Comecei a arrumar minhas coisas rapidamente e tomei o banho mais rápido da minha vida. Eu com certeza ia me ferrar.
-Ja acordou no 220? -perguntou Anne, minha melhor amiga.
Anne tinha 23 anos de idade, ela era alta, loira, branca, tinha os olhos claros e muito, mas muito dinheiro.
Conheci ela na escola e nos tornamos melhores amigos. Agora, aos 23 anos de idade, em um surto de rebeldia Anne saiu da casa de seus pais e veio morar comigo. Tudo isso porque os pais dela não aceitavam seu namoro com Gabriel. O motivo? Bom, os pais dela dizem que ela não tem que pensar em namoro nessa idade e sim em estudos, mas eu tenho certeza que é porque ele é negro.
Enfim, Anne trocou sua vida de princesa, por uma vida de assalariada. Antes ela morava em Copacabana, de frente pra praia, e agora ela mora comigo em uma das maiores favelas do Rio de Janeiro.
-Estou atrasado! - respondi - não queria me atrasar no meu primeiro dia.
-Voce sabe que não é seu primeiro dia né?
-Mas hoje eu vou mudar de chefe, agora eu vou fazer residência na cardio.
-Fica tranquilo - disse ela bagunçando meu cabelo - você vai ser o melhor médico que essa cidade já viu.
Ah, quase esqueci de me apresentar. Me chamo Yuri, tenho 22 anos de idade, sou negro de pele clara (ou como os antigos gostam de dizer, pardo), meu cabelo é cacheado, tenho a barba cheia e os olhos mel.
Terminei meu ensino médio com 16 anos, e assim que fiz 19 consegui passar em medicina na faculdade Federal. Sempre fui o típico nerd da turma, tanto na escola quanto na faculdade.
Aliás, foi na faculdade que conheci Anne.
-E você vai ser a melhor pediatra que esse país já viu - respondi dando um beijo no rosto dela - agora deixa eu ir embora que estou atrasado.
Sai de casa e fui descendo a rua da minha casa numa velocidade tão grande, que parecia que a minha vida dependia daquilo.
Quando estava chegando na entrada da comunidade fui abordado por uns cara que seguravam armas enormes e fechavam a entrada.
-A princesa vai aonde? - perguntou um deles.
-Vou trabalhar, estou atrasado - respondi andando e logo em seguida sendo puxado pelo braço por um deles.
-A favela tá fechada.
-Seu babaca, avisa a Robinho que quando ele quiser fechar a favela, para ele fazer isso em um horário que não atrapalhe o trabalhador. Eu tô indo. - respondi me soltando do braço dele.
-Não tem mais Robinho aqui não, a favela agora é do Samuel.
-Bandido com nome bíblico, só faltava essa - respondi rindo- pois bem, avise a Samuel que eu tenho que ir trabalhar e que se ele quiser falar alguma coisa comigo para ele aguardar eu voltar do trabalho. Inclusive, se ele não for pagar a diária de todo mundo, libera os moradores que querem passar por favor pois ninguém aqui está com a vida ganha.
-Voce é abusadinho né? - disse um dos caras armados.
-Sou.
Sai andando rapidamente deixando eles sem saber o que fazer. Próximo dali, subi num moto-taxi e fui para o trabalho.
O dia no trabalho passou bem devagar. O novo residente responsável por mim era um pé saco e o fato de ter chego atrasado também não ajudou muito.
Quando cheguei em casa Anne estava na sala assistindo tv com seu namorado, Gabriel.
-Fala ae maninho - disse ele se levantando e me dando um abraço - como está tudo no trabalho?
Gabriel tinha a mesma altura que Anne, era negro, magro, seus cabelos eram cacheados e ele era completamente educado, um verdadeiro príncipe.
-Tudo indo - respondi - não está sendo fácil, mas vou conseguir tirar de letra.
-Sabe o que deveríamos fazer para comemorar? Ir pro baile.
-Não sei - disse me sentando no sofá - estou um pouco cansado.
-Parece que hoje a bebida vai ser liberada, já que mudou o chefe do morro. -disse Anne
-Fiquei sabendo que mudou hoje pela manhã, os caras estavam fechando a entrada por algum motivo. - respondi.
-Mas e aí? Vamos? - disse Gabriel me encarando.
-Ok, ok. Mas não vamos voltar muito tarde, ok?
Anne começou a comemorar e foi correndo para o banheiro se arrumar.
Eu, Anne e Gabriel éramos como irmãos. Nós éramos bem conhecidos e respeitados na comunidade por conta dos trabalhos sociais que fazíamos.
Assim que entramos na faculdade de medicina resolvemos nós voluntariar a ajudar no posto de saúde da comunidade. E hoje em dia, nós basicamente levávamos o posto sozinho por diversas vezes.
Como a posto ficava dentro da favela, era uma rotatividade de médicos muito grande, pois ninguém queria trabalhar lá. Quando percebemos isso, resolvemos fazer uma escala para sempre tivesse um de nós ajudando no posto, para não deixar a comunidade sem atendimento médico. E assim, acabamos ficando bastante conhecidos na comunidade.
Assim que chegamos no baile fomos direto para o bar pegar cerveja. Enquanto estava na fila, avistei Robinho do outro lado do baile com o braço engessado e com uma muleta na mão. Logo que vi isso, pedi licença aps meus amigos e fui em sua direção.
-Fala Robinho, o que aconteceu aí cara? - perguntei chegando perto dele e o cumprimentando.
-Pô menor, sabe como é essa vida né? Fiz umas merda aí me fudi.
-E quem viu esse seu braço? Tá precisando de alguma coisa?
-Tranquil, tranquilo, só não tô podendo resolver as parada aí deixei meu irmão no comando um tempo pô.
Quando ele disse isso, um jovem veio se aproximando da gente, ele devia ter cerca de 26 anos, era moreno, alto, tinha o corpo todo tatuado, magrinho definido. Ele estava sem camisa, apenas com bermuda solta e um rádio preso em sua cintura.
-Esse aí é meu irmão, Samuca - disse Robinho me tirando de um transe.
-Falae menor, tranquilidade? - disse ele me olhando de cima a baixo.
-Samuca, esse é o Yuri, o doutor aqui do nosso posto de saúde. - disse Robinho
-Voce sabe que eu ainda não sou médico né? Ainda falta um tempinho - respondi.
-Mas vai ser o melhor mlk - disse Robinho - da orgulho pra tua comunidade pô.
Eu e Robinho fomos criados juntos durante alguns anos da nossa infância, em determinado momento, ele acabou seguindo a vida do crime, mas ainda assim, ele sempre continuou se preocupando comigo.
Passamos por alguns momentos juntos em que ele se mostrou muito amigo meu. Quando eu perdi minha mãe, que era a única pessoa da minha família e acabei passando por problemas financeiros, foi Robinho que me ajudou durante meses e não deixou com que eu largasse minha faculdade.
-Fala cria, tu que é o menor que saiu passando pelos meus mlks hoje mais cedo? - disse Samuel
-Eu não tenho como deixar de trabalhar pelos seus caprichos né.
-Tu é abusadinho em - disse ele
-Oh Samuca - disse Robinho - deixa ele quieto em, não é pra tu arrumar problema não.
Nesse momento Anne e Gabriel chegaram com as cervejas. Ficamos conversando mais um pouco com Robinho e fomos pro meio do baile dançar.
Durante algumas vezes meu olhar se esbarrou no de Samuel e parecia que ele estava sempre me olhando, ou era coisa da minha cabeça, eu ainda não sabia.
Senti meu celular vibrar e era uma chamada do hospital.
-Pô, vou ali atender uma ligação e já volto - falei no ouvido de Anne.
Como a música estava bem alta, fui para o mais longe possível para antender. Entrei em uma rua sem saída que tinha no morro, e como ela era deserta, ali já dava para escutar.
O hospital só queria umas informações de um paciente que eu estava responsável na semana anterior, coisa rápida.
Desliguei o telefone e estava saindo quando vi alguém andando em minha direção.
Não deu tempo de pensar, só senti alguém me encostando na parede e aproximando o corpo do meu.
-Se liga princesa - disse a voz de Samuel em meu ouvido - eu não gosto de gente abusadinha não. Meu irmão podia até te dar essas liberdades mas enquanto eu tiver aqui é diferentes entendeu?
-Entao escuta também o principezinho - falei olhando nos olhos dele a 3 centímetros de seu rosto - não tenho medo de bandidinho. Então nem adianta perder seu tempo tentando me amedrontar.
Ficamos nos olhando nos olhos durante alguns segundos e eu podia sentir todo o meu corpo se arrepiar.
-Agora, da licença? - falei aproximando meus lábios de seu ouvido.
Narrativa realista e caprichada... que venham mais!