O resto da aula transcorreu sem grandes surpresas, mas eu não conseguia tirar da cabeça aquela troca de olhares com o Luke. Havia algo ali que eu ainda não sabia explicar, uma faísca… talvez, ou apenas a curiosidade de finalmente conhecer o garoto para além das provocações. Mas hoje, olhando para trás, eu sei: era a semente de algo muito maior. Algo que levaria tempo para eu admitir.
No intervalo, Carlos não perdeu a chance de me zoar:
— Vai fazer o trabalho com o pobretão? Quem diria, hein? Cuidado pra não se queimar.
Revirei os olhos, já prevendo o tom debochado.
— Ah, Carlos, para com isso. Deixa de implicância, é só um trabalho.
— Vai defender ele agora?
— Cara, não viaja. Você sabe que eu preferia fazer com você ou qualquer um dos parças.
— Não tô gostando dessa possível amizade... Mas, fazer o quê, né?
— Pois é, então para de birra.
Depois de lanchar com o Carlos, fui até Camille. Passamos o resto do intervalo juntos, namorando e matando a saudade. Mas, como eu já vinha percebendo, ela andava diferente, mais distante, mais fria. Ainda assim, eu não me importava. Ter uma namorada como Camille não era só sobre sentimentos, era sobre manter a minha reputação social intacta.
Quando a última aula acabou, fui até a biblioteca com o Luke. Caminhávamos lado a lado, e algumas pessoas olhavam com curiosidade. Afinal, nós dois pertencíamos a mundos diferentes.
Antes de entrarmos, Camille surgiu no corredor e veio até mim.
— Amor — ela disse, sorrindo, antes de se inclinar para um beijo.
Me afastei rapidamente e fiz as apresentações:
— Esse é o Luke, da minha sala. A gente vai fazer um trabalho juntos.
— Oi, Luke. Prazer, sou a Camille. — Ela sorriu e lhe deu dois beijinhos no rosto.
— O prazer é todo meu — respondeu Luke, com um sorriso de canto. — Me admiro que um babaca como esse aqui tenha conseguido namorar uma gata como você.
Arqueei as sobrancelhas, indignado.
— Ei, cala a boca! Quem você pensa que é pra falar assim comigo?
Luke apenas cruzou os braços e disse, com ar de superioridade:
— Apenas trazendo verdades.
Camille soltou uma risada.
— Gosto de gente sincera. Ponto pra você, Luke.
Olhei para ela, desconfiado.
— Então sou um babaca agora?
Ela suspirou, ajeitando a bolsa no ombro.
— Às vezes... Tipo quando me ignora, quando fica olhando para outras meninas... Entre outras coisas. — Ela balançou a cabeça, como se afastasse o pensamento. — Mas enfim, não vamos discutir a relação agora.
Ela deu um beijo rápido no meu rosto e se afastou.
— Bom trabalho pra vocês, garotos. Vou atrás da minha amiga. Vamos assistir ao treino dos meninos do terceiro ano. A Paula tá de olho num jogador.
No fundo, eu sabia que a Camille estava de olho em algum jogador do time do terceiro ano. Talvez já tivesse até alguma coisa rolando. Mas, para mim, na época, o que importava era o status. O título de namorado dela era mais valioso do que qualquer sentimento real. E então ela se foi. Fiquei parado por um instante, observando Camille se afastar, mas logo voltei meu olhar para Luke, que me encarava com um sorrisinho presunçoso. Quando chegamos à biblioteca, Luke abriu os livros sobre a mesa, mas, em vez de começar a leitura, ficou me observando com aquele olhar analítico, como se estivesse tentando me decifrar.
Quando chegamos à biblioteca, Luke abriu os livros sobre a mesa, mas, em vez de começar a leitura, ficou me observando com aquele olhar analítico, como se estivesse tentando me decifrar.
— O que foi? Tá me admirando? — provoquei, com um meio sorriso.
Ele riu de canto, descrente.
— Sim. Admirando sua completa babaquice. Você realmente se acha, né?
Revirei os olhos e me inclinei sobre a mesa.
— Que tal a gente focar no trabalho e deixar pra brigar depois?
Ele não respondeu de imediato. Apenas passou a língua pelos lábios, pensativo, e então disse:
— Tive uma ideia. Em vez de simplesmente jogarmos informações soltas, podemos fazer algo mais estruturado. Que tal escolhermos onze fatos históricos? Um para cada ano, começando em 1990 e indo até 2000. Assim, exploramos os principais acontecimentos da década.
— Tipo o quê? — perguntei, interessado.
— Bom, podemos começar com o fenômeno que foi Vale Tudo e aquele final icônico que fez o Brasil inteiro questionar "Quem matou Odete Roitman?". Depois, temos o impeachment do Collor em 1992, com os Caras-Pintadas saindo às ruas. Sem falar em tragédias que marcaram uma geração, como a queda do avião dos Mamonas Assassinas em 1996, um dos momentos mais tristes da cultura pop brasileira.
Ele fez uma pausa e continuou, como se estivesse dando uma aula:
— Fora isso, tem a revolução tecnológica com a popularização da internet discada, o surgimento do Real como moeda em 1994, o Bug do Milênio em 1999 e até a febre dos Tamagotchis, que basicamente prepararam toda uma geração para a frustração da vida adulta.
Eu soltei uma risada.
— Tá, gostei. Podemos dividir assim: eu fico com os anos pares e você com os ímpares.
Luke ficou em silêncio por um instante, apenas me analisando com aquele olhar perspicaz.
— Pode ser. Até que não é uma ideia ruim.
Luke era um verdadeiro gênio. Como eu já disse, ele dominava as palavras e tinha um jeito de falar que fazia qualquer um se sentir um pouco mais burro ao seu lado. O que parecia ser um trabalho simples começou a se tornar algo muito mais complexo, porque além da parte escrita, precisaríamos apresentar. Isso significava que não bastava apenas jogar informações no papel; precisaríamos construir uma narrativa que fizesse sentido, contextualizando cada evento com argumentos sólidos.
Ficamos discutindo mais alguns detalhes até que percebi que já estava na minha hora.
— Preciso me organizar para ir embora. Tenho aula de inglês já, já. Que tal a gente terminar esse trabalho na quinta ou sexta depois da aula? Podemos ir pra minha casa e usar o computador pra aprofundar melhor as pesquisas.
Luke deu um suspiro, fechando o livro com um leve estalo.
— Certo, senhor babaca. Também já está dando minha hora. Nem avisei aos meus pais que ia chegar tarde.
— Onde você mora? Minha mãe vem me buscar. Se quiser, posso pedir pra ela te deixar. Ah, e não me chama de "senhor babaca", senhor bostinha.
Ele riu com desdém, balançando a cabeça.
— Não precisa. Sei me virar sozinho. E sério, "senhor bostinha"? Não tinha nada mais criativo?
— Não. E eu já te disse que vou te provar que não sou um babaca.
Ele me olhou por um instante, como se tentasse enxergar através de mim, e então sorriu de canto.
— Estou no aguardo – E piscou um olho para mim.
Eu arrumei minhas coisas e fui direto para o curso de inglês. Por algum motivo, me sentia leve. Não sabia explicar. Apesar do pouco tempo que passei com o Luke, a interação... Aquilo, de alguma forma, me fez bem. Claro que, na época, eu não tinha consciência disso, mas olhando pra trás agora, era óbvio: era o amor. O jeito como ele me desafiava, como me chamava de babaca, como fazia questão de me mostrar que eu não era tão importante quanto achava ser. E, naquele momento, eu tomei uma decisão. Eu ia provar para ele que eu não era só mais um garoto mimado. Nem que isso custasse um pouco da minha reputação na escola.
No dia seguinte, quando cheguei na sala, Carlos já estava no meio da bagunça de sempre. Ele era do tipo que não precisava de motivo para rir alto ou fazer piada de algo.
Olhei para o Luke, que estava sentado mais distante, e acenei. Ele me encarou por um breve segundo e simplesmente virou a cara, aquilo me incomodou, não satisfeito com o fora, fui até a mesa dele e tentei mais uma vez.
— Bom dia, Luke. Você não me viu quando falei com você?
Ele levantou os olhos do livro que estava lendo, sem pressa.
— Vi. Mas não costumo interagir com babacas antes das dez da manhã.
Revirei os olhos, me inclinando sobre a mesa dele.
— Poxa, o que eu te fiz pra me tratar assim?
— Odeio você e seus amigos, e você sabe bem disso.
— Já te disse que não sou como eles — falei mais baixo, sem querer que Carlos ouvisse.
Luke fechou o livro e me encarou, os olhos carregados de ironia.
— Pra mim, você é. Que tal voltar para sua mesa? Acho que seu "parça" não está nada feliz em ver você aqui.
Segui o olhar dele até Carlos, que me observava com uma expressão confusa.
— No recreio, falo com você — murmurei antes de voltar para minha mesa.
Assim que me sentei, Carlos me cutucou.
— O que foi isso? O que você foi falar com aquele pobretão?
— O trabalho. — Respondi no automático.
— Sei... Esse trabalho tá te deixando estranho.
Tentei mudar de assunto e perguntei sobre o trabalho dele. Como esperado, Carlos deu de ombros.
— Ainda não comecei, mas minha dupla vai fazer praticamente tudo sozinha.
— Cara, pelo menos tenta fazer alguma coisa.
— Relaxa, meu velho! Essas paradas sempre dão certo no final.
E ali estava o contraste. Carlos, vindo de uma família rica, sempre teve tudo fácil, nunca precisou se esforçar para nada. Do outro lado, Luke, que claramente batalhava por cada coisa que conquistava, e, pela primeira vez, eu realmente comecei a enxergar essa diferença, eu também vinha de uma família rica, mas pelo menos sabia que precisaria de um mínimo de esforço para conseguir entrar numa boa universidade. Carlos não. Ele confiava que o dinheiro da família resolveria tudo, e o Luke? Ele não tinha esse privilégio.
E, talvez, fosse por isso que me irritava tanto que ele me tratasse como se eu fosse um completo inútil, eu queria provar que ele estava errado.
O treino de vôlei daquela tarde foi um verdadeiro massacre. Começamos com os aquecimentos de sempre: corrida leve em volta da quadra, seguidos de saltos e deslocamentos laterais para ativar os músculos. Depois, o treinador aumentou a intensidade, fizemos uma sequência de saques seguidos de defesa, onde um jogador sacava com força e o outro precisava receber e passar a bola com precisão para o levantador. Se errássemos o passe, tínhamos que fazer dez flexões antes de voltar para a fila, depois, vieram as séries de ataque. O treinador jogava bolas rápidas e inesperadas para que treinássemos a cortada, exigindo que saltássemos o mais alto possível e acertássemos a bola com potência e direção. Meu braço já ardia com o impacto repetitivo contra a bola, mas ele não dava trégua.
Quando achei que estava perto do fim, vieram os exercícios mais exaustivos: bloqueio e defesa. Tínhamos que saltar várias vezes seguidas para bloquear os ataques dos companheiros, tentando fechar os espaços na rede. Quando caíamos no chão, mal tínhamos tempo de respirar antes de voltar para outra tentativa. O pior de tudo era o circuito de resistência, onde tínhamos que correr da linha de fundo até a rede, tocar o chão e voltar em disparada, repetindo isso dezenas de vezes até que as pernas queimassem como se estivessem pegando fogo, a quadra parecia um campo de batalha, com jogadores ofegantes, pingando suor, mas ninguém podia parar antes do apito final.
Quando o treino acabou, minhas pernas tremiam, e meus braços pareciam de chumbo. Arrastei-me até o banco, respirei fundo e tentei ignorar a ardência nos músculos. Vôlei não era só saltar e rebater uma bola — era explosão, técnica e resistência, e naquele dia, o treinador fez questão de nos lembrar disso. Quando o treino acabou, fui direto para o vestiário, sentindo cada músculo do meu corpo reclamar do esforço. Minhas pernas estavam pesadas, e meus ombros latejavam por causa dos bloqueios repetitivos. Joguei a toalha no rosto, tentando esfregar o suor, enquanto Carlos se jogava no banco ao meu lado.
— Mano, esse treino foi de matar. — Ele bufou, inclinando-se para tirar os tênis. — Juro que se o treinador mandasse mais uma sequência de saques, eu ia desmaiar no meio da quadra.
Soltei uma risada cansada.
— Se você treinasse sério em vez de ficar zoando o tempo todo, não ia estar morrendo agora.
— Ah, vai se ferrar, Lucas. — Ele me deu um leve empurrão no ombro. — Você parece um robô treinando, dá até raiva.
Dei de ombros e abri minha garrafa d’água, bebendo longos goles antes de responder:
— Talvez porque eu leve isso a sério?
Carlos revirou os olhos, mas não rebateu. Ele sabia que eu estava certo. Depois de alguns minutos de descanso, nos trocamos e seguimos para a saída da escola.
— Tá a fim de ir lá pra casa? Meus pais viajaram, e eu meio que tenho a casa só pra mim hoje.
Conhecendo Carlos, eu sabia exatamente o que ele queria dizer com isso. Ele sempre dava essas indiretas, principalmente quando sabia que eu não estava com cabeça para festas ou qualquer outra coisa que envolvesse barulho e bebedeira.
— Não dá. — Respondi, jogando minha mochila para o outro ombro. — Tenho compromisso com meu pai hoje.
Ele franziu a testa.
— Sério mesmo? Você nunca tem compromisso com seu pai.
— Hoje eu tenho.
Ele me analisou por um momento, como se tentasse decidir se eu estava mentindo ou não. No fim, só deu de ombros.
— Beleza. Mas amanhã a gente combina alguma coisa, né?
— Veremos.
Me despedi dele e fui direto para casa. Assim que entrei, subi para o meu quarto, largando a mochila no canto e indo direto para o chuveiro. A água quente ajudou a aliviar a tensão dos músculos, mas o cansaço do treino ainda pesava sobre mim. Depois de me secar, vesti uma roupa confortável, desci para a cozinha e fiz um lanche rápido antes de pegar a coleira de Thanos, ele já sabia o que estava para acontecer antes mesmo de eu chamar. Assim que me viu com a coleira na mão, começou a abanar o rabo freneticamente e girar em círculos, do jeito exagerado que só ele fazia.
— Calma, Thanos! — Falei, rindo enquanto tentava prender a coleira. — Você age como se nunca tivesse saído de casa.
Ele deu um latido animado e pulou em mim.
— Ok, ok, já entendi. Vamos logo antes que você derrube alguma coisa.
Saímos para a rua, e como sempre, não demorou muito para as pessoas começarem a reparar nele. Thanos era grande, forte e cheio de energia. Todo mundo adorava seu jeito brincalhão, e eu já estava acostumado a ser parado por estranhos querendo acariciá-lo.
Enquanto caminhávamos, eu comecei a falar, como se ele fosse capaz de me entender.
— Cara, eu não sei o que tá acontecendo comigo.
Ele me olhou por um segundo e depois voltou a focar no caminho, farejando alguma coisa no chão.
— Eu tô... gostando da companhia do Luke.
Thanos soltou um latido curto, como se respondesse.
— Não sei o que tem nele, mas... é diferente. Tipo, ele me irrita pra caramba, mas ao mesmo tempo... sei lá.
Ele olhou para mim de novo, dessa vez com a língua para fora e a expressão animada.
— Tá, eu sei que você não se importa. Mas sei lá, cara... eu só queria falar isso pra alguém.
Continuamos caminhando por mais alguns minutos, e eu já sentia o corpo começar a relaxar. Havia algo terapêutico em sair com Thanos, como se o mundo ficasse menos pesado por um tempo, mas, no fundo, eu sabia que aquela leveza não tinha vindo só do passeio, tinha vindo dos meus pensamentos pelo Luke, e isso era um problema.
Chegou a quinta-feira, e eu iria faltar à minha aula de inglês para fazer o trabalho com o Luke, já tinhamos combinado que depois da aula iríamos para minha casa terminar a pesquisa. Antes de sair, avisei minha mãe que levaria um amigo para almoçar conosco.
Quando a aula acabou, fui até Luke, que ainda guardava o material na mochila.
— Vamos? — perguntei.
Ele ergueu uma sobrancelha, desconfiado.
— Por que a gente não termina o trabalho aqui mesmo?
— Porque minha parte tá no meu computador, e eu não trouxe. E lá em casa teremos internet pra pesquisar mais coisas.
Luke revirou os olhos, claramente sem paciência, mas assentiu.
— Tudo bem.
Sorri, satisfeito.
— Minha mãe chega já e leva a gente.
Saímos caminhando juntos para esperar minha mãe no portão da escola. No caminho, Carlos passou por nós, me lançou um olhar estranho, mas não disse nada e simplesmente foi embora. Luke acompanhou a cena e abriu um sorriso carregado de malícia, como se estivesse participando de uma guerra fria que só ele entendia.
— Acho que seu amiguinho não gostou de ver você andando comigo — provocou, cruzando os braços.
Suspirei.
— Ah, o Carlos é ciumento mesmo. Depois falo com ele.
Luke riu pelo nariz, claramente se divertindo com a situação.
— Ciumento? De mim? Sério?
— Ele é meu melhor amigo — expliquei, dando de ombros.
Luke inclinou a cabeça, ainda com aquele olhar afiado.
— Tá mais pra namorado do que amigo.
Arregalei os olhos, pego de surpresa pelo comentário.
— Não viaja, né?
Luke abriu um sorriso maquiavélico, mas não disse mais nada. Tentei relaxar, mas sabia que ele tinha falado aquilo de propósito, só para ver minha reação.
Pouco depois, minha mãe chegou e entramos no carro. Fui na frente, e Luke foi no banco de trás com meu irmão mais novo, que logo começou a puxar assunto, fazendo perguntas aleatórias sobre videogames e futebol. Luke respondia com monossílabos, claramente sem muita paciência para conversas com pirralhos.
Fui observando ele pelo retrovisor de vez em quando. Ele olhava pela janela, como se estivesse entediado, mexendo distraidamente na pulseira que usava no pulso. Era engraçado como ele parecia estar sempre analisando tudo ao redor, mas sem demonstrar muito interesse.
Já estávamos perto de casa quando minha mãe disse:
— Filho, recebi um e-mail daquele escritório de Londres que você me ajudou a contatar. Preciso de ajuda para responder.
— Certo, quando chegarmos, a senhora me mostra que eu olho.
Antes que eu pudesse dizer mais alguma coisa, Luke se pronunciou pela primeira vez em minutos:
— Se quiser ajuda, posso dar uma olhada, dona Cláudia. Sou fluente em inglês.
Virei para trás tão rápido que quase torci o pescoço.
— O quê?!
Ele me lançou um olhar de soslaio, como se não entendesse o choque.
Minha mãe, por outro lado, ficou animada.
— Sério? Ah, pois será de grande ajuda, sim! O Lucas ainda não tem um inglês 100%. Você já fez ou faz curso?
— Não, estudo sozinho.
— E já é fluente? — perguntei, ainda incrédulo.
Ele deu um leve sorriso e respondeu com um tom casual:
— Digamos que estudo desde pequeno. Então é como se fosse minha segunda língua.
Fiquei em silêncio, tentando processar essa informação. Luke, o cara que não parecia se esforçar para nada, era fluente em inglês? Definitivamente, ele me surpreendia mais a cada dia. Chegamos em casa e, para ser sincero, eu ainda estava tentando digerir a história de que Luke era fluente em inglês. Será que ele estava falando a verdade ou só queria impressionar minha mãe? Resolvi não comentar nada por enquanto, assim que abri a porta, Thanos veio correndo e pulou em cima de mim, me enchendo de lambidas. Antes que eu pudesse afastá-lo, ele pulou direto no Luke, que riu enquanto minha mãe reclamava.
— Esse cachorro de novo solto dentro de casa?! — resmungou, cruzando os braços. — Lucas, já falei pra deixar ele na área de serviço!
— Ah, mãe, ele só quer brincar.
Luke, ao contrário dela, parecia encantado.
— Um golden retriever? Qual o nome dele? Sempre foi meu sonho ter um! — disse, sorrindo enquanto fazia carinho no Thanos.
— Thanos!
Luke arregalou os olhos e riu.
— Você é fã da Marvel?
— Sim, por isso a homenagem.
Ele continuou brincando com Thanos, e eu percebi que seu olhar brilhava de verdade. Era a primeira vez que via ele tão genuinamente animado com alguma coisa.
Depois de um tempo, levei Luke para o meu quarto, e Thanos veio atrás, ainda animado. Enquanto Luke jogava uma bolinha para ele, aproveitei para perguntar:
— Quer alguma roupa minha emprestada?
— Não, não precisa, vou ficar com a farda mesmo.
— Se quiser, tenho um short que acho que cabe em você.
— Não precisa, senhor babaca.
Sem me importar com a resposta dele, tirei minha roupa sem cerimônia, ficando apenas de cueca. Notei o olhar de Luke sobre mim, mas ele logo desviou. Resolvi provocá-lo um pouco, então andei até onde ele estava, fingindo procurar algo.
— Veste uma roupa — resmungou ele, evitando me encarar.
— Oxe, tô no meu quarto. Algum problema?
— Claro que tem. Seu namorado pode não gostar de você de cueca na minha frente.
Revirei os olhos.
— Eu não tenho namorado, deixa de coisa, seu bostinha.
Luke riu e voltou a brincar com Thanos, enquanto eu vestia um short, mas preferi ficar sem camisa. Liguei o computador e mostrei a ele o que já tinha pesquisado para o trabalho.
— Olha, aqui estão as informações que encontrei.
Passei rapidamente pelas anotações na tela. Luke olhou por alguns segundos e cruzou os braços.
— Tá muito simples — disse, sem rodeios. — Precisamos aprofundar mais. Você basicamente pegou cada fato e colocou uma frase. Isso é um trabalho de História, não um ditado. Precisamos estruturar um texto que explique os eventos e sua importância histórica.
Ele pegou um caderno da mochila, abriu uma página cheia de anotações e começou a ler:
— "Em 1991, o mundo presenciou o fim de uma era: a dissolução da União Soviética. Durante décadas, a Guerra Fria moldou as relações políticas e econômicas globais, e a URSS, que antes era uma das maiores superpotências do mundo, começou a desmoronar devido a crises internas, pressão econômica e a crescente insatisfação popular. Em 25 de dezembro de 1991, Mikhail Gorbachev, último líder soviético, anunciou sua renúncia, oficializando o colapso da União Soviética e o surgimento de 15 novos países independentes, incluindo a Rússia. Esse evento redefiniu o equilíbrio de poder global, consolidando os Estados Unidos como a única superpotência mundial e influenciando diretamente a geopolítica que conhecemos hoje."
Fiquei boquiaberto.
— Nossa… você é um gênio.
Luke deu de ombros, como se aquilo não fosse nada demais.
— Só sei fazer direito o que me interessa.
Sorri, ainda impressionado. Talvez Luke fosse muito mais do que parecia à primeira vista.
Minha mãe nos chamou para almoçar, e fomos. Luke estava um pouco envergonhado, era notável. Talvez ele não tivesse muitos amigos ricos como eu, e aquela fosse sua primeira vez em uma casa assim. Achei isso fofo, mas tentei deixar o clima o mais leve possível.
Durante o almoço, minha mãe pegou o iPad e mostrou um e-mail para Luke. Ele o leu em inglês perfeitamente, como se fosse um nativo, me deixando impressionado. Depois, traduziu para minha mãe, que disse o que queria responder. Luke digitou rápido enquanto ela falava. Claro que ele ganhou vários pontos com ela por isso, e eu o achei o máximo.
Terminamos o almoço e fomos para o meu quarto. Passamos a tarde trabalhando, mas, pela complexidade que Luke deu ao projeto, não conseguiríamos terminá-lo naquele dia. Já era quase 17h quando eu, exausto, me levantei e me espreguicei. Foi então que percebi Luke me olhando. Ao notar que eu o encarei de volta, ele desviou o olhar rapidamente.
— Pode me admirar à vontade, eu sei que sou lindo e gostoso — provoquei.
— Você não passa de um babaca, isso sim.
— Cara, vamos parar um pouco, estou exausto.
— Certo. Vou terminar algumas coisas em casa. Preciso ir, já são quase seis da noite e já, já escurece.
— Posso pedir para minha mãe te deixar. Depois que você ajudou ela, tenho certeza de que não vai se importar.
— Não precisa, tem um ponto de ônibus aqui perto.
— Vou preparar um lanche pra gente.
— Não precisa. — Claro que precisa. Volto já.
Fui para a cozinha e preparei um misto-quente com algumas bolas de sorvete. A empregada já tinha ido embora, e meu irmão estava na natação, o que significava que eu estava sozinho com Luke por alguns momentos. E eu queria aproveitar, voltei para o quarto com o lanche. Comemos enquanto ele arrumava suas coisas. Logo, disse que precisava ir.
— Espera, fica mais um pouco
— falei, olhando para ele.
— Já terminamos o trabalho.
— Vamos caminhar um pouco com o Thanos. Já está na hora de levar ele para fazer xixi.
— Tudo bem. Só vou porque gostei dele.
— Dele ou da minha companhia?
— Você se acha, não é?
Coloquei a coleira em Thanos e saímos. Luke parecia se divertir, correndo e brincando com o cachorro. Eu o achava o máximo. Como já disse, me sentia bem perto dele, leve, e acho que ele sentia o mesmo. Só não queria admitir, conversamos sobre filmes da Marvel, e, como naquele final de semana iria estrear "Vingadores: Era de Ultron", resolvi chamá-lo para assistir comigo.
— Quer ir ao cinema comigo?
— Cinema com você?
— Ué, qual o problema? Você também não é fã da Marvel?
— Vai ser visto com o bolsista no shopping?
— Não ligo para isso, já te disse.
— E o Carlos?
— Bom... talvez ele não goste, mas eu não tenho só ele como amigo.
— Então sou seu amigo?
— Acho que um colega — sorri para ele, e, pela primeira vez, ele sorriu de volta.
— Irei pensar e te aviso.
Voltamos para o apartamento. Já eram quase 18h e ainda estávamos sozinhos. Luke pegou suas coisas e disse:
— Tenho que ir, não posso chegar tão tarde.
— Vou te deixar no elevador.
Fomos. Ele apertou o botão e ficamos nos encarando. Olhei para o visor e o elevador estava no térreo.
— Vamos tentar o elevador de serviço. É aqui na escada.
Entramos, e, quando a porta fechou, apertei o botão. Ficamos nos olhando. Meu coração disparou. Então, sem pensar duas vezes, me aproximei e puxei Luke para um beijo. Ele correspondeu na mesma hora, foi um beijo inesquecível, intenso, cheio de fogo e desejo. Minhas mãos percorriam seu corpo enquanto eu me entregava àquele momento, e pressionava o corpo dele contra o meu. De olhos fechados, só pensava nele. Não sei de onde tirei coragem, mas Luke não recuou. Pelo contrário, retribuiu com a mesma intensidade, então, ele se afastou, me olhando com o rosto vermelho. O elevador chegou. Luke entrou em silêncio. Quando a porta estava prestes a se fechar, coloquei a mão e entrei com ele, sem dar espaço para pensar, o encostei contra a parede e voltei a beijá-lo enquanto o elevador descia. Foi um beijo com química perfeita, um momento único. Assim que a porta se abriu, sorri para ele, sem dizer nada. Ele me olhou, sem palavras, e seguiu seu caminho, apertei meu andar de volta e sorri, feliz da vida. Ali, sem dúvidas, começava nossa turbulenta história de amor.