— O que aconteceu? — Giovanna perguntou, arregalando os olhos ao ver meu rosto molhado de lágrimas.
— O que aconteceu foi que seu irmão fez uma aposta sobre mim — respondi alto, sabendo que Kadu ainda poderia escutar lá dentro. — Eu fui um brinquedo, só isso.
Kadu surgiu na porta, com uma expressão de quem tentava não perder o controle. — Você está sendo infantil — ele rebateu, tentando manter a voz baixa, mas o tom de irritação era claro. — Me deixa explicar.
— Infantil? — eu praticamente gritei, com a mágoa corroendo cada palavra. — Eu sou infantil? Você me apostou com os seus amigos, Kadu! Eu fui um jogo pra você! Agora me diz, quantas outras pessoas você usou assim nessa escola?
Giovanna lançou um olhar chocado para o irmão. — Kadu, você realmente foi babaca a esse ponto?
— Não se mete, Giovanna — ele respondeu, franzindo o rosto. — Isso é entre mim e o meu namorado.
— Seu ex-namorado — rebati, sentindo meu coração pesar.
Kadu suspirou fundo, passando as mãos pelo rosto como se buscasse forças. — Yago, só me escuta, por favor — ele disse, tentando manter a calma. — Eu realmente fiz essa aposta, eu admito. Mas desde o primeiro dia em que te conheci, eu esqueci completamente disso. Eu podia ter te beijado naquela festa quando você tava bêbado, mas o que eu fiz? Te afastei daquele cara que só queria te usar, e fiquei de olho em você a festa inteira. Eu estava lá pra te proteger!
Revirei os olhos, a lembrança da festa ainda ecoava na minha cabeça. — Proteger? Kadu, você que me drogou naquela festa! Você quer que eu acredite em você agora?
— Sim, e eu me arrependo disso mais do que você imagina — ele disse, e a voz começou a tremer. Eu podia ver o desespero nos olhos dele. — Porque foi ali que eu percebi o quanto você é incrível. Eu descobri que… — Ele hesitou, mas então soltou, com lágrimas escorrendo. — Que eu te amo de um jeito que nunca amei ninguém. Nunca me importei com mais ninguém assim.
Eu ri, sem acreditar. — Por favor, Kadu. Você ganhou sua aposta, parabéns. Agora volta pra escola e “passa o rodo” nos calouros que quiser.
Ele ficou vermelho de raiva, quase gritando. — Eu não quero mais ninguém, porra! — gritou tão alto que sua voz ecoou pela sala. — Eu quero você! Eu amo você! Se eu tiver que ficar com alguém, esse alguém tem que ser você. Quando tô com você, eu quero gritar pra todo mundo que EU TE AMO!
Nesse instante, o silêncio tomou conta do ambiente. Eu podia ouvir até os batimentos do coração dele. Pela intensidade nos olhos de Kadu, eu sabia que ele estava sendo sincero. Mas eu estava ferido demais para aceitar isso. O silêncio foi quebrado por uma tosse, e quando olhei em volta, percebi Bia, a mãe de Kadu, parada ali, observando tudo.
Ela olhou para ele, incrédula, sem entender bem. — Você… o quê? — perguntou, tentando assimilar o que ouvira.
Ele suspirou, visivelmente nervoso, sem coragem de encará-la. — Eu amo o Yago — disse, a voz agora baixa, tremendo. — A verdade é que eu fui um idiota e perdi ele, mas eu amo esse menino. Amo ele de um jeito que nunca amei ninguém. Se você e o papai quiserem me mandar pra longe por isso, podem mandar… mas não vai mudar nada. Eu amo ele.
Bia o olhava com uma expressão indecifrável, mas lentamente se aproximou. Aquela mulher loira, elegante, que sempre parecia tão altiva, ajoelhou-se à frente do filho e limpou uma lágrima do rosto dele. Kadu olhava para o chão, como se temesse a reação dela.
— Por que motivo você acha que sua mãe te internaria ou mandaria embora só porque você gosta de alguém? — ela perguntou suavemente, ainda com a mão no rosto dele. — Desde quando virou pecado amar alguém?
Ele olhou para ela, chocado, como se aquelas palavras não fossem reais.
— Kadu… — Bia começou, e sua voz tremia levemente. — Eu sei que talvez eu não esteja presente tanto quanto deveria, eu sei disso, mas eu amo vocês. Amo você e sua irmã, e quero que sejam felizes. Se você é feliz com esse menino, então vá ser feliz, entendeu? Eu só quero o seu bem.
Kadu a abraçou, deixando finalmente as lágrimas caírem. Era como se uma barreira tivesse sido rompida. Eu observava de longe, ainda com o coração apertado, mas sentindo uma ponta de alívio ao ver o apoio que ele encontrava na mãe. Eles ficaram abraçados por um longo tempo, como se só agora ambos entendessem o que realmente importava.
Quando Bia finalmente se afastou, Kadu ergueu o olhar na minha direção. Ele parecia tão quebrado quanto eu. Era como se cada palavra tivesse se esgotado, mas ainda restasse alguma esperança. Ele deu um passo na minha direção, e eu dei um para trás, instintivamente. Não confiava em mim mesmo para estar tão perto dele depois de tudo.
— Yago… — Kadu sussurrou, a voz carregada de uma vulnerabilidade que eu nunca tinha visto nele antes. — Por favor, me deixa te explicar melhor. Só nós dois. Eu preciso falar com você, eu preciso… preciso que você entenda.
Eu mantive o olhar desviado, ainda sentido o peso das palavras e da humilhação da descoberta. Meu orgulho me dizia para ir embora, mas algo me segurava ali.
— Eu não sei, Kadu. Não sei se vou conseguir esquecer tudo isso — respondi, e minha voz parecia tão frágil que eu quase não me reconhecia.
Ele estendeu a mão em minha direção, hesitante. — Só me dá essa chance, por favor. Se depois você quiser ir embora, eu juro que nunca mais te importuno.
Olhei para Giovanna e para Bia, que estavam claramente incomodadas com toda a situação. Não queria fazer esse drama na frente delas. Respirei fundo e fiz um sinal para que ele me seguisse até o quarto. Kadu me acompanhou em silêncio, e cada passo parecia um novo peso no peito. Entramos no quarto e, antes mesmo que eu pudesse me sentar, ele fechou a porta com cuidado e ficou ali, parado, como se estivesse prestes a encarar o tribunal.
— Yago… — Ele se aproximou lentamente, as mãos tremendo. — Eu… eu sei que nada que eu diga agora vai apagar a dor que te causei. Eu sei que fui o maior idiota, mas eu… eu preciso que você entenda que eu nunca quis brincar com você.
Eu cruzei os braços, tentando me proteger da força daquelas palavras. — Você diz isso agora, mas o que eu vi foi exatamente o contrário. Uma aposta, Kadu. Uma aposta para ver quem pegava mais gente? Que tipo de pessoa faz isso? Que tipo de pessoa aposta com a vida dos outros?
Ele passou as mãos pelo cabelo, frustrado. — Eu sei, eu sei! Eu fui um babaca, um moleque irresponsável. Mas você… você mudou tudo. Desde que eu te conheci, eu… — Ele fez uma pausa, os olhos marejados. — Eu comecei a ver as coisas de um jeito diferente. Sabe aquela noite da festa? Quando eu te vi, bêbado, e percebi que qualquer um podia ter se aproveitado de você… eu fiquei apavorado. Foi ali que percebi que eu sentia algo por você.
— Então sua desculpa é que, no meio da sua aposta, você percebeu que me queria? — rebati, ainda sentindo o gosto amargo da traição.
Ele se aproximou mais, agora tão perto que eu podia sentir sua respiração acelerada. — Não, Yago. Não é só querer. Eu me apaixonei por você. E não é só uma atração qualquer. É uma coisa que… parece que eu não sei viver sem você. Quando estou contigo, é como se tudo fizesse sentido. Eu posso ser eu mesmo, sem máscaras, sem ter que fingir nada.
Meus olhos encheram de lágrimas, mas segurei firme. — Isso não apaga o que você fez, Kadu. Você brincou comigo e com os meus sentimentos. Eu acreditei em você… Eu me entreguei para você!
Ele colocou as mãos no peito, como se as palavras tivessem perfurado seu coração. — Eu sei, e eu te peço perdão. Se eu pudesse voltar no tempo e apagar essa aposta, eu faria. Mas, Yago, o que eu sinto por você é mais forte que qualquer coisa que eu já senti. Eu não consigo imaginar minha vida sem você.
Dei as costas para ele, tentando manter a calma. — Eu não sei se consigo acreditar em você agora. É difícil olhar pra você e ver qualquer coisa além da mentira.
Ele veio até mim e, muito devagar, tocou meu ombro. — Por favor, olha pra mim, Yago. Só olha pra mim e me diz que você não sente o mesmo. Que você não sente que a gente… que a gente pertence um ao outro.
Eu fechei os olhos, tentando afastar a confusão. — Eu… eu não sei, Kadu. Eu realmente não sei.
Ele deu um passo à frente e segurou meu rosto entre as mãos, com uma delicadeza que me desarmou. Seus olhos estavam fixos nos meus, e neles havia uma sinceridade que me deixava vulnerável.
— Yago, eu te amo. Não é só uma paixão boba, não é um capricho. Eu quero estar contigo, viver contigo. Eu quero ser o homem que você merece, quero mudar tudo que for preciso para te fazer feliz. E se você ainda tiver dúvidas, se ainda estiver com medo, eu vou estar aqui. Vou esperar o tempo que for, mas eu não posso desistir de você.
Meu coração batia acelerado. Parte de mim queria acreditar, queria me jogar de novo naquele sentimento, mas a outra parte ainda estava machucada demais. — E se eu nunca conseguir confiar em você de novo?
Kadu suspirou e, pela primeira vez, baixou a cabeça. — Eu não posso te obrigar a confiar em mim. Só posso te mostrar, dia após dia, que eu sou digno disso. Eu posso ter sido um babaca, um moleque, mas eu juro que eu vou mudar. Vou fazer tudo o que você quiser, vou te provar que o que sinto é real.
Eu respirei fundo, ainda sentindo aquela barreira invisível entre nós. — Você me machucou, Kadu. E isso não vai desaparecer só porque você quer.
Ele assentiu, com os olhos cheios de lágrimas. — Eu sei. E vou passar o tempo que for necessário curando isso. Porque te perder seria como perder uma parte de mim. Eu já perdi você uma vez, e eu não vou desistir de lutar para te reconquistar.
Fiquei em silêncio, observando o rosto dele. O Kadu que estava ali parecia mais vulnerável, mais humano do que qualquer versão dele que eu tinha conhecido. Eu ainda estava magoado, mas algo dentro de mim me fazia querer dar uma chance.
— Eu não prometo nada — falei, finalmente quebrando o silêncio. — Não sei se vou conseguir esquecer ou perdoar tudo, mas… eu vou tentar.
Um brilho de esperança surgiu no olhar de Kadu. Ele segurou minhas mãos com força, como se temesse que eu fosse embora a qualquer momento.
— Isso é tudo que eu preciso, Yago. Só uma chance. Eu juro que não vou te decepcionar de novo.
Kadu me deu um beijo lento e apaixonado, que derreteu toda a mágoa que ainda pairava no meu peito. Era como se, naquele instante, perdoá-lo fosse a coisa mais certa a fazer, e eu soubesse que, apesar de tudo, meu coração pertencia a ele. E eu sentia que o dele pertencia a mim.
Ficamos deitados em silêncio, abraçados na cama dele, com as batidas dos nossos corações se acalmando aos poucos. Ele me envolveu com seus braços, como se tivesse medo que eu pudesse desaparecer a qualquer momento. Fechei os olhos, sentindo o calor do corpo dele e o cheiro que já me era tão familiar. Aos poucos, fui me desligando de tudo ao nosso redor e escorreguei para o sono, seguro e confortado.
Mais tarde, acordei de leve ao sentir Kadu me cobrindo com cuidado e me dando um beijo na testa, suave, como se não quisesse me despertar. Peguei o celular e, ainda meio sonolento, mandei uma mensagem para minha mãe, avisando que dormiria na casa de um amigo e que seguiria direto para a escola no dia seguinte.
A noite foi tranquila, e dormir nos braços de Kadu, que me segurava firme, era como um abrigo onde nada de ruim podia me alcançar. Ele parecia ter um receio silencioso de que eu pudesse sair dali, e seus braços me mantinham preso a ele, num toque de carinho e necessidade. Eu podia sentir sua respiração calma na minha nuca, o calor de seu corpo pressionado contra o meu. Naquela noite, meu sono foi profundo e pacífico; não sonhei com nada perturbador, mas acordei com uma sensação de leveza, como se os problemas tivessem sido deixados do lado de fora do quarto.
Acordei devagar, ainda sob o peso do cansaço, mas algo estava diferente. Senti o peso de um corpo em cima do meu, e um desconforto crescente começou a tomar conta de mim. Pisquei algumas vezes, tentando afastar a sonolência.
— Kadu, eu ainda tô dormindo… — murmurei, com a voz abafada.
Mas não houve resposta. Em vez disso, uma mão firme cobriu minha boca, e eu senti o pânico explodir dentro de mim enquanto meu corpo era preso por outro, que se movia sobre o meu com uma presença ameaçadora.
Uma voz fria e conhecida sussurrou em meu ouvido, cada palavra gotejando um tom de ameaça velada:
— Imagina minha surpresa quando minha mulher ligou falando que meu filho é gay e está namorando um amigo da escola.
Era Marc. Olhei para o lado e Kadu não estava mais na cama.
O choque percorreu meu corpo como uma corrente elétrica. Eu estava imobilizado, sentindo a respiração pesada de Marc contra o meu rosto. O pavor me fazia lutar para tentar processar o que estava acontecendo, mas minha mente gritava de medo. Ele sabia.
Quantas supresas