Bernardo [18/19/20] ~ Rafael, um caminho sem volta!

O que fazer agora? Estava acontecendo tudo o que eu não queria: eu estava envolvido sentimentalmente com outra cara novamente. E desta vez era diferente. Não era aquele simples tesão combinado com o sentimento de fuga da realidade que eu sentia ao estar com Eric. Com Rafael era uma coisa maior. Quando estávamos separados eu só tinha pensamentos para ele, sentia saudade sua de um jeito quase doloroso, eu não tinha paz. Quando estávamos juntos eu me sentia mais leve que ar, capaz até de voar, eu ria sem motivos e era feliz com a muito não lembrava de ter sido. Eu estava apaixonado por Rafael.

Não sei como isso aconteceu. Talvez tenha sido quando passamos a tarde toda juntos fazendo um trabalho de faculdade. Nos reunimos na minha casa, e resolvemos tudo o que tinha para ser resolvido em meia hora. Mas quando terminamos, ele não tinha vontade de ir embora, nem eu de que ele se fosse. Eu queria continuar conversando bobagens com ele para sempre, fosse trocando memórias ou discutindo sobre nossos gostos musicais.

Ou talvez eu tenha me apaixonado por ele naquele fim de aula onde ele me ofereceu carona para fugir da chuva torrencial que caía sobre Belo Horizonte. Ficamos presos num engarrafamento terrível, e como não tínhamos mais nada para fazer, decidimos relaxar e conversar tentando conhecer e entender melhor um ao outro.

Uma outra hipótese é que eu estivesse apaixonado por Rafael desde sempre. Sim, Eric chamou primeiro minha atenção, mas por ser tão bonito que atrai todos os olhares. Rafael não. Ele é sim muito bonito, atlético, pele muito levemente morena, olhos marcantes, mas talvez passasse despercebido na multidão. Isso, claro, até que ele abrisse a boca. Dali em diante ele se tornou o astro da turma, em torno do qual todos gravitávamos. Eu acho que nunca tive ciúme de Eric. Eu tinha ciúme de Rafael. Acho que me apaixonei por ele no primeiro comentário seu a arrancar risos da turma, só não percebi. O ardor do ciúme apareceu primeiro (mesmo que eu pensasse ser por Eric) e disfarçou meus verdadeiros sentimentos.

E agora lá estava eu, conscientemente apaixonado por Rafael e indo com ele num encontro de casais. Em poucas horas em eu me sentaria com ele, Alice e Pedro e caminharia sobre a corda bamba quando o papo virasse para a homossexualidade de Eric, como era o plano de Rafael. Lógico que Alice desconfiou quando a convidei para sair.

_O que você está me escondendo, Bernardo?

Ela conseguia perceber leves oscilações na minha voz identificando uma mentira.

_Nada, uai. É um programa de amigos, eu, você, Rafael e Pedro.

_Eu não sou amiga de Rafael ou de Pedro.

_Mas eles são meus amigos, assim como você, e eu gostaria de todos reunidos hoje à noite._ falei meio bravo para ver se conseguia atingi-la.

O telefone ficou mudo por alguns instantes, como se ela estivesse pensando no que eu falei.

_Ok, eu vou, mas saiba que eu entendo muito bem o que está acontecendo.

_O que é que está acontecendo?_ perguntei com medo dela ter desconfiado.

_Nada, deixa pra lá._ respondeu depois de mais alguns segundos de silêncio _Até de noite.

_Até.

Só quando ela desligou é que percebi que ela não se referia a ela e Pedro, e sim a mim e Rafael. Ela estava pensando que eu estava armando aquilo para sair com ele. Alice sabia o que estava acontecendo comigo. Aliás, ela percebeu antes de mim.

“...em resumo, se você machucar o Bernardo, você vai se ver comigo, entendeu?”

Aquela ameaça dela a Rafael fazia muito mais sentido agora. Alice sabia.

_Será que vai dar certo?_perguntou Pedro preocupado ao telefone quando lhe contei do nosso novo plano.

_Existe grandes chances de dar certo.

_E esse Rafael? Ele é mesmo confiável?

_É sim, Pedro, foi dele a idéia.

_Hum... Sempre achei que ele tivesse alguma coisa com aquele Eric.

_É, aparentemente não._ tive que jogar o Rafael para dentro do armário sem nem perguntar isso antes para ele, Pedro não poderia ficar desconfiado.

_Estranho isso.

_Ele vai te contar a história toda, mas pelo o que eu entendi, Rafael ofereceu sua amizade, mas Eric queria mais.

_Erghh!_ resmungou demonstrando nojo. Tive que fechar os olhos e contar até três para engolir aquilo.

_Então, vou pedir para ele te ligar e passar os detalhes, certo?

_Certo.

_Então, até de noite.

_Bernardo?

_Oi?

_Obrigado, cara.

_De nada, você faria o mesmo por mim._ (Não, não faria.)

_Faria mesmo. Até de noite.

_Até.

Desliguei já meio desacreditando que aquilo tudo daria certo. Mas ainda me restava alguma esperança. E agora vinha a parte mais difícil, falar com Rafael. Nada tinha mudado em relação a nós dois, só que agora eu sabia o que estava acontecendo comigo e isso não me deixava mais agir naturalmente com ele. Eu estava aterrorizado com a simples idéia de ouvir a voz dele. Depois de dez tentativas mal-sucedidas, onde eu discava os números e tornava a apagá-los, deixei o telefone chamar. Rafael atendeu no segundo toque:

_Alô?

Só a voz dele foi o bastante para aquecer meu corpo e me fazer esquecer todo o medo e terror que eu sentia. Sorri só de ouvir aquela sua levemente rouca voz.

_Oi, Rafael, sou eu... Bernardo.

Me peguei falando assim, em pedaços. Eu estava nervoso, muito nervoso.

_Oi!_ eu podia estar ficando louco, ou simplesmente inventando coisas na minha cabeça, mas pensei que a voz dele se iluminou quando falei que era eu, como se ele também estivesse feliz por estar falando comigo.

_Então, er..._ tentei me lembrar o motivo pelo qual eu tinha ligado _Eu falei com Pedro e Alice.

_Hã? Ahh, sim, claro. E como foi?

_Eles toparam sair com a gente.

_Ótimo! Até aqui tudo bem então.

_Sim, aproveitei e contei para Pedro do nosso plano. Falei também que Eric tentou algo a mais com você e você não deixou. Pedro não pode saber da verdade, que você é... que você é também.

Fechei os olhos quando falei aquilo esperando uma negativa por colocá-lo no meio da mentira. Ele ficou alguns segundos em silêncio, mas eu podia ouvir sua respiração no outro lado da linha.

_Foi o mais certo a se fazer mesmo._ falou por fim tirando um peso das minhas costas.

_Você pode ligar para ele e combinar os detalhes?

_Claro, tenho o telefone aqui.

_E você tem algum restaurante em mente? Não pode ser nada muito romântico. Alice notaria na hora.

_Pensei num barzinho que conheço no Santo Antônio.

_Eu confio no seu bom gosto.

Ele riu e só o som da sua risada foi suficiente para deixar minhas pernas bambas. Tentei recobrar meus sentidos e retomar minha velha máxima: não deixar espaço para coisas que eu não quero acontecerem. Por mais doloroso que fosse, eu precisava manter uma distância segura de Rafael. Eu precisava fazer isso enquanto ainda estava no controle da situação.

_Acho melhor você levar a Alice no seu carro e eu ir com Pedro. Vai dar menos na cara._ sugeri.

Senti sua voz ficar alguns tons mais tristes, mas tentei ignorar aquilo e o quanto me afetava.

_Claro, é melhor assim mesmo.

_Então... Nos vemos à noite?

_Sim, nos vemos à noite._ respondeu um pouco mais alegre.

_Até mais, então.

_Até!

Assim que desliguei o telefone me deixei cair na cama. Fazia frio naquela tarde de sábado, mas eu suava. Suava de nervosismo com a noite que me aguardava. Tentei me sentir melhor pensando que seria uma ótima noite na companhia de três pessoas que eu gostava muito. Tudo sairia como planejado. Pedro e Alice se entenderiam, e eu e Rafael os deixaríamos a sós. Isso significava que eu voltaria com Rafael para casa? Nós dois um pouco bêbados, de madrugada sozinhos num carro? Como eu não tinha pensado nisso antes? Talvez eu voltasse de táxi. Imagina só, nós dois naquela situação. Um de nós faria algum comentário bobo sobre o novo casal, e o outro riria. Quando fosse trocar de marcha, sua mão esbarraria propositalmente na minha perna, e eu deixaria. O silêncio criaria um clima. Ele deixaria a mão sobre o câmbio encostando-a na minha coxa. Eu tomaria coragem e colocaria minha mão sobre seu joelho. Ele sorriria para mim e seguraria minha perna com firmeza. Eu subiria minha mão suavemente pela sua calça e... Chega! Eu precisava de um banho frio!

[...]

Eu e Pedro estávamos parados na porta do restaurante. Ele criando coragem para entrar e ver Alice, e eu... Bom, e eu criando coragem para ver Rafael.

_Tá na hora, vamos lá?_ falei enfim.

_Vamos.

Entramos e rapidamente localizamos os dois sentados numa mesa num canto mais isolado. Era um lugar bonito, parecia um legítimo pub inglês. A música ambiente era baixa, favorecendo assim as conversas nas mesas. Rafael tinha escolhido bem o lugar. Fomos em direção à mesa. Alice e Rafael estavam sentados um de frente para outro, de forma que Pedro foi obrigado a sentar ao lado de Alice e eu ao lado de Rafael. Não sei se aquilo foi combinado, mas eu não duvidava de nada.

_Demoramos muito?_ perguntei.

_Não, chegamos não faz nem dez minutos._ respondeu um sorridente Rafael.

Ele estava tão lindo... Usava uma calça jeans escura e uma camisa vermelha. A barba tinha sido feita recentemente e os cabelos estavam curtos, quase em estilo militar. Alice também estava bem arrumada de saltos discretos, um vestido preto solto um pouco acima dos joelhos, maquiagem discreta e os cabelos soltos. Estava claro que ela não tinha esforçado para ficar bonita, que se arrumou para uma noite qualquer, ao contrário de Pedro. Ele estava bem arrumado demais, até um pouco mais do que deveria para aquele ambiente, com um visual mais sério.

Pedimos bebidas e tira-gostos e começamos a conversar. Pedro demorou a se soltar, mas com ajuda do álcool conseguiu. Eu estava me controlando, já que queria estar em pleno estado de consciência para não fazer nada de que me arrependeria depois. Alice, basicamente, conversava comigo e com Rafael. Ela não estava sendo fria com Pedro, respondia quando ele lhe perguntava algo, mas não puxava papo com ele. Em certa hora da noite ela se levantou para ir ao banheiro.

_Bom, acho que é hora de colocar o plano em ação._ falei.

_Certo._ responderam Pedro e Rafael, o primeiro visivelmente nervoso.

_Relaxa, Pedro, ou vai dar tudo errado.

_Ok, ok...

Alice voltou e continuamos a conversar. Eu não conhecia os detalhes que Pedro e Rafael haviam combinado ao telefone, então não sabia muito bem como o assunto surgiria. Não demorou.

_E aquele Eric, hein?_ falou Pedro _Está estranho, né, quieto, calado...

Eu arregalei os olhos e Rafael tomou um grande gole de cerveja. A diferença é que minha reação foi genuína e a dele foi milimetricamente ensaiada.

_Pois é..._ Rafael respondeu.

_Vocês andavam muito juntos, o que aconteceu?_ falou Pedro.

Eu e Alice trocamos um olhar rápido e ela entendeu como um pedido de intervenção.

_Viramos marias-futriqueiras agora? Vamos parar de falar dos outros, né minha gente?

_Tudo bem, Alice._ interviu Rafael. Era perceptível que ele estava um pouco bêbado. Ou melhor fingindo-se de bêbado _O Pedro é da turma, já está na hora dele saber.

_Mas...

_Não, Alice, vou falar sim. O caso é o seguinte, Pedro, eu e ele éramos amigos sim. Ele que se aproximou de mim, sabe, foi puxando papo. Eu não estranhei nada a princípio. Ele era excessivamente carinhoso e isso me incomodava, mas relevei. Até que um dia ele tentou me beijar e eu fui obrigado a me afastar dele. Aquela bicha! Se fazendo de amigo só pra dar em cima de mim. Viado nojento! É melhor ele não chegar mais perto de mim depois disso, porque eu nem sei do que sou capaz de fazer!

Alice ouvia tudo calada não olhando para ninguém em particular. Eu a analisava. Será que ela tinha comprado a idéia que Rafael estava disfarçando sua homossexualidade para Pedro? Era o que uma pessoa que sabia o que ela sabia pensaria, mas Alice é uma pouco mais esperta do que a média. Ela estava indecifrável.

_Calma, cara, não é assim._ falou Pedro.

Alice levantou os olhos para ele intrigada. Eu olhava para ela disfarçadamente tentando entender o que se passava em sua cabeça.

_Por que não foi com você, né?_ revidou Rafael.

_Tá, mas não precisa xingar assim. O cara deve ter se enganado, um erro bobo.

_O que ele fez me dá nojo!

Rafael estava interpretando bem demais. Desconfio que ele usava a memória da traição de Eric para criar aquela raiva na voz. Ele realmente não gostava de Eric e estava extravasando isso.

_Para com isso, cara. Ele merece respeito. Você não pode discriminar uma pessoa só por ser diferente de você. Tenta entender o cara.

_Quem te viu, quem te vê, senhor Pedro._ falou Alice.

Era a primeira vez que ela se dirigia diretamente a ele naquela noite. Vi os olhos dele se iluminarem.

_Como assim?_ perguntou com um certo nervosismo na voz.

_Ora, poucos meses atrás eu presenciei você falando tão mal de Eric...

_Ah, isso...

Como aquilo não estava no roteiro, ele teve que improvisar.

_Bom, você sabe, tava a galera toda reunida, a gente tava se conhecendo ainda, então quis tirar sarro de um colega para fazer todos rirem. Eu sei, eu fui meio babaca, mas todo mundo é meio babaca de vez em quando, então releve.

Ele foi muito bem, eu mesmo quase acreditei nele. Alice sorriu discretamente e se voltou a atenção para mim. Tentei parecer impassível, para que ela não pudesse ler.

_Tudo bem, Rafael?_ falou Pedro, chamando nossa atenção para Rafael.

As veias do pescoço dele estava aparentes, ele tava um dois tons de vermelho acima do normal, e com os dentes trincados. Eu sabia o que estava acontecendo, ele estava sentindo realmente toda aquela raiva de Eric. Eu sentia uma vontade inexplicável de acabar com sua dor. Foi a mesma sensação que senti quando topei participar de uma vingança contra Eric ainda sem conhecer o plano. Eu agi impulsivamente e fiz uma coisa que não achei que seria capaz de fazer: eu encostei minha perna na perna de Rafael sob a mesa, como uma forma de despertá-lo daquele transe, como se eu dissesse “ei, eu estou aqui”. Deu certo. Ele pareceu ter acordado, olhei para mim rapidamente e deu um sorriso discreto, mas sincero. Então se virou para Pedro e respondeu:

_Tudo, é que esse assunto me deixa tenso.

_Ah, sim.

_Bernardo, posso falar com você por um instante?_ falou Alice.

Ela nem esperou minha resposta, já se levantou e fui saindo em direção ao bar no local. Rafael e Pedro me olharam como se pedissem uma explicação, e respondi com gestos que também não fazia menor idéia do que estava acontecendo. Alice me esperava escorada no balcão de braços cruzados.

_O que diabos está acontecendo aqui?_ perguntou.

_Não sei... Por um momento eu achei que Rafael contaria tudo a Pedro. Ele já bebeu um pouco.

_E essa repentina redenção de Pedro?

_Ah, sei lá. Sempre te disse que o achava um cara legal. Você que implica com ele.

_Bernardo...

_O que?

Ela estava muito desconfiada e eu estava andando na corda bamba com ela. Eu precisava fazê-la acreditar em Pedro pelo bem de todos.

_Por que eu desconfio que estou caindo numa armadilha?

_Porque você sempre desconfia de tudo e todos. Para com isso! O cara gosta de você. Viu como ele está todo arrumado, sério?! É pra você! E você devolve com frieza, mal falou com ele a noite toda. Custa dar uma chance a ele? Ao menos conversar amigavelmente com ele?

Ela olhava nervosa de um lado para outro, tentando decidir o que fazer. Eu torcia para ela ter se comovido com meu discurso. Ela então sorriu sacana e voltou sua atenção para mim:

_Certo, então vou dar uma chance a ele, mas antes preciso fazer mais um teste.

_Que teste?

_Você vai ver. E se prepare, como eu desconfio que você e Rafael estão envolvidos nisso, vai sobrar para vocês.

_Como assim?

Mas ela já tinha voltado para mesa e não me respondeu. Voltei também e me sentei. Pedro e Rafael nos olhavam curiosos. Alice sorria e eu olhava para ela tentando prever seu próximo movimento. Então ela fez o inesperado, colocou a mão sobre o braço de Pedro e se dirigiu a ele com um enorme sorriso no rosto:

_Então meninos, aqui está muito bom, mas o que vocês acham de a gente dar uma esticada?

Pedro sorria como bobo, hipnotizado por ela.

_Em que você está pensando?_ perguntou Rafael.

_Que tal irmos àquela famosa boate gay que tem no próximo quarteirão?

Nós três arregalamos os olhos assustados com a proposta. Pedro e Rafael trocaram olhares cúmplices, enquanto eu queimava Alice com meu olhar. Ela ainda sorria.

_E então? Vamos! Vai ser super divertido.

_Você está esquecendo de que ninguém nessa mesa é gay._ falei entre os dentes com raiva, mas ela ainda sorria.

_E daí? Ninguém vai te atacar lá, não, gostosão. Além do que, você e Rafael podem fingir que são um casal. Eu finjo ser namorada de Pedro e ninguém é atacado por essas criaturas devassas e guiadas somente por hormônios que são os gays._ respondeu irônica.

Ela ganhou Pedro no momento em que propôs fingir ser sua namorada.

_É gente, vamos, vai ser legal!_ falou Pedro suplicando com os olhos para que aceitássemos. Ele estava tão apaixonado que teria concordado em ir até para o inferno com Alice.

Eu olhei para Rafael em busca de socorro, mas ele não teve coragem de dizer não, ou estava querendo curtir uma com minha cara:

_Mal não vai fazer, uai.

_Oba! Vamos, vamos!_ falou Alice ainda me olhando sorrindo.

Eu e Rafael fingindo ser um casal numa boate gay aos olhos de Pedro. Minha noite poderia ficar melhor do que aquilo? Aquela foi uma daquelas noites pela qual eu me lembraria pelo resto da vida...

Como a vida nos arma surpresas, não? Se há dois meses alguém me dissesse que eu estaria numa boate gay lado de Alice, Rafael e Pedro, eu riria e o chamaria de louco, mas lá estava eu. Eu não me reconhecia. Eu sempre fui tão racional, e agora estava me deixando ser levado por impulsos. Sim, porque eu poderia ter me recusado a ir, mas não o fiz, e existia um único motivo para isso: Rafael.

Meu inconsciente me jogou numa boate gay, um lugar onde eu teria total liberdade com Rafael. Pensando hoje nisso, desconfio que Rafael tinha plena consciência do que estava acontecendo e de onde nós estávamos. Eu estava caindo no jogo dele. Alice, claro, tinha sua parcela de culpa também. Ela não exigiu que eu e Rafael fôssemos com eles à boate só para fazer companhia, ou de vingança. Me conhecendo como conhecia, ela não seria capaz daquela maldade. Ela percebeu o que estava acontecendo e agora estava me jogando para cima de Rafael. E o pior, mesmo desconfiando disso, eu estava completamente refém dos meus recém-descobertos sentimentos por Rafael.

Eu nunca havia ido a nenhuma boate, nem mesmo a uma boate hétero, então tudo aquilo para mim era muito diferente. A música extremamente alta, os jogos de luzes, o neon, a fumaça, tudo era novidade para mim. Lembro de num primeiro momento eu ter pensado que não tinha nada de gay naquela boate. Essa primeira impressão sumiu quando vi dois caras se beijando bem próximo a mim. Eu nunca tinha visto um beijo gay ao vivo, então, sim, aquilo me impressionou. Eu fiquei paralisado, olhando aquela imagem, analisando o movimento da bochecha e da língua daqueles dois. E eu não estava sozinho, Pedro também os encarava. Alice e Rafael tiveram que nos puxar para longe.

_Vocês dois vão apanhar aqui se fizerem isso de novo!_ avisou Rafael.

_Tô a fim de beber!_ anunciou Alice _Vou no bar. Vem comigo, Rafael.

É lógico que os dois iam falar sobre mim, mas eu não podia fazer nada para impedir. E lá fiquei eu, sozinho com meu amigo homofóbico no meio de uma boate gay. Eu não tenho palavras para descrever o quão desagradável era aquela sensação.

_Você vai me dever isso pelo resto da vida._ falei com Pedro. Era por causa dele que eu estava ali.

_Eu sei… Eu não queria te colocar nessa, mas Alice...

_Acho que ela está te testando.

_Também tô achando.

_Então, se eu fosse você, não bebia. Vai que você perde o controle.

_É, vou me controlar.

Ele olhava em volta com uma expressão de nojo, o que só conseguia aumentar meu desconforto com a situação.

_Cara, tô passando mal aqui._ falou _Olha isso aqui!

_Fica quieto, o seu disfarce não pode cair. Até aqui está indo tudo bem. Lembre de porque você está aqui.

_Eu sei, e é só esse pensamento que não me impede de sair correndo daqui.

_Fica calmo.

Alice e Rafael voltaram com drinks. Nem perguntei o que tinha no meu, virei quase tudo de uma vez, eu precisava me anestesiar, tinha coisa demais acontecendo.

_Vai com calma, amigão, se lembra da última vez, né?_ falou Alice.

_A situação me permite.

_Você que sabe..._ respondeu _Vamos dançar, meninos?

E lá fomos nós para a pista de dança. Eu nunca fui um grande dançarino, então me conformei em ficar pulando e mexendo os braços desengonçadamente de olhos fechados. A bebida já estava começando a fazer efeito em mim, me deixando soltinho. Quando abri os olhos vi Alice e Rafael rindo de mim.

_O que foi?_ perguntei alto para minha voz se sobressair à música.

_Você precisa urgentemente de aulas de dança!_ falou Alice ainda rindo.

_O que tem de errado no jeito que eu danço?!

_Tudo!_ respondeu Rafael _Deixa eu te ensinar.

E antes que eu pudesse entender muito bem o que ele havia dito, Rafael se posicionou na minha frente, colocou as mãos na minha cintura e foi me fazendo mexer em sincronia com a batida da música. O álcool já tinha me deixado bem soltinho, então deixei. Era uma sensação nova para mim, as mãos de Rafael me segurando firme pela cintura me provocavam uma sensação de calor, de segurança, de desejo... E antes que eu pudesse me dar conta de como era boa aquela sensação, ele me soltou e me deixou dançando sozinho. Ele me observava como um pai que havia acabado de soltar a bicicleta do filho que acabara de aprender a andar nela. Rafael sorria para mim e eu sorria para ele, como se só existisse nós dois no mundo e mais ninguém. E então eu sabia que era recíproco. Rafael também estava apaixonado por mim.

Os olhos de Rafael então se desviaram para um ponto qualquer atrás de mim e vi tensão em sua expressão. Olhei para onde seus olhos apontavam e entendi o motivo. Um cara de aproximava de Pedro com um inconfundível olhar de desejo. Não havia como interferirmos, só podíamos torcer para Pedro se controlar. Não conseguíamos ouvir nada devido à música alta, mas os gestos diziam tudo: Pedro dançava alegre com Alice e os dois pareciam estar se entendendo; o cara toca o ombro de Pedro e vira para olhá-lo; o cara fala alguma coisa no seu ouvido e é possível notar o rosto de Pedro se contorcendo de nojo; Alice entendeu o que o cara queria com Pedro e riu maldosamente; Pedro fez que não com a cabeça e disse alguma coisa; o cara insiste e pega em seu braço; e numa incrível provação das minhas habilidades em leitura labial, eu vejo Pedro falar “eu estou acompanhado, não está vendo?” e passar o braço em volta da cintura de Alice puxando-a para mais próximo dele. O cara desiste, Alice sorri, e Pedro então percebe que aquela é uma chance única. Pedro avança sobre Alice e lhe rouba um beijo. Ele se afasta esperando para ver sua reação. Ela lhe puxa de volta e lhe beija. Eu aprecio a cena, muita bonita aos meus olhos: Alice e Pedro, em meio a toda aquelas luzes, toda aquela fumaça, toda aquela gente, se beijando como se não existisse mais nada, em câmera lenta.

_Conseguimos!_ falou Rafael no meu ouvido.

_Nem acredito que todo esse esforço deu certo._ respondi.

Ele sorriu com o canto da boca.

_Bom, nem tanto esforço assim. Vai dizer que não está aproveitando a noite?

Eu tive vontade de dizer sim, que a noite ao seu lado estava sendo maravilhosa, para então pular nele e beijá-lo até meus lábios ficarem dormentes. Mas eu ainda estava sóbrio o bastante. Eu tinha consciência do que podia e do que não podia fazer. Eu não podia cair em tentação novamente, eu tinha que continuar andando na linha.

_Eu vou pegar mais uma bebida para mim.

Vi seu sorriso se desfazer e meu coração se apertou com aquilo, mas eu precisava ser mais forte. Saí da pista de dança em direção ao bar e Rafael veio junto.

_Vou ao banheiro, depois te encontro no bar._ falou.

_Certo.

Tratei logo de conseguir outra bebida. Eu precisava de forças extras para passar por aquela noite. Não vi quando um cara de aproximou de mim no bar.

_Deixa eu adivinhar, primeira vez numa boate gay?

Eu me virei para olhá-lo. Era bonito, normal, mas ele tinha um certo ar sedutor. Tinha algo de James Dean nele. Eu deveria tê-lo cortado já no início, mas eu já estava meio alegre por conta da bebida e dei papo:

_Dá pra perceber só de olhar?

_Nem tanto, é que quando você chegou você ficou olhando tudo em volta com um ar de novidade.

_Isso quer dizer que você está me olhando desde que eu cheguei?

Ele respondeu com um sorriso safado. Eu estava atraído por aquele cara sim, mas não tinha a mínima a intenção de fazer qualquer coisa com ele. Pelo menos, não sóbrio. Num ato falho, sorri de volta.

_Então, posso saber seu nome?

_Acho melhor não..._ falei lutando para deixar meu lado sóbrio falar.

_Por que não?

_Porque o namorado dele não vai gostar._ falou uma voz atrás de mim.

Me virei e vi Rafael nos encarando com uma cara de bravo. Previ problemas.

_Namorado?_ falou o cara, claramente desafiando Rafael.

_Sim, namorado._ ele respondeu passando a mão pela minha cintura.

Os dois se encaravam como se prestes a entrar em confronto.

_Seu namorado?_ o desconhecido perguntou para mim.

_É... Hum... Mais ou menos, eu acho...

_Bom, já vi que a situação aqui é complicada, melhor dar o fora.

_Sim._respondeu Rafael.

O cara pegou seu copo e se misturou na multidão, provavelmente procurando por outro alvo.

_Eu te deixo sozinho por dois minutos e você já sai se assanhando com desconhecidos?

Rafael falou num tom meio irônico, mas eu consegui identificar tons de raiva em sua voz.

_E se estivesse?_ perguntei querendo ver aonde aquilo ia chegar.

_É seu direito, você é livre e desimpedido.

_Sim, eu sou. Então, por que afugentou o cara?

Ele me encarou por alguns segundos. Vi a raiva nos seus olhos aumentar.

_Não sei! Não sei de mais nada! Não sei que diabos eu estou fazendo mais!

_Pois somos dois, Rafael!_ respondi já me inflando também.

_Então por que simplesmente não se deixa levar?

Ele falou isso e me puxou pela cintura deixando nossos corpos colados. Eu conseguia sentir sua respiração quente chegando ao meu nariz. Não desgrudamos nossos olhares nem por um segundo. Eu estava prestes a cometer uma loucura e realmente me deixar levar pela intensidade daquilo que eu estava sentido. Mas eu não podia, eu precisava ser mais forte que isso.

Eu não posso, Rafael..._ falei choramingando _Não faça isso comigo, por favor...

Seus olhos se encheram de lágrimas ao ouvir aquilo, mas ele cedeu ao meu apelo e me soltou. Não dei chance para que eu ou ele mudássemos de idéia. Saí correndo daquele lugar e fui para casa.

[...]

Rafael não saiu da minha cabeça durante todo aquele domingo. Eu estava apaixonado por ele e não sabia como lidar com isso. Era torturante pensar nele e não poder tê-lo. O que eu sentia por Rafael era muito, muito maior do que eu senti por Eric. E se naquela ocasião eu não consegui me segurar, imagina como seria agora... Eu não podia me dar essa liberdade. Eu sabia que no momento em que eu cedesse, toda a minha vida estaria definida em função daquilo. Eu sabia que era um caminho sem volta.

Mas eu não sou uma pessoa completamente racional, o lado emocional pesava muito. E meu lado emocional era uma como uma força da natureza e jogava tudo pelo alto quando passava. Eu tinha uma necessidade inexplicável de amar e ser amado. Eu queria sentir tudo aquilo que sempre vi em filmes e em livros. Eu queria amar Rafael. Eu queria me entregar a ele totalmente desarmado, totalmente desprovido de armaduras e medos. Eu queria ser feliz. Eu queria que Rafael me fizesse feliz.

E aqueles dois lados, o racional e o emocional ficavam brigando dentro da minha cabeça tentando chegar a um acordo. Mas não havia acordo, não havia como conciliar as duas coisas. Ou eu me jogava sem medo naquilo, ou eu me preservava e continuava levando minha vida tranquilamente. Eu precisava fazer uma escolha e eu precisava conviver com ela. Talvez fosse a grande escolha da minha vida, aquela que mudou os rumos da minha vida.

E naquele turbilhão que passava pela minha cabeça, o domingo foi passando sem que eu me desse conta. Quando adormeci àquela noite, nem lembrava mais quais eram os argumentos do lado racional.

[...]

Segunda-feira. Eu estava parado na porta da faculdade esperando Rafael. Eu não tinha um plano. Eu não tinha ensaiado o que falar, nem o que fazer. Eu nem sabia ainda o que queria exatamente com aquilo. Eu não sabia o que esperar. Eu queria ver Rafael e conversar com ele.

Ele não demorou a aparecer. Estava lindo, como sempre, apesar do seu olhar triste. Ele parou ao me ver. Ficamos nos encarando ali, tentando nos entender só no olhar. Eu chegava a tremer de nervosismo. Ele se aproximou de mim até ficarmos bem próximos.

_Oi.

_Oi._ respondi _Podemos conversar?

_Claro._ eu vi algo parecido com um sorriso no seu rosto.

Fomos caminhando lado a lado em silêncio, eu o guiava para aquele isolado banheiro ao qual em sempre recorria nessas situações. Entrei e dei espaço para que ele entrasse também. Me escorei na parede e fiquei o fitando. Ele também me olhava esperando que eu começasse a falar.

_Eu não sei mais o que eu estou sentindo._ falei já com a voz embargada.

_Bernardo...

_É tudo tão confuso e pesado. É difícil, sabe? Ter consciência daquilo que estou sentindo e ao mesmo tempo querer e abominar essa coisa.

_Bernardo..._ ele foi se aproximando de mim.

_Eu estou apaixonado por você e não sei o que fazer com isso.

Ele limpou as lágrimas que teimaram em molhar minhas bochechas.

_Eu também estou apaixonado por você.

E mais nada era preciso ser dito. Por mais que eu já soubesse que o que sentia era recíproco, ouvir aquilo muda tudo. Torna a coisa real. Estávamos irremediavelmente apaixonados um pelo outro.

Rafael se aproximou de mim até que nossos narizes se encontrarem. Uma de suas mãos segurava minha cintura e a outra meu rosto. Eu deixei me levar e segurei sua cintura. A milímetros de distância, nos olhávamos com intensidade. Então eu deixei acontecer. Fechei os olhos como se lhe desse permissão. O beijo foi suave, delicado, sem pressa. Mas o que senti não tinha nada de delicado ou suave. Era uma onda de sentimentos tão forte que parecia querer arrebentar meu peito e tomar vida própria. Era a coisa mais forte que eu já tinha sentido. Aquilo me dominava por inteiro. Ali eu senti, talvez pela primeira vez na minha vida, o que era estar feliz. Tudo se encaixava, tudo era cor de rosa, tudo tinha cheiro de baunilha. Eu havia achado meu lugar no mundo: os braços de Rafael.

E podíamos ter continuado ali o resto da vida se o barulho da porta se abrindo atrás de nós não nos tivesse forçado a nos separarmos. Nossa primeira reação foi olhar assustado um para o outro, e só então para a pessoa que havia nos descoberto. Mas como a vida adora pregar peças, não podia ser outra pessoa: Eric.

Seus olhos estavam cheios de lágrimas e sua boca aberta em razão da surpresa de nos pegar ali juntos. O plano original tinha funcionado: Eric nos flagrou e isso o machucou fundo. Só que eu não me sentia nem um pouco melhor com isso.

Eu nunca quis Eric mal. Nem quando descobri sua traição eu lhe quis mal. Sim, eu cheguei a odiá-lo por alguns momentos, mas esse ódio não significou querer vê-lo mal e sim querer vê-lo longe. Por causa disso eu senti como se uma mão invisível apertasse meu coração ao vê-lo naquele estado. Ele nos olhava atônito, não acreditava no que via. Eu estava realmente com pena dele, pena da dor que deve ter sido para ele ver o que viu.

Sem saber como agir, olhei para Rafael em busca de auxílio, mas o que encontrei foi um sorriso senil de satisfação em seu rosto. Ele conseguiu o que queria, ele se vingou de Eric. Como ele conseguia se sentir satisfeito fazendo outra pessoa sofrer? O que tinha de bonito naquilo? Aquela foi a primeira vez que Rafael me mostrou uma nuance da sua personalidade, e eu não gostei nada do que vi.

_Eric..._ tentei começar a falar alguma coisa, mas não consegui.

_Vocês estão juntos?_ ele perguntou depois de algum tempo.

_Sim._ respondeu Rafael.

_Não._respondi ao mesmo tempo.

Rafael me olhou surpreso, mas não o encarei. Não estava muito bem com ele no momento.

_É complicado, Eric... Nós..._ eu não conseguia explicar, não tinha explicação.

_Desde quando vocês dois..._ ele mal conseguia formar frases, o golpe tinha sido forte.

_Há algum tempo, e estamos muito bem obrigado!_ falou Rafael.

_Para com isso!_ ralhei com ele.

_Para com isso o que?

_Para de ficar me usando pra ferir ele!

_Eu não estou..._ ele começou mas eu o interrompi.

_Depois a gente conversa, Rafael.

Eric assistia a tudo com os olhos vazios, sem expressão, apesar das poças de lágrimas formadas embaixo do olhos. Eu não percebi como a minha briguinha com Rafael tinha se parecido com uma briguinha de casal e como aquilo devia ter machucado Eric mais do que o Rafael dissera. Eu não queria pensar em como Eric estava se sentindo naquele momento. Me virei para ele para, mais uma vez, tentar melhorar a situação:

_Desculpe pelo que você viu, Eric, simplesmente aconteceu. Eu não esperava me apaixonar por Rafael.

No momento que aquilo saiu da minha boca, vi a dimensão da bobagem. Os olhos de Eric, antes sem vida, se arregalaram e brilharam. Sua tristeza se transformou em ira.

_Se apaixonar por Rafael?! Uau! Você? Apaixonado por outro cara?

_Eric...

_Mas isso é histórico! O cara que abominava qualquer tipo de relacionamento com outro cara apaixonado por um?! Isso deve ser tão divertido para você! Como você está sentindo encarando essa nova realidade?_ se tom de voz era irônico e machucava. Ele sabia como eu era sensível aquilo tudo que estava acontecendo.

_Eu não vou deixa você falar assim com ele!_ falou Rafael.

Rafael se posicionou agressivamente entre mim e Eric, como se me protegesse. Eu admirei seu instinto em proteger, mas eu podia fazer aquilo sozinho. Coloquei minha mão sobre seu ombro e ele relaxou.

_Olha, Eric._ falei sério me aproximando dele _Tudo está acontecendo ainda. Sim, nós estamos apaixonados, mas eu não sei aonde isso vai dar. Isso que você viu foi nosso primeiro beijo. E sim, isso tudo me assusta muito, é como me atirar de um penhasco e torcer para que eu milagrosamente consiga voar.

Ele relaxou um pouco com minhas palavras, mas ainda tinha raiva em seus olhos.

_Estou te falando isso não para te dar explicações, porque eu e ele não te devemos nada. Estou te contando isso para deixar tudo em pratos limpos. Eu estou sendo completamente sincero com você, o que você não foi com a gente. Estamos todos zerados aqui, sem mágoas. Agora, eu realmente não sei aonde isso vai dar, mas eu gostaria de descobrir sem sua ajuda, então eu te peço humildemente que não se meta comigo ou Rafael mais.

Ele me olhou assustado como na noite do meu aniversário em que explodi com ele. As lágrimas começaram a cair sobre seu rosto e eu tentei me manter impassível a elas. Eu torcia para ele ir embora rápido, antes que eu fraquejasse, e ele realmente foi após alguns segundos.

Caí sentado no chão do banheiro com as mãos sobre o rosto. Tinha coisa demais acontecendo ao mesmo tempo. Eu precisava parar para respirar. Logo senti os braços de Rafael se fechando em volta de mim, mas não reclamei. Era tão bom sentir ser calor próximo ao meu corpo, tinha um efeito tão relaxante. Ele realmente me passava a sensação de proteção. Não sei quanto tempo passamos ali, talvez mais de uma hora. Eu demorei um tempo até conseguir me acalmar e absorver tudo o que estava acontecendo.

Então eu me lembrei que tinha que conversar com Rafael. Me soltei dos seus braços e sentei em frente a ele. Ele me olhava intensamente tentando prever o que viria a seguir. Como eu estava demorando, ele começou:

_Você não pode ficar se remoendo por Eric. Ele não merece.

_Fomos nós que causamos sofrimento a ele, como eu posso não me importar?!

_Ele mereceu!

_Eu não acredito nesse tipo de justiça, Rafael!

_Pois eu sim, e estou muito feliz.

_Estou vendo, e isso me assusta!_ desabafei.

Ele me olhou meio de lado, como se tentasse entender o que eu tinha dito.

_Me assusta o fato de você ficar feliz com o sofrimento dos outros. Você não está arrependido como eu estou?

_Não, não estou._ respondeu firme sem abaixar a cabeça _Ainda que por meios tortos, nosso plano deu certo.

_Nosso não, seu plano._frisei.

_Nosso plano, sim. Você concordou.

_Concordei por você, porque àquela altura eu já estava apaixonado e faria qualquer coisa para te livrar da raiva que você estava sentindo.

Ele sorriu por entender aquilo como uma declaração. Ele então se aproximou, pegou minhas mãos e falou com a voz bem mais mansa:

_Deixa o Eric pra lá, Bernardo, já passou. Vamos nos concentrar no que importa aqui: nós dois.

_Eu preciso de um tempo.

Seu riso apaixonado se desfez quando falei aquilo.

_O que?

_Eu preciso de um tempo. Eu preciso pensar no que está acontecendo aqui.

_Pensar o que? Nós estamos apaixonados!

_Estamos, e daí? O que vem agora? Você achou que sairíamos daqui de mãos dadas direto para o altar? Eu estou falando sério, Rafael, eu não estou pronto para ter um relacionamento com outro cara. É muito pra minha cabeça. Eu estava decidido a nunca mais me envolver com outro cara, mas aí você apareceu e bagunçou tudo. Eu preciso de um tempo para por minha cabeça no lugar. Eu não sei o que fazer, mas preciso descobrir sozinho.

_Você está se deixando afetar pelas palavras do Eric!_ argumentou.

_Não, não estou. Esse é o jeito como eu me sinto, e ele sabe disso. Sabe que é complicado para mim me envolver com outro cara.

_Mas...

_Por favor._ implorei olhando nos fundos dos seus olhos.

Ele queria continuar discutindo, mas soltou o ar em sinal de desistência e balançou a cabeça concordando.

_Obrigado._ respondi sorrindo.

_Só vou concordar porque estou realmente apaixonado por você e quero que isso dê certo. Por mim a gente se beijava no hall e que se fudesse quem não quisesse ver.

_Pena que não é assim que as coisas funcionam.

Me levantei e ele se levantou também, ficando de frente para mim.

_Então, vamos para aula?_ falou.

_Eu não vou, prefiro ir para casa e mentir que passei mal. Não tô afim de encarar a Alice, ou pior ainda, o Eric, nesse momento.

_Certo. Então, até amanhã?

_Até amanhã.

Ficamos os dois nos olhando sem jeito. Eu queria ir embora, mas não queria me despedir dele. Queria grudá-lo em mim, fazer dele uma extensão minha e assim levá-lo sempre comigo.

_Bom, tchau._ falei.

_Tchau...

Me virei e quando pus a mão na maçaneta da porta, senti ele pegar meu braço e me puxar, me fazendo ficar de frente para ele a milímetros de distância. O beijo foi inevitável. Calmo, romântico, intenso. Eu estava em transe. Quando ele me soltou, nós dois sorríamos.

_Esqueci de perguntar, posso te ligar mais tarde?_ falou.

_Pode.

_Eu vou

Ri bobo com seu jeito romântico e dessa vez fui embora de verdade, tomando cuidado para não encontrar com nenhum conhecido no caminho. Eu tinha um sorriso bobo e sem motivo no rosto. Eu estava tão apaixonado por Rafael...

[...]

Eu passei toda aquela segunda-feira deitado na minha cama perdido em pensamentos. Eu nunca tinha sentido por alguém algo tão intenso como o que eu sentia por Rafael. Não só a situação era nova para mim, mas as sensações também eram. Eu ficava nervoso e extasiante na sua presença, e angustiado e irritável na sua ausência. E só aquela nova coisa que eu estava sentindo já me fazia ver o mundo diferente. Parecia que tudo ganhou mais cores. Não que eu enxergasse a vida em preto e branco, mas eu a enxergava em algumas poucas cores desbotadas, e então todas as cores ganharam vida de repente. Tudo era brilhante, berrante e alegre. Seria isso a tal felicidade? Era por isso que esperei minha vida toda? Hoje, acho que não era a felicidade, pelo menos não a felicidade quase infantil pela qual eu ansiava. Aquilo foi um encantamento por descobrir um novo mundo. Agora havia esperança, agora eu sabia que podia ser feliz. Eu tinha sentido o gostinho da felicidade.

Mas comigo, tudo é sempre um pouquinho mais complicado. Eu não conseguia simplesmente me jogar de cabeça naquilo. Havia correntes muito fortes me prendendo. Aquilo não era uma coisa qualquer. Engatar um relacionamento com outro cara é um passo gigantesco, muito maior do que eu estava disposto a dar. Só que era Rafael, aquele como poder de anestesiar minhas dúvidas, de aplacar meus medos e de suprimir minha insegurança.

Sim, eu estava cheio de dúvidas, mas não tinha muitas opções. A verdade é que eu nunca tive escolha depois daquele primeiro beijo com Rafael. Rafael era minha única opção, fosse do jeito que tivesse que ser.

[...]

_Oi.

_Oi._ respondi sem jeito, ainda ficava tímido perto de Rafael.

Ele estava lindo de bermuda, camiseta branca e chinelo. E tudo era completado por aquele seu sorriso largo e impecavelmente branco. Estávamos na praça de alimentação de um shopping, onde ele concordou em me encontrar depois de eu ligar para ele pedindo para conversarmos. Meu medo era ter muita gente por perto e não ter como falarmos de certos assuntos, mas devido ao fato de ser uma segunda-feira à noite, estava vazio.

_Obrigado por vir, sei que avisei de última hora._ falei.

_Por mim tá ótimo, te ver é melhor que falar com você só por telefone.

Sorri e abaixei a cabeça envergonhado pelo elogio. Ele riu da minha falta de jeito.

_Pode ir se acostumando com meus chavecos, agora você vai ouvi-los frequentemente.

_É sobre isso que eu queria conversar.

_Nós vamos continuar nos vendo, né?_ perguntou preocupado.

_Sim._ respondi sorrindo e ele respondeu sorrindo também _Mas com algumas condições.

_Bom, vamos lá, quais são?_ perguntou ainda sorrindo se reencostando na cadeira.

_Primeiro: não é oficial, não é um namoro. A gente vai levando e vê aonde isso vai chegar, certo?

Ele suspirou fundo.

_É justo. Vamos levando pra ver onde chegamos.

_Obrigado. Segunda condição: é segredo absoluto, ninguém pode ficar sabendo. Alice talvez. Pedro nem pensar.

_Não devemos explicações a ninguém!_ falou começando a se inflamar.

_Eu sei, eu sei._ falei tentando acalmá-lo _Mas eu não estou pronto para assumir isso. Você pode fazer isso por mim?

Ele pôs as mãos na cabeça e mais uma vez soltou a respiração pesadamente dando a entender que aquilo era um sim.

_Obrigado.

_O que posso fazer se me apaixonei por você, Bê? O que você pedir eu faço, não tenho muita escolha.

_Bê?_ falei debochado.

_É, Bê!_ respondeu rindo.

_Então, Rafa, estamos combinados.

_Mas isso mais parece um contrato de empresa sendo assinado. Cadê a emoção?

_O que você sugere?

_Bem, eu estou de carro e ele tem vidros escuros, ninguém consegue ver o que a gente pode fazer dentro dele. Que tal?

Ele falou isso com um ar sedutor, e só pude sorrir em resposta. Era muito arriscado, mas eu não estava raciocinando normalmente mais. Agora eu era outro, mais destemido, com mais sede de viver a vida. Rafael fez isso comigo. Me apaixonar por ele foi um caminho sem volta.


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Ficha do conto

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Nome do conto:
Bernardo [18/19/20] ~ Rafael, um caminho sem volta!

Codigo do conto:
217841

Categoria:
Gays

Data da Publicação:
11/08/2024

Quant.de Votos:
2

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