Passaram-se aproximadamente 3 horas quando senti meu celular vibrar no meu bolso, me fazendo despertar do pesadelo que eu estava tendo. Em meu pesadelo, eu estava em pé frente a uma parede braca, e apontando armas em minha direção estavam Robinho, Samuel e vários policiais.
-Alô - atendi o telefone com voz de sono
-Como vocês está? Te procurei pela favela toda e não te achei, eu fiquei preocupado - dizia uma voz rouca do outro lado da linha - Como você some assim no meio de um tiroteio, tu ta maluco?
-Robinho, a Anne não...
-Robinho? - disse a voz do outro lado da linha - porque caralhos meu irmão fica te ligando?
-Samuel? - perguntei surpreso
-Quem mais seria nessa porra?
-Eu achei que...
-Você e meu irmão estão tendo um caso? - disse ele rispidamente - me responde a verdade agora.
-Por favor Samuel, eu estou cansado e não preciso te dar satisfações, ou você esqueceu de como me tratou na noite de ontem? Como se eu fosse um lixo, um merda.
Durante alguns segundos só restou o som de nossas respirações na linha, e depois, como um presságio de que algo ruim fosse acontecer, o silêncio.
Samuel havia desligado a chamada.
Peguei meu celular e enviei mensagem para Anne informando que estava tudo bem, mesmo que com toda certeza que essa altura eu já tivesse virado assunto no hospital. Uma cirurgia com o chefe geral não é para muitos né.
Meu bip tocou me fazendo levantar rápido e correr em direção a sala que o policial estava em observação. Minha cabeça já estava se preparando para o pior, com toda certeza eu fiz algo errado. Aquilo custaria a minha carreira.
Corri de forma desesperada pelos corredores, e ao chegar na sala tudo parecia estar calmo. Vicente estava escutando os batimentos cardíacos do Tenente, e ele estava de olhos abertos encarando-o.
-Olha ele ai - disse Vicente - esse foi o homem que salvou sua vida.
-Está tudo bem? - perguntei surpreso - que dizer, muito prazer, Yuri, residente da Cárdio.
-Inclusive é um grande disperdício você ser residente da cárdio, acho que deveria voltar para o trauma.
Fiquei surpreso e envergonhado ao mesmo tempo. Receber um elogio daqueles de um Chefe não era pouca coisa.
-Olá, Yuri! - disse o Tenente me fazendo olhá-lo pela primeira vez.
Em uma análise rápida, acredito que ele deveria ter cerca de 1 metro e 92 de altura, era branco, loiro, bem forte por conta de sua profissão e possuia um par de olhos muito bonitos, que deixaria qualquer garota apaixonada à primeira vista.
-Me chamo Erick, Tenente Erick. Como posso te agradecer por ter salvo a minha vida?
-Só em você não morrer já é um grande agradecimento pra mim.
Erick deu um risinho e pude perceber que ele sentiu um pouco de dor, mas antes que eu pudesse perguntar qualquer coisa fomos interrompidos por uma enfermeira que entrava na sala acompanhado por uma senhora e uma criança.
-Papai - disse a menininha correndo em direção a ele e pulando em cima da maca - você me assustou!
Imediatamente, quando ela pulou na maca, antes que ela pudesse o abraçar e o machucar peguei e a segurei no colo, foi em fração de segundos.
-Papai está sentindo um pouco de dor - falei enquanto ela tenta se soltar de meus braços - que tal devagar eu te colocar ao lado dele? Assim ele não se machuca e se recupera mais rápido para voltar pra casa.
Aquela pequena menininha ficou me encarando por um tempo e logo em seguida assentiu com a cabeça.
-Essa é a Isa, doutor. - disse o Tenente - ela é bem espivetada assim mesmo
Isa devia ter cerca de 5 anos, era pequena, possuía cabelos negros lisos e longos, e sua pele era branquinha como a de seu pai. Seu rosto possuía pequenas sardas o que a fazia parecer uma verdadeira boneca.
-Oi Isa, eu sou o tio Yuri, o médico do seu pai.
-Então você que salvou ele? - disse ela me abraçando imediatamente - a vovó falou que um super-herói ia salvar meu pai.
Dei um riso de leve e retribui o abraço dela.
-Olha, eu não sei se eu sou um super-herói, mas fui eu quem salvou seu pai sim.
A coloquei cuidadosamente na maca e fiquei observando todo o carinho que ela tinha por ele. Era nítido que ela amava muito o pai dela.
-Papai vai melhorar logo e nós vamos fazer uma festa do chá com todas as bonecas pra comemorar, tá bom? - disse Erick para Isa.
Era engraçado ver aquele homem de quase 2 metros falando de chás e bonecas. Era como se ele fosse uma pessoa completamente diferente agora, sem aquele semblante de preocupado, de quem esperava sempre o pior acontecer.
-E será que o tio herói vai poder tomar chá com a gente? -disse ela sussurrando para seu pai enquanto me encarava
-Sabia que o poder do tio herói é ter uma audição muito boa? - falei a deixando vermelha, como se eu realmente tivesse feito alguma mágica.
-Viu papai? Ele tem poderes - disse ela mais baixo ainda dessa vez
-Se estiver tudo bem pro seu pai, eu prometo que assim que ele melhorar e vocês derem a festa do chá, se eu for convidado eu irei.
Sem jeito, agradeci novamente e me afastei para dar mais espaço à família, que agora aproveitava um momento de alívio e felicidade. Observando-os, percebi a maneira especial que Erick tratava sua filha e sua mãe. Era admirável.
Enquanto refletia sobre isso, meu celular vibrou novamente. Era uma mensagem de Anne, agradecendo pela informação de que tudo estava bem e me parabenizando pelo trabalho. Senti um arrepio percorrer minha espinha e um sorriso involuntário se formou em meus lábios. Embora o momento fosse de alegria e realização, minha mente vagou por um instante, lembrando o telefonema abrupto com Samuel mais cedo.
O que será que me esperava de volta na favela? Aquela pergunta permaneceu em minha mente, mas decidi deixar para lá por enquanto. Meu foco estava em descansar.
Sai daquela sala e peguei um moto táxi até a favela, onde assim que cheguei fui para casa e apaguei, acordando apenas no dia seguinte.
-Resolveu aparecer? - disse uma voz me acordando.
Abri os olhos assustado e olhei para o lado da cama de onde vinha a voz, Samuel se encontrava parado ao lado da cama.
-O que está fazendo aqui? - perguntei assustado - não quero você aqui.
-Sabia que enquanto você estava ajudando o policialzinho de merda meu irmão estava perdendo sangue por uma bala que eles atiraram?
-Como assim? - falei me levantando de forma abrupta.
-Como assim? Como assim que você se mostrou um grande babaca! Agora você defende PM né?
Comecei a chorar descontroladamente. Não podia ser. Isso não estava acontecendo.
-Cade ele? - perguntei enquanto colocava uma roupa rapidamente
-Na clínica - disse Samuel - a Anne tentou salvá-lo mas ele ainda está desacordado
-Pois a Anne está na pediatria - gritei o empurrando - eu tinha que estar aqui, eu tinha que salvá-lo, eu conseguiria salvá-lo.
-E onde você estava? - Samuel gritou comigo - salvando o primeiro policialzinho de merda que você encontrou? Você é mesmo uma putinha! Não pode ver um fuzil que você já se apaixona.
-Cala a porra da sua boca - gritei dando um soco na cara dele - nunca mais fale assim comigo seu merda.
Sai de casa em direção a clínica e não conseguia parar de chorar. O que ele disse era verdade, realmente era culpa minha.
-Cade ele? - perguntei assim que entrei e dei de cara com Anne
-Amigo, calma, ele está...
-Cade ele Anne? Me responde!
-Na sala 3.
Corri em direção a sala 3 como se minha vida dependesse daquilo. Eu não podia perder a amizade de Robinho de novo, eu não queria.
Assim que entrei na sala dei de cara com Robinho deitado em uma maca e com os olhos abertos.
-Você está vivo? -Perguntei me aproximando
-Claro que sim - sussurrou ele - achou que ia se livrar tão fácil assim?