Me levantei, peguei um ônibus e voltei pra casa.
Meu pai estava na sala lendo.
- E aí Pai? Ta bem?
- Oh meu filho, to bem sim, conseguiu alguma coisa hoje?
Fiz que não com a cabeça.
- Mas deixei meu número com um cara e ele disse que vai ver se arruma alguma coisa pra mim, não to levando tanta fé, mas no momento qualquer ajuda é válida.
- Exatamente - disse meu pai e voltou a ler.
Minha irmã entrou em casa.
- Ola - ela falou
- Oi - respondi - como foi a aula?
- Boa, obrigado.
Ela entrou em seu quarto sem terminar a conversa.
Minha irmã era uma garota típica de onze anos, ficava o dia todo no quarto brincando.
Me levantei e fui tomar um banho, passei o resto da tarde na internet tentando achar alguma coisa, mas só havia mais do mesmo: Nada.
Um, dois, três dias se passaram e nada de emprego, já era sábado.
Já estava sem esperança alguma.
Meu celular tocou.
Número desconhecido. Atendi.
- Alô.
- Alô, Otávio não é?
- Sim.
- Eu sou o Marcelo, nós conversamos na praça à uns dias.
Finalmente, tinha quase me esquecido.
- Aah, e aí Marcelo.
- Olha, não tenho boas notícias - ele falou - falei com quase todo mundo que eu conheço, mas ninguém tem vaga em ligar nenhum.
- Entendo, mas mesmo assim obrigado.
- Espera - ele voltou a falar - não terminei ainda. Eu sou caminhoneiro e estou sempre viajando, sei que não é a vida ideal pra um cara novo como você, mas se quiser pode viajar comigo, não vai ter muito o que fazer, só me ajudar a vigiar a carga e coisas do tipo, também não vou poder te garantir um salário alto, até por que nem recebo tanto assim pra ter um funcionário, seria mais uma ajuda pra você, por que vi que você precisa de verdade. E aí você tem interesse?
- Olha, sinceramente não sei o que dizer, fico muito agradecido, preciso muito e se é trabalho eu tô dentro.
Ele riu do outro lado da linha.
Ele voltou a falar:
- Olha não quero te assustar, mas vida de caminhoneiro não é fácil viu, mas vai ser um prazer te ajudar.
- Eu sei que não é fácil, mas na minha circunstância eu aceito qualquer coisa.
- Então, não precisa levar muita coisa, arruma uma mochila com algumas roupas, coisas pra sua higiene pessoal.
- Tá bom e que dia vamos partir?
- Na segunda bem cedo, meu caminhão fica estacionado num posto de gasolina lá no centro da cidade.
Só tem um posto no centro, seria fácil achar.
- Ótimo, acho que sei onde é.
- Então tá, Segunda às cinco da manhã.
- Ta bom, até segunda.
Ele desligou.
Finalmente, consegui um emprego, mas logo me dei conta de que ficaria semanas, talvez meses longe de casa, dentro de um caminhão, com um homem cujo eu nem sabia absolutamente nada.
Tirei esses pensamentos da minha cabeça, não podia me dar ao luxo de não aceitar esse emprego, eu precisava, minha família precisava.
Contei à meu pai e minha irmã sobre a novidade, minha irmã ficou feliz, mas meu pai não aprovou a idéia logo de cara, deu mil e um motivos pra que eu não fosse, mas um único argumento meu o fez aceitar: "nós precisamos de dinheiro, e ele não vai cair no nosso colo".
Passei o domingo com os dois, para matar as saudades antecipadamente.
No domingo a noite arrumei minha mochila, coloquei roupas, cuecas, escova de dentes e mais algumas coisas.
Quase não conseguia dormir, estava aansioso. Como seria viajar meses em um caminhão, pegar estrada por horas sem descanso, e ainda por cima com um homem que você não sabe quase nada sobre.
Dormi duas ou três horas durante a noite toda.
Às quatro da manhã levantei da cama, tomei um banho, não sabia o que um caminhoneiro vestia, coloquei uma bermuda, chinelo e um blusa.
Me despedi de meu pai e de minha irmã.
Peguei um ônibus, e parei no centro da cidade, procurei o posto de gasolina e achei em pouco tempo.
Ainda estava escuro.
Peguei meu celular e liguei pra Marcelo.
- Alô, já tô aqui no posto, cê ta onde?
- To aqui tomando um café na padaria do posto, chega aí.
Desliguei o celular e procurei a tal padaria do posto entre aquela infinidade caminhões e carretas.
Achei a padaria, estava cheia de homens.
No final do balcão Marcelo conversava com outros caras debruçado no balcão.
Bati nas suas costas.
- Opa, ele chegou.
- Então esse é o ajudante - disse um dos caras.
- Eu mesmo - apertei as mãos de todos.
- Olha, estão querendo aderir minha idéia de ter um ajudante.
Ri.
- Come alguma coisa aí - disse Marcelo.
Era a primeira vez que prestei atenção em Marcelo, ele era enome, eu tinha 1,80 e ainda parecia baixo perto dele, talvez ele tivesse 1,95 ou mais, sem contar os músculos, os braços enormes.
Pedi um pão com manteiga e café.
Conversamos por mais alguns minutos e a Padaria começou a se esvaziar, os caminhões começaram a ser ligados e todos estavam pegando a estrada.
- Bom, ta na hora de ir - Marcelo disse.
- Então vamos - eu ri.
Saímos da padaria.
Chegamos no caminhão de Marcelo.
- É esse aqui - ele disse.
O caminhão era enorme.
Ele entrou e eu o segui.
A cabine parecia um quarto, era espaçosa, o banco era enorme, não era dos mais confortáveis mas dava pra aguentar.
Ele ligou o caminhão, o barulho era alto.
Olhei pra frente, pra eestrada, era ali que eu ia passar a maior parte do meu tempo agora.
Se nós íamos passar tanto tempo junto achei que deveríamos nos conhecer melhor, então comecei a puxar assunto.
- Você mora aqui na cidade mesmo?
- Morei, agora minha casa é a estrada.
Ele riu e continuou a falar:
- Mas agora falando sério, eu morava na Rua 1.
- EU MORO LÁ - falei animado - é por isso que já tinha te visto por lá algumas vezes.
- Sim, depois me separei, minha ex-mulher continua morando lá, e eu ainda apareço pela minha filha.
- Mas agora mora onde?
- Como eu te disse, só volto pela minha filha, se ela não existisse eu não teria motivo pra parar de dirigir, eu ficaria na estrada direto, então não tenho casa, fico pelas pousadas, durmo em redes ou aqui na cabine mesmo.
- Que vida doida!
- Você ainda não viu nada Otávio, não viu nada!
Ele deu um sorriso safado.