Flanelinha abusado guarda a pica no meu cu
A chuva tumultuava o dia já agitado numa tarde de final de primavera em São Paulo. Eu tinha pouco mais de meia hora para me deslocar da empresa onde era trainee até a universidade. O percurso de aproximadamente seis quilômetros não tinha uma estimativa exata de tempo para ser percorrido, tudo dependia das condições caóticas do trânsito paulistano àquela hora. Eu estava atrasado para uma prova no primeiro período quando cheguei às imediações da universidade e constatei que o pátio de estacionamento estava lotado; aliás, como quase todos os dias. A solução era deixar o carro estacionado nas ruas do entorno. Um território tomado por vendedores ambulantes, flanelinhas, oportunistas de todo o tipo e, ladrões.
A tempestade tropical do meio da tarde dera lugar a uma chuva fina, mas persistente. Os números se revezavam numa sucessão aflitivamente rápida no relógio do painel do carro, enquanto eu procurava por uma brecha na rua lateral do edifício envidraçado onde se localizava minha sala de aula. Entre as paletas que se moviam hipnótica e cadenciadamente sobre o parabrisas, pude distinguir um par de braços se agitando, uns sessenta metros à frente, indicando uma vaga. Demorei um pouco para posicionar o carro no espaço exíguo, e me lancei na chuva com a pressa de um socorrista.
- Ficou muito espremido, tomara que nenhum dos dois faça barbeiragem na hora de tirar os carros e raspe no meu. – observei afoito, para o rapaz tranjando uma daquelas capas de chuva transparente e descartável que se prontificou a segurar a porta enquanto eu desembarcava.
- Não esquenta não, patrão. Vou ficar de olho, pode ir tranquilo, tá ligado? – declarou, me encarando com um sorriso padrão. – São quinze paus adiantado! – continuou, fechando a porta às minhas costas.
- Ah cara! Estou atrasadíssimo para uma prova e só tenho uma nota de cem. Ou espero o troco ou perco a prova. Pago na volta, isso se você for ficar realmente de olho no carro. – retruquei, fixando meu olhar no dele como um desafio.
- Eu sou honesto, chefia! Se falei que vou olhar é porque vou mesmo. – revidou, tirando o sorriso da cara.
- Então não haverá problema em te dar a grana depois. – afirmei, ao sair em disparada em direção ao portão da universidade.
Estávamos num período crítico, uma sequência de provas, entregas de trabalhos, e pouco tempo para conciliar as atividades do cotidiano com esses acréscimos que usurpavam horas preciosas de descanso e lazer. Na agitação acabei me esquecendo de providenciar troco, e só me dei conta disso quando o rapaz me esperava, já tarde da noite, encostado no meu carro. De qualquer maneira, tirei a nota da carteira e a estendi em sua direção.
- Assim o patrão acaba comigo, não tenho troco para cem, tá ligado? – disse contrariado, encarando a nota.
- Não consegui trocar, sinto muito! – menti, ocultando meu esquecimento. – Com tanto carro parado aí, vai me dizer que você não juntou troco para cem? – perguntei, sem muita paciência para ficar estendendo o assunto.
- Hoje não foi moleza. Pode dar dez, pra quebrar seu galho. – respondeu insistente.
- Mas eu não tenho nada além dos cem reais. Te pago outro dia então! É só você me abordar, pois estou aqui todos os dias. – declarei, destravando as portas e me ajeitando no banco do motorista.
- Tá embaçado, hein chefia? Duvidou de que eu ia cuidar do carro até sua volta, e agora diz que não tem como dar a grana. – desafiou frustrado.
- Olha cara! Vou usar as suas mesmas palavras. Sou honesto, se disse que te pago outro dia, é porque vou te dar a grana quando tiver trocado. Eu precisei confiar em você e não vejo por que você não faria o mesmo! – disse, não me intimidando com sua observação.
- Valeu! Nesse mundo é sempre o pobre que leva a pior. Vou ter que esperar pela grana então. – murmurou hostil.
- E você acha que só por eu ter um carro sou um cara rico? Eu dou um duro danado, de manhã até tarde da noite para ter o que tenho. E, vai ter que esperar sim, se quiser ter sua grana. – revidei irritado, deixando-o parado no meio da rua vendo meu carro se afastando.
No percurso até minha casa fiquei remoendo a petulância do cara, e maldizendo as circunstâncias que faziam com que o cidadão nesse país ficasse à mercê desse tipo de achaque. No dia seguinte fiz questão de procurar pelo sujeito. Propositalmente entrei na mesma rua e, mal havia contornado a esquina, vi-o abordando outro motorista e apontando uma das raras vagas.
- Ei! – gritei, para obter sua atenção. Ele se virou na minha direção e me reconheceu de imediato, deixando o outro motorista se virando sozinho para balizar o carro junto à calçada. – Aqui está o que fiquei te devendo ontem! Portanto, estamos quites, certo? E, como você está vendo, eu também cumpri com a minha palavra! – despejei, afrontando-o, e com cara de poucos amigos.
- É isso aí, chefia! Agora senti firmeza! – disse, abrindo um sorriso que mostrava seus dentes brancos e enormes, perfeitamente alinhados por trás dos lábios volumosos. – Não vai querer uma vaga hoje, patrão? Tem uma reservadinha especialmente para você! – emendou, apontando-a poucos metros à frente.
- Infelizmente vou! – respondi carrancudo. – Nesse ritmo de exploração, até o final do curso estou falido! – continuei inconformado.
- O que é isso, chefia? Vou até fazer um desconto, pois vi que o patrão é gente fina! – retribuiu, ainda sorrindo. – E pode até pagar fiado! – exclamou, abrindo a porta do carro com deferência.
- Você está zoando com a minha cara? Detesto que me chamem de chefia, patrão, etc. Você não é meu empregado! – revidei, cansado com a abordagem folgada daquele sujeito.
- Nada disso, ch....! Não tô zoando, não. É o hábito! Para mostrar que sou um cara educado! – respondeu de pronto.
Deixei-o resmungando no meio da rua sem prestar atenção nas suas explicações, e caminhei rumo ao portão de entrada, com a pressa costumeira de quem está quase sempre atrasado para o compromisso seguinte.
- Aí! Meu nome é Marcos, a seu dispor! – berrou atrás de mim, com aquele mesmo sorriso estampado na cara e o braço gesticulando um tchauzinho.
- O meu é Bruno! – respondi, antes de desaparecer entre a leva de estudantes que chegava ao mesmo tempo.
No transcurso do semestre eu já não precisava ficar tão afoito por uma vaga, pois o Marcos reservava uma para mim, diariamente, bem próximo ao portão da universidade. Assim que eu terminava de estacionar ele fazia algum comentário, fosse sobre o calor ou o frio, sobre as condições do trânsito ou sobre algum fato em destaque no noticiário do cotidiano da cidade. E, muitas vezes recusava o pagamento, fazendo alguma observação engraçada para justificar a não cobrança. Por outro lado, depois de constatar, quando da primeira vez em que lhe entreguei uma barra de chocolate, que ele ficara especialmente contente com a gentileza, passei a fazer disso uma espécie de rotina.
- Para adoçar a sua vida! – exclamei, quando pela primeira vez lhe entreguei um chocolate com amêndoas do qual eu gostava particularmente. – É o meu favorito! – acrescentei, quando ele o pegou da minha mão.
- Então tenho a certeza de que vou gostar também! – disse, num sorriso de agradecimento. – Ah! E minha vida fica doce quando você chega! – emendou, com a malandragem delineando a expressão de seu rosto, depois de eu me afastar dele alguns passos.
Algum tempo depois precisei vir de carona com um amigo da faculdade. A esposa do meu irmão mais velho havia sofrido um acidente com o carro deles, e entre o conserto e, colocá-lo à venda para aquisição de um novo, precisavam de outro, pois os filhos pequenos dependiam desse transporte até a escolinha. Durante estas semanas um amigo da faculdade se propôs a não me deixar a pé, e chegava a acordar mais cedo só para me apanhar em casa e me deixar no trabalho. Nos finais de tarde vinha me buscar e íamos juntos até a universidade.
Murilo era um cara parrudo, não era exatamente um fisiculturista, mas tinha uma definição muscular espantosa, adquirida desde a adolescência com esportes e artes marciais. Aliado a isso, um olhar arguto que seus olhos verdes tornavam ainda mais sagaz, e movimentos calculados e precisos, que o faziam movimentar-se com agilidade felina. Uma combinação de força, beleza e inteligência que transpirava testosterona e sensualidade. Senti uma atração confusa por ele desde o primeiro dia de aula na faculdade. Eu e mais meio zilhão de garotas que se insinuavam descaradamente ante seus predicados. Nunca havia reparado num homem antes, com o mesmo olhar com que admirava o Murilo, daí uma confusão de sentimentos que eu não sabia explicar nem a mim mesmo.
No final da primeira semana de aulas, já havíamos nos tornado amigos. Sentados lado a lado, trocando telefones, conversando sobre nossas expectativas em relação ao curso nos intervalos, e encarando o assédio que ambos sofríamos com humor e benevolência. Às vezes eu o surpreendia à distância, com o olhar fixo em mim. Era só sentir aquela sensação de ter um par de olhos pousados sobre mim, procurar ao redor, e vê-lo participando de uma rodinha de conversa com a atenção voltada para meu lado.
- O que vocês tanto conversavam que você não desgrudava os olhos de mim? Pelo visto estavam me malhando naquela rodinha cheia de risinhos. – comentei, depois de um intervalo entre as aulas, onde a cena se repetiu a ponto de me intrigar.
- Não falávamos de você. O papo era sobre o jogo do final de semana, que acabou em pancadaria. – respondeu sincero.
- Vi você me olhando o tempo todo. Achei estranho. – continuei, tentando entender seu comportamento.
- E você fazia o que com o Chicão praticamente colado em você, e a Camila e a Marcia gargalhando feito umas hienas? – inquiriu presunçoso.
- Ah! Você sabe como o Chicão é engraçado quando conta uma piada. E ele estava inspirado hoje.
Com o tempo fui percebendo que ele exercia um certo controle sobre mim. Quando dava por mim, já estava dando explicações dos meus atos, e levando reprimendas que eu não contestava. Chegamos a ter um pequeno desentendimento quando uma das colegas da turma se declarou para mim durante uma festa promovida pelo grêmio acadêmico numa badalada casa noturna da moda. Eu a achava simpática e bonita, e resolvi começar um namoro sem pretensões. Como ela era alvo da cobiça de um bando de marmanjões, e eu de outro tanto de garotas, nosso relacionamento se tornou o assunto predileto durante algumas semanas. Aquele affair repentino foi deglutido com alguma dificuldade pelo Murilo, e custou-lhe o fim de um caso com uma ficante. Mas, passado o impacto inicial, voltamos às boas e eu passava mais tempo com ele do que com a namorada, o que aplacou seu mau humor.
- Quando chegarmos à faculdade vamos ter de estacionar na pqp! – disse o Murilo, angustiado com o congestionamento que estávamos enfrentando.
- Fique tranquilo! Tenho uma vaga me esperando. – comentei, cheio de mistério.
- Como assim? Que vaga é essa? – inquiriu curioso.
- Entra naquela travessa lateral, e vai devagar que a vaga é bem com começo. – disse, apontando a rua onde o Marcos me aguardava.
- Nunca tem vaga aqui. Diante dos portões está sempre tudo lotado. – comentou, ciente de suas palavras.
- Para mim tem! – retruquei triunfante.
Assim que ele começou a manobrar o carro na vaga, um assobio estridente e uma gesticulação negativa do Marcos chamou sua atenção. Enquanto isso o Marcos veio correndo em nossa direção tentando impedir que ele completasse a manobra por não estar me reconhecendo.
- O que é que aquele imbecil está querendo? – questionou o Murilo, diante a insistência do Marcos em não permitir que ele estacionasse ali.
- Aí não pode! Essa vaga está reservada! – gritou o Marcos.
- Reservada o caralho! – revidou furioso o Murilo.
- Tenha calma, Murilo! Ele guarda a vaga para mim e não está reconhecendo o carro. – esclareci, tentando abrandar o confronto.
- Quero que ele se foda! – exasperou-se. – A rua é pública xará! – berrou ao abaixar o vidro.
- Para Murilo! O cara é legal. Deixe eu descer e acenar para ele. – ponderei.
- Legal para as negas dele! O cara é um folgado! – continuou esbravejando.
Quando se aproximou e me reconheceu o Marcos se desarmou e abriu seu costumeiro sorriso.
- Oi! É você, não tinha te visto dentro do carro. Pensei que estavam tomando a sua vaga. – exclamou amistoso, ignorando completamente a presença do Murilo.
- Estou dependendo de uma carona esses dias. – respondi, enquanto abria minha mochila para tirar o chocolate que havia comprado naquela manhã.
- Você não é dono da rua não, meu irmão! Vai caçar o que fazer. – explodiu o Murilo.
- Chega Murilo! Você não viu que ele me faz uma gentileza deixando este lugar reservado para mim? – censurei consternado. – Desculpe, Marcos! É que pegamos um congestionamento de tirar a paciência de qualquer um. – amenizei, tentando justificar a atitude do Murilo.
- Valeu, entendi! – respondeu. – Esse é o nosso preferido? – brincou, enquanto examinava a embalagem do chocolate que eu lhe entregara.
- Você não tem que se desculpar! Vagabundo se acha dono da rua e fica extorquindo as pessoas à custa de coersão. Mas isso não me intimida não. – vociferava sozinho, pois o Marcos estava mais ligado no contato que estava fazendo comigo do que com aquilo que acontecia a sua volta.
- Vagabundo não, cara! Eu estou aqui na boa fazendo meu trabalho. E não vou ficar ouvindo merda de filhinho de papai! – peitou transtornado, desviando seu olhar de mim, pela primeira vez desde que chegamos.
- Vou chamar a polícia e aí você explica que tipo de trabalho você está fazendo. Malaco não se cria comigo não! – exasperou-se, enquanto tirava o celular do bolso.
- Parem com isso! Está tudo numa boa. Você já estacionou; aliás, estamos em cima da hora, a aula está para começar. E, obrigadão Marcos, até depois! – ordenei, tentando por fim à discussão.
- E deixar esse cara detonar meu carro por vingança? Nem pensar! – insistiu Murilo.
- Se eu estivesse a fim de detonar essa porra, já tinha feito isso na tua cara mesmo! – contrapôs Marcos, cada vez mais agressivo.
- Se for macho é só tentar, eu te arrebento aqui mesmo. – revidou Murilo, desvencilhando-se da mochila e cerrando o punho ameaçador.
- Eu já disse que chega! Que droga! Está começando a juntar gente. Vamos ter calma! – bradei, temendo que ambos chegassem às vias de fato. – Vamos Murilo, a gente vai se atrasar. – emendei, fazendo menção de puxá-lo pelo braço.
- Pode ir babacão, que ninguém vai relar no seu carrinho! – exclamou Marcos sarcástico, dando uma piscadela e um risinho maroto na minha direção.
- Eu vou quebrar as fuças desse filho da puta! – disse Murilo, ao lançar-se contra o Marcos num golpe que o derrubou antes que pudesse esboçar qualquer reação.
- Parem! – gritei assustado
Não se passou mais que uma fração de segundo, e o Marcos estava novamente em pé, revidando, com um chute, na altura do peito do Murilo, que só não o atingiu em cheio por que ele se esquivou com um movimento ágil de contorcionismo. Quando dei o primeiro passo para me interpor entre os dois, uma viatura da polícia surgiu na esquina, e dois policiais desceram depois de acionarem brevemente a sirene.
- Qual é o problema aqui? – inquiriu carrancudo, o que trazia a insígnia com dois vês, em cujo vértice figuravam duas pistolas cruzadas.
- Não está acontecendo nada, cabo! – apressei-me a confirmar ao policial militar. - Já está tudo resolvido, não é mesmo? – emendei, encarando tanto o Marcos quanto o Murilo.
- Não é o que está parecendo! – continuou o cabo. – Documentos dos dois! – solicitou, avaliando a situação.
- Estou sem os meus no momento. – disse Marcos, visivelmente constrangido. Enquanto Murilo tirava os dele da carteira com ar triunfante.
- Por favor, policial! A questão está resolvida, não há por que darmos continuidade à discussão. – intervi, tentando evitar que o Marcos levasse a pior.
- Não é bem assim, mocinho! Houve uma denuncia de briga na rua e esse cidadão está sem documentos. – disse, com presunção de autoridade. – Trabalha com o que cidadão? – perguntou em seguida para o Marcos.
- Trabalho numa funilaria, mas estava fazendo um bico no pedaço. – confessou cabisbaixo.
- Ele está coagindo as pessoas e extorquindo uma grana para deixar a gente estacionar em lugar público. – entregou Murilo, com a voz ainda agitada pela descarga de adrenalina.
- Os senhores vão nos acompanhar até a delegacia. Lá vai ser tudo esclarecido. – ordenou o outro policial, que até então acompanhava tudo calado.
- Nós não vamos à delegacia nenhuma. Não temos nada contra esse rapaz e não vejo motivo para darmos explicações de algo que não aconteceu. – protestei com firmeza.
Diante da minha recusa em levar a situação adiante os policias não tiveram outra opção senão liberar o Marcos. Não sem antes fazer algumas considerações que achei desnecessárias e até abusivas.
- Qual é a sua? O que rola entre você e esse pé-rapado? – inquiriu Murilo, quando já estávamos na sala de aula.
- Não rola nada. Ele é um cara legal que guarda a vaga para mim, só isso! – respondi, preocupado com o que o Marcos pudesse estar passando.
- Não é o que parece. Chocolatinho, daquele ‘nosso preferido’. Que papo foi aquele? – insistiu, me encarando e esperando por uma explicação.
- Chega! Você hoje se superou! – respondi indignado.
Não encontramos o Marcos nas duas semanas que se seguiram, e nem a vaga estratégica e disponível. Durante esse tempo eu não consegui apagar o episódio dos meus pensamentos. A todo o momento me vinha à memória a figura do Marcos se erguendo com agilidade e se dispondo a encarar uma briga que, provavelmente, perderia. Era um sujeito habituado a lutar, talvez nada lhe tivesse caído nas mãos sem muito esforço. Outro aspecto que chamou minha atenção foi sua postura. Acho que foi a primeira e única vez que olhei para ele de verdade. Ele devia ser poucos anos mais velho do que eu, embora aparentasse mais. Era alto e bem encorpado, deu para notar o tamanho dos seus músculos quando ele encarou a briga. Com um trato, poderia ser chamado de um homem bonito. Tinha porte, era másculo. E, não sei por que, comecei a desconfiar que ele sentia uma atração por mim. Talvez pela maneira com que ele desafiou o Murilo que estava em condições muito superiores de pleitear minha dedicação. Seu sumiço me consumiu por alguns dias.
Quando ganhei meu carro de volta o Murilo não quis que interrompêssemos nossa rotina. Foi um custo demovê-lo de me escoltar por todo lado. Foi como se eu lhe escapasse entre os dedos, e voltasse a ter momentos cujas ações ele voltaria a ignorar completamente. Nos primeiros dias fiquei sem a vaga, mas no meio de uma semana com a temperatura em ascensão, e as noites com um mormaço sufocante, constatei a volta do Marcos com euforia e um prazer pouco discretos. Gritei seu nome assim que o avistei, enquanto agitava o braço no ar pela janela do carro.
- Dê uma rezinha! Sua vaga está lá te esperando! – disse, com seu sorriso largo e carismático.
- Que bom que você voltou! Por onde andou? Senti sua falta! – exclamei extasiado, já me dando conta de ter sido espontâneo demais.
- Sentiu falta da vaga ou de mim? – inquiriu provocador.
- Dos dois! – respondi, mas já sentia que estava corado e com o rosto em brasa.
- Bom saber disso! – observou, apoiando os braços na janela do veículo e colocando o rosto para dentro.
- Também senti sua falta! – murmurou, com uma voz grave e pausada.
- Sentiu falta do chocolate ou de mim? – brinquei, lançando um sorriso tímido em sua direção.
- De você! É só o que adoça a minha vida! – respondeu, com uma expressão séria e compenetrada.
- Deixa de falar bobagem! Como eu não esperava te encontrar, não trouxe chocolate hoje. – balbuciei encabulado.
- Vou pensar numa penitência até você voltar das aulas. – disse, descontraído.
Quando as aulas terminaram, eu o encontrei encostado no carro. Perguntei pela penitência e se eu seria capaz de cumpri-la, ele riu e me garantiu que sim.
- Então vamos a ela! Mas não exagere! – adverti desconfiado.
- Só uma carona até a estação do metrô! – falou, sem disfarçar um contentamento infantil.
- Só! Trato feito! – exclamei, aliviado diante da proposta descompromissada.
Como em quase todas as ocasiões que nos encontramos, ele usava uma bermuda e uma camiseta, cujo tamanho parecia alguns números menor do que o necessário para abrigar seus músculos, e um par de tênis, sem meias. Fui dirigindo, sem pressa, em direção à estação do metrô que ele mencionara. Toda vez que eu precisava acionar a alavanca de câmbio minha mão roçava sua perna peluda, pois ele as mantinha exageradamente abertas. Bastaram alguns toques para que ele começasse a ajeitar a pica dentro da bermuda, e pouco depois, eu mesmo constatei que um volume começava a se formar ao longo de sua coxa. Aquilo tinha vida própria e se mostrava tremendamente irrequieto. Marcos parecia não se incomodar com a inquietação que sua jeba experimentava, e nem com o fato de eu estar notando o que se passava. Eu procurava disfarçar, mas não conseguia me concentrar ao volante, e tão pouco em desviar meu olhar daquele tecido distendido na forma de uma barraca. Passávamos por uma rua estreita, só de residências e densamente arborizada, o que bloqueava a iluminação. Ele colocou a mão sobre a minha enquanto eu efetuava uma troca de marcha, e eu senti um frio percorrendo minha espinha.
- Estacione ali adiante. – disse, com a voz grave e controlada, apontando para um alargamento da rua que não excedia uns cinquenta metros, onde as copas das árvores se emaranhavam de tal forma que tudo abaixo delas estava na penumbra. Naquele trecho a rua também não tinha casas, apenas um muro alto do lado esquerdo e um terreno baldio do outro. Foi diante dele que estacionei.
Sem dizer uma palavra, ele me encarou e levou minha mão trêmula até sua rola. Quando o peso da mão pousou sobre o volume, pude sentir um movimento brusco se distendendo.
- Sou fissurado em você, desde aquele dia chuvoso quando sua camisa branca ficou transparente enquanto você barganhava a grana da vaga. – continuou, tão sereno e determinado, que fiquei sem reação.
Ele se inclinou para o meu lado e me puxou para junto dele, tocando seus lábios carnudos e úmidos nos meus, que tremiam descoordenadamente, mas responderam ao seu toque com doçura e aceitação. Aos poucos ele foi penetrando a língua na minha boca, e eu senti o sabor selvagem e rústico dele me invadindo. Enquanto ele reclinava o encosto do meu banco, rebatendo-o contra o assento traseiro, minha mão livre pousou sobre seu ombro, como um ato reflexo. Ele abriu a braguilha e liberou uma jeba acintosa, com mais de um palmo de comprimento e escandalosamente grossa. Um membro primitivo e animal, daqueles que identificam um reprodutor. Um membro taurino e babão. Ele me submeteu àquele cacete forçando minha cabeça contra o banco e manipulando a rola diante do meu rosto. O cheiro de testosterona, de macho, impregnou minhas narinas.
- Lambe meu cacete, tesão! – ordenou, diante de meu olhar manso e carinhoso.
Um fio translúcido e viscoso de pré-gozo escorria de sua uretra calibrosa quando minha língua tocou sua glande arroxeada e imensa. O sabor marcante daquele fluido despertou meus instintos e minha curiosidade. Eu o saboreei com tesão e avidez. Ele forçou o caralho na minha boca e eu tentava engoli-lo sem provocar meus reflexos de ânsia. Chupei e lambi aquela tora morna em toda sua extensão. Lambi o sacão suado enquanto as bolonas deslizavam pelo meu rosto. Ele gemia e se contorcia, me incentivando a continuar e persistir. Aos poucos ele foi se ajeitando sobre o assento do meu banco, posicionando cada um dos joelhos ao lado das minhas ancas e segurando minha cabeça entre as mãos. Começou a me foder a boca, metendo a pica na minha garganta, mal me deixando respirar. Sua virilha comprimia minha cabeça contra o encosto, me aprisionando em seus desmandos. Excitado, tomado por uma gana incontrolável, e instigado por minha atitude submissa, ele começou a me despir. Praticamente arrancou minha camisa polo, avançando sobre meus mamilos com sua boca gulosa e predatória. Eu gemia alucinadamente com as mordidas que ele dava nos meus biquinhos túrgidos, aguçando sua volúpia. Depois de também rebater o encosto do banco do carona, ele arrancou minhas calças e minha cueca num só safanão. A bundona lisa, imaculadamente alva e carnuda, já não tinha como se proteger de sua investida. Era território conquistado. Suas mãos calosas se apoderaram das minhas nádegas macias, e ele as manipulava com tesão e indecência. Um dedo grotesco e perverso se intrometeu nas minhas pregas anais, me fazendo perceber o quão vulnerável e indefeso eu estava, e eu gemi condescendentemente. Fui forçado a abrir as pernas apoiando meus pés no painel com o corpo dele entre elas. Tomado de uma sanha animal ele pincelou o pau ao longo do meu rego, lambuzando-o com a abundância de seu fluido pré-ejaculatório, perseguindo tenazmente a entrada do meu cuzinho. Forçou a diminuta abertura entre as preguinhas rosadas, com sua glande lustrosa e inflada, sem alcançar seu intento nas primeiras tentativas. No limite de sua paciência e necessidade, meteu o caralho com brutalidade no meu cuzinho me fazendo gritar de dor, ao sentir aquela zona tão pudica sendo dilacerada. Meu instinto de preservação fez com que eu espalmasse minhas mãos contra o peito dele, tentando afastá-lo, como se aquilo também fizesse a pica sair do meu cu. Mas quando ele me encarou determinado, essa reação foi sendo substituída pela entrega incondicional de todo meu ser em suas mãos. Ele abriu um sorriso vitorioso e galante, antes de continuar a meter a rola nas minhas entranhas, ao som dos meus ganidos resignados. Antes de começar a bombar meu cuzinho ele se inclinou sobre mim e começou a me beijar com voracidade selvagem, sufocando brutalmente meus gemidos agonizantes. Ele socava minha próstata com tamanho ímpeto que uma dor aguda se espalhou no âmago da minha pélvis invadida. Meus gemidos o excitavam. Eles eram a materialização de sua dominação. Aquele pinto grosso, agasalhado pela minha mucosa apertada e úmida, foi me tranquilizando e, aos poucos, eu comecei a sentir um prazer intenso com aquele homem dentro de mim. Tudo o que eu queria a partir de então, era acariciá-lo, embalar seu desejo nos meus braços e receber seu corpo fustigado no meu regaço. Ele movia o cacete, lentamente, num vai-e-vem compassado e firme. Deleitando-se com a maciez cálida que o acalentava. Ele permaneceu um bom tempo engatado no meu cuzinho naquela posição, antes de me virar de bruços e tornar a enfiar o cacete no meu cuzinho. Mas desta vez sua urgência o impediu de ser cauteloso, e ele me estocou impiedosamente enquanto eu gania feito uma cadela violentada. Seu jogo de cintura era ágil e constante, a pica deslizava dentro de mim esfolando meu ânus, o corpo dele começou a se retesar, as estocadas diminuíram de ritmo e amplidão e, numa sequência rápida, ele cravou a pica até o talo, fazendo o sacão bater nas minhas nádegas e o gozo jorrar nas minhas entranhas. Uns oito jatos de porra pegajosa e morna encheram minha ampola retal e escorreram pelas minhas coxas. Um cheiro de sexo preencheu o carro enquanto meu corpo tremia descontroladamente, e eu ouvia meus últimos gritos se dissipando, feito ecos perdidos no ar. Demorou até a pica dele amolecer, entalada no meu cuzinho. Quando ele a sacou eu senti um vazio como se me tivessem removido os órgãos internos. Juntei as coxas e travei o cu, eu estava encharcado e resplandecia de prazer.
Deixei-o, um quarto de hora depois, no acesso ao subterrâneo do metrô. Ele me deu um beijo caloroso e molhado. Seus olhos brilhavam e em seu rosto havia uma expressão melancólica, que a ternura do olhar deixava ainda mais triste. Havia sangue na minha cueca quando eu a despi para entrar no chuveiro. Enquanto a água tépida da ducha escorria pela minha pele eu continuava a sentir a presença daquele homem na umidade que preenchia meu cuzinho, e eu desejei que aquilo nunca mais saísse de mim.
Nunca mais tornei a ver o Marcos. A obstinação de procurar por sua figura nos finais de tarde ao chegar à universidade me torturou por um bom tempo. Mas tive que me convencer, e aceitar, que nunca mais o veria. Fosse onde fosse, eu me enchia de esperança de reencontrá-lo, toda vez que via um flanelinha oferecendo uma vaga de estacionamento, mas isso nunca aconteceu.
Eu ainda não havia perdido o hábito de tentar identificar o Marcos, quando certa vez, o Murilo estava comigo no carro. Meus olhos ficavam à espreita e talvez até minha postura o denunciasse, sem eu perceber.
- O que você está procurando? – disse ele, me encarando.
- Nada. Por quê? – respondi distraído.
- Por que algo me diz que aquele flanelinha mexeu com você. – sentenciou convicto.
- Que absurdo! De onde você tirou isso? – tentei disfarçar.
- Pela maneira como você o defendeu, e por todo o seu jeito. Não sei explicar, mas parece que você está diferente. E eu juro que não gosto disso. – retrucou encafifado.
- É impressão sua. Apenas tentei ser justo. O que você talvez esteja percebendo é que eu estou descobrindo novos sentimentos em mim mesmo. – disse, colocando a mão sobre sua coxa musculosa.
- Sério? E eu faço parte desses sentimentos? – indagou ansioso.
- Eles são todos para você! – respondi, encarando-o, antes dele me beijar sem se incomodar com a curiosidade dos motoristas ao nosso lado.
Flanelinha = gíria usada em algumas regiões do Brasil em referência àqueles sujeitos que exercem atividade ilegal de oferecer ajuda aos motoristas para estacionar seus veículos em lugar público, e se propõem a cuidar deles até a volta dos proprietários, em troca de uma determinada quantia de dinheiro, obtida mediante consentimento do motorista ou por coerção.