Bernardo [30/31/32] ~ TEMPESTADE

_Tem certeza que não quer falar com Alice antes?_ perguntou Rafael ao telefone.

_Sim, já falamos tudo o que tínhamos pra falar um pro outro na última vez.

_Vocês são melhores que isso. Não vai nem me contar o motivo da briga?

_Não tem motivo, apenas falamos pro outro aquilo que estávamos guardando há muito tempo. Agora a gente precisa de um tempo para absorver tudo.

Ele suspirou ao telefone em sinal de cansaço.

_E Pedro?

_Continua se fazendo de forte. Disse que ia pra uma balada hoje comer a primeira que topasse.

_Cada um lida com a dor de um jeito.

_Suponho que sim.

A voz dele voltou a ficar doce ao telefone.

_Vou ficar com saudade...

_São só alguns dias, Rafa, daqui a pouco eu estou de volta.

_Mas Porto Alegre é muito longe!

_Já parou pra pensar que meus avós também tem saudade de mim? Preciso visitá-los de vez em quando.

_Me liga, viu?

_Ligo sim.

_Te amo.

_Também te amo, Rafa.

E desligamos. Nunca achei que fosse do tipo que ficaria meloso ao namorar, mas parece que o amor nos deixa mesmo bobos, afinal.

Tudo o que Alice tinha me falado ainda rondava minha cabeça. Era até bom ter uns dias longe de todos para por meus pensamentos em ordem. Vinha acontecendo tanta coisa comigo ultimamente, que eu mal tinha tempo para assimilar tudo.

Como todo ano, eu viajava com minha família para Porto Alegre todo final do mês de julho para visitar meus avós maternos.

Ao contrário da minha família paterna, que sempre foi mais humilde e carinhosa, a família da minha mãe sempre foi mais séria e dura. Isso é bastante explicado pelos meus avós. Vovô era um ex-militar de média patente aposentado. Nunca o vi sorrir e falava usando o mesmo tom com o qual tratava seus subordinados. Por conta disso, a sua casa era muito disciplinada e desvios não eram aceitos. Minha avó era uma mulher amarga, se formos analisar mais a fundo. Foi criada para ser uma dona de casa e foi isso o que se tornou. Na minha visão, quando ela percebeu que ela podia ser mais da vida do que mãe e esposa, já era tarde demais para deixar tudo para trás. Então, ficou presa àquele homem e a seus filhos, num ressentimento mudo que talvez nem se desse conta.

E dentro desse lar que foi moldada uma pessoa como minha mãe. Ouso a dizer que foi isso que a levou para a medicina, uma profissão extremamente rígida e disciplinada. Ao mesmo tempo, que ela sufocava os filhos com o carinho que não ganhou dos pais, ela tinha um respeito imenso pelo seu modo de vida, seguindo à risca o seu conservadorismo.

É o tipo de coisa que só se percebi quando pude analisá-los já depois de alguns anos. No auge dos meus dezoito anos, a sua frieza era apenas o seu modo de ser.

As visitas a eles se resumiam a isso: refeições silenciosas à mesa (nas quais nem minha irmã tinha coragem de encostar no celular), minha avó nos empurrando guloseimas como se para nos forçar a imagem de avó perfeita, alguns passeios pela cidade com meus irmãos e trancados nos quartos pelo resto do tempo em que estivéssemos ali. Sim, era tudo muito tedioso, mas estava fora de questão nos livrar daquilo. A visita anual aos pais era o ritual da mamãe, e ninguém era capaz de contrariá-la. Mesmo o meu pai, que claramente odiava tudo aquilo mais do que eu e meus irmãos, se calava. Quando estávamos dentro daquele casarão, só o silêncio e a obediência tinham lugar, como se nos lembrasse permanentemente do meu avô, mesmo quando ele não estava no mesmo cômodos do que nós.

Estou contando tudo isso, para conseguir explicar de onde vinha tanto medo de sair do armário.

Passando pelo elegante aparador da sala de visitar dos meus avós, peguei um dos porta-retratos e analisei com cuidado aquela foto. Nela, meus avós posavam num festejo militar no começo da ditadura com minha mãe e seus três irmãos mais velhos. Vovô vestia um traje militar completo, tinha a postura alinhada e a expressão séria, nada condizente com um foto de família. Minha avó vestia um vestido simples e um sorriso fraco, traído pela profunda tristeza que havia em seu olhar. Meus dois tios mais velhos era cópias menores do meu avô, com sua postura reta e o rosto sério. Minha mãe era a única que ria, com não mais de cinco ou seis anos de idade e um sorriso desdentado emoldurado por seus cachos dourados. Mas o que sempre me chamava a atenção naquela imagem era a sexta figura daquela família. Um menino magro aparentando em torno de dez anos, com os ombros encolhidos e uma expressão amedrontada. Eu acho que me via naquele menino, por isso ele me chamava atenção. Era o único tio que eu nunca tinha conhecido, os outros eu reconhecia facilmente na foto.

Quando eu era criança, cheguei a pergunta ao meu avô:

_Quem é esse, vovô?

Uma sombra passou pelos seus olhos, o que aumentou o medo que sempre senti dele. Ele rapidamente tomou o porta-retratos da minha mão e o colocou de volta no lugar.

_Seu tio Aurélio. Está morto.

E foi toda a informação que tive. Aquilo permaneceu na minha cabeça por um bom tempo. Se para uma criança os mistérios que cercam a morte já são assustadores, some-se a isso aquela imagem do menino desajustado e a identificação (inconsciente) que eu tinha com ele, e o resultado é uma noite em claro.

Quando contei ao meu pai o que estava me amedrontando, ele coçou a cabeça, claramente despreparado para aquela pergunta, suspirou e respondeu:

_Bernardo, existem várias formas de morte. Seu tio não está fisicamente morto. “Estar morto” pode ser uma forma de falar. Quer dizer que ele não convive mais com a família.

_Mas por que?

_Porque ele mora em outro país muito distante daqui.

_Mas por que?

_Um dia, quando você for mais velho, sua mãe te conta._ falou para encerrar a discussão.

Uma resposta destas não satisfaz uma criança, e é claro que aquela história ficou na minha cabeça durante muito tempo. Mas eu não perguntava nada, porque todos ficavam visivelmente incomodados com o assunto. Até o dia em que eu já tinha por volta de, estava ajudando minha mãe a arrumar seu armário e uma foto caiu. Nela, ela posava com seu irmão imediatamente mais velho, o tal Aurélio. Ele estava mais velho do que na foto que eu conhecia, talvez com seus, anos, mas ainda mantinha os ombros caídos, o olhar amedrontado, e um sorriso triste, totalmente oposto à minha mãe. Me lembrei das questões sobre ele que me rondavam à cabeça e perguntei a minha mãe quem era, como se não soubesse.

_Quem é esse, mãe?

Ela olhou para foto e vi uma expressão triste se formar no seu rosto. Ela pegou a foto, a olhou por alguns instantes e tornou a guardá-la de onde tinha caído.

_É meu irmão, Aurélio. Você não chegou a conhecer.

_O que aconteceu com ele?

Ela suspirou fundo. Se sentou na cama e bateu nela como um sinal que eu me sentasse junto a ela.

_Você já está grande, é hora de saber algumas coisas sobre a vida.

Ela pareceu juntar força para alguns segundos antes de começar a história.

_O seu tio Aurélio sempre foi diferente de mim e dos seus tios. Ele não gostava das mesmas coisas que a gente, não pensava como a gente, não se parecia com a gente. Era como se ele fosse de uma família diferente. Mas eu o amava muito. Amava até mais do que amava seus outros tios, porque eles eram bem mais velhos que eu e eles nunca fomos muito próximos. Ele parecia sofrer muito com a vida que levávamos dentro de casa, mas seguia as ordens do seu avô sem reclamar, como todos nós. Nas nossas conversas, ele sempre dizia “eu quero crescer e sair daqui, sair de Porto Alegre e conhecer o mundo”. Até que tudo mudou. Foi um pouco depois de essa foto ser tirada. Aurélio tinha XVI anos e arranjou um novo amigo: Marcos. Ele nunca foi de muitos amigos, e de repente começou a andar pra cima e para baixo com esse tal Marcos. Eu me senti traída de perder meu melhor amigo, e me afastei dele de vez. O seu avô viu que tinha algo de errado com aquele garoto.

Sua expressão ficou mais grave. Eu percebi que o tom tinha mudado. Ela começou a falar do seu irmão com uma tristeza nostálgica na voz, mas então passou para o ressentimento. Naquela época, eu já tinha consciência que era diferente dos outros garotos, e que eles me atraíam mais do que as meninas. Por causa disso, senti meu estômago se revirar ao prever para onde aquela história estava caminhando.

_Então começou a época das brigas. Seus tios já eram maiores de idade e tinham se mudado para estudar em São Paulo. Eu não tinha ninguém para me proteger dos gritos entre meus pais e Aurélio. Era assustador, sabe? Nenhum de nós nunca tinha levantando a voz para nossos pais, e de repente eu via Aurélio brigar com eles energicamente. E tudo por causa daquele Marcos._ tinha um tom de nojo em sua voz quando falava o nome dele _Meu pai só queria alertar Aurélio pro mal que aquele garoto fazia a ele, entende? Mas seu tio não entendia. Ele estava enfeitiçado por aquele garoto. Foram meses de brigas. Do meu quarto eu escutava o som do cinto de couro do meu pai cortar a pele do meu irmão. Seu choro e seus gritos abafados no travesseiro me assombravam nos meus pesadelos.

Eu já estava muito arrependido de ter perguntado sobre aquela história. Eu estava passando mal. Eu não queria saber como aquilo terminava. Aquele garoto era eu! Eu via isso claramente agora, e eu estava sentindo a sua dor.

_Até que chegou o grande dia._ a voz da minha mãe já era um misto de raiva e nojo _Seu tio já tinha XVII anos e estava em mais uma das brigas com seu avô. Sua avó assistia do sofá sem forças para se intrometer. Eu também assistia aquilo tudo, com o medo que não perdi com o caráter rotineiro daquelas brigas. A campainha tocou e era o tal Marcos. “Você não vai sair com esse viado!” falou seu avô, “vou sim!” respondeu seu tio, “enquanto você viver sobre meu teto, você vai seguir minhas ordens!”, meu pai rebateu. E sabe o que Aurélio respondeu? “Você não entende? Eu amo o Marcos!”. Amor? Onde já se viu? Entre dois homens? Seu tio estava cego. Ele não estava raciocinando direito, era aquele Marcos mexendo com sua cabeça. Seu avô então lhe deu um soco, e depois outro, e depois outro... Sua avó fechou os olhos e me tirou dali. Mas não a tempo de eu ver meu pai esmurrar meu irmão.

Lágrimas caiam do rosto da minha mãe. Eu queria confortá-la, mas estava assustado demais para fazer qualquer coisa.

_Meu irmão desapareceu. Quando perguntei, me disseram que ele tinha ido morar com nosso tio em Recife. Todas as suas coisas tinham sumido do seu quarto. E eu não voltei a vê-lo até dois anos depois. Ele apareceu em casa para o natal e já tinha quase vinte anos. Eu o abracei o quanto o revi, mas era um estranho para mim, não era mais meu irmão. Era o início dos anos 70. Ele se usava uma farta barba, jeans velho e uma camiseta surrada. Como um daqueles terroristas de quem meu pai tanto falava que não conseguiam ver como os presidentes militares tinham colocado o Brasil no eixo. Mais do que tudo, o que mais me impressionou nele foi seu olhar. Não tinha mais o medo que eu cresci vendo. O que eu via neles agora era só raiva e um atrevimento, como se ele fosse muito maior que todos nós. Ali eu percebi que ele odiava a todos nessa casa. Então, passei a odiá-lo também.

Ela já não falava para mim, e sim para si mesma, com os olhos mirando o infinito. Ela estava revisitando uma memória guardada há muito tempo.

_A ceia de natal foi só apenas uma atualização das brigas que vi nos anos anteriores. A diferença era que agora ele estava mais dono de si, meu pai tinha perdido completamente o controle sobre ele. As palavras “viado”, “bicha” e “degenerado” foram usadas várias vezes. Por fim, ele se levantou e se declarou gay. O seu avô levantou a mão para bater nele, mas seu tio levantou o punho também. Foi um horror! Aquilo era o fim da nossa família. O meu pai então apontou o dedo para a porta e mandou que ele saísse e nunca mais voltasse, porque não fazia mais parte daquela família. E o que ele respondeu? “Com prazer! E já vou tarde!”, e saiu, mas não sem antes lançar um olhar de desprezo sobre todos nós e gritar que ia procurar o tal Marcos. Seu avô riu, numa das únicas vezes que o vi rir, e disse “boa sorte”. E nunca mais o vi. A última notícia que tive, que um amigo em comum em Porto Alegre me deu é de que ele vivia na Alemanha desde o final dos anos 70. Fim da história.

Ela então pareceu despertar de suas próprias lembranças e virou para mim:

_Vê, Bernardo? Uma fruta estragada estraga a cesta inteira. O seu tio destruiu a nossa família com sua doença. O meu pai nunca foi o mesmo, minha mãe chorou escondida por meses, as fotos de famílias ficaram para sempre com um buraco.

Ela suspirou, olhou em volta e se virou para mim com um sorriso cansado:

_Que tal a gente fazer uma pausa, hein? Vou preparar um lanche para a gente._ falou saindo do quarto.

Eu estava aterrorizado com aquela história. Desejava nunca tê-la ouvido. Mas eu tinha que fazer uma última pergunta. Estava me corroendo:

_Mãe, o que aconteceu com o tal Marcos?

Ela se virou com um olhar frio já na porta do quarto.

_Quando eu me tornei médica, fiz um juramento sobre a importância de salvar uma vida, não importasse de quem. Hoje, eu sei que há vidas que não merecem ser salvas. Seu avô fez o que achou ser necessário para sumir com o homem que destruiu nossa família.

E saiu do quarto, deixando aquela última informação queimando como veneno o meu corpo. Eu era como Aurélio, eu era como Marcos. Eu não queria destruir minha família. Eu não queria que eles passassem a me olhar com outros olhos. Eu não queria ter que fugir para um país estrangeiro. Eu não queria que ser encontrado morto numa rua escura, ou, provavelmente como aconteceu a Marcos, ter meu corpo jogado no mar na calada da noite, destinado a nunca ter paz, mesmo após a morte.

Foi ali, aos XIII anos, que decidi que nunca descobririam sobre mim. Eu nunca teria o mesmo fim deles. E era isso que aquela casa em Porto Alegre me lembrava. Era a representação física da prisão que eu criei para mim mesmo. Em cada canto que eu olhava eu via meu avô socando meu tio. Eu olhava para o quarto onde meu irmão dormia, e via meu avô açoitando o próprio filho. Aquela casa era o reino do silêncio e da dor de uma família destruída.

Dei uma última olhada na foto em família que ainda segurava e voltei a pousá-la no seu lugar, mas não sem antes dar uma última olhada em Aurélio. O medo e a tristeza que ele carregava no olhar eu também via no meu. Eu me perguntava se minha mãe também já tinha notado a semelhança.

Era por isso que aquelas visitas a Porto Alegre me faziam tão mal. Era como se mãe me mostrasse: “olha o que aconteceu aqui, você não quer o mesmo para nossa família, não é?”. Durante os dias que fiquei ali, não liguei para Rafael como tinha prometido, apenas mandei mensagens para dizer que estava vivo. Ele era uma lembrança de como tudo estava prestes a desmoronar na minha vida.

Hoje, analisando, eu acho que sofria mais por saber que eu não podia continuar com aquele joguinho por muito tempo. Eu não conseguiria continuar equilibrando as expectativas de Rafael numa mão e a imagem que minha família tinha de mim na outra. Aquele malabarismo estava com os dias contados e, quando acontecesse, eu mudaria a minha família para sempre.

É muito comum o dito popular que há sempre a calmaria que antecede a tempestade, e eu acredito nisso. Essa é a melhor explicação para as primeiras semanas do segundo semestre de 2006.

Dentro do possível, estava tudo na mais perfeita ordem. Passado a euforia inicial, Laura parecia ter esquecido do fato de eu ser gay e voltou a sua rotina dentro da bolha. Pedro, mesmo muito magoado ainda, resolveu dar um tempo de Alice e se afastar dela. Ele passou a evitá-la de todos os modos possíveis, e ela parecia confortável com isso. Eu e ela não chegamos a realmente fazer as pazes, simplesmente retomamos nossa amizade de onde ela tinha parado. Sim, não conversar sobre tudo aquilo que tínhamos dito um ao outro era adiar uma próxima briga, mas acabamos optando pelo caminho mais fácil. E quanto a Rafael...

Rafael queria sempre mais de mim. Ele queria ser meu namorado de fato, não meu namorado secreto. Ele queria escancarar nossa relação. Mas eu era determinantemente contra isso e ele sabia, e por isso fazia de modo sutil, quebrando barreiras por barreiras. E contava com a ajuda da minha irmã para isso.

_Então, eu te vejo à noite?_ perguntou.

Eu suspirei em resposta. Estávamos brigando por causa daquilo a semana toda.

_Rafa...

_Eu já disse que vou, sim, apesar dos seus protestos. É aniversário de casamento dos seus pais, oras. Tenho que prestigiar meus sogrinhos.

_Se eles soubessem que são seus “sogrinhos”, nem eu estaria convidado.

_Sua irmã já falou que vai muita gente, inclusive amigos dela. Por que você não pode levar um amigo seu?

_Porque você não é meu amigo, é meu namorado. E se eles desconfiarem?

_Se não nos pegarem nus de pau duro como sua irmã, não têm porque desconfiarem da gente.

_Rafa...

_Bernardo!

Ele já estava perdendo a paciência comigo.

_Poxa, amor! Eu quero conhecer seus pais e seus irmãos. Eu quero fazer parte da sua vida.

_Mas, eu...

_Você tem medo de descobrirem, eu sei. Mas eles não vão descobrir. Aos olhos deles eu serei apenas seu amigo.

_Eu não conheço sua família também._ respondi tentando reverter o jogo.

_Porque você nunca mostrou o mínimo de interesse nisso! Te apresento a hora que você quiser. E te apresento como meu namorado!

Era só o que me faltava.

_Não! Você enlouqueceu? Você contou para eles que é gay?

_Não, porque não vi necessidade até hoje. Mas eu não tenho problema com isso. Se aceitarem bem, mas se não aceitarem, paciência.

_Não é assim que o mundo funciona, Rafa.

_Se ninguém se rebelar contra o modo como o mundo funciona, ele nunca vai mudar, e seremos eternos reféns.

Era esse tipo de discussão que minava meu namoro com Rafael. Tínhamos visões de mundo muito diferentes. Não estávamos seguindo para o mesmo caminho. Ou alguém fazia uma grande correção de rota, ou não existia futuro ali. Eu tinha consciência disso e tentava ceder o máximo que eu conseguia para prolongar nosso namoro.

_Ok, Rafa. Não vamos brigar por causa disso. Você pode ir à festa dos meus pais.

_Não estou te pedindo permissão, sua irmã já tinha me convidado._ falou meio brincando, meio sério, mas decidi ignorar.

Cruzei minhas mãos sobre a cabeça e fiquei admirando o meu reflexo nu naquele espelho no teto. Eu estava crescendo. Não no sentido restrito do termo, mas eu estava ganhando ares de um cara mais velho. Minha barba começa a crescer com uma frequência maior, deixando mais difícil a tarefa de mantê-la bem feita. Eu estava ganhando braços e pernas mais firmes, apesar de não haver ganhos visíveis de músculos. Linhas leves de cansaço iam aparecendo no meu rosto. Aquilo tudo era resultado da loucura que minha vida tinha se transformado. Eu vivia numa eterna maratona para equilibrar todos os meus personagens, e meu corpo começava a cobrar seu preço.

_Um beijo pelos seus pensamentos._ falou Rafael se inclinando sobre mim e me dando um beijo calmo.

_Pensando em como deixei você me transformar numa pessoa que frequenta motéis baratos de três a quatro vezes por semana.

_Era isso ou o matinho na faculdade._ respondeu rindo.

Ele foi descendo e beijando cada parte do meu corpo no caminho. Ele começou dando beijos no meu pescoço e ombros. Logo passou para os mamilos, onde ele intercalava mordidas e chupões, me fazendo soltar contidos suspiros de prazer. Ele foi descendo pela minha barriga me arranhando com sua barba por fazer, o que me causava arrepios. Ele começou o sexo oral pelo meu saco, engolindo cada bola de uma vez. Só então passou para o meu pau, mas fez de modo gentil. Ele lambia devagar o corpo do meu pau e dava suaves beijos na cabeça. Então ele começou a chupar de fato, várias vezes engolindo todo o meu membro. Eu delirava de prazer e gemia sem ligar para o fato de alguém pudesse ouvir.

_Me dá a camisinha._ ele pediu e entreguei.

Ele vestiu a camisinha e começou a me penetrar. Desde que passamos a frequentar motéis, transávamos várias vezes por semana, sempre nas mais diversas posições. Assim, não havia necessidade de ele me penetrar com tanta calma e cuidado, mas aquela vez era diferente. Sempre fazíamos sexo: aquele sexo com suor, com arranhões, com mordidas e com fetiches. Mas não naquela tarde de sexta-feira. Estávamos fazendo amor. Eu o prendia entre as minhas pernas enquanto ele me penetrava. Ele me abraçou com força e me beijou. Era beijo incendiário, ainda que muito romântico. Ele mexia só a sua pélvis, de modo que mal pude sentir nosso gozo chegar.

Eu amava Rafael, não duvidem disso. Eu o amava de uma maneira como não amei mais ninguém na vida. Agora se me perguntarem o que eu mais amava em Rafael, eu responderia: ele me amava. Eu amava ser amado por ele. Eu o permiti me ver por inteiro, sem disfarces e sem personagens, e ele me amou mesmo assim. Apesar de todos os meus defeitos, imperfeições e inseguranças, ele me amava. Isso é lindo, mas não é o bastante para sustentar um relacionamento. Eu não poderia amá-lo por me amar, precisava ter alguma coisa além. E foi por isso que nosso namoro não daria certo. Assumo toda a culpa. Naquele momento, eu não poderia dar o amor que ele queria e isso por simplesmente não me amar. Eu achava lindo o fato de alguém me amar como sou, mas eu não era capaz de me amar como eu era. E era isso que me impedia de melhorar, de superar os meus defeitos e meus medos. Era isso que me impedia de me tornar o namorado que Rafael merecia. Eu não me amava, e enquanto não aprendesse como, eu não seria capaz de amar alguém como se deveria.

Após o gozo, Rafael caiu sobre mim e eu abracei seu corpo contra o meu. Não dissemos nada, apenas aproveitamos o som dos nossos pulmões lutando para recuperar o fôlego. Só aquele som já era o bastante para nos contentar naquele momento. Nada de correr para o banheiro para tirarmos aquele suor do corpo ou jogar conversa fora. Nós apenas ficamos ali, aproveitando aquele momento. Parecia que prevíamos que era um dos últimos instantes antes do fim.

[...]

Naquela noite de 22 de setembro de 2006, meus pais completavam vinte e cinco anos de casados. Minha mãe planejava a festa há quase um ano, apesar de papai não parecer tão empolgado assim. Era um evento semi-formal: numa casa de festas, com todos vestidos em trajes esporte-fino, mas sem grandes mesas de convidados, todos em pé e circulando. A idade média da festa era acima de 35 anos, o que me aborrecia, pois não tinha ninguém para conversar, apenas meus irmãos e meus primos. Não demorou muito e Rafael chegou acompanhado de Alice. Ele sorria de longe ao me ver e o medo de ele fazer alguma coisa errada logo surgiu. Ele veio na intenção de me abraçar, mas eu fui mais rápido e lhe ofereci a mão para me cumprimentar. Seu sorriso se desmanchou um pouco, mas ele tentou disfarçar e me cumprimentou como um velho amigo.

_Você está lindo!_ falou baixo para que só a gente escutasse.

Eu, como minha mãe exigiu, estava usando um terno completo grafite com uma gravata preta. Meu cabelo tinha sido cuidadosamente cortado e moldado com muita mousse pelo seu cabeleireiro de confiança, que aproveitou para corta minha barba de modo tão rente que parecia o rosto de um bebê.

_Você também!

Rafael usava uma calça jeans bastante discreta, com camisa e blazer pretos. Ele parecia um ator adolescente saído de uma foto de tapete vermelho direto para as páginas da revista Capricho. Eu não entendia como um garoto como ele poderia se apaixonar por mim.

_Alô?_ falou Alice.

Ela também estava muito bem arrumada, com um vestido preto de paetês que descia até seus joelhos. Ele tinha mangas curtas e nenhum decote, de modo que podia parecer uma camisa grande demais, mas acabava funcionando e lhe dando um ar de sofisticação. Seus cabelos estavam presos num rabo de cavalo. Combinava muito bem com seu visual despojado, mas ao mesmo tempo era chique.

_Oi, Alice. Você também está muito bonita._ falei.

_Obrigado._ respondeu pegando uma taça de champagne do garçom que passava por nós _Você também não está de se jogar fora, até parece gente.

_Obrigado pela parte que me toca.

_Conheci seus pais lá na porta._ falou Rafael _Você é uma mistura metade-metade do seu pai e da sua mãe.

_Obrigado, eu acho.

[...]

Eu conversava distraído com Alice e Rafael quando meu pai me abordou.

_Preciso de um favor, Bernardo.

Percebi que os dois se encolheram um pouco na presença dele. Meu pai realmente podia amedrontar quem não o conhecia bem o suficiente.

_Mais fotos? Mas a mamãe falou que não precisava de mais!

_Não é isso. Chegaram dois novos clientes meus muito importantes, e trouxeram também seu filho, que tem a mesma idade que você.

_Ah, pai, eu não sei fazer essas coisas. Me entrosar com pessoas novas.

_Eu estou te pedindo.

Pelo tom que ele usou, estava mandando, então achei melhor não discutir.

_Ok, pai. Eu converso com o menino.

_Obrigado, vou trazê-los aqui._ e saiu andando.

Rafael e Alice, que ficaram mudos durante a presença do meu pai, voltaram a se aproximar.

_Parece que o Bernardo vai ganhar um novo amiguinho._ comentou Alice.

_Contanto que não seja mais do que um amiguinho._ completou Rafael.

_Claro, porque vou sair te pondo chifres com um carinha que acabei de conhecer na festa de bodas de prata dos meus pais.

_Pelo sim ou pelo não, meus olhos estão bem abertos.

Meu pai retornou seguido por um homem alto e calvo com um olhar de superioridade e uma mulher muita branca e muito loira com um beleza fria. Atrás deles, eu não conseguia ver seu filho.

_Bernardo, esses são Karin e Arnaldo._ falou meu pai nos apresentando _E esse é o filho deles, Eric.

Quando o garoto saiu de trás das três figuras, Alice soltou um gritinho de surpresa. Sim, era o mesmo Eric que tirou minha virgindade, que estudava comigo, que me traiu com Rafael (e traiu Rafael comigo) e com quem eu mantinha uma amizade secreta há alguns meses.

_Eric!_ falou Alice, ainda surpresa.

_Vocês se conhecem?_ perguntou meu pai.

Eu, ainda atordoado com a surpresa, respondi:

_Sim, ele estuda com a gente.

_Olá, Bernardo._ falou Eric, visivelmente tão surpreso quanto nós _Oi, Alice. Oi, Rafael...

_Ah! Claro!_ falou a mãe de Eric com um leve sotaque na voz _Não é o Bernardo que está com você naquela foto no fundo de tela do seu computador?

Eu arregalei os olhos e Eric desviou o olhar envergonhado.

_Sim, mãe, é ele..._ respondeu.

A mulher se virou para o meu pai:

_Eric conta que Bernardo e ele são ótimos amigos! Desde que nós nos mudamos para cá, Eric não fez muitos amigos, então se apegou muito ao seu filho.

_Que bom._ respondeu meu pai sem desconfiar do péssimo clima que estava instalado _Vamos deixar eles conversarem em paz, então. Venha, vou lhes servir um drinque.

E lá ficamos nós quatro, eu, Eric, Alice e Rafael. Ninguém falava nada, o que só servia para deixar o clima pior a cada instante.

_Mas vejam como a vida gosta de pregar peças!_ brincou Alice.

Só então me permiti encarar Rafael. Seus olhos vermelhos encaravam a mim e a Eric lado a lado.

Lá fora, uma chuva forte começou a cair sentenciando o começo da primavera. A tempestade havia chegado.

De algum modo estranho, eu soube que naquele momento o meu namoro com Rafael tinha chegado a ponto fatal. No seu olhar eu via que alguma coisa se quebrou. Aquele golpe era a gota d’água, e agora o copo transbordava.

Ninguém ali tinha coragem de falar nada. Eu e Eric, ainda lado a lado, ficamos imóveis a espera da reação de Rafael. Alice observava tudo com cuidado, já ciente que aquilo não acabaria bem.

_Que história é essa de você ter uma foto agarrada com meu namorado?!

O tom de voz de Rafael era raivoso, muito pior do que o que eu tinha presenciado na minha festa de aniversário alguns meses atrás. Olhei para os lados com medo de alguém ter ouvido, mas ainda estávamos um pouco afastados das demais rodinhas de conversa.

_Que tal levarmos essa conversa para outro lugar, rapazes?_ falou Alice.

Ela puxou Rafael para o andar superior do salão, que estava vazio e mal iluminado. Eu e Eric os seguimos calados. Eu tremia. Eu não sabia como ter aquela conversa com Rafael, como contar que escondi dele minha amizade com Eric nos últimos meses. A omissão virou uma bola de neve e essa bola de neve estava vindo me acertar.

_O que diabos a foto do meu namorado está fazendo no seu quarto?!

Eu me preparei para intervir, mas Eric se adiantou:

_O que tem de mais? É só uma foto.

Ele falou isso impassível. Ali, eu percebi que ele também guardava muita mágoa de Rafael pela maneira como tudo tinha acontecido. Só então eu percebi que Eric me usaria para machucar Rafael exatamente como o mesmo tinha feito a ele. Meu coração virou uma pedra de gelo quando eu pressenti para onde aquilo tudo caminharia.

_É só uma foto?! Seu filho da puta!

Tive que me colocar no meio dos dois quando Rafael partiu para cima de Eric com a intenção de socá-lo.

_Você vai defendê-lo?!_ perguntou enquanto eu o segurava.

_Aqui não é lugar para isso, Rafa!

Com dificuldade, consegui empurrar Rafael para longe de Eric, mas ele ainda bufava de raiva.

_Qual o problema de ter um foto do Bernardo?_ perguntou Eric se fazendo de inocente.

No seu olhar eu vi o brilho do prazer em torturar Rafael.

_Para com isso, Eric.

_Assuma com suas ações, Bernardo._ ele respondeu _Você sabia da foto.

_Como assim você sabia da foto?!_ perguntou meu namorado.

Então, eu vi toda a minha mentira desmoronar.

_Essa foto não existia quando nós dois saíamos com ele._ ele continuou _Que foto é essa?

_Nada de mais._ interferiu Eric _Nós estávamos conversando no sofá, eu peguei a câmera e tirei uma foto de nós dois.

_Quando isso aconteceu?

Eu via a raiva em seus olhos aumentarem a cada segundo que eu permanecia em silêncio. Eu não tinha forças para explicar para Rafael...

_Vamos embora, Eric._ falou Alice o puxando _Vamos deixar eles conversarem em paz.

_Não, eu quero assistir.

_Não é uma opção. Vamos!_ e seguiu puxando ele de volta para a festa.

Antes que pudesse completar uma frase, vi as primeiras lágrimas descendo pelo rosto de Rafael. Eu o tinha levado ao limite, eu o havia ferido fatalmente.

_Responde!_ gritou _Quando vocês tiraram essa foto?!

_Nas férias de julho._ respondi com a voz começando a se embargar de lágrimas também.

Ele colocou as mãos na cabeça e começou a rodar em volta de mim.

_Eu não acredito! Como você pôde?!

_Eu nunca mais tive nada com o Eric depois que começamos a namorar, Rafa! Eu juro!_ falei tentando afastar para longe aquela possibilidade da cabeça dele.

_Não?! Então?!

_Lembra quando começamos a namorar e eu te pedia para resolver as coisas com ele e você se negava? Eu não aguentei. Eu fui procurá-lo. Eu tinha que fazer alguma coisa, Rafa.

_Quer dizer que a culpa é minha?!

_Não! Não existe culpa aqui, porque nada aconteceu!_ agora eu já chorava de verdade _Se existe um culpado, sou eu por não ter te contado.

Ele riu ironicamente.

_Você acha que errou em me esconder isso? Isso foi só a cereja do bolo!

Ele veio pra cima de mim e parou a alguns poucos centímetros do meu rosto.

_O problema é você ter ido procurar ele! Isso é traição!

_Não aconteceu nada!

_Continua sendo traição!

_Mas ele precisava de mim, Rafa!

_Não! Você precisava dele!

Olhei para ele sem entender.

_Você precisava que ele continuasse gostando de você. Você é assim, Bernardo! Você quer que todo mundo goste de você, então para isso você veste o papel do amigo perfeito, do aluno perfeito, do filho perfeito. É por isso que você engole a homofobia do Pedro, porque você tem medo de que ele não goste de você. Por isso você tem medo de se assumir, porque corre o risco de quebrar a imagem da perfeição e as pessoas deixarem de gostar de você. Você procurou Eric porque não suportava a ideia de que ele pudesse guardar mágoa de você.

Eu ouvi atento. Era a mesma conversa que me levou a última briga com Alice. E ele parecia estar com aquilo entalado na garganta há muito tempo.

_Eu já te disse uma vez e vou repetir: isso não vale a pena! Você está se matando para manter esse seu personagem. E sua estratégia está fadada ao fracasso. Você está se ferindo para satisfazer as expectativas dos outros. Isso é loucura!

_Rafael, eu...

_E você está me machucando no processo.

Era tudo verdade. Era o que eu fazia, fingia ser um personagem para que as pessoas gostassem de mim. Afinal, quem gostaria de um viado? Eu não podia ser como eu era de verdade porque isso significaria abrir mão de como as pessoas me tratavam, de como elas me olhavam com admiração ou carinho. Eu não estava pronto para abrir mão disso. E se não fosse o bastante eu fazer aquilo comigo mesmo, eu estava arrastando Rafael para dentro daquilo comigo.

_Rafael... Eu te amo, eu nunca quis te machucar.

Ele já estava mais calmo. Aquela raiva em seus olhos tinha ido embora. No seu lugar, ficou um olhar de profunda mágoa e decepção, o que era ainda pior.

_Eu acredito que você me ame e que você nunca quis me machucar, mas machucou mesmo assim.

Ele caminhou até uma grande janela e encostou a cabeça observando a tempestade que caia lá fora.

_Essa coisa toda com Eric, a mentira, a traição por você ter ido procurar ele mesmo sabendo que eu não gostaria, foi só a gota d’água. Você me machuca desde que eu me permiti me apaixonar por você. Aquela noite na boate com Alice e Pedro, você me machucou ao se afastar de mim. No começo do nosso namoro, você me machucou ao se mostrar desconfortável com nosso relacionamento. Acha que eu nunca percebi? Depois você passou a me machucar toda vez que fingia que eu era apenas seu amigo, sem deixar que eu te tocasse ou te beijasse. E aí, você começou a me machucar por não deixar que eu fizesse parte da sua vida, por me esconder do seu mundo. Mesmo quando sua irmã nos descobriu e nos aceitou, você continuou me escondendo dela, implicando por eu conversar com ela. Você já me machucou demais.

Ele não olhava para mim enquanto falava. Ele olhava para rua, para a chuva, mas seu olhar estava perdido no horizonte. Eu não conseguia respondê-lo. Como se argumenta contra a verdade? Eu tinha feito aquilo tudo, e no fundo eu sempre soube o que estava fazendo. Chegamos ao momento que eu tanto temia: o momento que ele se cansou de ser machucado.

_Eu te amo, Bernardo.

Ele falou e caminhou de volta para mim. Seus olhos estavam encharcados.

_Eu também te amo, Rafa._ respondi sinceramente.

_Mas está muito difícil. Eu não aguento mais ser machucado.

_Me perdoa, Rafa. Eu sou uma bagunça, eu...

_Sim, você é uma bagunça e você precisa se arrumar para isso dar certo.

_Eu...

Ele pegou as minhas mãos e as apertou entre as dele de forma carinhosa. Ele sorriu um sorriso frouxo e continuou:

_Eu te perdoo, Bernardo. Eu te perdoo por tudo, por Eric, por me ferir, por me esconder.

Eu sorri tentando me enganar que tudo ia ficar bem, mas era lógico que não ia pelo tom que ele falou.

_Com uma condição.

_Qual?_ perguntei.

_Que você saia daqui de mãos dadas comigo e me assuma. Que você escancare a porta do armário. Que você me apresente para a sua família como seu namorado, como o homem que você ama. É só isso que eu te peço, que você me deixe fazer parte do seu mundo.

Meu sorriso se desmanchou e eu soltei as suas mãos das minhas. E voltei a chorar, agora de modo audível, soluçando. Eu queria tanto dar a ele o que ele queria! Eu queria ser o namorado que ele merecia que eu fosse! Eu queria ser digno daquele amor! Mas eu não era forte o bastante. Eu não queria lutar, eu me julgava fraco demais para aquela batalha. Eu não podia lhe dar o que ele queria.

_Eu não posso fazer isso, Rafa...

_Eu sei, eu já imaginava.

Ele voltou a chorar de cabeça baixa, mas lutou para manter a voz firme.

_Sem modéstia agora, Bernardo. Eu sou um cara legal. As pessoas gostam de mim, me consideram carismático, inteligente, bonito. E eu gosto de ser assim. Então, eu mereço alguém que possa me exibir, não?

_Sim..._ respondi ainda soluçando.

_E você não pode me dar isso, pode?

_Não...

_Então, nós não temos futuro, Bernardo. Eu não vejo como podemos continuar sustentando um namoro. Você vê?

Balancei a cabeça negativamente. Nos olhávamos nos olhos enquanto falávamos tudo aquilo. Ele veio até mim e me abraçou. Ele me apertava com força entre seus braços enquanto beijava o alto da minha cabeça. Me apertei contra a sua cintura sentindo que era um dos nossos últimos momentos juntos.

_Tem algo muito errado no modo como você escolheu para viver, meu amor._ ele falou ainda me abraçando _E eu sinto muito não ser capaz de te ajudar nisso. Eu realmente espero que você saiba melhorar e superar seus medos. Eu realmente espero que nossos caminhos voltem a se cruzar no futuro, quando formos pessoas melhores. E se isso não ocorrer, eu espero que você encontre alguém que te entenda e te aceite como você é.

Ele se soltou de mim, me deu um último selinho muito carinhoso e caminhou em direção a saída. Eu tinha parado de chorar e apenas o observava ir embora da minha vida. Mas antes ele se virou e exibiu seu melhor sorriso:

_Você é a pessoa mais fantástica que eu já conheci na vida. Eu espero que um dia você perceba isso.

E foi-se. E eu fiquei. Fiquei lá assistindo o meu grande amor me dar as costas e sair da minha vida. Se tivesse sido uma grande briga, eu ainda poderia correr para pedir seu perdão ou deixar que ele me batesse até que se aliviasse, mas não. Tudo terminou em paz, sem brechas para uma reconciliação. Como viver agora que eu não o tinha mais entre meus braços? Como seguir se eu não tinha mais seus beijos para me alegrar? Como voltar ao cinza depois de experimentar as cores?

Num lampejo de loucura ou lucidez, pus-me a correr de volta à festa atrás dele. Rafael era meu vislumbre de felicidade e eu não podia deixá-lo partir! Eu correria e o beijaria na frente de todos ali!

Mas alguma coisa travou as minhas pernas: o medo. Eu não passava de um covarde, um ser patético incapaz de lutar pela própria felicidade. Caí de joelhos ali e chorei. Mais do que de tristeza por perder Rafael, eu chorei de raiva de mim por ser como eu era, por ser gay, por ser covarde, por ser uma daquelas pessoas idiotas que deixam o amor partir da sua vida.

Não sei quanto tempo fiquei ali, mas em algum ponto eu senti alguém me abraçar. Eu queria me iludir que era Rafael voltando para mim, mas eu reconheci de imediato o perfume de Alice. Ela se sentou no chão e deixou que eu apoiasse a cabeça seu colo, e ficou passando a mão no meu cabelo enquanto eu chorava todas as lágrimas que ainda me restavam.

_Ele foi embora, Alice...

_Eu sei... Vai ficar tudo bem.

_Não, não vai...

_Vocês darão um jeito de resolver isso.

Eu sentia como se houvesse um buraco no meu peito. Era a pior dor que eu já havia sentido. Eu achava que tinha chegado ao fundo do poço, mas eu estava enganado. Dali em diante, eu tinha um longo caminho ladeira abaixo.

_____

Aff impossível não chorar novamente lendo tudo isso :(

Rafael eu te amoooo mtooo! Queria mto poder te conhecer e namorar vc!

Enfim :~


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Comentários


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sigilofortaleza26 Comentou em 13/08/2024

Chorei...




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Ficha do conto

Foto Perfil contosdelukas
contosdelukas

Nome do conto:
Bernardo [30/31/32] ~ TEMPESTADE

Codigo do conto:
217870

Categoria:
Gays

Data da Publicação:
11/08/2024

Quant.de Votos:
2

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