na sala, sozinho porque as duas ainda acabavam com as travessas e copos. Se eu o conhecia pelo menos um pouco, encontraria-o parado em frente à estante, cabeça inclinada para o lado, tentando decifrar a lombada de algum livro. Pelo menos em algumas coisas ele era confortavelmente previsível. Arrumei a postura e jurei a mim mesmo medir as palavras dessa vez, como se o psicanalista não pudesse ler cada nuance de expressão ou gesto meu feito os adjetivos e advérbios daquele bendito conto.
"Que tal minha biblioteca?" tentei soar o mais natural possível.
"Bons autores."
"É? O que define um bom autor?"
"Eloquência, sutileza, honestidade, poder de observação."
"E o que você está observando agora?" perguntei num sussurro quase inaudível, imediatamente amaldiçoando minha curiosidade.
Ele me olhou pensativo. Parecia estudar não o que via, mas o que diria.
[Pra quem não sabe amar, e fica esperando alguém que caiba no seu sonho...]
"Esquece", murmurei sob os próximos versos, em vão.
"Alguém numa luta interna."
Aquele era mesmo meu inferno particular, ver o tempo e a sorte passarem sem fazer nada além de imaginar o que poderia ter sido, refém de um desejo que nunca se concretiza, escondido atrás de um véu tão frágil e tão inútil que parece implorar para ser rasgado. Mas eu tinha meus motivos e Marco sabia disso.
"Se você passou mesmo por onde diz, devia me entender", desafiei.
"O que eu entendo é que você já faz o pior: trair a confiança de quem te ama. Você pula a cerca com mulheres. Será que um dia vai se decidir pelo que quer de verdade? Ou vai continuar pra sempre nessa moleza?"
Desabei no sofá sem dizer nada e Marco ocupou o lugar à minha esquerda, perigosamente próximo.
[Vamos pedir piedade, Senhor, piedade, pra essa gente careta e covarde...]
Desliguei o rádio e me sentei à mesa, refugiado numa distância temporária.
"A gente vai fazer de tudo quando chegar a hora." Eu disse mesmo aquilo?
"Foi a promessa mais sexy que já ouvi", confirmou a heresia no segundo em que Sam e minha sogra apareciam para me resgatar.
Durante o almoço, Marco aproveitou cada distração das duas para me mandar recados eróticos. Da base do dedo até a ponta, fazia o anel escorregar para cima e para baixo — não uma aliança, mas um anel casual, substituível por qualquer outro — enquanto seus olhos me estudavam com brilho malicioso, como se contemplassem todo tipo de possibilidade. Aproximei-me da Sam até quase chocar minha cadeira contra a dela e comentei qualquer coisa sobre um restaurante de Ipanema, num pretexto mais que óbvio para escapar do Marco e seus maneirismos fálicos.
"E aquele bistrô da Farme que minha prima indicou? Vamos conhecer?" ela se animou.
"A Fargay? Lá é cheio de viado", tentei me afirmar por diferença.
Com o anti-clímax, ela revirou os olhos e foi levar os pratos sujos para a cozinha, seguida pela mãe. Claro que Marco aproveitou a deixa para retomar do ponto onde tínhamos sido interrompidos, levantando-se tão logo nos vimos a sós. Tentei me esquivar. "Você não tem coragem de..."
Mas ele tinha e já estava fazendo. Tranquilamente, como fazia tudo mais, postara-se atrás de mim, mãos nos meus ombros, barba por fazer roçando meu pescoço com uma languidez felina que eriçou todos os pêlos da minha nuca. "Há quantos anos você quer isso? Hum?" sussurrou no meu ouvido. "Por que esperou tanto?"
Seu hálito quente na minha orelha fez um arrepio descer pelo meu corpo. Desorientado de tensão e tesão, desviei os olhos para o fim de tarde cinzento como num típico começo de março. "Vai chover. Veio de carro?"
O assunto era outro, mas a postura continuava a mesma. Foi a claridade súbita de um raio que me fez levantar no momento exato em que as duas voltavam da cozinha. Com a desculpa de buscar um copo d'água, troquei de cômodo com elas e escondi atrás da bancada a ereção que já se desenhava nos meus jeans justos. Cinco, seis, sete segundos até o trovão longo e alto.
"Ainda está longe", Marco disse da porta da cozinha.
"Mas vem rápido. Melhor você ir."
"OK."
Despediu-se de todos e saiu com um convite para outro almoço, no sábado seguinte. Sam adorara as aventuras literárias do convidado e teria imenso prazer em novo encontro.
A refeição em si até seria tranquila. O problema foi depois, na cozinha separada por uma bancada alta. Naquele sábado, além do cômodo, o móvel dividia culpados e inocentes: do lado da cozinha, eu e Marco em muda cumplicidade; do lado da copa, Sam repassando a lista do supermercado, alheia às loucuras que a mão do Marco fazia dentro do meu moletom. O safado passava o dedo na boca e ia e vinha entre a cabeça do meu pau e as bandas da minha bunda, percorrendo o caminho sem pressa, como se minha esposa não estivesse bem ali na nossa frente. A baba do pau e da boca não impediu o dedo de entrar queimando, bem na hora em que ela levantava os olhos para uma última checagem.
"...Café. Falta alguma coisa?"
"Manteiga. Óleo. Azeite", Marco provocou num sussurro.
Era um jogo arriscado, mas Sam não fez mais que franzir a testa. Dos três, o único razoável era a manteiga, embora ainda tivéssemos suficiente para pelo menos um mês.
Com a falta de reação, Marco foi em frente. Suei frio quando Sam anunciou que ia pegar a bolsa e ele começou um discreto vaivém. Já via a hora de encher de leite a frente do moletom desprotegido de roupa íntima, mas uma expressão subitamente séria no rosto de Marco baixou meu fogo na hora, parando a fervura quase no gargalo. No meu estado natural de tesão e confusão, eu nem notara Sam de volta à cozinha. Respirei fundo, olhar fixo na lista à minha frente. Devia estar aparentando uma leve falta de ar.
"Tudo bem, querido?"
"Tudo."
"Tem certeza?"
"Samantha..." sussurrei entredentes.
Sem dizer nada, ela guardou a lista na bolsa e saiu sob a chuva incipiente, ar sério e intrigado. Fiquei só vigiando pela vidraça enquanto Marco mordiscava meu pescoço. Não era de nada, aquela chuva.
"Pode respirar agora." Marco sorriu e acho que ri de tensão, uma risada meio gemido, meio suspiro. Enfiou o dedo o mais fundo que pôde e minha bunda respondeu contraindo, mordendo, tragando. "Viu? Sua bunda quer meu pau”, disse puxando meu moletom até os joelhos.
Eu não conseguia responder, respiração falhada, pernas trêmulas do prenúncio de gozo, tão bambas que precisei me debruçar no tampo para não cair. Dois toques embaixo da glande me fariam melar toda a lateral do móvel. Quando entrou mais um dedo e os dois se separaram lá dentro, esticando as pregas, quase gritei contra o granito. Nem se quisesse, poderia voltar atrás. Faltava algo ali, algo maior que um ou dois dedos. Era a deixa para Marco me pôr de quatro no piso frio da cozinha e fazer do meu rabo o que bem entendesse, mas ele tinha outros planos. Despido de toda cerimônia, praticamente me empurrou pelo corredor até a porta da suíte, onde estanquei de súbito, agarrado à moldura feito gato às bordas da caixa de transporte. Marco aliviou a pressão e sorriu, paciente. Eu continuava paralisado entre o medo e a curiosidade, como se aquele fosse o portal de um mundo mágico e assustador no qual poderia me perder para sempre. Havia no quarto algo de íntimo e conjugal que não havia na cozinha.
A solução do Marco foi abrir as calças e me pôr de joelhos ali mesmo. Tirou a camisa pelas costas e os sapatos pelos calcanhares, desceu a mão pela tênue trilha de pelos e num gesto contínuo baixou a cueca boxer preta para me apresentar seus 19cm de carne rija e pulsante, o tom violáceo em nítido contraste com a pele clara da virilha, como se o tamanho por si só já não chamasse atenção suficiente. A visão da cabeça grande e babada fez minha boca salivar. Vontade era o que não faltava, mas e a coragem?
"Vou ter que te forçar?" Sorriu abusado.
Abri a boca e estiquei a língua. Devagar e quase sem encostar, como se por medo de um castigo divino, tracei com a ponta da língua a veia azulada que serpenteava pela curva inferior. Nada terrível aconteceu. Não fomos fulminados por um raio, não enlouquecemos, não caímos mortos. Circulei a chapeleta, deixei-a escorregar até a entrada da garganta e comecei um vaivém com pressão uniforme em toda a extensão, sempre atento ao ritmo da respiração e gemidos do Marco. Cada vez que o sentia perto de gozar, parava e prolongava o boquete com lambidas em volta da cabeça, numa dúvida mortal sobre que parte minha queria mais a porra daquele macho. Se ele não tivesse me erguido pelos cabelos, aquilo não acabaria nunca. Abaixou-se para agradar minha rola com a mesma entrega que eu dedicara à dele e foi minha vez de deixar escapar um fiapo de gemido. Já não me continha um décimo disso quando ele me virou de costas, abriu minha bunda com as duas mãos e meteu a língua. Aquela coisa macia e molhada pincelando meu cu me fez jogar a cabeça para trás com um urro de assustar o quarteirão.
"Era aqui que você queria minha boca?" Um tapa estalou na minha bunda e a boca começou a chupar com força e ritmo.
"Que boca, Marco. Assim eu vou... Ahnnn..."
"Tem camisinha?" pediu antes que eu involuntariamente cumprisse a ameaça.
"Não usamos. Mas tem um creme que pode servir de lubrificante."
Voltei com o creme em tempo recorde e ele me recebeu com um abraço apertado que prensou nossas rolas para o mesmo lado. Num segundo estava atrás de mim, barba por fazer roçando minha nuca, pau lubrificado na mão, joelhos flexionados para se adaptar à minha estatura um pouco menor. Encostou na portinha e ficou esperando o convite para entrar. Ofereci-lhe uma empinada discreta e ele recuou com cara de desentendido. Eu ansiava, mas Marco se limitava a mordiscar meu pescoço e esfregar a cabeça na entrada como se quisesse esporrar ali mesmo. Só aceitou na terceira oferta, e mesmo assim até a metade. Grunhi de dor e ele parou um minuto para que eu me acostumasse ao intruso. Agora era só começar a bombar, mas ele agia como se tivéssemos todo o tempo do mundo e eu não ia implorar para ser fodido. Esperei o quanto pude antes de fazer exatamente o que ele queria: "Agora, por favor. Mete, Marco, mete até o fundo".
"Meto, mas antes fica de quatro na cama. Pra quem já se controlou por tanto tempo, você está bem apressadinho", brincou percorrendo meu corpo com apertões abusados, de posse.
Fiz sua vontade e ele devagar foi fincando seu mastro de conquista de território, pontas dos dedos cravadas na carne dos meus quadris, magra mas macia o suficiente para agarrar com gana tamanha que chegava a doer. Não tinha como não acelerar, tanto ele como eu. As mãos me imobilizavam e o ritmo nunca falhava. O que Sam diria se visse seu marido sendo possuído de quatro na sua cama com aquela violência, e pior, sem camisinha? E depois gozando como nunca, lágrimas escorrendo dos cantos dos olhos?
A comporta se abrira e desandei a chorar em silêncio, ponderando vagamente que nem Sam se desmanchara assim na sua primeira vez. Minha cabeça era um redemoinho e a evidência viscosa que escorreu por entre minhas pernas quando me levantei foi o que faltava para fazer meu rosto e minhas orelhas queimarem de vergonha. Passei a mão pelos cabelos úmidos de suor e fui esconder no banheiro aquela minha cara de derrota e raiva de mim mesmo. Olhava o espelho feito um idiota quando a cabeça do Marco apareceu na porta do banheiro; perguntou se eu queria conversar e sacudi a cabeça em negativa, incapaz de pronunciar um simples 'não'.
"Vai dormir um pouco, então", aconselhou em tom quase paternal.
Sim, dormir. Descansar. Se pelo menos eu conseguisse.

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Ficha do conto

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Nome do conto:
Armário de Corno 3/4

Codigo do conto:
89036

Categoria:
Traição/Corno

Data da Publicação:
12/09/2016

Quant.de Votos:
3

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