A luz da minha sala estava baixa, uma penumbra que eu sempre achava mais apropriada para assuntos como o que estava prestes a discutir. Quando a secretária entrou e informou que Medusa estava à porta, eu me ajeitei na cadeira, permitindo que um sorriso frio tomasse conta do meu rosto.
— Pode deixar ela entrar — murmurei, sem tirar os olhos dos documentos sobre a mesa.
Alguns segundos depois, Medusa entrou. Ela sempre sabia como marcar presença. Hoje, usava uma peruca loira brilhante, e seu vestido branco adornado com pedras reluzia, criando um contraste interessante contra a escuridão da sala. Cada detalhe em sua aparência gritava autopreservação e manipulação, mas ela sabia como me entreter. Sentou-se diante de mim, cruzando as pernas com elegância, e deixou o silêncio pairar um momento antes de falar.
— Boa tarde, meu querido — disse ela com aquele tom calculado, um sorriso predatório dançando em seus lábios. — Mandou me chamar?
Observei cada detalhe dela antes de responder, como se estivesse avaliando uma peça cara em uma galeria. Seus olhos traziam um brilho de desconfiança, algo que eu gostava de ver nas pessoas ao meu redor. Ela sabia que uma reunião comigo nunca era casual.
— Minha equipe informou que ainda não trouxeram a assinatura da mãe do novo rosto da empresa — comecei, frio e direto. Medusa me encarou, e o jogo de olhares entre nós era quase um duelo silencioso.
Com um movimento preguiçoso, ela abriu a bolsa e jogou um envelope sobre a mesa, me encarando com um olhar desafiador.
— Tinham modelos mais bonitos esperando a vez — disse ela, provocativa. — Por que tem que ser esse moleque que acabou de chegar? Tem noção do risco de transformar ele no rosto da sua nova linha de perfume?
Minha paciência era limitada. Deslizei a mão pelo envelope, mas não o abri. Mantive meus olhos fixos nela, deixando claro que as escolhas eram minhas, e que eu não tolerava questionamentos.
— Não me lembro de precisar da sua opinião — respondi, ríspido. — Aliás, ouvi dizer que estamos com uma carga atrasada. Isso procede?
Medusa suspirou, ignorando minha indagação direta, e levantou-se. Caminhou até o bar, servindo-se de um copo de uísque, como se estivesse em sua própria casa. Esse tipo de atitude me irritava, mas eu apreciava o jogo. De alguma forma, ela sempre soube como não cruzar a linha... até agora.
— Meu contato estava interessado no menino novo — disse ela, finalmente. — Mas você parece que se apaixonou por aquele pirralho.
Esse comentário me atingiu como uma faísca. Levantei-me abruptamente, minhas mãos jogando os papéis e objetos da mesa ao chão. O som do vidro quebrando e dos objetos metálicos reverberou pela sala.
— Se você tocar um dedo no Yago, se eu souber que mandou ele para fora, eu acabo com sua vida. Entendeu? — minha voz era quase um rosnado.
Medusa parou de beber, e seu olhar revelou uma breve faísca de nervosismo. Ela tentava manter a compostura, mas eu a conhecia o suficiente para saber que, naquele momento, ela estava lidando com um medo genuíno.
— Meu benzinho — respondeu ela, controlando o tom, mas com uma certa rigidez na voz. — Não precisa me ameaçar. Porque, se eu cair, você vai junto. Acho que não quer ser preso comigo, não é mesmo?
Dei um passo à frente, cada palavra carregando uma ameaça velada.
— Quem falou em prender? — murmurei, minha voz suave, mas ameaçadora. — Eu mando matar.
Por um instante, ficamos em silêncio, e percebi o leve tremor em seus dedos ao segurar o copo. Ela sabia que eu não fazia ameaças vazias.
Medusa respirou fundo e, recobrando um pouco do controle, virou o restante do uísque de um gole só.
— Vou arranjar outra carga para mandar pro exterior — ela disse, seu tom finalmente mais submisso. — E fica tranquilo, eu não vou mexer no seu menino.
Quando ela se virou para sair, estendi a mão e coloquei um envelope em sua palma.
— Tem cinco mil reais aí. Arrume um trabalho qualquer e entregue isso a ele — disse em um tom baixo, mas firme, um comando que ela sabia que deveria cumprir sem questionamentos.
Ela me lançou um último olhar e assentiu, saindo em silêncio. A sala ficou vazia e silenciosa, mas a tensão que Medusa deixara para trás parecia pairar no ar. Fechei os olhos por um momento, permitindo-me absorver o prazer sombrio de ter o controle completo, de ver o medo e a obediência nas pessoas ao meu redor.
Para mim, era mais do que o dinheiro, o poder ou os segredos que eu guardava.
Enquanto a porta se fechava atrás de Medusa, o silêncio se instalou em minha sala, pesado e envolvente, quase tangível. O sol que entrava pela enorme janela de vidro atrás de mim delineava cada canto daquele escritório com precisão cirúrgica: o bar elegante e envernizado em um canto, a mesa de madeira maciça que agora exibia o rastro de minha explosão de fúria, papéis e canetas espalhados como estilhaços de uma batalha interna. Meus olhos pousaram novamente sobre o envelope com a assinatura da mãe de Yago — um simples papel que trazia consigo muito mais do que um contrato.
Eu passei a mão pelo rosto, esfregando o queixo em uma tentativa de organizar os pensamentos. Mas os pensamentos sobre Yago eram tudo, menos ordenados. O menino tinha algo diferente, algo que fazia minha cabeça girar. Sentado novamente, encostei-me na cadeira de couro, tentando afastar o gosto amargo que aquele encontro com Medusa deixara. Ela ousava insinuar que sabia dos meus sentimentos, como se conseguisse entender a intensidade que aquele garoto despertava em mim. Medusa sempre gostou de brincar com fogo, mas eu precisava mostrar a ela que, neste jogo, ela não tinha o controle.
Fechei os olhos, respirando fundo. O aroma do whisky ainda pairava no ar, misturando-se ao perfume de madeira polida e couro, que tornavam o ambiente quase sufocante. Abri os olhos ao ouvir o som familiar de minha secretária entrando.
— Sr. Marc, algo mais em que eu possa ajudar? — sua voz soava calma e quase maternal, sempre com um toque de reverência e temor.
— Não, Maria. Apenas certifique-se de que ninguém entre até eu sair, quero um momento de paz — respondi, mantendo o tom firme e definitivo. Eu precisava de um momento para pensar, refletir sobre os próximos passos.
Ela assentiu, retirando-se sem fazer barulho, e novamente o silêncio tomou conta do ambiente. Aquele escritório, onde decisões eram tomadas, alianças eram construídas e, eventualmente, traídas, tinha testemunhado de tudo. Mas agora, parecia conspirar contra mim, me confrontando com minhas próprias decisões.
Meu olhar voltou-se para o quadro na parede — uma pintura de uma paisagem fria e vazia, que eu havia escolhido para simbolizar uma paz que nunca conheci. Ironia. Eu, que lidava com jogos de poder, estava ali, perturbado pela imagem de um menino que nem ao menos sabia o que eu realmente era.
Passaram-se minutos, talvez mais do que eu imaginava, até que me ergui, ainda determinado. Peguei meu celular e enviei uma mensagem rápida para um dos meus contatos, instruindo-os sobre a nova carga que Medusa mencionara. Eu não podia arriscar uma falha sequer. No mundo em que eu vivia, uma fraqueza era uma sentença de morte.
Mas o garoto... aquele garoto. Ele era um risco que eu parecia incapaz de afastar, um ponto fraco que Medusa identificara antes mesmo que eu pudesse reconhecê-lo em mim. Yago, com seu jeito tímido e olhar que misturava inocência com resistência. Ele não fazia ideia do quanto já estava imerso em meu mundo, o quanto seu destino estava agora emaranhado ao meu.
Olhei para o relógio de parede: ainda havia tempo até meu próximo compromisso, e era o suficiente para sair daquele escritório opressor. Saí em direção ao carro, e segui caminho a escola dos meus filhos, mas não com o objetivo de ver eles.
A cena era sufocante, aquele tipo de emoção que corrói por dentro e se transforma em algo quase físico, uma raiva afiada como lâmina. Eu estava encostado no carro, estrategicamente posicionado a uma distância suficiente para não ser notado, mas perto o bastante para observar cada detalhe. Minhas mãos apertavam o volante, os nós dos dedos brancos, enquanto meus olhos seguiam cada movimento do garoto. Quase vinte minutos se passaram até que finalmente o vi sair pelos portões da escola. Lá estava ele — Yago — e tudo em mim gritava para atravessar a rua, agarrá-lo e levá-lo para qualquer lugar longe daqui. Um lugar onde ele pudesse ser só meu, sem interrupções, sem espectadores.
Mas minha fantasia foi cortada de imediato. Atrás de Yago, lá vinha Kadu, meu próprio filho, sorrindo enquanto deslizava os braços ao redor de Yago e beijava seu pescoço de forma possessiva. A visão daqueles dois juntos me fez ranger os dentes. Aquilo deveria ser eu, eu deveria ser quem ele procurava com aquele olhar. O desejo de intervir, de arrancar Yago dali e afastá-lo de Kadu, queimava dentro de mim, mas eu sabia que precisava controlar essa fúria. A situação exigia sutileza, dissimulação.
"Você está lindo de uniforme, sabia?" enviei a mensagem, observando-o de longe enquanto a raiva fervia sob minha pele. A resposta de Yago veio em poucos segundos, quase como se ele já estivesse esperando por algo.
"Está me vigiando?" ele respondeu, com um tom de desconfiança que me fez sorrir, sentindo o controle do jogo em minhas mãos novamente.
A resposta seguinte foi rápida, quase um comando silencioso: "Dispensa o Kadu agora, te espero na próxima esquina, dá seu jeito."
Olhei para o celular, acompanhando o desenrolar do que estava acontecendo ali à frente. Via Yago hesitar, olhar de relance para os lados. Ele sabia que deveria vir, sabia o que significava me contrariar.
Observei Yago hesitar, seu olhar se desviando enquanto ele inventava alguma desculpa qualquer para Kadu. O nervosismo no rosto dele era evidente, mas não conseguia deixar de notar aquele leve rubor nas bochechas, como se estivesse dividido entre o receio e o desejo. Meu filho fez uma careta, parecia confuso, mas eventualmente deu de ombros e soltou Yago. Eu o vi se afastar, caminhando apressado na minha direção, e não pude evitar um sorriso satisfeito.
Yago virou a esquina e me encontrou encostado na porta do carro, de braços cruzados. Quando ele me viu, o corpo dele ficou tenso. Havia aquele lampejo nos olhos, um misto de raiva e vulnerabilidade. Ele hesitou por um momento, mas minha presença, como sempre, o atraía. Com um gesto quase automático, fiz sinal para que entrasse no carro.
Assim que ele se acomodou no banco ao meu lado, a tensão se tornou palpável. Yago mantinha os olhos fixos no para-brisa, os ombros rígidos, tentando manter uma postura de resistência, mas eu sentia o nervosismo dele crescendo. Ele sabia o que estava por vir, sabia o efeito que eu tinha sobre ele.
— Não entendo o que você quer de mim — ele murmurou, sem me olhar, a voz marcada por um tom de ressentimento e dúvida.
— O que eu quero de você? — Aproximei-me, minha voz baixa e provocante. — Você sabe exatamente o que eu quero, Yago. Desde o começo.
Ele engoliu em seco, tentando manter o controle. Vi os dedos dele se apertarem contra o tecido do uniforme, as mãos tensas. Mas não consegui resistir ao impulso de erguer minha mão e deslizar meus dedos pelo rosto dele, traçando a linha do maxilar, até seu pescoço. Senti-o estremecer, os olhos se fechando por um breve momento.
— Eu não posso fazer isso, Marc… — sussurrou, a voz carregada de conflito. — Isso está errado. Eu não quero mais.
Mas a resistência dele era frágil. Sorri ao perceber que ele estava cedendo, sua respiração já começava a se alterar. Minha mão, firme e dominadora, segurou a nuca dele, trazendo-o para mais perto.
— Fale olhando nos meus olhos que você realmente não quer. Que não sente nada por mim — desafiei, aproximando meus lábios dos dele, mas sem o tocar, mantendo apenas a tensão.
Yago abriu os olhos, encarando-me. Vi um misto de raiva e atração ali, e por um segundo pensei que ele realmente fosse resistir, que diria as palavras que poderia afastá-lo. Mas ele se calou. Sua respiração ficou pesada, os lábios entreabertos. Eu sabia que ele estava à beira de se render.
Num instante de vulnerabilidade, ele soltou um suspiro, e então, num impulso, cedeu, trazendo seu rosto ao encontro do meu. Nossos lábios se encontraram, e toda a tensão explodiu em um beijo faminto, intenso. Passei meus dedos pelos cabelos dele, puxando-o para mais perto, deixando-o sentir o quanto ele era meu. Yago tentou resistir por um momento, as mãos dele empurrando levemente meu peito, mas logo se entregou, cedendo ao desejo.
Os minutos seguintes foram um borrão, um redemoinho de beijos e toques, uma mistura de ódio, desejo e possessão. Ali, dentro do carro, senti que ele era finalmente meu, completamente. Yago não tinha para onde fugir, não tinha escapatória daquilo que éramos quando estávamos juntos.
Quando nos separamos, sua expressão era de confusão, um reflexo do peso que carregávamos. Ele me olhou por um momento, o olhar perdido, como se estivesse tentando processar tudo.
— Isso… isso não pode continuar — disse ele, quase num sussurro, mas com tão pouca convicção que sabia que ele não estava convencido.
Acariciei o rosto dele com suavidade, um toque calculado para misturar ternura e domínio.
— Isso vai continuar, Yago. Não adianta resistir. — Abaixei o tom de voz, sussurrando próximo ao ouvido dele. — Você sabe que pertence a mim. Sempre soube.
O silêncio se instalou entre nós, denso e carregado, enquanto Yago apenas assentiu levemente, incapaz de contrariar o inevitável.