Anne tinha feito um bom trabalho com ele, apesar de tudo, e eu seria extremamente grato a ela por isso.
As semanas se passaram rápido e a comunidade voltou a se acalmar, Samuel havia me deixado em paz durante esse tempo de recuperação do irmão dele. Depois daquela nossa briga eu não sabia se ele finalmente havai desistido de mim ou se estava apenas esperando o momento certo.
Minhas férias acabaram e parece que todo esse período durou meses. Por fim, tudo estava voltando a seu lugar.
Samuel havia me deixado em paz, às vezes que fui em sua casa cuidar de seu irmão ele não estava, ou pelo menos não saia do quarto para não me encontrar.
Parei de frequentar os bailes e voltei a focar no meu trabalho. Fiquei um bom tempo pensativo e iria conversar com Anne para que nos mudássemos. Estávamos trabalhando e não havia mais necessidade de morarmos na favela. Por mais que eu amasse minha casinha, não queria mais correr o risco de contar com a sorte, em poucas semanas por diversas vezes eu quase morri.
Quando foi uma quinta-feira pelo fim da manhã, acordei disposto a conversar com Anne sobre isso, contudo, ele já havia saído. Me arrumei e desci o morro até o ponto de ônibus, disposto a conversar com ela quando voltasse do trabalho.
Estava tranquilo no ponto de ônibus quando um carro parou do outro lado da rua e buzinou pra mim.
Obviamente ignorei pois não sabia quem era, mas levei um verdadeiro susto quando vi quem saia do carro.
Com seus dois metros de altura, o Tenente Erick saiu de seu carro e veio andando em minha direção. Ele vestia uma blusa social preta, uma calça Jeans apertada e estava com um óculos escuro que dava um verdadeiro charme. Eu não conseguia tirar os olhos daquele peitoral naquela blusa social, era simplesmente tentador.
-Será que eu posso te levar para o trabalho? - disse ele assim que se aproximou
-O que está fazendo aqui? - perguntei assustado - você quer arrumar problema pra você? E se os meninos da boca virem você aqui? Está doido?
-Bom, eu não tinha seu telefone, você não me passou. A única coisa que eu sabia é que você morava aqui no morro. Tive que vir, ué.
-É melhor você sair daqui, alguém pode te ver.
-Eu saio se você vir comigo - disse ele me puxando pelo braço.
Resolvi aceitar a carona dele para evitar que ele ficasse exposto ali perto do morro. Samuel com certeza tem seus meninos vigiando tudo naquela área, e ser visto com ele com toda certeza me traria problemas.
-Me diz o que veio fazer aqui? - perguntei enquanto ele dirigia por um trajeto totalmente diferente do meu trabalho. - podia ter me encontrado no hospital, não era melhor?
-La você estaria ocupado - disse Erick - eu queria um tempinho com você.
-Comigo?
-Sim, com você. Você me colocou em um problema gigante.
-Está tudo bem com sua cirurgia? - perguntei assustado.
-Sim sim, não é isso. - ele disse rindo - É que eu tenho uma filha que não aceita um não como resposta, e parece que tem um super herói que disse que tomaria um chá com ela e todas as bonecas, sabe? Então eu precisava te sequestrar bem rapidinho.
-Erick? Isso é um sequestro? - falei rindo
-Olha, a Isa é pior que os caras da boca do seu morro, não tem como negar nada a ela.
-Primeiramente, eu duvido que aquela anjinha seja isso tudo mesmo, e outra coisa, eu tenho que trabalhar!
-Ta bom, talvez ela não seja esse terror todo, pode ser que eu que gostaria de te ver depois de tudo que aconteceu e...
-E aí você resolveu me sequestrar? -comecei a rir novamente - abuso de poder?
-Ta bom, você está certo - disse ele encostando o carro - eu vou te levar para o trabalho.
-Vamos fazer assim, eu vou tentar que o Gabriel me cubra hoje no meu plantão, e aí eu posso tomar o chá com a Isa. Pode ser?
-Pode!! - disse ele com um sorriso no rosto
-Mas você tem que prometer que não vai mais me sequestrar.
-Você sabe que eu não ia te sequestrar né? - disse ele me olhando seriamente - foi só uma brincadeira, eu não seria o tipo de cara que...
-Erick, relaxa. Eu sei. Só vamos!
Seguimos em silêncio a caminho da escola de Isa para buscá-la e enquanto isso passei uma mensagem pra Gabriel que disse que me cobriria a tarde no hospital. Quando chegamos na escola dela, ela ficou toda empolgada, parece que minha visita era uma surpresa, Erick não tinha contado que me levaria para o chá de hoje.
Isa estava sentada no banco de trás, jogando um joguinho no celular totalmente distraída, e eu estava olhando pela janela imaginando a loucura que estava fazendo.
-Toda quinta temos nossa hora do chá - disse Erick puxando assunto - Eu busco Isa na escola, e assim que chegamos em casa passamos a tarde assistindo filme e brincando com as bonecas.
Dei um riso sincero, não conseguia imaginar aquele homem de 2 metros de altura brincando de boneca.
-O que foi? - perguntou ele
-Nada, é que, é engraçado imaginar você, um policial todo sério passando a tarde brincando de boneca.
-Sim, realmente, olhando por esse lado - disse ele dando um sorriso e olhando no retrovisor do carro para ver se Isa estava prestando atenção na conversa - mas acontece que depois que a mãe dela morreu, eu tive que me virar sozinho, sabe? Eu me esforço todos os dias para ser o melhor pai do mundo.
Encostei minha mão na mão dele que estava em cima da marcha do carro e fiz um carinho por alguns segundos. Não sei porque eu fiz isso, mas foi instantâneo.
-Voce é o melhor pai do mundo- falei tirando a mão rapidamente.
-A Isa nunca chamou ninguém para hora do chá, sabia disso? Parece que você é a primeira pessoa que ela convida. Nem minha mãe nunca foi convidada.
-Esse é o lado bom de ter super poderes - respondi rindo.
Passamos a tarde brincando, assistindo filmes, e fazendo muita bagunça. Era lindo de ver a maneira que Isa amava o pai. Se eu passasse por aquele homem na rua eu jamais ia imaginar que ele era um pai simplesmente espetacular.
Aquela tarde foi uma das melhores da minha vida. Às vezes esquecemos que precisamos de pouco para ser felizes.
A noite estava caindo, Isa já estava dormindo e estava apenas eu e Erick sentados no sofá conversando.
-Ja está tarde - falei - o dia foi tão bom que nem senti a hora passar.
-Foi mesmo, faz muito tempo que não fico assim, tão leve perto de alguém.
-Foi maravilhoso! Mas infelizmente preciso ir, já está tarde e...
-Eu posso te levar se quiser - disse ele
-Nao, já está tarde, e além disso, a Isa tá dormindo. Eu vou pedir uma moto aqui e vou embora, é rapidinho.
Nos levantamos e ficamos no portão esperando o Uber chegar. Enquanto agaurdavamos, Erick me prometeu que voltaria em outra ocasião, já que a Isa gostou tanto de mim. Prometi que voltaria e passei meu telefone para ele. .
Peguei meu Uber e em questão de minutos já estava chegando em casa. Como ainda eram por volta de 21h da noite, resolvi que quando chegasse daria um pulo na casa de Robinho para ver como ele estava. E assim fiz.
Subi o morro e fui direto para casa dele, o portão estava encostado e me dei a liberdade de entrar.
-Robinho? -gritei na porta da sala.
-Era com você mesmo que eu queria falar - disse a voz de Samuel atrás de mim - quer dizer que agora você é mulher dos canas?
-Ai Samuel, eu tô cansado e não quero...
-Ta cansado porque? Deu muito o cu pro policialzinho? - ele disse se aproximando de mim e me imprensado contra a parede.
-Mesmo não sendo da sua conta, não. Eu não sei nada pra ninguém. Eu saí com ele pois eu tinha primeiro pra filha dele que...
-Que lindo, agora é mamãezinha.
-Vai tomar no teu cu Samuel, ao que eu me lembre, eu não te devo satisfação de nada da minha vida. Aliás, sua mulher tá bem?
-Nao fala da minha mulher - disse ele me pegando pelo pescoço e me apertando ainda mais na parede.
-Sua mulher deve fuder muito mal né? - sussurrei em seu ouvido - já que você fica correndo atrás de mim.
-Escuta aqui seu viadinho...
-Esta tudo bem aqui? - disse Robinho entrando na sala na hora que Samuel levantou a mão pra mim, fazendo-o me soltar imediatamente.
-Tava só batendo um papo com esse comédia - disse Samuel
-Nao estou falando com você. Está tudo bem Yuri?
-Sim - falei nervoso - eu estava procurando por você.
-E tu encontrou, então pode bater teu papo com ele ai - disse Samuel e imediatamente saiu de casa.
-Esse babaca fez algo com você? - Robinho perguntou se aproximando
-Nao, não. Eu queria saber se você estava bem e resolvi passar te ver.
-Yuri, eu soube de um papo torto aí que tu salvou um policia, e hoje te viram com ele, isso é verdade?
-Voce também Robinho? - falei me irritando e andando em direção a porta.
-Calma, calma, calma, eu tô te perguntando de boa pô. Eu não quero que aconteça nada ruim contigo - ele falou me puxando pelo braço - lembra que não cuidei de tu quando era menor? É minha chance de fazer diferente agora porra, eu quero cuidar de você, então não quero ninguém fazendo mal pra você não moleque.
-Desculpa, eu acho que me exaltei um pouco.
-Vem - disse ele me puxando em direção ao sofá - deita aqui e me conta o que tá acontecendo
Ele se sentou no sofá e assim que sentei ele puxou minha cabeça em direção ao seu colo, me fazendo deitar e colocar a cabeça no colo dele.
-Eu não queria que tu ficasse puto comigo - disse ele afagando meu cabelo - é que tu sabe que nós aqui da favela é diferente pra esses comédia né? Eles acham que a gente é só mais mais e eu não quero ninguém te fazendo mal. Eu já fiz muito.
-Robinho, esquece tudo o que passou, eu quero esquecer.
Fiquei ali, deitado com a cabeça no colo dele em silêncio por alguns minutos enquanto ele fazia carinho na minha cabeça, e percebi que um volume estava crescendo em frente a meus olhos. Inclusive, acho que ele também reparou, e logo deu um jeito de me tirar daquela posição.
-Ai, tu sabe quem vem no baile amanhã? - ele disse me puxando pra cima e colocando uma almofada no colo dele, provavelmente para esconder a ereção.
-Nao, falei segurando o riso.
-Amanha tem Buchecha aqui mano, tu vai né?
-Claudinho e Buchecha?
-Se o Claudinho aparecer tu corre, porque ele tá morto. Mas é o Claudinho do Buchecha.
-Idiota - falei rindo - mas tu entendeu. É tipo Sandy e Junior, Maiara e Maraísa, pra mim são as mesmas pessoas.
-Ah, sequei, tipo William e Bonner.
-Mas ele é mesmo uma pessoa só - falei rindo
-Eu sei, eu sei, tava só te zoando - disse ele me puxando pra um abraço - te amo sabia?
Naquele momento fiquei congelado. Não sabia o que responder e muito menos o que fazer. Apenas retribui o abraço que foi interrompido pelo meu celular vibrando.
Peguei meu celular e vi que tinha algumas ligações de Anne, e também uma mensagem no whatsapp de Erick.
"Está convidado para o almoço de domingo. As princesas adoraram sua companhia, e eu também."
Abri um sorriso bobo lendo aquele mensagem.
-O que aconteceu? - perguntou Robinho me encarando.
-Nada... Apenas não sei que caminho seguir.
-Se você não sabe aonde quer chegar, qualquer caminho serve.
-Ei - falei rindo - isso é Alice no pais das maravilhas!
-Seu filme preferido, acha que eu esqueci? Tu ficava lá lendo livro enquanto eu jogava bola, eu lembro disso tudo.
-Você lembra? Nossa! Nem eu lembrava mais disso.
-Eu não esqueço de nenhum momento que passei com você - disse Robinho.
-Eu também te amo - respondi.
Ficamos nos olhando intensamente por alguns segundos até sermos interrompidos por Samuel entrando em casa novamente.
-Entao eu tô indo - falei - te vejo amanhã no baile.
-Pode deixar- disse ele - vou separar uma área pra você e seus amigos. Até.
-Até...