— Lucas... Você acha que foi estranho o Artur me apresentar como namorado? Quer dizer, porque você parecia meio desconfortável quando ele falou isso...
Ele respirou fundo, sentando-se na beira da cama enquanto ajeitava o cabelo.
— Não é isso... — começou ele, hesitante. — É só que... ainda é novo pra mim, sabe? Eu nunca tive que usar esse título com alguém. Não é que eu não goste... É só que...
— Só que você ainda está se acostumando? — completei, tentando aliviar o peso das palavras.
Ele assentiu, parecendo aliviado por eu ter entendido.
— Sim, exatamente. Não tem a ver com você, Rafa. Tem a ver comigo, com as coisas que eu ainda tô aprendendo a lidar.
Me sentei ao lado dele, segurando sua mão.
— Eu entendo. E, olha, não tem pressa, tá? A gente tá aprendendo junto.
As palavras dele vieram com tanta convicção que me desarmaram completamente. Antes que eu pudesse responder, ele me puxou para um beijo. E, como sempre, a intensidade dos nossos lábios juntos parecia dissolver qualquer tensão. Era um beijo que dizia tudo o que as palavras não conseguiam — um pedido de desculpas, uma reafirmação de amor e uma promessa de que tudo ficaria bem.
Quando nos separamos, respirei fundo, tentando me acalmar. Era inevitável sentir ciúmes, mas precisava admitir para mim mesmo que estava exagerando. Artur fazia parte do passado de Lucas, e eu também tinha o meu. Muitas coisas que eu havia vivido antes de conhecê-lo simplesmente não tinham mais importância agora que estávamos juntos.
Além disso, o Artur parecia ser um cara tranquilo, sem qualquer intenção de criar problemas entre a gente. Talvez essa viagem pudesse ser boa, e, quem sabe, a companhia dele acabasse sendo agradável.
— Tá bom, eu vou tentar relaxar mais. — Sorri para Lucas, e ele retribuiu, aliviado.
Naquele momento, decidi deixar as inseguranças de lado. O Lucas estava ali comigo, e isso era tudo o que importava.
Lucas me olhou, e eu vi nos olhos dele algo que me acalmou de vez. Era sincero, era amor, e era tudo o que eu precisava naquele momento.
Depois de mais alguns minutos de conversa, decidimos explorar o navio um pouco mais antes do jantar. Ainda havia muito o que viver naquele cruzeiro, e eu queria aproveitar cada segundo ao lado dele.
Quando fomos jantar no navio, acabamos encontrando o Artur e o Paulo novamente. Eles nos chamaram para sentar com eles, e, embora eu tenha ficado um pouco hesitante no início, decidi que não haveria problema. Lucas parecia um pouco tenso, mas tentou disfarçar. Artur, percebendo o clima, tratou de quebrar o gelo e tornar as coisas mais leves, puxando assuntos que logo nos fizeram relaxar e nos soltar.
Conforme a conversa fluía, Artur começou a falar sobre sua vida, sobre como tinha conhecido o Paulo e sobre as mudanças que tinha vivido nos últimos anos. Eu também compartilhei um pouco da minha história, até que, de repente, ele soltou algo que me pegou completamente de surpresa:
— O Lucas sempre falou de você. Lembro de uma vez que nos encontramos em Recife, e ele desabafou sobre você. Eu super encorajei ele a se abrir e a ir atrás de você, mas o Lucas sempre teve muito medo, medo de muita coisa. Devo admitir que você fisgou ele de jeito. — Artur falou isso com um sorriso de leveza, piscando de forma brincalhona para mim.
Fiquei surpreso.
— Não sabia dessa parte!
— Você nunca perguntou. — Lucas respondeu rapidamente, tentando se esquivar.
Artur sorriu, mantendo o tom descontraído:
— O que importa é que vocês estão bem agora, e fazem um casal perfeito juntos.
Olhei para Lucas, que me devolveu um sorriso tímido, e, naquele momento, algo mudou. Pela primeira vez, eu percebi que talvez o Artur não fosse o "inimigo" que eu imaginava. Talvez ele nunca tenha sido.
Ele poderia, na verdade, ser um amigo. Afinal, foi ele quem, em algum momento, ajudou Lucas a se aproximar de mim, encorajando-o a enfrentar seus medos. Isso, para mim, era um ponto positivo.
Mesmo que ele pudesse ter nutrido sentimentos pelo Lucas naquela época — algo que eu ainda não tinha total certeza —, Artur havia deixado Lucas ir porque sabia que ele não seria plenamente feliz ao lado dele. Porque, no fundo, o coração do Lucas já pertencia a mim.
Essa percepção trouxe um alívio inesperado, como se um peso fosse retirado dos meus ombros. Claro, uma pitada de ciúmes ainda batia em mim, mas eu sabia que o passado deveria ficar no passado. Ele não poderia interferir no presente que eu e Lucas estávamos construindo juntos.
Enquanto terminamos o jantar, a conversa foi ficando cada vez mais leve e agradável. Artur e Paulo eram, sem dúvida, ótimas companhias. Quem sabe, dali poderia surgir uma amizade inesperada?
A companhia de Artur e Paulo acabou sendo muito melhor do que eu imaginava. Nos dias seguintes, fazíamos praticamente tudo juntos. Participamos das atividades do cruzeiro, bebíamos nos bares do navio, nos aventuramos pelos cassinos e aproveitamos os parques aquáticos. Durante a virada do ano, assistimos juntos à queima de fogos de Copacabana, com o mar iluminado pelos reflexos das cores e uma energia vibrante que só o réveillon carioca tem.
Depois, o navio seguiu para Búzios, onde passamos mais um dia desfrutando das praias paradisíacas, até finalmente encerrarmos a viagem e retornarmos de avião para casa. A viagem foi, sem dúvida, memorável. O Lucas parecia mais relaxado, e eu senti que, de alguma forma, nos aproximamos mais.
Curiosamente, eu também criei uma conexão inesperada com Artur. Durante uma de nossas bebedeiras, confessei que tinha ficado com ciúmes dele no início, mas que já não o enxergava como uma ameaça. Ele riu e disse que entendia. Conversávamos sobre o Lucas quando estávamos a sós, compartilhando histórias e até algumas curiosidades que eu jamais imaginaria ouvir de outra pessoa. Apesar de o Lucas insistir que eles não namoraram oficialmente, era evidente que o relacionamento deles no Canadá havia sido significativo.
Porém, essa amizade improvável com Artur me mostrou algo importante: ele não era meu rival, mas alguém que, assim como eu, tinha carinho e respeito pelo Lucas. No final das contas, Artur acabou se tornando um grande amigo.
Quando voltamos para a capital, o clima mudou. Lucas estava visivelmente mais tenso, como se o peso de sua vida “real” tivesse voltado a assombrá-lo. Ele já havia me contado várias vezes sobre o incômodo de viver uma mentira constante, especialmente com os pais, e começava a considerar a ideia de se assumir. Mas ele também sabia que isso poderia trazer consequências muito mais complicadas do que ele estava preparado para enfrentar.
Sua mãe, por outro lado, parecia estar cada vez mais desconfiada. Ela era atenta, fazia perguntas indiretas e notava que Lucas passava muito tempo comigo. A tensão crescia, mas ele ainda não sabia como lidar com a situação.
Em meados de janeiro, algo inesperado aconteceu. Tivemos nossa primeira grande briga.
Naquele dia, estávamos no meu apartamento. Havíamos acabado de transar, e Lucas desceu para buscar comida enquanto o celular dele carregava na mesa de cabeceira. Eu sabia a senha, e, por impulso — ou talvez por insegurança —, decidi dar uma olhada.
O ditado "quem procura acha" nunca fez tanto sentido. Notei um aplicativo de mensagens diferente, que eu nunca tinha visto antes. De repente, uma notificação apareceu na tela, e, sem pensar muito, cliquei.
O que eu li fez meu coração parar. Era uma conversa entre Lucas e um homem. Um cliente de algum show que o Lucas havia feito com a banda, aparentemente. O homem estava oferecendo dinheiro para transar com ele, e Lucas havia respondido que só faria por R$2.000,00. O cliente concordou sem hesitar.
Fiquei imóvel, lendo aquelas mensagens repetidamente, tentando processar o que estava acontecendo. Meu namorado vendia o corpo? Ele era garoto de programa?
Minha cabeça girava. Não sabia se chorava, gritava ou confrontava. Era como se o chão tivesse sumido sob os meus pés. Quando Lucas voltou, todo sorridente, segurando as sacolas de comida, ele parecia tão despreocupado, tão feliz...
— Amor, vamos comer! — ele disse com leveza.
Levantei-me, joguei o celular em direção a ele e gritei:
— Me explica isso, Lucas! Agora!
O sorriso dele desapareceu no mesmo instante. Ele olhou para o celular e, ao perceber o que eu tinha visto, ficou pálido.
— Rafa, eu...
— Não tem desculpa pra isso, Lucas! — gritei, interrompendo-o. — Você é garoto de programa? Como você pode? Você mentiu pra mim esse tempo todo?
Ele abriu a boca para responder, mas parecia não saber o que dizer. O silêncio dele foi como uma faca cravada no meu peito. Eu sentia um misto de raiva, tristeza e nojo.
— Eu confiei em você, Lucas. Confiei de verdade! E agora descubro isso? Como você espera que eu acredite em qualquer coisa que você me diga?
— Rafa, por favor, me escuta... não é o que você tá pensando.
— Não é? Então me explica! Porque pra mim parece bem claro o que tá acontecendo.
A tensão no ar era insuportável. Eu queria respostas, mas, ao mesmo tempo, tinha medo do que ele pudesse dizer.
Lucas deu um passo em minha direção, com os olhos marejados, mas eu recuei. Pela primeira vez, eu não sabia se conseguiria perdoá-lo.
O Lucas, com a frieza de quem já havia tomado sua decisão, respondeu enquanto pegava suas coisas:
— É isso, Rafael. Você leu, não tem o que falar. Foi o que aconteceu.
Eu insisti, minha voz carregada de incredulidade e mágoa:
— Você acha isso certo? Se o problema é dinheiro, por que você não me pediu?
— Rafa, eu não tô afim de brigar — ele disse, como se estivesse acima de tudo aquilo.
Minha paciência explodiu.
— Lucas, vai embora, por favor!
Ele me olhou, os olhos mais frios que eu já vi, como se aquilo fosse apenas mais um episódio na vida dele.
— Olha, eu posso explicar, mas, sinceramente, nada do que eu disser vai mudar o que você já acredita. Melhor eu ir embora mesmo.
Eu me recusei a acreditar no que ouvia.
— Então é verdade? Você não vai nem tentar negar?
— Rafael, você leu, e foi isso que aconteceu. Eu não tenho mais o que fazer aqui — ele respondeu, com uma tranquilidade quase cruel.
E, assim, ele se foi. Pegou suas coisas e saiu do meu apartamento como se nada tivesse acontecido, enquanto eu ficava ali, parado, encarando a porta que ele acabara de fechar.
Quando a realidade começou a pesar sobre mim, desabei no sofá. Era como se todas as peças soltas finalmente tivessem se encaixado. Ele falava que estava ganhando dinheiro com a banda, mas no fim ele se vendia, era celular novo, as roupas de marca, os presentes inesperados que ele me dava… tudo fazia sentido agora. Ele estava se vendendo, e eu, cego de amor, nunca percebi.
A vergonha me consumiu. Eu me sentia um lixo, usado, enganado. As piores coisas passaram pela minha cabeça. Como pude ser tão burro?
A dor era insuportável. Meu peito parecia comprimido por um peso que eu não conseguia carregar. Andei até a varanda, o vento frio da noite batendo no meu rosto enquanto eu olhava para baixo. Por um momento, pensei em acabar com tudo. Talvez, assim, a dor parasse.
Mas, mesmo no calor do desespero, algo em mim gritou que aquilo não era a solução. Meus pensamentos estavam errados. Minha vida não poderia terminar ali, por causa de alguém que não merecia. Voltei para dentro, com as pernas tremendo, e caí no chão da sala.
Comecei a chorar descontroladamente, soluçando e gritando como uma criança que perdeu tudo. E, naquele momento de total solidão, percebi que precisava de ajuda. Precisava de alguém.
Peguei meu celular com as mãos trêmulas e, sem pensar duas vezes, disquei o número de Bernardo. Ele era a única pessoa que poderia me ouvir naquele estado.
Quando ele atendeu, mal consegui falar:
— Oi, Bê, tá onde?
— Tô na casa do JP.
— Na capital? — minha voz começou a falhar.
— Sim, o que houve?
— Vem pro meu ap, por favor. Mas venha sozinho. Tô muito mal, acabei de pensar em me jogar da varanda... Não tô bem — falei soluçando de chorar.
— Calma, vai ficar tudo bem. Chego já.
O Bernardo era meu amigo, meu primo, meu primeiro namorado. Somente ele saberia me acolher. Fiquei jogado no chão da minha sala, me sentindo a pior pessoa do mundo, um idiota, um inútil, um tolo. Meus pensamentos eram os piores possíveis. Eu estava me afundando, e não fazia ideia de quão fundo era o poço.
Pouco tempo depois, o Bernardo chegou. Ele me abraçou e estava sozinho. Não consegui dizer nada, apenas chorei e chorei. Ele tentava me acalmar e perguntava o que havia acontecido, mas eu não queria falar. Disse que só precisava de um ombro amigo.
Naquele momento, lembrei de quando tive minha discussão com meu pai e o abraço do meu tio foi reconfortante. Era exatamente aquilo que eu precisava: não era beijos ou sexo, era carinho. Eu precisava sentir que não estava sozinho no mundo, e o Bernardo era meu porto seguro. Ele parecia entender minha dor e meu silêncio, e ficou ali, alisando minha cabeça e enxugando meu choro.
Depois de um tempo, ele me deu um remédio, e eu fui me acalmando até adormecer. Dormi por um tempo que não sabia mensurar. Quando acordei, o Bernardo estava deitado ao meu lado, assistindo TV.
— Que horas são?
— Tá melhor, dorminhoco? São quase 00h.
— Cadê meu celular?
— Tá na sala. Seu pai ligou, e eu falei que estava contigo aqui no apartamento.
— Você contou algo pra ele?
— Contei, Rafa, desculpa. Mas ele é seu pai e você precisa de ajuda. Independente do que tenha acontecido, você se sente bem pra falar ou quer ficar na sua?
— Desculpa, Bernardo, não queria deixar você ou meu pai preocupados... Enfim, foi o Lucas. A gente terminou!
— Eu sabia que tinha o dedo do Lucas. Você ama muito ele, né?
— Sim, mas ele me machucou da pior forma.
— O que houve?
— Não comenta com ninguém, mas vi uma mensagem do Lucas com um cliente oferecendo dinheiro pra transar com ele. E ele aceitou. Daí perguntei sobre aquilo, e ele não negou. Disse que era tudo verdade. A gente brigou, e ele foi embora.
— Que coisa estranha isso, você não acha?
— O que é estranho, Bernardo? Meu namorado fazer sexo por dinheiro?
— O Lucas não tem cara disso. Sei lá, tô achando muito estranho. Ele não tentou se explicar?
— Não. Eu até perguntei, mas ele simplesmente pegou as coisas e foi embora. Acho que o Lucas está mudando. Ele não é mais como antigamente. A verdade é que, quando ele saiu, fiquei sem chão. Comecei a chorar, a pensar um monte de besteira, me senti um lixo, a pior pessoa do mundo. Tive pensamentos ruins.
Bernardo suspirou profundamente, olhando para mim com aquela expressão que misturava preocupação e carinho. Ele ficou alguns segundos em silêncio, como se estivesse processando tudo o que eu havia dito.
— Rafa, você não é um lixo, muito menos a pior pessoa do mundo. Você só tá machucado. E, pelo amor de Deus, para de pensar que a culpa é sua. O que o Lucas fez — ou não fez — não diz nada sobre você. Diz sobre ele.
Eu balancei a cabeça, ainda com os olhos cheios de lágrimas.
— Mas, Bê... como eu não percebi isso antes? Será que ele já fazia isso há muito tempo? Será que fui só um idiota que ele usou?
Ele segurou meu rosto com as duas mãos, forçando-me a olhar para ele.
— Não faz isso consigo mesmo. Não se culpa, Rafa. Você amou ele de verdade, se entregou de corpo e alma. Não tem nada de errado nisso. Mas, agora, você precisa pensar em você, em como superar isso.
Respirei fundo, sentindo o peso de tudo ainda sobre mim.
— Mas, Bê, e se... e se ele estiver com problemas que eu não percebi? E se eu tivesse ajudado mais?
— Olha, Rafa, não quero defender ele, mas você fez o que podia. Às vezes as pessoas fazem escolhas que a gente não entende, escolhas que machucam quem tá por perto. E, se ele não quis se abrir com você, não é sua culpa. Ele tinha a obrigação de confiar em você.
— É difícil aceitar isso, sabe? Eu ainda... eu ainda amo ele.
Bernardo abaixou a cabeça por um momento, e sua voz saiu mais suave:
— Amar alguém que nos machuca é uma das coisas mais difíceis de superar. Mas, Rafa, eu tô aqui. Sempre estive, sempre estarei.
As lágrimas voltaram, mas agora eram diferentes. Menos desesperadas, mais de alívio por ter alguém ao meu lado que realmente se importava comigo.
— Obrigado, Bê... por tudo.
Ele sorriu, acariciando meu cabelo novamente.
— Sempre, Rafa. Sempre. Agora, vamos fazer o seguinte: você vai tomar um banho, a gente vai pedir alguma coisa pra comer, e amanhã você começa a juntar os pedaços. Não precisa resolver tudo de uma vez.
Assenti, sentindo pela primeira vez um pequeno fio de esperança. Bernardo tinha razão. Eu podia estar no fundo do poço, mas não estava sozinho. E, com ele ao meu lado, talvez eu conseguisse me reerguer.
Nossa, ja vi esse filme rs, ate as palavras (i como nvasão de privacidade) são as mesmas…lembro qdo eu estava me achando o cara mais amado do mundo,e descobri um perfil de sacanagem num site,a reação foi exatamente como a do Lucas…o olhar frio, e simplesmente a perguntou, “ você quer que eu vou embora,eu fiz sim,vc trabalha muito,não me dá atenção “ e eu me senti culpado por trabalhar muito ( pra ter uma vida confortável pra nós) seus contos são incríveis e espero que ajude muitos abrir os olhos
Uau.. que historia!! Muito boa mesmo!